O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado


Capítulo 34
E assim termina




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O viveiro foi completamente destruído. As ondas sonoras com a frequência correta, recolhidas do breve espetáculo de música clássica tocada em guitarra elétrica, estavam gravadas nos seus óculos sónicos e ao Doutor bastou introduzir o padrão no local apropriado do mural que nutria os fungos em crescimento. O alarme de uma invasão não programada foi acionado, num primeiro momento. Foi gerado um campo de forças e as caixas ficaram protegidas, mas a sequência de destruição já tinha sido posta em movimento e o sistema não era capaz, com as diretivas que o regiam, de combater essa ameaça massiva. Quando o Doutor fechou a porta e pediu que todos se afastassem, aconteceu a explosão que ardeu completamente com o viveiro.

— As guitarras funcionaram como pontos de ignição – concluiu o Doutor. – Se não te tivesses livrado da guitarra, rapazinho, estavas também esturricado, como todos os fungos da sala, depois de terem sido anulados através da sonda que os alimentava.

Brad não rebateu aquela evidência. Ele percebera que a guitarra tinha sobreaquecido e que se iria incendiar, mas continuava amuado por não ter podido ficar com ela e fez uma cara feia. Quando o Doutor se virou, mostrou-lhe a língua. Chester gargalhou alto e Mike deu-lhe outra cotovelada.

— De certeza que é seguro carregar com esta caixa? – perguntou Dave desconfiado.

Joe arfava no outro extremo.

— Isso está pesado? – perguntou Rob.

— O senhor Hahn não gosta de fazer exercício físico. Qualquer exercício físico – comentou Chester. – Queixa-se por tudo e por nada.

— Vem segurar nisto, Bennington, já que tens uma língua tão comprida – protestou o DJ ofendido.

— Não posso, meu. Tenho uma saúde frágil. Ainda fico infetado com o fungo só de olhar para ele através do vidro.

— Estás sempre a desculpar-te com a tua saúde frágil.

— Queres que eu fique doente?

— E se ficares? Já sabemos como te podemos curar. Olha para mim! Estive todo contaminado, ao ponto de ter ficado com amnésia do que andei a fazer durante esse período, e já estou aqui, a servir de burro de carga.

— O meu organismo é diferente do teu. Ainda arranjo complicações derivadas do fungo que serão incuráveis e depois quero ver-te… vais chorar no meu leito de morte.

— Que dramático, Bennington!

— Acabem com a discussão – pediu Mike. – Eu ajudo o Dave. Sai daí, Joe.

— Não, tu não – disse o Doutor. – Vamos precisar de ti e não podes estar ocupado com tarefas menores de carregador.

Todos olharam para Mike e depois para o Doutor.

— De mim? – estranhou o japonês, apontando um dedo a si próprio.

— Sim. Avança tu, grandalhão, já que o gordo não tem forças, aparentemente, para carregar uma simples caixa de vidro.

— Quem é o grandalhão?

— És tu, Rob. O velho só decorou o nome do Mike – provocou Chester.

— E quem é o gordo? – indignou-se Joe a corar, furioso.

— Eu ajudo o Dave – propôs Brad. – O Rob também esteve infetado com o fungo e pode ter a mesma falta de forças. – Assim que recebeu o testemunho do DJ, bufou. – Ei. A caixa é mesmo pesada!

— Esperemos que o trajeto seja curto – pediu Dave. – Vamos, Brad. Segue a minha contagem. Um, dois… um, dois…

O baixista e o guitarrista começaram a andar pelo corredor. Não faziam a mínima ideia de qual a direção certa a tomar, mas era penoso estarem parados com a caixa nas mãos. A gravidade artificial parecia aumentar exponencialmente o volume desta, tornando a caixa duplamente e triplamente pesada, empurrando-a para baixo com uma mão invisível. Nem parecia que no seu interior existia uma bolha minúscula a palpitar que devia pesar menos do que uma bolacha. E não era crível que a estrutura de vidro contribuísse com todo aquele peso suplementar. Era outro dos mistérios daquela aventura.

Rob, Joe e Chester foram atrás de Dave e Brad, a Clara seguiu-os. Antes, olhou por cima do seu ombro, brevemente.

O Doutor estalou os dedos, chamando Mike.

— Vamos precisar de ti.

— O que devo fazer?

— Vais destruir a nave.

O japonês engoliu em seco e gaguejou:

— O… o quê? Vou… vou destruir a nave?

— Sim. Tu sabes como fazê-lo.

— Sei?

As mãos do Doutor agitaram-se diante da cara de Mike Shinoda. Ele deu um salto para trás, assustado com aquilo. Pestanejou e sacudiu a cabeça.

— Elimina as perguntas da tua mente. Só te irão atrapalhar – explicou o senhor do tempo. – Coube-me a mim destruir o viveiro. Cabe-te a ti destruir a nave buondabuonda e, no processo, eliminar o comando dalek que está emboscado na ponte a preparar a invasão da Terra. É o teu planeta, é a raça humana. Queres continuar a fazer música? Então, deves salvar o mundo onde vives. Mais ninguém o vai conseguir fazer. Nem mesmo o teu amigo.

— Não sei o que fazer…

— Sabes, sim – insistiu o Doutor.

Endireitou as costas. Afastou as abas do casaco, expondo o seu forro vermelho, apoiou as mãos na cintura.

— A salvação da Terra ainda não está assegurada, Mike. O ponto fixo no tempo não foi criado e, neste momento, não consigo ver o que vai acontecer. Mas o universo fica desequilibrado sem a existência da Terra e eu não a deixarei cair. Há ocasiões, porém, em que nada posso fazer. Têm de ser vocês, humanos, a se salvarem a vós próprios.

— O viveiro foi destruído. Os daleks já não têm os meios para a invasão com os fungos que morreram todos na explosão. Será mesmo necessário que esta nave seja destruída?

— Os daleks são perigosos. Exterminam todas as raças do universo que não são dalek e não nos deixarão sair da nave, se mostrarmos esse tipo de misericórdia.

— Vão encurralar-nos…

— Vão apanhar-nos e não descansarão enquanto não nos matarem. Destruímos o viveiro dos fungos avaza e eles hão de querer vingança. Estão, neste preciso instante, a tentar encontrar-nos para que paguemos o preço pela ousadia. Um dalek não perdoa quem o afronta. A Guerra do Tempo foi longa, penosa e triste.

Mike olhou alarmado para o grupo que se afastava, corredor afora. Os seus amigos. A Clara. Completamente alheados do perigo que corriam. 

— E poderão encontrar-nos?

— Sim, Mike. É uma questão… de tempo.

— A TARDIS está perto.

— Estamos numa nave buondabuonda. Os daleks poderão sobrepor-se à tua vontade. E quando isso acontecer, se isso acontecer… nunca mais vais recuperar o controlo. E a caçada vai começar.

O Doutor afastou-se.

Mike ficou, os pés presos ao chão, incapaz de se pôr a andar atrás dos seus amigos. Digeria aquelas palavras. Tudo dependia dele. Continuava a ser responsável, o suposto líder, o eventual timoneiro.

Fazer ou não fazer. Lembrou-se de Yoda.

Teve um espasmo que lhe beliscou a alma com uma felicidade esquisita. Se Dagobah existia e se o Doutor viajava através do espaço e do tempo com a sua cabina telefónica azul, ele podia, um dia, conhecer o verdadeiro planeta Dagobah.

Não, ajuizou entre a sensatez e a loucura. Não existia nenhum Yoda nesse Dagobah real e ele não se queria desiludir.

Abriu as pernas. Dobrou o braço direito pelo cotovelo. Fechou os olhos, apertou o maxilar, susteve a respiração. Concentrou-se. E quando obrigou o cérebro a focar-se, tudo se esbateu e apenas um único ponto negro se tornou nítido.

Estalou os dedos.

O som ecoou infinitamente dentro dele. Aquele estalo a se repetir, uma e outra vez, numa onda sonora que ondulava entre as estrelas.

Uma sirene soou estridente e a iluminação do corredor tornou-se vermelha e baça. Mike despertou do transe. Compreendeu que tinha sido acionado o sistema de autodestruição e que eles tinham um tempo limite para abandonar o local. Poucos minutos, talvez.

Missão cumprida e restava voltar para casa. Ele tinha sabotado a nave com sucesso.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
O verão continua igual.