With a little help from my friends

 

A neve caía em flocos finos lá fora acumulando nas calçadas por toda Londres. Ronald Weasley observava os pequenos padrões que os floquinhos de neve formavam ao grudarem no vidro da loja de vinis onde estava e agradeceu mentalmente por ser um local com aquecedor. Esfregou as mãos e suspirou voltando a olhar Hermione dedilhar concentrada as muitas capas de discos, enquanto colocava uma das mechas do cabelo cacheado atrás da orelha. 

 

Seria definitivamente um dia de muita neve e, pelo bufar da garota a sua frente, de muito trabalho ele logo percebeu.

 

— Droga! — Hermione não era adepta aos xingamentos, mas vez ou outra quando estava muito irritada soltava umas palavras mais desagradáveis. Droga era certamente a mais dita por ela. — Nada aqui também. — Suspirou.

 

Era a segunda loja de vinis antigos que eles entravam aquela manhã. Hermione tinha uma única missão que era encontrar um disco dos Beatles. Ron não lembrava qual era, ele nunca fora muito fã da banda e não entendia como aquilo podia ser tão importante pra fazer a garota entrar em uma caçada frenética pelo disco às 8h da manhã do dia 24 de dezembro.

 

— Qual disco você está procurando mesmo? — Ele perguntou enquanto segurava a porta para a garota passar, sentindo o vento frio lhe arrepiar os pelos da nuca.

— O Please, please me. — Hermione respondeu bufando novamente. Ronald nunca havia visto a garota tão… irritada.  — O primeiro disco deles? — Seu tom tinha um que de pergunta, como se estivesse incrédula que ele não soubesse daquele fato.

— Ah, é que eu não ligo muito para os Beatles quer dizer, as músicas deles são todas velhas… — Ron continuou seu caminho até o carro mas parou quando percebeu que Hermione não o seguia. Girou sobre seus calcanhares para encarar uma Hermione boquiaberta e incrédula.

 

Antes que Ron pudesse falar qualquer coisa, Hermione respirou fundo e fechou os olhos fazendo um movimento com as mãos como quem tenta se acalmar. 

 

— Ok, eu vou fingir que você não disse isso para a nossa amizade continuar. — A garota respondeu andando até o carro de Ron e entrando pela porta do carona.

— Ok. —- Ron riu e tomou seu lugar no banco do motorista ligando o carro em seguida.

 

Ronald guiou o carro pelas ruas de Londres. Estariam imersos em um profundo silêncio se não fosse pelo GPS que ditava o caminho. Continuaram assim por um tempo até que Hermione começou a mexer no rádio do carro ajeitando alguma coisa em seu celular em seguida. Logo o silêncio foi rompido.

 

"I give her all my love, that's all I do and if you saw my love, you'd love her, too. I love her "

 

Ron sacudiu a cabeça. Era óbvio que Hermione não ia conseguir simplesmente deixar aquilo passar sem argumentar, sem falar nada. Ele sabia que ela era grande fã dos Beatles (não era como se qualquer pessoa próxima o suficiente de Hermione Granger não soubesse do grande amor da garota pela banda) mas aparentemente não era de conhecimento dela, até aquele fatídico momento, que Ron não gostasse dos músicos.

 

— Olha, você sabe que não ia conseguir deixar isso quieto. — Sim, ele sabia. — Mas são os Beatles! Eles revolucionaram a música como ela é hoje. — Hermione se ajeitou no banco se inclinando levemente para o lado a fim de encarar Ron que mantinha os olhos fixos na estrada.

 

"She gives my everything and tenderly the kiss my lover brings, she brings to me and I love her"

 

— Como eu realmente acho que você nunca nem escutou de verdade uma música deles, eu vou colocar algumas para tocar e você pode me dizer se realmente não gosta ok.

— E você decidiu colocar a música mais triste da carreira dos caras? - Ron perguntou rindo.

— O que? — Hermione perguntou com a voz uns dois tons mais alto que o normal. - Essa definitivamente não é a música mais triste da carreira deles…

— Não posso fazer nada se eles cantam como se estivessem morrendo… — Ele provocou dando um risinho discreto quando ouviu a garota bufar.

 

"A love like ours could never die as long as I have you near me"

 

— Para sua informação essa música é um dos maiores sucessos da carreira deles. — Hermione disse orgulhosa.

 

Ron não respondeu, apenas continuou dirigindo em silêncio. Quando havia se oferecido no dia anterior para levar Hermione para comprar os presentes de Natal não havia imaginado que estaria ali naquele momento ouvindo Beatles e embarcando em uma longa jornada à procura de um disco raro da banda. Mas ele não podia reclamar, quer dizer, já fazia cerca de um ano que finalmente tinha entendido seus sentimentos por Hermione mas a coragem de dizer algo à garota ainda lhe faltava. Então aproveitava todas as oportunidades que tinha de passar algum tempo a sós com a ela. 

 

— Vire à próxima direita. — Hermione disse animada e Ron não entendeu muito bem onde a garota queria chegar com aquilo pois segundos depois a voz robótica do GPS ecoou pelo carro dizendo: "em 300 metros, vire à esquerda".

— Você está mesmo me falando para ir contra o GPS? Quem é você e o que fez com Hermione Granger? — Ron perguntou rindo e, mesmo que tivesse os olhos fixos na estrada, tinha certeza que Hermione havia rolado os olhos. 

— Só confia em mim ok? — E ele confiava. Quer dizer, as chances de Hermione algum dia estar errada eram mais baixas até mesmo que as do GPS estar errado. 

 

Assim, quando chegaram ao final da rua Ron seguiu as palavras da garota e virou à direita. Aos poucos viram a paisagem mudar e casas tomarem o lugar dos altos prédios comerciais que cercavam Londres. Até que Hermione disse em um rompante:

— Pare o carro! — O ruivo se assustou com o tom da garota e freou bruscamente. Poderia ser um animal que lhe escapou na visão periférica, ou um placa de pare que Ron não tinha visto.

— O que foi? — Ele perguntou depois de ver a rua deserta naquela manhã do dia 24. E foi quando ele fitou Hermione que tinha um sorriso divertido no rosto e olhava animadamente para frente. Ron seguiu seu olhar mas não conseguia ver nada além de uma faixa de pedestre e casas bonitas. 

— Ah não. — Ele concluiu demorando a perceber que falara em voz alta.

— Ah sim. — Hermione disse animada desafivelando o cinto e abrindo a porta do carona rapidamente. — Vamos Ron, é Abbey Road.

 

Ron levou as mãos até as têmporas massageando-as vagarosamente com os olhos fechados. Hermione podia ser bem cabeça dura quando queria e se ela havia colocado em mente que faria daquele passei o "dia de fazer Ron gostar dos Beatles" ela definitivamente não cansaria até atingir sua meta. Pelo vidro da frente Ron conseguia ver a garota animada fazendo gestos para que ele saísse do carro enquanto se equilibrava para não escorregar no chão já levemente coberto por neve.

 

Finalmente se dando por vencido Ron saiu do carro andando até a amiga se arrependendo no segundo seguinte que o vento frio lhe tocou as bochechas fazendo com que elas ficassem da cor de seu cabelo. 

 

— Então aqui é Abbey Road onde eles fizeram aquela capa icônica, você conhece certo? — Ron assentiu com a cabeça sem conseguir não se deixar deixar levar pela animação contagiante da garota. — Ótimo. Logo ali fica o estúdio. — Ela continuou enquanto atravessava com Ron a rua, pela icônica faixa de pedestres. — Foi ali que eles gravaram a primeira transmissão via satélite ao vivo da história da música.

 

Hermione parecia uma enciclopédia dos Beatles, recitando fatos sobre a carreira dos músicos por onde passava. E isso não era uma exclusividade da Hermione determinada a fazer com que ele gostasse de Beatles, era uma característica normal da garota.

 

Inesperadamente, pelo menos para Ron, Hermione parou em meio a faixa se virando de frente para o amigo.

 

— Você sabe que passam carros por aqui certo? — Ron perguntou com uma sobrancelha erguida.

— Olhe ao redor Ronald, não tem uma viva alma aqui à essa hora da manhã. - Ela revirou os olhos tomando distância e sacando seu celular. — Vamos, faça uma pose, você precisa ter uma foto aqui.

 

Foi a vez de Ronald revirar os olhos. Porém, o garoto sorria e fazia umas poses bobas enquanto Hermione se afastava para tirar fotos até que ela tropeçou e caiu sentada na neve fofa que se acumulava na calçada. O ruivo andou até ela rindo e lhe estendeu o braço quando estava perto o bastante.

 

— Quer apostar quanto que isso também aconteceu com o fotógrafo do Beatles aquele dia? — Ele disse sorrindo para a garota com o braço estendido em sua direção.

— Ha-ha muito engraçado. — Hermione bateu no braço de Ron afastando-o e se levantou sozinha. — Você tem que admitir que foi pelo menos divertido… — Ela respondeu com um sorrisinho bobo nos lábios.

 

Ron riu. Estar com Hermione era sempre agradável e divertido. Ele viu a garota limpar restos de neve da calça jeans que agora estava molhada. 

 

— Droga! — Ela voltou a dizer, irritada com a situação.

— Vamos voltar para o carro antes que você morra com a bunda congelada o que, convenhamos, é um jeito muito estúpido para Hermione Granger partir dessa para uma melhor. — Ele riu apoiando uma mão espalmada nas costas da garota e guiando-a até o carro.

 

Assim que entraram no veículo, Ron ligou o aquecedor e Hermione que só naquele momento percebeu que tremia, se sentiu mais confortável.

 

— Voltamos à programação original então? — O ruivo sorriu cordial para ela que naquele segundo pareceu ter uma ideia.

— Não. — Respondeu a garota. — Vamos na casa da Luna. Ela mora aqui por perto e sempre me convida para um chá quando venho à Abbey Road. 

— Ok, mas quem é Luna? E mais importante, porque você vem aqui com certa frequência? — Um vinco se formou na testa do garoto que claramente estava confuso.

— Luna é uma amiga, conheci ela num fórum sobre os Beatles há uns 6 anos atrás e toda vez que fazemos nosso encontro anual de fãs aqui em Abbey Road ela me convida para tomar um chá e conhecer a coleção dela, pena que nunca de fato entrei em sua casai… Mas, ela pode ter algum exemplar de Please, please me que eu posso convencê-la a me vender… — Àquela altura Ron sentiu que Hermione não mais falava com ele e sim consigo mesma. 

— E o que te faz pensar que ela te venderia a única cópia que ela talvez tenha de um disco raro? — Ele indagou.

— Ronald, seu trabalho é dirigir e não fazer perguntas… — Hermione retrucou e o ruivo revirou os olhos, dando a partida no carro.

 

Dirigiram por pouco tempo, a casa de Luna era realmente muito perto. Os dois subiram as pequenas escadinhas até a porta desviando das plantas que cresciam ao redor. Hermione analisou a porta à procura de uma campainha e demorou a perceber que a aldrava prateada com um rosto de uma águia estampado fazia as vezes de campainha. Segurou na argola pesada e deu duas batidinhas na porta. Mais do que isso era falta de educação.

Não demorou muito e Luna apareceu para abrir a porta. Sorriu ao ver Hermione e a cumprimentou em seguida:

 

— Ah, olá Hermione! — A loira tinha um grande sorriso no rosto. 

 

Ron a encarou por detrás do ombro de Mione. Ela era… diferente. Usava um vestido solto que parecia ter sido costurado por ela mesma, além de presilhas coloridas que impediam que a franja loira lhe cobrisse os olhos. O cabelo não era cacheado como o de Hermione mas era quase tão volumoso quanto. Ela também tinha uma maquiagem azul celeste nas pálpebras. Ron estreitou os olhos. Era difícil conceber que a Hermione que ele conhecia fosse amiga de alguém tão diferente. Mas o sorriso que a garota deu em retribuição ao da loira o fez sorrir junto. 

 

— Olá, Luna! — Hermione deu um passo à frente e abraçou a garota. — Como está? — Perguntou.

— Estou ótima. Finalmente consegui me livrar dos zonzóbulos. São umas pragas. —  Ron franziu a testa sem entender muito bem, mas Hermione deu de ombros indicando que ela também não entendia muito bem sobre aquilo. — Ah, e que falta de educação a minha. Por favor entre. Você e seu namorado. — Luna disse abrindo passagem para que ambos pudessem entrar na sua pequena casa.

 

Ron e Hermione trocaram um olhar nervoso e o garoto podia jurar que suas bochechas estavam em chamas.

 

— Ah, ele não é meu namorado… — Mione respondeu e Ron pode sentir um tom diferente em sua voz. Vergonha, talvez?

— Que pena, fariam um casal lindo… — Luna comentou vendo os dois entrarem na casa e Ron teve a certeza que suas bochechas entrariam em combustão.

 

A casa era modesta e tinha plantas por todo lado, um balanço no meio da sala, quadros espalhados em todas as paredes e estantes com diversos livros. Mas a grande estrela da sala era o toca discos antigo ao lado de uma grande estante onde se podia ver diversos vinis. Muitos deles Ronald reconheceu como sendo dos Beatles e por um segundo lhe bateu a esperança de que a busca dos dois acabaria ali.

 

— O que trouxe vocês à essa parte da cidade? — Luna parecia curiosa. — Aceitam chá? Tenho de camomila, hibisco e capim limão. 

— Eu aceito… — Ron não queria parecer rude. Filho de Molly Weasley o garoto foi ensinado desde cedo a nunca recusar nada que se oferecesse a uma visita.  

— Ótimo. — Ela sorriu e correu até a cozinha, colocando uma chaleira com água para ferver no fogão. 

— Então Lunes… — Hermione disse se aproximando da estante, passando os olhos pela capas dos discos. — Eu estava pensando, você tem uma grande de coleção de vinis aqui…

— Ah, obrigada.  Me orgulho muito dela. — A garota voltou da cozinha com uma xícara para Ron. — Você não disse qual dos três preferia, então misturei todos… — Disse sorrindo para o ruivo.

— Obrigado?? — O tom do garoto saiu levemente como uma pergunta.

— Eu acho que o sabor ficou ainda melhor assim… — Luna sorriu e andou até Hermione. — O que você estava procurando exatamente?

— Ah, eu queria saber se você por um acaso tem o Please, please me do Beatles.— Hermione perguntou. Mordia o canto da boca como sempre fazia quando estava ansiosa.

 

Luna pareceu pensar por alguns segundos. Entrou por um quarto e logo voltou com um vinil em mãos. Hermione não conseguiu deixar de sorrir ao ver a foto dos quatro integrantes da banda na sacada do prédio da gravadora EMI e as letras escritas em vermelho “Please, please me”. 

 — Comprei em um sebo há alguns anos atrás… — Disse Luna de forma tranquila. — Porém, só tem um problema… — A loira andou até o toca discos e retirou o disco de dentro da capa, arrumando a agulha do aparelho em qualquer linha do vinil e colocando-o para tocar. A loira sabia que independente da música que tocasse, Hermione saberia reconhecer qual disco era aquele.

 

“If I fell in love with you, would you promise to be true and help me understand”

 

A letra de If I fell começou a tocar e Hermione logo entendeu que o disco dentro da capa de seu tão almejado Please, please me era na verdade o de A Hard Day’s Night.

 

 — Quando eu comprei os discos já vieram trocados.  — Luna disse por fim. — Nunca encontrei o certo para comprar depois disso… 

 

As palavras da loira fizeram com que Hermione se sentisse derrotada. Ela sabia o quão difícil era encontrar aquele disco, mas agora que estava encarando a realidade do quão difícil seria, parte de si estava desanimada. 

 

“'Cause I've been in love before and I found that love was more than just holding hands”

 

A música continuava a tocar no fundo quando Ron percebeu que Mione havia ficado chateada. Ele se aproximou aos poucos da garota deixando sua xícara de chá em uma mesinha de centro. Ele havia tentado mas não conseguiu beber mais do que dois goles da mistura de Luna.

 

— Ei, não fica assim. Vamos achar um. — O ruivo esfregou o braço de Hermione, tentando confortá-la. A garota apenas sorriu em agradecimento. — Você tem alguma ideia de onde talvez a gente possa encontrar um desses? — Ron perguntou à Luna.

— Acho que li em algum lugar que no mini museu do Hard Rock Café eles tem um exemplar… — Ela levou uma mão ao queixo como se estivesse tentando se lembrar em qual folheto havia lido aquela informação. — Talvez consiga descobrir onde eles compraram…

 

“If I give my heart to you, I must be sure from the very start that you would love me more than her”

 

A música continuou tocando e depois dessa ainda tocaram outras, enquanto Luna servia um chá de camomila para Hermione a fim de acalmá-la. Quando saíram da casa da loira o disco já havia tocado por completo e a manhã virava tarde. Era quase meio dia quando Ronald deu partida no carro e o som do GPS dando instruções voltou a ser a única coisa audível dentro do veículo. 

 

Dirigiram por mais uns dezesseis minutos antes de Ron estacionar em frente ao restaurante. É óbvio que foram até ali ouvindo Beatles e Ron desconfiava que em um dia já ouvira mais da banda do que em todos os seus 24 anos de vida.  

 

Assim que entraram no estabelecimento não se surpreendeu quando reconheceu que a música ao fundo era nada mais nada meno que Beatles. Ele gostou daquela, no entanto. Parecia animada e a letra também não era nada mal. Em poucos minutos se pegou cantarolando “and I’ll get by with a little help from my friends”. Quando sentiu o cheirinho da comida, porém, percebeu que estava com fome o que seu estômago só fez questão de confirmar com um ronco alto.

 

— Será que poderíamos comer alguma coisa? — Perguntou Ron coçando a nuca.

— É claro Ron, eu sei que você está em fase de crescimento e precisa se alimentar… — Brincou Hermione andando até uma das mesas e se sentando, vendo o garoto imitar seu gesto.

 

Como todo Hard Rock Café, esse também era enfeitado com quadros, posters e objetos que pertenceram à grandes bandas de rock e é claro que os Beatles estavam em todo lugar. O estabelecimento de Londres porém tinha no subsolo um mini museu dedicado à banda, com letras de músicas da banda escritas à mão pelo próprio John Lennon, além de óculos e objetos pessoais usados pelos artistas. 

 

Depois de almoçarem, era óbvio que Hermione arrastaria Ron para a parte de baixo da loja. Ele poderia até não ser o maior fã de Beatles mas estar ali e ver o quanto eles contribuíram para a história da música o fez arrepiar. No fundo de sua mente, Ron comparava o amor de Hermione pelos Beatles ao amor que sentia pelo seu time do coração, Liverpool. E estar ali para ela deveria se equivaler à sensação que o garoto teve quando visitou o clube pela primeira vez aos dez anos. Se fechasse os olhos ainda conseguia ver o pequeno Roniquito (seu apelido de infância) correndo pelos gramados do campo de futebol e chorando de emoção quando os jogadores assinaram sua camisa do time.

 

Hermione permaneceu muda grande parte da exposição e Ron a viu secar uma lágrima no canto do olho esquerdo quando leu a letra de Imagine escrita à mão com o que Ron julgou como um garrancho de John Lennon. Ron riu com o quanto ela lhe lembrava de si mesmo quando pequeno. O pequeno momento da garota, foi interrompido quando o gerente do local se aproximou.

 

— Boa tarde, a senhorita queria me ver? — O senhor de cabelos grisalhos e óculos em meia lua se aproximou. Na opinião de Ron, ele tinha cara de ser um daqueles colecionadores ricos metidos a besta.

 

— Ah, boa tarde. — Hermione respondeu. — É que vi que vocês tem a discografia completa da banda aqui e pra ser sincera eu estou atrás de uma edição do Please, Please me…

 

O senhor a olhou desconfiado, provavelmente imaginando que ela ofereceria alguma quantia em dinheiro pela cópia da loja. E ela provavelmente o faria se tivesse condições financeiras para isso, porém como essa não era a realidade da recém formada em Ciências Políticas  Hermione Granger, ela continuou:

 

— Eu queria saber se o senhor sabe onde conseguiram essa cópia, as vezes eles têm alguma a mais por lá também… — Lá estava novamente a garota mordendo o canto da boca, apreensiva. 

 

— Ah, certo. — Ele ajeitou os óculos. — Compramos de loja online, mas acho que eles tem uma loja física há algumas quadras daqui, um momento. — Ele respondeu.

 

Os dois observaram  o senhor se afastar e voltar minutos depois com um papel em mãos. 155a Northcote Rd. Era o endereço que se lia no mesmo. Ron achava que conhecia o lugar, passava por aquela rua quase todos os dias. Hermione ficou esperançosa novamente e sorriu.

 

— Obrigada. — Ela pegou o papel das mãos do homem e mais rápido do que era cordialmente aceitável, subiu as escadas para o andar de cima. Ron andava rápido tentando acompanhá-la, mas estava feliz de ver a garota animada novamente depois do que acontecera na casa de Luna.

 

Quando já estavam dentro do carro Hermione novamente sacou o celular para ditar a playlist. 

 

— Vou colocar uma música alegre deles para você não reclamar que eles só escrevem músicas melancólicas ok? — Ela disse rindo e selecionando Here Comes The Sun na playlist do celular.

— E isso existe, por um acaso? — Ronald zombou relaxando os ombros enquanto paravam em um pequeno trânsito no centro de Londres.

 

“Here comes the sun (doo doo doo), here comes the sun, and I say it's all right”

 

Hermione esticou as mãos tamborilando sobre o painel do carro ao ritmo da música cantando junto.

 

— Little darling, it's been a long cold lonely winter, little darling, it feels like years since it's been here… — Hermione olhava para Ron, uma sobrancelha arqueada, desafiando o garoto a cantar junto. — Vamos… — Ela pediu com os lábios formando um biquinho e continuou para a próxima frase da música, cantando alto dentro do carro. — Here comes the sun…

— Doo doo doo… — Ron cantarolou batendo os dedos no volante.

— Sabia que você se renderia. — Mione se deu por vencida sorrindo enquanto Ron rolava os olhos. 

 

Não demoraram muito para chegar até a loja indicada e demoraram menos ainda para receber a notícia que não tinham o álbum que Hermione tanto procurava. Dali foram levados até outra loja e procuraram em mais sete locais diferentes. De lojas a antiquários, de galerias a sebos, nenhum dos lugares onde foram durante a tarde tinha uma cópia do bendito álbum.

 

Já eram quase sete da noite e a neve já cobria grande parte de todas as estradas e calçadas. A dupla seguia em direção à um depósito de onde a última loja de antiquários que visitaram recebia parte de suas mercadorias. Não tinha música tocando dessa vez. Hermione quase não tinha mais esperança e estava bastante calada já há um tempo. Ron dirigia com cuidado, as ruas estavam quase desertas e escorregadias devido à quantidade de neve. 

 

Vez ou outra o garoto olhava pelo canto de olho para Hermione que permanecia em silêncio e com o olhar perdido pela janela. Continuou dirigindo até o endereço que lhes foi informado dando de cara com uma grande estrutura que infelizmente estava fechada. Ron olhou novamente pelo canto de olho para Hermione que suspirou e mesmo assim colocou a mão na maçaneta e abriu a porta do carona andando até o grande galpão. 

 

Bateu na porta de metal causando um eco por todo o local. Uma vez. Duas vezes. Três vezes. Quatro vezes. E foi ali que Ron percebeu que ele também precisaria sair do carro. Andou em direção à amiga tentando acalmá-la. 

 

— Hey, ‘tá tudo bem, podemos ir em outro lugar. Vou procurar no google onde tem mais lojas que vendem vinis antigos… — Ron apoiou uma das mãos sobre o ombro de Hermione, tentando confortá-la. 

— Não. — Ela suspirou. — Acabou Ron, está tarde. Vamos pra casa.

 

Ron não disse mais nada. Sabia que Hermione estava frustrada e só acompanhou a garota de volta para o carro. Sem trocarem mais uma palavra, Ron deu a partida no mesmo e começou a fazer o caminho de volta. De certa forma Hermione estava certa, já estava ficando tarde e era perigoso dirigir pelas estradas enevoadas e congeladas durante a noite.

 

Já estavam andando há um tempinho quando passaram por algo que parecia ser um buraco e em poucos segundos tudo aconteceu. O carro de Ron deslizou pela pista e o volante girava sem que o ruivo conseguisse controlá-lo, ele olhou desesperado para Hermione, o medo em seus olhos e refletiam  nos olhos da garota. O carro continuou sem controle por alguns segundos até que parou bruscamente. O corpo de Ron foi impulsionado para frente e o cinto o impediu de ser atirado pelo vidro. Ele se virou para a garota ao lado preocupado:

— Mione, você ‘tá bem? Se machucou? 

— Estou bem Ron, tudo bem. — A garota também estava de cinto, é claro e não tinha um arranhão sequer. Sua fala era calma na intenção de tranquilizar o ruivo, sabia o quão desesperado ele poderia ficar em uma situação dessas. 

 

Tudo estava bem. Havia sido apenas um susto, Ron concluiu. Respirou fundo tentando fazer as mãos pararem de tremer e ligou o carro novamente. Pisou no acelerador mas os pneus pareciam rodas sem sair do lugar. Pisou mais forte e nada aconteceu além de um barulho alto. Ron não entendia muito bem o que estava acontecendo mas saiu do carro para ver.

 

Quando olhou para debaixo das rodas do veículo se deu conta de que ele estava atolado em neve, as quatro rodas enfiadas na neve fofa que o fizera derrapar minutos antes. Ficou claro naquele momento que não conseguiriam sair dali sem a ajuda de um guincho, então Ron voltou até o carro para pegar seu celular e fazer a chamada.

 

— O que houve? — Hermione perguntou já desafivelando o cinto para sair do carro.

— Parece que o carro atolou na neve, vou ligar para um guincho. — Ron se esticou para dentro da janela do carro pegando o celular que havia deixado no banco.

 

Hermione saiu do carro e observou a situação. Ele estava completamente atolado em neve. A garota se sentiu ainda mais frustrada e com raiva, sentia seu sangue ferver em suas veias e quando se deu conta estava efusivamente chutando um monete de neve acumulada próxima ao carro.

 

— Droga! Merda! — A garota falava sem parar de chutar a neve. Ela precisava explodir. Passara o dia dando de cara com um não atrás do outro e cada vez mais frustrada e agora aquilo? Hermione era conhecida por ser extremamente paciente, mas tudo tinha limites é claro. 

 

Quando Ron desligou o telefone e percebeu a garota irritada andou até ela calmamente e a abraçou. Hermione não parecia esperar por aquilo e por alguns minutos os golpes que dava no monte de neve foram transferidos para Ron, mas logo depois ela se rendeu e o abraçou de volta. Encostou a cabeça no peito do garoto que era consideravelmente mais alto que ela, sentindo seus cachos se amassarem. Em pouco tempo porém, ela começou a chorar. 

 

— Hey, vai ficar tudo bem ok? Eu já liguei para o guincho e eles já estão vindo, logo vamos estar em casa… — Ele tentava confortá-la.

 

A questão é que em momentos como aquele, Ron tinha total certeza de que amava Hermione. Se apenas ele conseguisse falar algo sobre isso com ela, sem que estragasse a amizade de anos entre os dois. Mas desde que seus sentimentos se tornaram conscientes Ron também tomou a decisão de que a amizade deles era valiosa demais para arriscar tudo com uma declaração e colocou como meta ignorar aquele sentimento. E ele até que era bom nisso, mas em momentos como aquele, tudo que ele queria era nunca mais soltar Hermione de seus braços e beijar todo seu rosto até secar suas lágrimas.

 

— Não é isso…— A garota se afastou um pouco, secando o rosto contra a manga do casaco. — É só que hoje foi inútil… Eu só queria dar um último presente para ele…

 

E foi ali que Ronald entendeu toda a caçada desenfreada ao disco antigo. Fazia quase um ano que o pai de Hermione falecera e ele sempre fora o maior fã dos Beatles que Ron já conheceu. Era com ele que a filha havia aprendido a gostar e ouvir a banda, ambos passavam horas ouvindo toda a coleção de discos do pai da garota desde que Ron conhecera a garota com onze anos de idade.

 

Hermione sempre dizia que o maior orgulho de seu pai era sua coleção de discos dos Beatles, incompleta desde que os Granger se mudaram para a casa atual há uns cinco anos atrás onde na mudança se perdera justamente o disco de Please, please me. Porém, ela estava errada. O maior orgulho do Sr. Granger sempre foi e sempre seria, sua filha. 

 

— Hey, hoje nem foi de todo inútil, acho que decorei umas duas letras dos Beatles… — Ron disse de forma descontraída. Aquele era seu maior talento, fazer piada com absolutamente tudo. — Como era mesmo aquela? — Ron começou a cantarolar a introdução de With a Little Help From My Friends, coincidentemente ou não, completamente fora do tom. — What would you think if I sang out of tune? Would you stand up and walk out on me? Lend me your ears and I'll sing you a song and I'll try not to sing out of key…

 

Hermione sorriu em meio às lágrimas e fungou, sorrindo para o garoto e cantando junto.

 

— Oh, I get by with a little help from my friends… — Ela sorriu verdadeiramente. Hermione era completamente grata por ter Ron em sua vida e por tudo que o garoto significava para ela. O dia havia sido exaustivo e completamente frustrante, é verdade, mas teria sido totalmente pior se não estivesse na companhia de Ronald. 

 

O guincho chegou pouco tempo depois e eles logo estavam em casa. Hermione cumprimentou a mãe assim que chegou e correu para o quarto. Estava exausta e triste demais para fazer qualquer coisa além de dormir aquela noite.

 

Na manhã seguinte, Hermione acordou mais tarde do que de costume. A mãe já havia preparado sua famosa fornada de biscoitos de gengibre. Desceu para cumprimentar a mãe e passou o resto da tarde ajudando a matriarca a fazer uma torta, mesmo com Molly insistindo que não precisavam levar nada.

 

Quando o sol começava a querer se por, lá pelas quatro da tarde, Hermione subiu para tomar um banho e se arrumar para a ceia de Natal. Vestiu um vestido vermelho antigo que a mãe insistia que ressaltava o tom de sua pele negra e em poucos minutos estava pronta. Completou o look com um brinco discreto e desceu as escadas encontrando a mãe, ambas ainda precisavam ir até a casa dos Weasley. Os Granger e os Potter sempre passaram o Natal na casa dos Weasley, e agora que era só elas duas era óbvio que passariam lá esse ano também.

 

Algum tempo depois, estavam todos reunidos à grande mesa posta no quintal dos Weasley.  Molly como sempre havia caprichado na comida. Havia um enorme peru à mesa, dois molhos diferentes postos em molheiras bonitas e certamente antigas, batatas assadas, purê de batatas, legumes assados e saladas variadas. Também não podia faltar é claro o tradicional Christmas pudding, favorito de Hermione. 

 

Ao fim da ceia, como de costume, começou a troca de presentes. A senhora Weasley entregou um suéter com a inicial de cada um para todos os presentes, uma tradição de anos na família Weasley, Hermione mesmo já deveria ter recebido uns 10 das mais diferentes cores ao longo dos anos. Harry lhe deu um livro como na maioria das vezes também e depois que todos já estavam distraídos abrindo seus próprios presentes, Ron se aproximou trazendo um embrulho que parecia ter sido feito por ele mesmo.

 

— Oi Mione. — Ele estava claramente envergonhado e coçava a nuca com uma das mãos.

— Ron! Nós havíamos combinado nada de presentes esse ano! — Ela o repreendeu quando reparou o embrulho. 

— Eu sei que você também não seguiu isso. — Ele deu de ombros. 

— Certo. — Ela se virou e pegou um embrulho, entregando-o ao garoto. — Você me conhece bem demais.

 

Ronald segurou o presente de Hermione sob o braço para que pudesse ter as duas mãos livres para abrir o seu. Era a nova camisa do time do Liverpool, do uniforme que lançaram naquele ano.

 

— Wow! — Ele disse empolgado. — Obrigado Mione. — Ele sorriu para a garota e logo pigarreou. — Acho que é minha vez agora, certo? — O ruivo estendeu o embrulho na direção da garota.

 

Hermione não demorou muito para se desfazer do embrulho mal feito. Ela tinha certeza que havia sido o próprio Ron quem embrulhara e isso a fez rir. Porém seu sorriso logo se transformou em surpresa e emoção quando entendeu o que tinha em mãos. O álbum Please, please me finalmente ali em suas mãos. O silêncio se instaurou por alguns minutos. Hermione não sabia o que pensar, o que sentir.

 

— Ron… Como, como você conseguiu? —  Hermione tinha os olhos marejados e a voz embargada. 

— Bom, um dos fornecedores dos gêmeos estava devendo uma grana pra eles e acontece que o cara é um grande colecionador dos Beatles… Então eu fiz algumas ligações e bem, é isso.

— Meu Deus, isso deve ter sido muito caro… — A garota comentou colocando uma mecha do cabelo cacheado atrás da orelha.

— Eu gosto de pensar que ver você feliz não tem preço…— Ron deu de ombro.

— Feliz?? Eu estou tão feliz que eu poderia te beijar… — Ela disse abraçando fortemente o garoto e logo que percebeu o que havia dito suas bochechas coraram. — Quer dizer, eu poderia te beijar, mas não quer dizer que eu vá, você sabe é uma expressão… — Hermione soltou do abraço o suficiente para que conseguisse olhar nos olhos do garoto.

 

Ron respirou fundo e sorriu terno, se curvando até que a ponta de seus narizes se tocassem. Suas respirações se misturavam e ele podia sentir o calor que emanava das bochechas da garota e as deixavam rubras.

 

— Isso seria ótimo, porque eu também beijaria você de volta… — Ronald disse por fim. Os olhos fixos nos lábios da garota.

 

Hermione se esticou na ponta dos pés acabando com a distância entre os lábios dos dois. O beijo era calmo e terno, era perceptível que ambos ansiavam por aquilo já há algum tempo. Suas línguas dançavam em perfeita sintonia dentro por entre as bocas. Nunca algo pareceu tão certo quanto aquilo. Quando lhe faltou ar, a garota rompeu o beijo devagar sem conseguir abrir os olhos com medo de que aquele momento mágico tivesse apenas ocorrido em sua imaginação. O ruivo então levou uma de suas mãos à bochecha de Hermione, acariciando-a. 

 

— Feliz Natal, Hermione.

— Feliz Natal, Ronald. — Ela respondeu.

 

Fim.