O Mágico e os Ladrões de Som escrita por André Tornado


Capítulo 3
Entre a multidão




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O Doutor e a Clara ainda tiveram de caminhar durante algum tempo, atrás de grupos de jovens barulhentos vestidos com blusas negras estampadas com o nome e o logótipo dos Linkin Park, até descobrirem que precisavam de apanhar um autocarro que os deixaria no anfiteatro onde estava a acontecer o festival. O Doutor praguejou ruidosamente com a sua nave espacial, pois a TARDIS parecia fazer questão de nunca o levar aos locais certos em cada viagem.

Clara ficava cada vez mais entusiasmada à medida que se ia integrando na multidão que iria assistir ao espetáculo. Por seu lado, o Doutor mantinha a sua postura rígida e estava a nutrir uma impaciência que o tornava carrancudo e pedante.

Pararam junto a uma das paragens, no fim de uma fila de rapazes que comentavam a evolução da banda em termos musicais, num debate aceso sobre quais as canções favoritas. O Doutor cruzou os braços.

— Este dia vai ser incrível – resmungou.

— O jogo de futebol já começou?

— Não, Clara.

— Então, ainda há tempo para descobrires um pub com uma televisão e ires ver essa famosa final entre a Alemanha e a Espanha, que vai acontecer em Viena de Áustria. Ou ires com a TARDIS até ao centro da Europa. Não me importo, a sério que não me importo, se levares a TARDIS. Sei que virás buscar-me, depois. Não te obrigo a ires ver os miúdos revoltados se estás com tantas dúvidas e reticências.

— Hum…

— O que te impede?

— Nada, Clara.

— Ficarei bem, Doutor. Esta multidão não é ameaçadora. Estamos todos empenhados em assistir a um espetáculo de música, não é uma manifestação contra um ditador que precisa de ser derrubado a bem da nação. A situação não será perigosa. Nada me vai acontecer, não precisas de ficar preocupado com a minha integridade física.

— Não sei.

Clara estranhou aquela resposta.

— Não sabes? Não sabes se ficas ou vais?

— Eu fico.

— Está a acontecer alguma coisa que eu desconheça?

O Doutor olhou para todos os lados.

— Por que é que estamos aqui, junto a este poste?

— O poste é uma paragem onde se apanham transportes públicos. Não ouviste aquele rapaz? Ele deu-nos indicações precisas de que precisamos de apanhar estes autocarros, que são disponibilizados pela organização do festival e que nos irão levar até ao anfiteatro. Podíamos ir a pé, é verdade, mas levaríamos o triplo do templo e chegávamos muito cansados. Estou a contar pular bastante durante o concerto! Não posso estar cansada no início.

— O que é que a TARDIS anda a tramar? – observou o Doutor, pensativo.

— Achas que a TARDIS pressentiu alguma coisa? Ou és tu que estás a pressentir? Desde que chegámos…

— Olha, vem ali o autocarro – cortou o Doutor, esticando o braço por cima da cabeça da sua companheira. – É minúsculo! E com tantas pessoas que aqui estão para embarcar. Vamos estar todos espremidos ali dentro. Espero que o trajeto seja curto. Toda esta experiência parece-me absurda quando tenho o meu próprio veículo para me deslocar. E não creio que seja útil juntar este tipo de conhecimento ao meu currículo pessoal.

Clara crispou a testa, desconfiada com a atitude do Doutor. Ela compreendia que ele preferisse um jogo de futebol a estar rodeado de adolescentes com borbulhas no rosto, mas havia algo mais que ele não estava a contar. Talvez nem ele próprio soubesse o que era, naquela fase, apesar de o perturbar tanto. Uma insinuação que se escondia no ar…

Entraram no autocarro e ficaram de pé, no estreito corredor. Os jovens estavam a ficar mais animados e alguns cantavam canções alto, em grande algazarra. O Doutor olhou para a Clara, mexendo as sobrancelhas, fazendo-lhe a pergunta muda se aqueles berros eram as canções que estavam prestes a ouvir.

— Oh! Tu tocas guitarra elétrica! – disse ela, exasperada.

— Gosto de música, não o nego.

— Também vais gostar desta música. Confia em mim.

— Eu confio em ti, Clara. Desde que te encontrei.

— Vai ser divertido.

— Sim, já sei que vai ser divertido. E será suportável?

Por sorte, o trajeto de autocarro foi mesmo curto. Apearam-se numa segunda paragem. O autocarro partiu para fazer mais uma ronda e trazer mais passageiros, outro autocarro chegava. Já se conseguia vislumbrar dali o anfiteatro. Tinha capacidade para sessenta e cinco mil pessoas, mas parecia que estavam ali mais do que isso. Os acessos delimitavam-se por baias metálicas que formavam passagens e havia longas filas de pessoas nessas passagens.

O Doutor fez uma careta. Outro mau pressentimento. Ele reconhecia a sensação, era como se tivesse comido algo estragado, mas pior. 

— Conheço essa cara – insistiu Clara. – O que houve?

— Nada… ou tudo. É difícil saber exatamente – respondeu, misterioso. Olhava em seu redor à procura de alguma pista. Mas só via pessoas e mais pessoas e pessoas sem fim.

— Se não me queres contar, então não me contes! – exclamou Clara, furiosa, e cruzou os braços.

— Não gosto de esperar em filas.

— Podíamos ter chegado exatamente na hora em que o espetáculo iria começar. Ou a TARDIS podia ter-nos deixado nos bastidores do palco, com passes especiais de convidados da banda. Assim, conhecerias os miúdos revoltados, conversarias com eles e ficavas a saber que eles não são o que estás aí a imaginar, que gostam tanto de música como tu e até te podiam convidar para tocar com eles no palco, numa das suas canções. Isso seria uma ideia espetacular! O Doutor a tocar com os Linkin Park…

— Clara, é mesmo uma ideia espetacular!

Ela pestanejou rapidamente.

— Vais tocar com os Linkin Park?

Ele agarrou novamente na mão dela, puxou-a e contornaram o anfiteatro numa corrida. Clara perguntava várias vezes o que estava a acontecer, mas o Doutor não lhe respondeu. Alcançaram um local mais reservado, nas traseiras daquela que seria a fachada do recinto onde estavam as várias entradas. Havia divisórias altas e homens grandes e ameaçadores, vestidos de negro, com a palavra “Segurança” escrita na parte de trás das blusas e dos coletes a fazer uma espécie de ronda e que vigiavam aquele acesso restrito.

O Doutor ajeitou o seu casaco, penteou o cabelo com uma mão.

— O que estamos a fazer aqui? – perguntou Clara sem fôlego.

— Vamos conhecer os teus miúdos revoltados.

— O quê?

— Não os queres conhecer… pessoalmente? Antes do espetáculo, vamos ter uma conversa com eles. Foi a tua sugestão.

— Não foi bem uma sugestão, foi mais uma ideia… um desabafo. Sim, foi uma ideia.

— Assim evitamos as filas. É uma ideia fantástica. E descobrimos o que está a acontecer.

— Está alguma coisa a acontecer?

O Doutor e Clara entreolharam-se.

Ele estendeu o braço, num gesto cortês, dando-lhe passagem e ela avançou.

Um dos seguranças levantou uma mão e barrou-lhes o caminho, grunhindo:

— Alto! Vocês não podem estar aqui. – Enfiou os polegares no cinto e falou alto, como se eles fossem surdos ou idiotas: – Têm bilhetes para o espetáculo? Devem apresentá-los na entrada. É por ali, minha senhora. Cavalheiro. Queiram por favor seguir as indicações que estão nos painéis. Está tudo muito bem explicado.

O Doutor retirou o cartão psíquico do bolso interior do seu casaco e mostrou-o.

O segurança endireitou-se de imediato.

— Ah, doutor! Peço desculpa, não sabia que era o senhor… Estão à sua espera. Queira acompanhar-me, por favor.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Um apelo e um mistério.