Alexandra escrita por Beykatze


Capítulo 1
O Javali


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, vai ser minha primeira história mais longa publicada :D
Boa leitura ♥ e não esqueçam de conferir o glossário do final do capítulo



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Alexandra desviou do avanço das presas douradas de Crisaor rolando para o lado. A falta de uma armadura a deixando com uma pequena desvantagem de proteção sobre a couraça grossa do javali alado, que corria na direção dela em fúria.

A jovem guerreira tinha ido atrás do monstro após, em um passeio solitário e inocente pela ilha, avistá-lo derrubando árvores e destruindo tudo por onde passava. Sem pensar duas vezes, foi até ele com sua espada em riste só para então perceber que era uma ideia ruim.

A presa afiada foi mais uma vez lançada em sua direção, e ela pulou para trás, desferindo um golpe no focinho de Crisaor, que finalmente recuou alguns centímetros, dando a Alexandra uma chance de correr na direção contrária do monstro, escalando habilmente uma árvore suntuosa que balançava os galhos suavemente com a brisa.

Enquanto subia, o javali se recuperava e começara a atacar sem dó o tronco majestoso, enfiando suas nobres presas até onde conseguia e arrancando-as em seguida apenas para repetir o ato.

Crisaor era gigante, constatou. De cima da árvore era possível ver toda sua imensidão: era um javali de pelos marrons e pele grossa; presas enormes, curvas, afiadas e feitas de ouro, que brilhavam ameaçadoramente; pés que corriam tão rápido que o animal parecia se mover com o vento; olhos vermelhos que externavam toda a fúria internalizada da criatura e impressionantes quatro metros de altura e aproximadamente sete de comprimento.

O monstro guinchou quando não conseguiu retirar a presa da árvore e Alexandra aproveitou a chance, se atirando sobre Crisaor corajosamente com a espada voltada para baixo. Tinha esperanças de que a altura a ajudasse a enterrar a espada de bronze que possuía em algum lugar vital para aquele ser.

Caindo pelo céu para chegar a um monstro enorme e violento, Alexandra via a paisagem toda: campos de grama verde e formosa, árvores dos mais diversos tamanhos e alturas, com folhas de tons variados de verde; água salgada que batia na areia ao longe e se transformava em espuma e, ainda mais afastado, o alto mar, onde inúmeros homens e mulheres já haviam se perdido.

A apreciação da ilha não durou muito, pois rapidamente a jovem caiu nas costas largas do animal, a espada afiada voltada para baixo entrando até o cabo na carne do monstro. Alexandra desabou sobre ele com a armadilha, mas logo foi lançada para fora, pois, ao sentir o ferimento, Crisaor urrou de forma grotesca e se mexeu mais forte, tentando se soltar da árvore que o mantinha preso.

As patas gigantes sapateavam a grama abaixo dele enquanto Alexandra levantava tonta e se afastava da maneira que conseguia: arrastando o corpo com os braços. A visão estava turva e ela estava perturbada, devia ter batido a cabeça ao cair do monstro. E era exatamente por isso que devia usar uma armadura com elmo, refletiu se impulsionando para longe.

Devia ter se arrastado apenas um metro ou dois quando Crisaor, o javali gigante, arrebentou o tronco vistoso e correu para longe, sem nem mesmo buscar a guerreira com seus olhos vermelhos.

Alexandra, aliviada, deitou no chão, exausta, tentando se recompor da confusão. Sentiu a respiração ofegante e a visão escurecendo, seus ouvidos pareciam preenchidos com óleo morno e sob a escuridão que enxergava, via pontos brilhantes, como as estrelas piscando no céu noturno, e apagou.

***

Com uma dor quase insuportável na testa, Alexandra acordou. Assustada, sentou rapidamente, com medo de ter dormido tempo demais e ter perdido Crisaor. O monstro podia estar destruindo a ilha ou até mesmo podia ter fugido pelo mar com o auxilio de Poseidon, seu pai.

Levantou desajeitadamente, batendo o chiton surrado que usava, e procurou por sua espada companheira, apenas para lembrar-se que a deixara presa nas costas do monstro gigante.

Bufando em desagrado, seguiu as pegadas bem marcadas que Crisaor deixara na grama verde e torceu para não dar de cara com mais nenhum monstro estúpido, pois não teria meios de se defender, a não ser, é claro, que diálogo funcionasse com seres irracionais.

Caminhando por vales, subindo ladeiras e saltando rochas limosas, Alexandra finalmente avistou uma cidade: suas construções imponentes e claramente gregas a deixaram mais tranquila. Pediria armas aos guerreiros da cidade, mataria Crisaor e então pediria uma noite de descanso para, na manhã seguinte, poder retornar à sua cidade, Filacopi, onde morava com seu irmão.

Alexandra se aproximou da entrada da cidade, aliviada que poderia conseguir ajuda para terminar sua breve saga de aventuras. Entretanto, há cinco metros de cruzar para dentro da pólis, uma criatura enorme caiu dos céus na sua frente, impedindo sua passagem com um estrondo que levantou terra.

“Mais um monstro” pensou preparada para recuar, mesmo que não fosse surtir muitos efeitos sobre uma criatura veloz. A poeira foi baixando e Alexandra pode ver o que estava em sua frente: um monstro com a cabeça e o busto de uma mulher, com olhos amarelos e grandes como os de um gato; corpo e pernas de leão, a pelagem dourada parecia macia e, ao mesmo tempo que dava vontade de tocar, também sentia a ameaça; e asas longas e escuras de um pássaro enorme.

O monstro piscou seus olhos felinos preguiçosamente e sentou sobre as patas de leão, encarando Alexandra. A criatura abriu a boca e se pronunciou:

—O que é que sempre corre, mas nunca anda? Às vezes murmura, mas nunca fala? Possui um leito, mas nunca dorme? Nasce, mas nunca morre?

—O que?

—Decifra-me ou te devoro- Ronronou.

Só então a jovem guerreira percebeu que estava cara a cara com a Esfinge. Já ouvira falar dela: um monstro que guardava as entradas de algumas cidades, e, para que os viajantes pudessem atravessar, propunha uma charada. Se o viajante acertava, ela ia embora, se não, ela o devorava. Entretanto, de todas as histórias que ouviu, apenas um homem já tinha conseguido derrotar uma esfinge.

Buscou na memória todas as vezes que seu irmão treinava charadas com ela, para que pudesse impressionar Reis e derrotar esfinges, mesmo que a segunda parte fosse apenas no imaginário dos dois... Agora não mais.

—Pode repetir?- Alexandra solicitou.

—O que é que sempre corre, mas nunca anda? Às vezes murmura, mas nunca fala? Possui um leito, mas nunca dorme? Nasce, mas nunca morre?

Essa resposta ela não sabia de cara, mas nem precisava. Se pensasse um pouco descobriria. Heitor, irmão de Alexandra, sempre a mandava ouvir ou ver além do que estava exposto ou que fora dito. “É só isso que quer dizer?” Ele perguntava “Ou, se analisarmos friamente vemos algo além?” E Alexandra se punha a imaginar as mais variadas respostas e formas de interpretar as coisas.

Mas agora, em uma situação real, onde a morte não dependia de sua habilidade com a espada, ou sua velocidade, a pressão e o medo de não saber a resposta, de não ver além, a consumia.

Com a esfinge a encarando, sentou também na estrada.

O que corre, mas nunca anda? Poderia ser o tempo, ou eram bigas. Murmura, mas nunca fala? O vento? Possui um leito, mas nunca dorme? Nasce, mas nunca morre?

Nenhuma de suas respostas batia com as outras, deixando a guerreira ainda mais nervosa. A frase “apenas Édipo já passou pela esfinge e sobreviveu” brilhava com letras garrafais em sua cabeça. A testa alva começou a suar, as gotículas frias escorrendo e umedecendo os fios grossos dos cabelos castanhos e compridos.

O que nasce, mas nunca morre?

O que possui um leito... Alexandra sorriu para o monstro parado na estrada. Começou a associar todas as perguntas e sentiu confiança na resposta que tinha.

Levantou limpando a terra de suas roupas e o suor em sua testa, a esfinge a olhava com voracidade, passando a língua nos lábios definidos. O busto desnudo envergonhava um pouco Alexandra, que tentou não pensar nisso quando se aproximou e encarou a esfinge nos olhos.

—A resposta é: um rio- Decretou Alexandra- Um rio sempre corre, mas nunca anda. Um rio às vezes murmura, mas nunca fala. Um rio possui um leito, mas nunca dorme. E por fim, um rio nasce, mas nunca morre.

A esfinge piscou algumas vezes, confusa. Os olhos amarelos se estreitaram e os lábios femininos sorriram para Alexandra.

—Correto- Comentou se espreguiçando com as patas com garras expostas.

—Posso passar?

O monstro assentiu contrariado, infeliz que a guerreira tinha acertado a charada, e se retirou, escalando o paredão rochoso ao lado da entrada.

Alexandra entrou na cidade com cautela, temerosa que a esfinge reaparecesse ou que alguma outra criatura farejasse a onda de azar que a rondava, mas não teve mais perigos.

As ruas da cidade eram largas e floridas, com canteiros e vasos repletos de plantas, e a jovem avistava por todos os cantos moradores da cidade, todos bem vestidos, com ornamentos reluzentes e tecidos leves.

—Com licença- A jovem pediu cutucando um ombro- Preciso conversar com alguma autoridade.

O homem a quem ela fizera a solicitação sorriu e segurou sua mão.

—E quem você é para fazer tal pedido?

—Uma guerreira que precisa de uma armadura e uma espada- Retrucou irritadiça recebendo um sorriso maroto como resposta.

***

Nicolas, como o homem disse se chamar, era amigo de infância do príncipe e poderia pedir que o Rei conversasse com ela. Mesmo que indagasse quais suas intenções na ilha, Alexandra não revelava, pois tinha aprendido a não confiar em qualquer um, essencialmente em homens estranhos.

A cidade, Cnossos, na ilha de Creta, era há muito tempo guardada pela esfinge, como contou Nicolas, e, assim que a jovem disse ter encontrado com ela e respondido corretamente sua charada, os olhos azuis do homem brilharam.

—O Rei com certeza vai querer vê-la.

E, com apenas mais alguns minutos de conversas banais e passos apressados, Alexandra e Nicolas chegaram no palácio. O homem se apresentou aos guardas e conseguiu entrar com ela e colocá-la na presença do Rei, dizendo ser algo urgente e de extrema necessidade ser dos conhecimentos dele.

Alexandra duvidava que o monarca fosse recebe-la, mas a tentativa era válida. Remoía as ações e calculava se não era uma ação muito estupida, quando outro homem entrou na sala onde ela e Nicolas estavam aguardando.

A sala onde estavam era espaçosa e possuía tapeçarias ricas em histórias nas paredes. A luz que entrava vinda da rua iluminava bem o recinto, permitindo que Alexandra visse com clareza as expressões que o Rei fazia.

—Nicolas, e o que seria de tamanho interesse para mim? – O homem era alto e barrigudo, com uma túnica branca feita com algum tecido caro que Alexandra nunca tinha nem tocado, entrou e encarou a garota com curiosidade.

—Essa moça- Falou animadamente- Derrotou a esfinge!

Os olhos do monarca se estreitaram, mudando o interesse por suspeita.

—Ah, foi?

—Sim, senhor- Alexandra falou, mesmo sabendo que a pergunta havia sido feita para seu novo e estranho amigo.

Mais uma vez, o homem importante a olhou com desconfiança.

—E você quem é?

—Eu sou Alexandra de Filacopi, vim conhecer a ilha e seus encantos e encontrei com Crisaor e, perseguindo-o dei de cara com a esfinge.

—Crisaor?- O Rei indagou surpreso- Nicolas, pode se retirar.

Olhou com certa relutância para os dois, mas saiu mesmo assim, cabisbaixo.

—Alexandra de Filacopi. Perseguiu Crisaor, o javali gigante com presas douradas, depois derrotou a esfinge e está aqui agora por...?

Sua fala apresentava bastante descrença e ironia, mas Alexandra não se deixou abalar com a recepção esdrúxula que estava recebendo. Sabia que monarcas eram naturalmente estúpidos.

—Gostaria de pedir um favor. Uma espada e uma armadura para que eu possa ir ao encontro do monstro e terminar de matá-lo, assim ele não irá ferir mais ninguém.

O homem arqueou as duas sobrancelhas e, no momento em que Alexandra pensou que receberia uma represália, ele explodiu em uma gargalhada.

—Garota- Falou entre risos- Eu te dou uma espada e uma armadura e, se você retornar com vida, nós conversamos.

—Muito obrigada, senhor- Agradeceu sinceramente.

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NOTAS FINAIS/GLOSSÁRIO

—CRISAOR: Na mitologia grega, Crisaor era filho de Poseidon e da Medusa e teria nascido quando Perseu cortou sua cabeça. Sobre sua aparência eu não encontrei um consenso nos sites, então escolhi a representação de um javali alado com presas de ouro.

http://www.mitando.com.br/mitologia-grega/gigantes/crisaor-gigante-da-espada-de-ouro/

http://portal-dos-mitos.blogspot.com/2013/06/crisaor.html

https://mitologiagrega.net.br/os-14-terriveis-monstros-da-mitologia-grega/

—CRETA: Creta é a maior ilha da Grécia e a quinta maior do Mediterrâneo. Situa-se na parte mais meridional do Egeu, separando este mar do mar da Líbia.

https://www.infoescola.com/grecia/ilha-de-creta/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Creta

—CNOSSOS: Cnossos é o maior sítio arqueológico da Idade do Bronze da ilha grega de Creta, provável centro cerimonial e político-cultural da Civilização Minóica.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Cnossos

https://www.historiadasartes.com/sala-dos-professores/palacio-de-cnossos/

—CHITON: Esta peça de roupa era popularmente usada por homens e mulheres na Grécia antiga como uma camisa sem mangas. Este pedaço retangular de linho foi colocado em torno do corpo de muitas maneiras diferentes, o método mais popular que exige fíbulas, ou broches, para mantê-los nos ombros e um cinto na cintura. 

https://www.historiaantiga.com/roupas-famosas-grecia-antiga/

http://antiga-grecia.blogspot.com/2012/04/roupas-gregas.html

—FILACOPI:

https://www.suapesquisa.com/grecia/cidades_grecia_antiga.htm

https://3.bp.blogspot.com/-hcz8-KOJnEs/Ve94_uxMB6I/AAAAAAAAB9Y/vMHiq2wpAGM/w1200-h630-p-k-no-nu/mapa%2Bgr%25C3%25A9cia%2Bantiga.PNG [imagem do mapa]

—ESFINGE: A esfinge é, tradicionalmente, uma criatura mítica com o corpo de leão e a cabeça de um humano, um falcão, ou um gato. Na tradição grega, ela tem pernas de leão, asas de um pássaro grande e o rosto de uma mulher. São criaturas mistificadas como traiçoeiras e impiedosas.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Esfinge

https://www.infoescola.com/mitologia/esfinge/

https://jeonline.com.br/site/uploads/colunistas/729-02122014162118.jpg [imagem]


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Notas finais do capítulo

Qualquer erro podem me avisar :D
Comentem ai o que vocês acharam ♥ e até o próximo capítulo
E não esqueçam de conferir a fic da Gerlane https://fanfiction.com.br/historia/784634/O_Pecado_de_Ligia



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