Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 11
Mas se quiser subir, seja gentil




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/786802/chapter/11

— Então o manezão foi viajar mesmo? – Magali perguntou enquanto conversavam pelo Whathsapp.

— Foi. Agora vou poder descansar um pouco. Ah, por mim ele podia ficar longe o ano inteiro que eu nem ia ligar, viu? – respondeu feliz por saber que ia ter vários dias de sossego sem o namorado lhe vigiando o tempo todo.

— Se você tá feliz por seu namorado ficar longe, então alguma coisa aí tá muito errada. Não tá na hora de meter o pé na bunda dele não?

— É...

Magali estava certa. Aquele namoro deu o que tinha que dar e não estava mais valendo a pena insistir. Ela não sentia prazer nenhum quando estavam juntos e nem saudade quando estavam separados. Então por que continuar insistindo?

— Eu quero terminar, é sério, mas fico tão desanimada quando penso nisso!

— Desanimada como assim? Você ainda tá doente?

— Ah, isso não passa nunca, é uma agonia danada! O pior é que ainda tenho que trabalhar com a Srta. Duister e é tão cansativo!

— Aquela psicóloga? Até agora não entendi por que seus pais fizeram isso... a doida aqui sou eu.

Elas deram uma risadinha e Mônica continuou.

— Tentou conversar com seus pais sobre isso?

— Já conversei e minha mãe não quer mudar de jeito nenhum. Se insisto, ela fica zangada.

Magali sabia que aquilo era um problema, pois a moça tinha muita dificuldade para confrontar seus pais, especialmente sua mãe. Como não queria insistir naquilo, ela resolveu voltar ao assunto original.

— Ainda assim acho que você devia dar um chute no DC. Esse namoro já deu!

— Isso é... – havia medo na voz dela. – Mas será que eu vou ter coragem?

— Qualé! Você me enfrentou ano passado! Aquele zé ruela não é nada perto disso, você dá conta.

— Isso é verdade. Mas ainda assim...

— Não pensa nisso agora, você vai ter um tempo longe dele pra se recuperar. Aí você vai estar mais forte pra meter o pé na bunda dele. Vou adorar quando isso acontecer!

As duas conversaram mais um pouco e Mônica encerrou a chamada sentindo-se melhor. Magali estava certa, aquele namoro já não tinha mais razão de ser. Quanto antes terminasse com aquilo, melhor. Assim ela podia ficar livre para fazer o que quisesse.

—_________________________________________________________

Era noite e todos já estavam dormindo, exceto Cebola que escrevia em seu caderno terminando aquela carta que pretendia enviar ao Franja, que ia voltar dentro de poucos dias para rever a família e a namorada.

Depois do que aconteceu naquele dia, ele resolveu jogar tudo para o alto e cuidar dos seus interesses. Era muito desaforo levar a responsabilidade de resolver os problemas daquele mundo complicado sem nenhuma ajuda, ser tratado como escravo, agredido, humilhado e ainda ter que agüentar seu duplo vivendo sua vida como se fosse dono de tudo. Não dava mais, ele tinha chegado ao seu limite.

— Você vai mesmo fazer isso, garoto? – uma voz perguntou e ele viu paradoxo parado na sua frente, no meio da pilha de móveis. Ele não se abalou.

— Sim, eu vou. Cansei dessa droga de vida! Cara, eu tentei, é sério, mas não tá dando! Ninguém me ajuda, ninguém liga e agora tô apanhando feito condenado de todo mundo! Se vira você pra resolver esse pepino, eu tô fora!

— Se fizer isso, não poderei te ajudar com a garota...

— Se eu não fizer, vou passar o resto da vida aqui e nunca mais vou vê-la de novo! Então prefiro voltar e me entender com ela de outro jeito!

— Faça como quiser, mas você não pode mandar essa carta ao seu amigo. 

— Por que não? De repente o Astronauta pode me ajudar. Qualquer coisa é melhor do que esse inferno!

— Há informações aí que pessoas desse mundo não podem ter acesso.

Cebola deu de ombros.

— Não é problema meu. Vou sair dessa furada de qualquer jeito.

— Você não me entendeu. Se entregar essa carta, o destino desse planeta pode ser até pior do que o causado pelo seu duplo.

— Legal. Então destroca a gente de lugar que esse planeta vai ter um destino menos ruim.

Paradoxo abaixou a cabeça com pesar.

— Você está me colocando entre a cruz e a espada. Quer condenar esse planeta só para salvar a própria pele?

— E o que mais eu posso fazer? Anda, fala aí que eu tô escutando.

Diante do silêncio, o rapaz falou.

— Tá vendo? Nem você sabe o que fazer e acha que eu tenho que dar conta disso!

— Não é isso. Bom, talvez eu esteja um tanto perdido, mas sua atitude não irá ajudar ninguém, muito pelo contrário.

— Vai me ajudar e é o que importa. Esse mundo não é problema meu, eu não pedi pra entrar nessa roubada. Então quer saber? Tô nem aí!

— Rapaz, não adianta insistir, eu não posso desfazer a troca. O assunto é muito grave! Por favor, eu preciso da sua ajuda.

— Precisa, é? E quem vai me ajudar? Se eu não conseguir resolver esse problema, vou ficar me ferrando nesse planeta pelo resto da vida. Nunca mais vou ver minha família, meus amigos e nem a Mônica!

Paradoxo massageou a testa com o polegar e o indicador tentando manter a paciência.

— Eu não gosto de interferir muito no curso das coisas, apenas faço que posso para que o tempo nos mundos paralelos corra da melhor forma possível.

— Sei. Quer dar uma de bam-bam-bam dos mundos, mas não quer por a mão na massa! Grande herói!

Por fim sua paciência esgotou.

— Você podia parar de pensar só em si mesmo e pensar no bem estar dos outros? – antes que o rapaz desse uma resposta indignada, ele continuou. - Eu faço o que faço por um bem maior, mas você está disposto a causar uma grande tragédia nesse planeta só para defender seus interesses! Você não pensa em ninguém, não importa com as necessidades dos outros, só com as suas!

Cebola ficou revoltado.

— Se eu não pensar em mim, quem vai pensar? Você? Minha tia? O Rômulo? O DC? Eu não tenho mais ninguém nesse mundo, cara! Tô sozinho nessa!

— Está sozinho porque não se importa com ninguém. Sendo assim, por que as outras pessoas deveriam se importar com você?

— Mas...

— Não tem mas. Eu sei que a situação é alarmante, não estou diminuindo seu sofrimento. Mas você precisa entender que te ajudar significa prejudicar bilhões de pessoas.

O rapaz abaixou a cabeça, envergonhado. Ele não tinha pensado por esse lado.

— Quer um conselho? Pense um pouco nos outros também, ajude as pessoas. Uma coisa que eu sempre admirei na sua amiga de dentes protuberantes é sua disposição de ajudar os outros. Siga o exemplo dela ao menos uma vez.

Cebola esfregou o rosto com as mãos, exasperado. Era difícil ser altruísta enquanto levava uma vida de cão.

— Na boa, eu entendo o que você tá falando, mas também preciso de ajuda, não tá vendo? Sozinho eu não vou dar conta!

— Bom que reconhece isso. Então aprenda a contar com a ajuda dos outros. Mas antes de querer receber, comece a dar. É dando que se recebe. Não é esse o ditado?

— Tá, tá, mas você não pode me ajudar em nada? Poxa, tô de pés e mãos atados!

— Sobre esse mistério eu não posso fazer muito porque não sei mais do que você. Mas se houver outra coisa que eu posso fazer...

— Não pode botar esses dois pra fora dessa casa? Manda eles pra lua!

— Lamento, mas você terá que lidar com isso.

— Porcaria, tá vendo? Você não me ajuda em nada! Agora eles estão com as fotos da família alternativa e ainda ameaçaram botar fogo!

O mais velho teve uma idéia.

— Se isso lhe aflige, posso lhe garantir que ninguém colocará fogo em nada porque eu não permitirei.

— Pode mesmo fazer isso?

— Sim, eu posso.

— Por que não me traz essas fotos de uma vez?

— Porque eles podem descobrir e isso vai piorar sua situação. Mas não se preocupe, não irá acontecer nada com essas lembranças.

Cebola acabou aceitando. Era um problema a menos com que se preocupar.

— Enquanto isso – O cientista recomendou – procure não desafiar seus parentes porque isso não levará a nada. Faça o que te mandarem para que sua situação não se complique.

O cientista desapareceu de novo deixando Cebola sozinho no porão. O rapaz olhou a carta pela ultima vez antes de rasgá-la em pedaços.

—_________________________________________________________

Foi um alívio muito grande quando Paradoxo voltou ao futuro e viu que aquele cenário apocalíptico tinha sido mudado. Claro que a situação da Terra não era nada boa, mas ainda assim era muito melhor do que ter o planeta incinerado.

— Bom, muito bom. Só espero que ele encontre o presentinho que deixei e saiba o que fazer.

—_________________________________________________________

Uma semana depois, Magali desceu do carro e olhou ao redor abraçando sua antiga vizinhança com os olhos. Apesar do receio, ela sentia falta de casa.

— Ah, finalmente chegamos! – Lili falou se espreguiçando após sair do carro.

— Ainda bem, meu traseiro tá doendo de tanto dirigir!

A família descarregou as malas e Magali levou a caixa de transporte do Mingau. Seu quarto estava como ela tinha deixado. Sua mãe apenas limpou e colocou roupa de cama nova.

— Pronto, fofucho, pode sair. – Ela falou abrindo a caixa do gato, que saltou para fora muito feliz em esticar as patas.

Enquanto guardava as roupas, ela ficou pensando no seu retorno à escola em agosto. Como os alunos iam recebê-la? Certamente com paus e pedras. E ela ia ter que se defender de alguma forma. Pelo menos ela podia contar com a Mônica. Ainda assim ela estava com medo porque não queria que a amiga se encrencasse por causa dela. A coitada já tinha problemas o bastante com a mãe controladora.

—_________________________________________________________

As coisas não mudaram muito desde a visita de Paradoxo. De manhã, ele tinha que trabalhar em casa, almoçar restos e continuar trabalhando na lanchonete, depois jantar restos, dar uma limpeza superficial na casa, estudar e ir para a cama porque nem televisão podia ver mais.

Pelo menos ele estava mais tranqüilo depois de Paradoxo prometer que nada ia acontecer com as fotos e lembranças do seu duplo. E perspectiva de reatar com a Mônica era o maior estímulo que ele poderia receber. Só que ele não estava tendo nenhum progresso para descobrir a fonte de desequilíbrio já que as pessoas daquele mundo nem se davam conta desse problema.

Domingo era dia de folga para todos, mas não para ele. Após gastar o sábado inteiro fazendo faxina debaixo do chicote, no domingo ele teve que lavar a roupa e havia uma quantidade enorme porque aqueles dois não faziam nenhuma questão de economizar e trocavam de roupa desnecessariamente só de pirraça. Pelo menos o inquilino não dava tanto trabalho assim.

 Ele separava a roupa para lavar enquanto ouvia a conversa entre eles.

— Eu tenho que ficar bonita para o passeio de hoje. O Eustáquio também vai e ele é um coroa enxuto!

“Tô com pena desse Eustáquio. Ele não sabe da roubada em que tá se metendo!”

— Eu vou é curtir a praia com a galera. O Ratão vai dar uma festa maneira na casa dele!

Cebola torceu sinceramente para que aquele sujeito bebesse bastante e acabasse se afogando no mar.

— E você, seu inútil, trate de lavar toda essa roupa. Não quero ver nada no cesto quando voltar.

— Sim, tia. –respondeu mecanicamente. Discutir era inútil e criava hematomas.

Como estavam com pressa, os dois saíram logo deixando Cebola um dia inteiro sozinho em casa. Ah, o sossego!

—_________________________________________________________

— Ele não vai sair... – Antenor afirmou ao ver a mulher saindo do quarto do filho com a cabeça baixa.

— Não. O que vamos fazer? Ele não reage, não faz nada e se continuar assim pode até ficar doente!

Seu marido esfregou o rosto sentindo-se exausto e falou.

— Estou pensando em tirá-lo dali a força. Ele vai ter que dar um jeito na vida querendo ou não. – Lurdinha foi contra.

— Não vamos fazer isso, por favor!

— Mas não temos alternativas!

— E se ele acabar fazendo uma besteira? Não quero nem pensar!

O casal estava num beco sem saída. Eles tinham medo de pressionar demais o filho, mas sabiam que não podiam deixá-lo do jeito que estava. Será que não havia nada que pudesse fazer com que Cascão recuperasse a alegria de viver? O que poderia motivar aquele rapaz?

—_________________________________________________________

Eram mais de onze da manhã quando Cebola pendurou a última peça no varal. Ah, finalmente! Se bem que lavar nem era a pior parte e sim ter que passar tudo aquilo. Cebola nunca soube fazer esse tipo de coisa e teve que aprender na marra para não apanhar. As roupas de Rosália eram as piores, pois tinham rendas e babados que dificultavam seu trabalho. 

Como tinha que esperar a roupa secar e todo o serviço já estava pronto, ele resolveu procurar algo para comer e teve a maior decepção quando abriu a geladeira e viu que, mais uma vez, Rômulo comeu os salgados que ele tinha trazido da lanchonete no dia anterior.

— Tomara que aquele imbecil tenha uma indigestão! – resmungou furioso. Rosália não tinha deixado nem um pedaço de pão para ele comer. Ela estava fazendo aquilo por maldade e ele ainda não entendia porque, já que isso não acontecia antes.

Sem outra opção, ele foi ao porão pegar seu material da escola para colocar a matéria em dia. Foi quando algo em cima de uma das caixas atraiu sua atenção. Era uma revista em quadrinhos que estava bem conservada para algo que ficou guardado por tantos anos.

— Capitão Pitoco? O Cascão adora isso aqui. Será que o duplo dele também gosta? Bah, tô nem aí! – Ele jogou a revista de volta e pensou em voltar aos estudos quando se lembrou da conversa que teve com Paradoxo dias atrás. Será que ele era tão egoísta quanto o cientista tinha falado?

Não, claro que não! Caso contrário, não teria feito aquele sacrifício para que o Provedor trouxesse a Mônica de volta. Por outro lado, ele sabia que estava negligenciando os duplos dos seus amigos, especialmente a Mônica. Não foi isso que seu duplo fez também? Ele sim era um sujeito egoísta, tanto que roubou seu lugar no mundo original mandando-o para aquele inferno.

A revista atraiu seu olhar novamente e ele pensou no Cascão, que parecia estar atravessando uma depressão muito grande. Até então ele tinha ficado de braços cruzados igual ao seu duplo, o que lhe encheu de vergonha. Não, ele não era igual aquele cretino, de jeito nenhum! Era muito melhor e também pensava nas pessoas. Por fim, tomou a decisão. 

— Rapaz, você está sumido! – Antenor exclamou surpreso ao abrir a porta e dar de cara com ele.

— Oi, seu Antenor. O Cascão tá em casa?

— Claro, claro. Pode ir para o quarto dele. Se conseguir respirar, claro.

Cebola bateu na porta e como ninguém respondeu, girou a maçaneta e entrou no quarto. Um cheiro horroroso acertou seu nariz como um grande soco fazendo-o pensar que o Cascão morreu ali dentro e seus pais não perceberam.

— Que foi, mãe? – uma voz vinda de monte de cobertas imundas em cima da cama perguntou de má vontade.

— Que mané mãe! Sou eu! – Ele falou bem humorado e abriu caminho pelo monte de lixo até a cama. Cascão levou um susto e sentou-se esfregando os olhos, bocejando e tentando entender a razão daquela visita.

— Tá fazendo o quê aqui?

— Eu tava mexendo no porão lá em casa e achei isso. Pode ficar, se quiser. – Cebola respondeu lhe estendendo algo.

Quando viu que era uma revista, Cascão acendeu a luz e quase teve um enfarte.

— Ahhhhh! Cê tá de zuera comigo! É o Capitão Pitoco contra a Aranha Maldita! Só foram produzidas 200 unidades, isso é edição de colecionador!

— Legal, pode ficar pra você.

Aquele presente inusitado o deixou em alerta. Tinha alguma coisa errada ali.

— Tá, fala logo qual é o plano.

— Plano? Eu nem sei o que vou comer no almoço!

O outro ficou sem entender nada. Cebola sem plano? Aquilo era esquisito demais.

— Como assim não tem plano?

— Não tem, ué! Isso tava largado lá no porão e ia acabar estragando.

— Você podia vender. Dá pra conseguir trezentas pilas só de brincadeira.

— Trezentos reais não vão resolver meu problema e minha tia pode acabar botando a mão nesse dinheiro. Bom, agora vou chegando porque ainda tenho que fazer algum milagre pra poder almoçar hoje. A gente se vê.

Cascão olhou para a revista, uma grande preciosidade que Cebola tinha lhe dado sem nenhum interesse, e voltou a olhar para o rapaz a sua frente. Ele não estava nada bem e mesmo assim se preocupou em lhe dar aquele presente ao invés de vender e ficar com o dinheiro.

Bem, talvez ele devesse retribuir aquele gesto de alguma forma. 

— Ei, cara, espera um pouco. – Ele chamou em voz baixa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Universo em conflito" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.