Um amor de contrato escrita por Andye


Capítulo 17
O melhor pai do mundo


Notas iniciais do capítulo

Oi gente! Como prometido, estou por aqui com mais um capítulo (ficando em dia de novo!). Agradeço a cada um dos leitores, ao tempo dedicado aos comentários, fico super feliz em ler cada um deles, mesmo que, às vezes, não os consiga responder. É ótimo interagir com vocês. ♥

Sigamos firmes em nossa quarentena, que provavelmente se estenderá por mais alguns dias. Se protejam, se cuidem e cuidem dos seus. Vamos juntXs.



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As coisas para Rony pareciam mais confusas do que sempre foram durante seus trinta anos. Nunca havia se preocupado tanto com uma mulher, além da própria mãe e de Lavender, em épocas passadas, como vinha se preocupando com Hermione em tão poucos meses.

Fazia um pouco mais de duas semanas que ele vinha tentando entender o que estava acontecendo com a mulher que havia saído de casa, ao seu lado, ansiosa por participar de um evento de tal porte, como havia sido a exposição de Chloe Wrigth, e voltara com a expressão assustadora, que o fazia ter a estranha sensação de que seria agredido a qualquer momento, caso falasse algo errado, algo que ele não sabia o que poderia ser. 

— O que achou do evento? — perguntou enquanto dirigia de volta para casa.

— Bonito — ela foi fria.

— Gostou das peças? Você havia ficado curiosa por vê-las depois que conheceu o trabalho da Chloe? — continuou, tentando manter uma conversa tranquila, mas teve a sensação de ter falado algo errado depois do suspiro irritado da mulher sentada ao seu lado.

— Muito bonitos. A senhorita Wright parece realmente ser muito boa em tudo o que faz.

— É... — pensou se deveria continuar. Ela estava, a cada resposta, mais ácida — Estava corrido hoje, mas ela ficará por aqui por duas semanas... se quiser, posso apresentar vocês...

— Agradeço, mas passo a oportunidade — Hermione foi direta e fria, o interrompendo antes mesmo que ele completasse a frase. Parecia ainda mais irritada — Fique à vontade para resolver seus assuntos com ela durante essas semanas, devem ser muitos — ela o olhou intensamente e ele, assustado, olhou-a ao desviar brevemente do caminho a sua frente — Não se preocupe que nem eu nem minha filha iremos atrapalhar você.

— Vocês não me atrapalham... 

— Resolva seus assuntos, Ronald. Não se preocupe com a gente nem se incomode em nos acompanhar ao museu no domingo. Fique tranquilo. Faremos um divertido passeio entre mãe e filha.

— Mas... 

Achou que seria mais prudente se calar. Nunca havia visto Hermione daquele jeito, irritada, grossa e com a expressão tão assustadora. Também não imaginou que aquela experiência duraria tanto tempo, mais precisamente duas semanas.

Ele não percebeu que, logo após a partida de Chloe Wright, a dura e irritada Hermione começou a ceder e dar lugar àquela que ele havia conhecido meses atrás. Para Rony, ela estava tendo problemas com os hormônios desequilibrados pelo avançar da gestação e era sua obrigação compreender e relevar tais momentos.

Mesmo Rose havia percebido a seriedade da situação e havia evitado, em alguns momentos, suas brincadeiras mais intensas a fim de não provocar os nervos tão sensíveis da mãe.

Agora, depois de pouco mais de duas semanas de acidez, ela parecia estar em seu estado de ânimo normal, as boas notas de Rose na escola colaborando para isto. A ligação da editora para onde havia mandado o currículo semanas atrás, dizendo que o dela estava em análise, ajudando também.

Rony seguiu pelas escadas rolantes do shopping onde estava, sozinho, pensando naquela, e outras, situações. Hermione, mesmo depois daqueles dias, havia mudado de status em sua vida.

Quando a conheceu, no dia da bolada, se assustou com ela. Para ele, a jovem nada mais era do que uma mãe super-protetora, não muito diferente da sua própria mãe, que provocava certo receio quando se aproximava ou tencionava abrir a boca.

Ainda sem saber que ela seria sua companheira de negócios - e que negócios— já se via curioso em relação a ela por considerar as palavras da esperta Rose, com quem ele teve o prazer de se encontrar algumas vezes sem a presença da mãe.

Reconhecia que havia creditado um voto de confiança à Hermione em relação ao contrato não apenas pelas boas recomendações da parte de Harry, mas também graças às boas energias que emanavam de Rose.

Hoje, Hermione havia saído daquele grau de mãe histérica para o ranking de amiga e confidente. Deixou de ser uma mãe necessitada e se tornou uma mulher interessante. Interessante demais, na maioria das vezes. 

Ela levava olhos sagazes, uma esperteza louvável, raciocínio lógico admirável e uma beleza ímpar. Ímpar porque Hermione não era a mais bela entre as mulheres que ele conheceu, mas ela era, sem dúvidas, a única entre elas que tinha aquela beleza que emanava de dentro. A beleza que não acabava com o tempo.  

Já fazia algum tempo desde que ele vinha percebendo essas qualidades, que se sentia estranho, e as palavras de Harry, de dias atrás, seguiam martelando em sua mente de forma intensa, trazendo uma angústia crescente por perceber as coisas mudando, por não querer aceitar que elas mudavam, por desacreditar que tenham mudado ao ponto de terceiros virem a notar.

Fazia um tempo que sentia as coisas mudando dentro dele e ele sabia que tais mudanças, talvez, não fossem as melhores para aquele momento. Mas elas continuavam mudando, por mais que ele se esforçasse para que não.

Mudavam, e mudavam rapidamente, tanto ao ponto de fazê-lo sair de casa para o shopping em uma noite tumultuada de quinta-feira para procurar chocolate, “meio amargo e cremoso”, a fim de saciar os desejos daquela que vinha lhe provocando pensamentos tão confusos.

— Rony!? — sentiu a coluna gelar de alto a baixo. De todas as pessoas do mundo, aquela era a que ele menos esperava, ou desejava, encontrar.

— Lavender… — virou-se e se encheu de coragem para enfrentar a jovem, exatos sete anos depois de vê-la sair da sua vida.

— Tudo bem com você? 

Continuava bela, da mesma forma como ele lembrava-se. Alta, magra e esguia, com formas arredondadas no busto e quadris. Os olhos, intensamente verdes, brilhavam muito mais do que ele lembrava.

Os cabelos, loiros e longos, deslizavam em ondas bem tratadas por seu corpo e contrastavam na pele dourada. Ela sorria. Um sorriso que não parecia incomodado ou embaraçado. Um sorriso que parecia sincero.

— Tudo sim. E com você? — Rony perguntou tentando manter-se educado e contido em meio ao turbilhão de sentimentos que passeavam dentro dele.

— Estou bem — ela realmente parecia feliz — Fiquei sabendo que se casou…

— Sim… faz alguns meses  — sentiu que sua voz saiu com certo ar superior.

— Papai me contou que ela estava grávida quando se casaram — Por que ela continua sorrindo e por que não sinto que é falso? — Eu mal cheguei de viagem e papai já me bombardeou com a sua história de vida. Parabéns pelo bebê e pelo casamento. Eu sei o quanto você sempre sonhou com tudo isso e sabia que você encontraria alguém que tivesse os mesmos sonhos que você.

— Obrigado, Lavender — respondeu com sinceridade, meio confuso.

— Dúvidas em escolher o chocolate certo pra ela? — ela parecia oferecer ajuda. Parecia outra. Ou será que ele nunca conhecera essa.

— É… — voltou a olhar os chocolates, não sabia o que sentia naquele momento — Ela tem esses desejos estranhos em todos os momentos… 

— É normal, todos dizem… Esses são deliciosos, gosto porque é meio amargo. Acredito que ela vai gostar também — ela indicou com boa vontade e ele aceitou a sugestão. Estranhamente, ela o seguiu até o caixa, em silêncio, e do caixa até a saída da loja.

— Até mais — ele começou, desejando sair dali o mais rapidamente possível.

— Rony — ela o chamou novamente e ele, educado, virou-se para ela — Não vou tomar muito do teu tempo, sei que está corrido — sorriu mais uma vez, empática dessa vez — mas gostaria de aproveitar a oportunidade para te pedir desculpas por tudo o que te fiz no passado… Você não merecia nem eu deveria ter tomado decisões tão impensadas…

— Tudo bem. Já passou — Seria possível que ela iria tentar voltar? Agora? Depois de tudo?

— Não quero que pense que voltei para tentar te conquistar ou para inflamar o seu casamento, não mesmo, não quero isso… O nosso tempo já passou faz um bom tempo — foi direta em suas palavras e Rony pareceu relaxar — Na verdade, só vim passar uns dias, visitar os meus pais. Não sei se sabe, estou morando em Miami a trabalho…

— Acho que papai comentou sobre…  — na verdade, não sabia. Percebeu naquele momento que, desde a chegada de Hermione, ele não procurava mais saber sobre ela.

— Mas faz muito tempo que tenho sentido desejo de te pedir desculpas…

— Lavender, eu… eu finalmente entendi que tive minhas culpas sobre tudo o que aconteceu entre a gente. Fui relapso com você em vários momentos, não estive presente como deveria e não te ouvi. Muitas vezes fui egoísta e intransigente e peço desculpas a você por isso. 

— Sim, você também teve sua parcela de culpa e foi relapso e egoísta infinitas vezes, sim, mas nada disso justifica o fato de eu ter te traído. É por isso que te peço desculpas. Minha angústia não é por termos terminado, mas por não ter sido firme ao ponto de dizer não pra você e por ter me escondido atrás de traições. Você nunca mereceu aquele tipo de atitude. Na verdade, ninguém merece o que eu fiz com você.

— Tudo bem… essas coisas ficaram no passado e devem permanecer por lá.

— Você mudou — ela sorriu.

— Mudei? — ele pareceu curioso.

— Sim… parece mais aberto, mais sensível… Mais maduro  ela— era gentil — Não esperava essa atitude. Na verdade, não esperava te encontrar aqui. Imaginei que precisaria te procurar na empresa e lutar por algum tempo conta a sua irritação e com sua rejeição. Confesso que estou impressionada. 

— Não é pra tanto…

— Fico feliz em ver que essa mulher tem te feito muito bem!

— É… Pode ser isso, sim  — questionou-se rapidamente sobre tal mudança e sobre a participação de Hermione nela. 

— Rony, estou realmente muito feliz por saber que você tem realizado os seus sonhos, que encontrou a pessoa certa — ele sorriu de leve, acenou com a cabeça brevemente, o coração parecia mais tranquilo também — Não sei se nos veremos novamente, outro dia, mas nunca esqueça que sempre desejei o seu melhor, a sua felicidade. Sabia que ela não seria comigo e fico feliz em saber que ao me afastar eu abri a oportunidade para que você encontrasse essa felicidade com outra pessoa. Nunca teríamos sido felizes porque sonhávamos coisas distintas.

— Me desculpa por não ter te ouvido como deveria. Se tivesse sido mais atento, não teríamos passado nada do que passamos.

— Como você disse: "ficou no passado". Só não cometa os mesmos erros. Viva bem e nunca deixe de escutar a sua esposa. Provavelmente ela sempre terá razão  —sorriu divertida — E seja feliz!

Rony observou Lavender se afastando dele lembrando de Hermione. Inconscientemente, mais uma vez, comparou as duas mulheres. Hermione jamais seria tão bela como Lavender, mas Lavender, por mais que fosse uma boa pessoa, jamais seria linda como Hermione era.

Hoje, após as breves palavras trocadas com a ex-namorada, Rony sentiu que o coração estava livre de todas as frustrações que ele ainda imaginava carregar e, em seu íntimo, agradeceu ter encontrado com a loira que olhou para trás e sorriu gentilmente antes de virar em um daqueles muitos corredores.  

Agradeceu por ela o ter libertado, mesmo com tanta dor naquele momento. Agradeceu porque toda a dor vivida o fez chegar na situação que o apresentou a Hermione. Agradeceu porque, hoje, teve a plena convicção de que Hermione havia quebrado todas as barreiras que ele construiu ao redor do seu coração. 

Não mais se importava por ter sido traído, muito menos se importava por ter se trancado para o amor. Não se importava com nada do que viveu no passado porque se sentia bem como estava agora e era para Hermione que ele queria voltar. Sem dúvidas, era para ela que ele voltaria, mesmo que ela não tivesse o mínimo de consciência dos sentimentos que fazia brotar nele.

*Dias depois*

Rony ouviu um barulho vindo da cozinha. Estranhou. Era domingo, dona Julie não estava na casa e ele havia acabado de olhar Hermione, que ainda dormia profundamente em seu quarto.

Seguiu com curiosidade até a fonte daquele barulho e encontrou Rose, em sua habitual trança bagunçada, agora pelas horas dormidas, trajando uma camisola florida e meias grossas, coloridas, que iam até o meio das panturrilhas, devido ao frio. Os pés estavam calçados em pantufas do Bob Esponja e ele sorriu. Era impossível não sentir carinho por Rose.

Ela se movia, muito concentrada, da geladeira ao armário – a parte na qual alcançava – e não percebeu a sua presença à porta enquanto organizava alguma coisa em uma travessa plástica; se perguntou como a menina havia pego aquela travessa.

Adentrou na cozinha quando ela, inconsciente do perigo, puxou uma cadeira para perto do armário, para tentar alcançar a porta superior. Com aquele gesto, Rony teve a resposta da pergunta que se fizera instantes antes e agradeceu aos céus que nada tenha acontecido à menina tão travessa.

— Precisa de ajuda, Rose? — ele se apresentou quando ela colocava impulso para subir na cadeira.

— Seria bom, tio Rony — ela respondeu sem perceber o perigo dos seus atos — Eu preciso pegar uma vasilha lá em cima, a de flores, pra minha mãe.

— Sua mãe te pediu isso? — ele perguntou se aproximando do armário, pegando a vasilha na parte mais alta do armário.

— Não... eu tive essa ideia sozinha.

— Que ideia? — se apoiou no balcão da pia, observando a menina colocar biscoitos dentro da vasilha.

— Estou preparando o café da manhã pra mamãe — ela falou com simplicidade, sem parar os seus afazeres — Ela fica muito cansada por causa do meu irmãozinho, também estava muito irritada… Acho que deve ser fome. Então eu pensei que ela ia gostar de comer algo gostoso na cama dela, igual ela faz pra mim quando eu fico dodói ou triste...

— Acredito que ela vai gostar, sim! — Rony respondeu observando a bandeja com um copo de suco, que ela pegou da jarra dentro da geladeira, e os biscoitos organizados na vasilha que ele a entregou instantes antes — Mas acho que dá pra melhorar isso aqui...

— Como? — ela perguntou interessada, com certeza não estava satisfeita com o que as limitações de sua idade conseguiram preparar.

— E se a gente colocar algumas frutas?

— Uma salada?

— Sim, uma salada... E podemos fazer um suco fresco de laranja, o que acha?

— Mas tem que cortar, colocar na tomada… Eu não posso mexer nessas coisas, tio...

— Mas eu vou te ajudar, que tal?

— Acho muito bom!

O sorriso da menina valia por tudo. Era inexplicável o carinho que ele havia desenvolvido por ela. Sentia-se instigado a lhe fazer bem, a cuidar dela e a auxiliar no que precisava. Não entendia aquele sentimento, mas gostava de senti-lo. Gostava de se dedicar à pequena Rose e ela havia se tornado importante em sua vida.

— Você é muito legal, tio Rony!

— Você acha?

— Sim!!

— Que bom que sim! — ele sorriu e os dois organizaram a travessa com salada de frutas. Rony havia cortado maçãs, bananas, morangos, uvas e quiuís — Sabe de mais alguma fruta que a sua mãe gosta?

— Abacaxi... — ela respondeu e continuou, pensativa — Mas não vai ficar gostoso na salada...

— É... acho que não — ele respondeu enquanto entregava uma pratinho com fatias de torrada para a menina — Acho que podemos colocar uma geleia de morango também...

— Isso é bom — ela respondeu esfregando as mãos, a cara de quem estava gostando e se aproveitaria daquela bandeja também.

— Aliás, gostei das suas meias — Rony comentou, chamando a atenção da menina para si. Ela usava meias com desenhos da Pucca — Que desenho é esse?

— É a Pucca — ela falou como se aquilo fosse óbvio, esticando uma das pernas — Você não sabe quem é?

— Acho que não — ele respondeu descontraído — Faz tempo que não vejo desenhos.

— Pois a gente precisa ver. Pucca é muito legal — ela continuou animada, resolvendo o problema — Ela é forte, mas não fala, só ri. E ela gosta do amiguinho dela, o Garu. Eles comem macarrão com palitos.

— Sério?

— Sim… Eu gosto muito da Pucca. Essa meia foi a mamãe quem me deu no meu aniversário.

— Foi? E quando é o seu aniversário?

— Depois do aniversário da mamãe — ela fez cara de pensativa, como se tentasse lembrar de algo — Mas eu não lembro o dia. Sei que o da mamãe é em setembro, ai, depois, é o meu.

— Setembro? Já é no mês que vem!

— É? — ela arregalou os olhos, surpresa — Então eu tenho que falar com a tia Gina pra ver o que a gente vai fazer pra mamãe esse ano...

— Vocês comemoram?

— Sim! — a menina parecia extasiada — Ano passado a tia Gina comprou uma torta de chocolate e estava muito gostosa...

— Imagino que sim — Rony sorriu da expressão da menina, colocando guardanapos na bandeja.

— E quando é o seu aniversário, tio Rony? A gente podia fazer uma festa também... Eu posso falar com a tia Gina. Ela gosta muito de fazer festas...

— Hmmm... Meu aniversário só será ano que vem.

— Depois do Natal?  — ela perguntou curiosa.

— E do ano novo também — ele respondeu com um sorriso — Agora, o suco — Rony começou a espremer as laranjas na máquina e Rose o observou atentamente, em silêncio. Ele estranhou — O que foi?

— Você é muito legal — ela falou com sua seriedade e simplicidade infantil — Queria que você também fosse o meu papai — Rony, porém, sentiu todo o corpo gelar.

— Por quê? — perguntou tentando manter-se concentrado.

— Porque seria bom ter você como papai — a menina continuou — Uma vez eu escutei a vovó dizer que o meu papai de verdade não gosta de mim e que foi por isso que ele deixou a mamãe...

— Não é bem assim, Rose… — ia tentar justificar, mas preferiu calar. Não havia justificativas para aquela afirmativa.

— O meu papai de verdade nunca veio me procurar... e eu também nem quero que ele venha — ela falava com muita concentração, aquele tom adulto adotado em algumas situações — A mamãe sempre fica triste quando falam dele e se ela fica triste, eu também não quero ele perto de mim. Mas você, não… Você é um papai legal, eu acho... Acho que os papais legais são como você.

— Você acha mesmo? — ele perguntou parando com as laranjas, encarando a menina brevemente.

— Humrum — ela afirmou também com a cabeça — Você é engraçado e brinca comigo o tempo todo. Também cuida de mim quando eu fico doente, lê pra mim quando eu vou dormir e me leva pra escola e pra casa das minhas amigas quando a mamãe não pode ir. Também assiste filmes comigo e me leva pra fazer piquenique e pra passear no shopping com a mamãe... Também pra aquele museu cheio de bicho de cera que a gente foi… Acho que são essas coisas que um pai legal deve fazer...

— Você gosta que eu faça essas coisas com você?

— Muito! — ela respondeu prontamente — Mas eu sei que você não é o meu papai de verdade, só do meu irmãozinho, e eu acho muito bom porque ele vai ter um papai muito legal e bem alto quando ele sair da barriga da mamãe...

— Rose... — ele pensou em dizer que quereria ser pai dela também, mas foi interrompido pela pequena.

— Você é o melhor papai do mundo que o meu irmãozinho vai ter — continuou, gesticulando com os braços, as frases mal elaboradas, mas cheias de significado — E eu fico muito feliz que meu irmãozinho vai ter um papai pra ele.

Rony ficou silencioso, o peito apertado, pensativo, e acompanhou a menina até o quarto da mãe, que os recebeu com um sorriso enorme, diferente da expressão adotada semanas atrás. 

Sentiu o coração dolorido por saber que aquela criança havia crescido sem a presença de um pai, mas estava feliz em perceber que Hermione a havia preenchido de todo amor possível e a educou muito bem, para que crescesse independente e tão esperta.

O seu coração batia impaciente, queria dizê-la que queria ser seu pai também, que ela poderia tê-lo como seu pai, que poderia chamá-lo de papai, mas se conteve. Não poderia fazer aquilo naquele momento, não daquela forma. Não, sem antes, conversar com Hermione.

*Mais alguns dias depois*

Hermione estava apreensiva. Caminhava de um lado para o outro no seu quarto, remoendo aquele assunto insistente, pensando em como poderia iniciar tal conversa com Rony.

Havia dias que Rose não parava de falar o quanto Rony era um bom pai, que queria que ele fosse seu pai de verdade, que o irmão ia ser feliz por ter um pai como ele.

Em sua mente, acreditava que Rony havia falado algo para a menina e que isso criou algum tipo de esperança sobre aquela situação. Precisava dar um basta em tudo isso o mais rapidamente possível e cortar o mal pela raiz, antes que as coisas se enrolassem ainda mais e todos saíssem machucados  de alguma forma, em especial, Rose.

Decidiu, por fim, ir até ele. O peito estava pesado, tanto ou mais que a sua barriga. No corredor foi conversando consigo e em sua mente estava ensaiando as palavras que usaria para abordar o rapaz que, coincidentemente, naquele dia, não havia ido trabalhar e se mantinha no escritório.

Bateu à porta e esperou alguns poucos instantes até que o ruivo lhe desse permissão para entrar. Não se sentia confortável para entrar e interromper o que quer que fosse, por mais que ele lhe desse tal liberdade. Talvez ele estivesse ocupado em alguma negociação urgente, talvez estivesse marcando algum encontro secreto.

— Bom dia, Hermione — ele saudou com um ar estranho. Parecia nervoso. 

— Bom dia, Ronald — ela respirou fundo e estranhou que estivessem se tratando tão formalmente naquele momento. Havia decidido não alimentar ciúmes desnecessários já fazia dias.

— Precisa de algo? — ele perguntou de sua cadeira, olhando fixamente para ela. A tensão se instaurou sobre os dois.

— Preciso conversar algo muito sério e importante com você — ela continuou e Rony, se ajeitando na sua cadeira, lhe ofereceu a cadeira em frente a ele.

— Aconteceu algo com você ou com Hugo? — ele realmente parecia ansioso — Algo com a Rose?

— Sim, algo com a "minha" filha. Está acontecendo algo e eu não estou gostando do rumo que isso tem tomado, Rony — ela começou e sentiu as palavras certas e já ensaiadas fugirem. Inspirou profundamente e continuou — Faz um tempo que a Rose tem falado umas coisas comigo que têm me deixado bem incomodada...

Ele não falou nada e ela se sentiu estranha. Queria que ele interagisse, mas ele era o tipo de pessoa que ouve tudo e fala depois, assim como ela costumava ser.

— Bem... — inspirou novamente — Faz um tempo que ela tem me falado que você é um bom pai — ela percebeu Rony relaxar um pouco sobre a cadeira, mas permanecer atento — E eu não acho isso bom. Não sei se, em algum momento, você falou algo pra ela que tenha feito com que ela pensasse assim, que ela pensasse que, talvez, você pudesse ser o pai dela... Mas ela tem falado sobre isso constantemente e eu estou incomodada…

— Eu não falei nada pra ela — ele disse por fim — mas ela falou isso pra mim.

— E você não fez nada? — Hermione pareceu inconformada

— O que te incomoda, afinal? — ele perguntou como se não tivesse entendido nada do que ela falou.

— Como assim "o que me incomoda?". Ronald, você não é o pai da Rose. Por mais que vocês tenham uma amizade bem bonita, o seu filho é esse aqui — ela apontou para a própria barriga — e eu não quero que a minha filha sofra por esse tipo de coisa desnecessariamente. 

"Eu passei um bom tempo da vida da minha filha trabalhando o psicológico dela pra que ela entendesse que o pai dela era uma pessoa que não merecia estar perto dela e fiz com que ela entendesse que eu faria sempre o possível pra que nada nem ninguém a machucasse. 

"Foram muitas as vezes que eu estive com ela, enquanto ela chorava, depois que começou na antiga escola, porque os seus amigos zombavam por ela não ter um pai, por nenhum pai estar com ela nas festas dos pais... Eu odiava a festa dos pais... — respirou profundamente, as lágrimas chegando — E eu estava com ela, era eu que ia lá nessas festas... Ela demorou um pouco, mas compreendeu que há vários tipos de famílias e que a dela é assim.

"Nós não somos uma família. Nada do que vivemos aqui, nessa casa, é real. Eu sou apenas a mulher que engravidou por não ter como manter a filha que já tinha e você é o cara que me paga pra ter um filho seu — as lágrimas já desciam descontroladas pelo rosto; a voz tinha assumido alguns tons a mais, desesperada — Isso é só um negócio, mais um negócio e eu nem sei que tipo de pai você vai ser pra essa criança... 

"A única coisa que sei é que a minha filha não tem família e eu nunca vou me perdoar por estar confundindo a cabecinha dela desse jeito... Eu disse que nossa família era ela e eu e agora ela acredita que somos nós…

"Eu não sei o que eu vou dizer pra ela quando isso tudo acabar... Eu não sei por quê eu aceitei isso... Parecia o certo por ela, mas agora parece errado por ela, por Hugo e por mim. O que eu vou fazer pelos meus filhos quando tudo isso acabar e esse sonho de família que ela está vivendo desmoronar?

"Sou eu quem vou ter que auxiliar, explicar, consolar o choro deles... Eu não entendo como cheguei aqui... A minha vida não ia bem, mas eu não devia ter feito isso... Não devia porque a minha filha está confusa e vai sofrer e é tudo minha culpa!"

— Hermione, eu te entendo — ele se aproximou, lhe oferecendo lenços que ela aceitou com demasiada grosseria — Eu entendo o seu medo e eu sinto muito por tudo isso. Eu sei que o que vivemos aqui não é real, que vai acabar um dia, mas eu não vou abandonar ninguém… Eu não vou deixar vocês. 

— Eu sei... afinal, isso está no contrato e você tem que seguir.

— Não é pelo contrato...

— Eu... eu só te peço que você evite certas atitudes com a minha filha, ela é pequena e está confundindo as coisas. Isso vai ser um estrago grande pra cabecinha dela...

— E o que você quer que eu faça? — sentou-se sobre a mesa, diante dela, questionando-a.

— Que converse com ela quando ela comentar essas coisas. Que explique que não pode ser o pai dela. Eu já estou fazendo isso e sei que ela vai entender... ela é muito esperta e uma hora vai entender e conseguir separar as coisas...

— Eu concordo com isso... — ele falou e Hermione o olhou intensamente. Sentiu o coração afundar, mas se levantou, dando a conversa por encerrada agora que ele concordava.

— Então, eu agradeço.

— Concordo que a Rose é uma menina muito esperta — Hermione o olhou fixamente; havia dado alguns passos em direção à porta e se virou para ele — Mas não concordo com o resto.

— Como?

— Concordo que a Rose é muito esperta — repetiu — Inclusive, acredito que ela já entendeu muito bem que eu não sou o pai dela, pelo menos, ela me deixou isso bem claro quando comentou sobre. Rose é uma menina incrível, Hermione, muito inteligente.

"E eu tenho consciência que tudo o que vivemos aqui vai acabar — ele pareceu estranhamente nervoso ao dizer aquilo, aos olhos de Hermione — Eu sei que o que temos agora é um contrato, que nada é real e que tudo pode terminar mal se as coisas saírem disso, eu sei, Hermione, eu sei... Não precisa me lembrar disso a cada instante porque eu sei e me lembro dessa situação todos os dias."

— Então estamos combinados? — ela estava claramente tensa. Parecia uma leoa prestes a avançar no inimigo de sua cria. 

— Por que eu não posso ser o pai da Rose também?

— Por quê? — Hermione sentiu todo o corpo gelar. O coração saltou com aquela pergunta inesperada, mas respondeu com convicção em cada uma das palavras seguintes — Porque quando tudo isso acabar e ela te procurar, você não estará lá pra ela...

— Hermione... — ele caminhou até ela, parecia difícil se manter firme tão próxima a ele — você terá um filho meu e, por mais que estejamos longe, isso nunca vai mudar. Eu vou estar presente para o Hugo onde quer que ele esteja e vai ser sempre assim... Então, se eu estarei para Hugo, por que eu não posso estar presente para a Rose também?

"Por que ela não pode ter um pai que a ama e que faria tudo o que pudesse para que ela estivesse bem? — ele se aproximou ainda mais e as pernas de Hermione começaram a vacilar — Por que eu não posso amar a Rose tanto quanto amo o Hugo, Hermione?

"Qual é o problema em deixar que ela tenha um pai que a ama e que a protegeria de qualquer coisa e em qualquer situação? Por que eu não posso estar com ela na festa dos pais? Por que ela não pode ter um pai? Por que eu não posso ser o pai que ela quer?

"Eu não sei se você entenderia, nem eu mesmo sei explicar como ou quando começou, mas eu não me vejo em outra situação em relação à Rose. Em meu coração, ela já é a minha filha há muito tempo e, aparentemente, ela me escolheu como o seu pai também. 

"Eu entendo o seu medo, Hermione, realmente, eu entendo, mas por mais que você se negue a aceitar, é assim que as coisas estão agora. É assim que eu a vejo, como filha, e eu a amo e quero estar com ela como um pai. Por que não pode ser assim, Hermione? Por quê?"

Hermione sentiu as lágrimas escorrendo descontroladas pelo seu rosto. Queria se jogar no chão e chorar até secar por dentro, mas não poderia fazer aquilo diante de Rony. Já era humilhante demais não conseguir controlar as próprias lágrimas. 

— E se você se arrepender depois? — ela falou num sussurro, a voz embargada, depois que ele se aproximou novamente, com os lenços nas mãos. Havia pego um embrulho na gaveta da escrivaninha também — O que acontece com a minha filha se você se arrepender depois, Rony?

— Eu não vou me arrepender, eu te prometo — Hermione parecia em ponto de desfalecer — Tenta confiar em mim, sim? Pense sobre isso. Nós podemos conversar novamente, depois, quando estiver mais tranquila.

Ela deu a conversa por encerrada com aquela fala e se virou, em silêncio, se encaminhando novamente para a porta. Queria sair da presença dele o mais rapidamente possível. Não queria vacilar ainda mais.

Rony a parou instantes antes dela sair, já havia aberto a porta, mas ele estava segurando em seu pulso, chamando novamente a sua atenção, lhe entregando o embrulho pego da escrivaninha em seguida.

— A Rose me contou sobre o seu aniversário...

— Meu... ah... que dia é hoje?

— Dezenove de setembro — ele sorriu gentilmente — Feliz aniversário, Hermione, e obrigado por tudo o que você tem me proporcionado sentir...

Hermione não sabia mais como agir. Pegou o embrulho e saiu sem olhar para trás, em direção ao seu quarto. Lá, sentada sobre a cama, chorou enquanto abria o pacote tão bem embalado. Era uma pulseira dourada, delicada, linda. 

Com a joia nas mãos, Hermione chorou mais uma vez, intensa e profundamente. Estava com medo por sua filha, mas o maior temor era aquele que sentia agora, era o sentimento que estava alimentando todos os dias por Ronald Weasley. O medo pelo fim daquele sonho era seu. Era o seu coração que se partiria quando tudo acabasse. 

Então, em meio às lágrimas e diante daquele tão delicado e inesperado presente, ela admitiu seus medos. Admitiu a si mesma que gostava da presença de Ronald em sua vida. Admitiu que adoraria que ele fosse o pai de Rose. Admitiu que sofreria quando tivesse de partir. Admitiu que não conseguia mais conter seus sentimentos. Ali, ela admitiu a si mesma que estava apaixonada.


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Notas finais do capítulo

E por hoje é só... Obrigada mais uma vez! É ótimo ter vocês por aqui...



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