Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 13
013. Quando a Chuva Passar




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Roman Medina havia encontrado Alexei com uma péssima e pesada aura, sentado numa cadeira do canto e com os braços envolvendo a cabeça, enquanto a mente estalava em pensamentos incessantes e possibilidades a serem feitas para resolver o problema Dominic. Havia passado o resto do dia anterior todo matutando qual seria a melhor alternativa a se tomar – e se alto depreciando por ter sido burro o suficiente para não se precaver contra algo tão óbvio. O vampiro não havia conseguido sequer terminar os bolos da primeira remessa do dia de tão preocupado.

− Alex? – Roman chamou, confuso. Alexei ergueu o rosto inchado e vermelho de tanto ter sido forçado contra as próprias mãos. – A Dayana disse que você estaria aqui... – explicou. Alexei engoliu seco e se levantou, com um olhar exaustivamente irritado – O que houve? – ele questionou. O vampiro suspirou.

− Meu ex. Ele quem houve – afirmou irritado, ajeitando algumas vasilhas e panelas nas bancadas, tentando não fazer contato visual direto com Roman.

− O que ele fez? – Roman questionou compadecido. Alexei parou o que fazia e encarou o homem com um olhar preocupado.

− Ele roubou nossa conta conjunta... Isso que ele fez – afirmou irritado, com os olhos ardendo em raiva – Meu deus... Aquele imbecil! Eu poderia matar ele agora! Aquele bolo que joguei na cara dele foi pouco para o que ele merece! – gritou, extravasando toda sua raiva nas palavras e no deslocamento brusco das panelas pela bancada. Roman engoliu seco.

− Era todo dinheiro que você tinha? – questionou compadecido.

− Não – afirmou – Eu tenho minha própria conta há mais de cem anos... Mas nós tínhamos feito uma conta para nós dois.... – ele riu em tom de nervosismo – “Para o casal”... Metade do que tinha lá era direito meu... Então ele vai, transfere cinquenta mil e me deixa menos que dez – Alexei estava absurdamente indignado e irritado. Fez uma pausa, observando que chegava a exagerar no tom do ódio, suspirou profundamente e fechou os olhos – Como se eu já não tivesse problemas de sobra... – sibilou, entristecido.

− Eu posso te ajudar – Roman afirmou. Alexei parou tudo que fazia, encarou o homem e cruzou os braços.

− Como? – questionou. Roman sorriu.

− Primeiro vou precisar de uma procuração no meu nome – afirmou convicto – Depois vamos ao tribunal – respondeu. Alexei ficou boquiaberto por alguns instantes, esboçando surpresa e confusão.

− Não me disse que era advogado – afirmou. Roman riu.

− E não sou – respondeu, se recostando na bancada – Sou delegado... Bem, fui... Estou afastado fazem alguns meses. Porém, ainda tenho licença para advogar! – afirmou. Alexei sorriu, sentindo seu coração se acalmar e uma faísca de esperança correr sua espinha e se alocar no coração.

− Isso sim é uma surpresa agradável – afirmou para si mesmo.

Se encontrou com Sehu e Leia quando estava voltando ao apartamento para almoçar. O casal – que havia reatado e voltado as boas – estava saindo do prédio enquanto ele entrava. O rapaz de olhos puxados e cabelo longo parou:

− Hey! – ele cumprimentou Alexei da sua maneira exageradamente animada de sempre. Leia se aproximou, deu dois beijinhos no rosto do vampiro e sorriu – Ué, mas já acabou o expediente? – questionou. Alexei chacoalhou a cabeça em negação.

− Quem dera – afirmou, em um tom cansado, enquanto coçava o próprio braço – Vim só fazer uma horinha de almoço e voltar para a produção de bolos... Ainda tenho três só para hoje! – contou. Leia arregalou os olhos, surpresa.

− Deviam contratar mais pessoal para te ajudar nisso... Seus bolos são muito famosos, Alexei – ela contou convicta – Dia desses estava na avenida quarenta e sete, do outro lado da cidade, e vi gente comentando da sua confeitaria! – Alexei arregalou os olhos, surpreso... Mas nem tanto. A Veludo Vermelho vinha construindo sua imagem há trinta e cinco anos... Até que demorou tomar essas proporções.

− Ou talvez expandir os negócios, né amor? – Sehu sugeriu. Leia concordou – Não sei se você se interessa tanto por isso, mas tinham deixado à venda a casa da antiga Padaria Sonhos de Mel... – Sehu afirmou. Alexei arregalou os olhos, novamente, surpreso. Tinha olhos naquele espaço desde antes da padaria ter fechado... Era uma surpresa agradável saber que ela estava à venda. Poderia, sim, expandir a linha de produção da sua confeitaria e criar uma boulangerie, para focar também na produção de pães. Contudo, antes mesmo que pudesse sonhar com momentos futuros, Leia interveio com um olhar preocupado:

− Já venderam, amor – ela afirmou. E Alexei lembrou-se, momentaneamente, que a moça era corretora de imóveis. – Venderam há pouco, inclusive. Sinto muito, Alexei – ela disse. Alex sorriu conformado, agradeceu pelo apoio e pelas ideias, suspirou e se foi para casa.

Ramona e Edric estavam assistindo algum programa monótono do Discovery Chanel. O rapaz vampiro chorava copiosamente, limpando as lágrimas com a borda da blusa da irmã, que parecia próxima a dormir a qualquer instante. Alexei chegou, sorriu e se jogou no sofá com os dois.

− Nada do Nimbus? – ele questionou. Havia se tornado rotina perguntar se o Nimbus havia feito contato recentemente.

− Nada, de novo – afirmou Ramona, em tom sonolento. Ela se levantou, bocejou e voltou a se jogar no sofá – E suas terapias? – questionou, tentando se distrair com algo que não fosse um programa sobre uma família americana aleatória. Alexei suspirou.

− Acho que terei uma sessão quinta... Versa não pôde me atender esses dias – afirmou, desconfiado e entristecido – Não quis dizer o porquê... Aceitou até fazer uma consulta por telefone – e riu.

− Só mostra que ela se importa com você – Edric interveio, alisando os cabelos de Ramona – Meu psicólogo queria me comer na primeira sessão e sempre deixou isso claro – e riu – Acredita que ele tentou terapia de hipnose comigo? Amados... – Alexei riu baixinho – Quando ele chegou com aquele pêndulo perto de mim eu falei: se eu acordar sentindo que tem menos fluídos no meu corpo que o habitual... Bem, aí você quem vai ter nenhum fluído dentro de você – e riu – Na outra semana já tinha dito que não poderia ser meu psicólogo mais... Idiota.

Alexei não podia deixar de ficar além das conversas dos amigos, pensando ininterruptamente nas façanhas demoníacas e vingativas de Dominic, e como isso punha em risco grande parte da sua vida. Querendo ou não, parte daquele dinheiro poderia ser extremamente útil para si, na confeitaria, e era seu direito, tal qual dele, ter sua parte justa e igual, pois haviam construído e juntado em conjunto. Sua última esperança era Roman – o qual já havia cedido plenos poderes por meio de uma procuração que improvisou antes de vir almoçar.

Pensava também em Ignácio. Pensava em como havia o magoado, como se arrependia todos os dias que se sucederam, como se considerava um tolo idiota por ter feito tanto mal e não ter enxergado o óbvio... Mas, ainda, não podia deixar de ver Roman com os mesmos olhos de antes de descobrir sobre Tori. Ele havia estado tão presente nos últimos dias, com suas conversas encantadoras, palavras acolhedoras e carinho surpreendentemente necessário, que seria difícil – ou quase impossível – fingir que o homem dos dois metros não lhe abalava as estruturas emocionais.

                “Estar livre não significa estar sozinho” – as palavras de Day Flores continuavam a ressoar por toda extensão de sua mente e corromper seus pensamentos. Alexei, a cima de tudo e todos, queria viver de uma maneira que nunca havia vivido antes, de uma maneira que Nico e Dominic atrapalharam com suas paixões obsessivas, tóxicas e controladoras. Queria ser livre... Mas não queria estar só nessa caminhada.

                O celular tocou. Alexei o puxou do bolso, colocou no ouvido e saiu da sala, para poder ouvir mais facilmente a voz de Teresa.

                − Me diz que você não entrou no facebook hoje – ela disse, num tom aflito. Alexei cerrou os olhos e arqueou as sobrancelhas, confuso, segurando o celular com a cabeça e o ombro, enquanto abria a geladeira da cozinha com as mãos.

                − Ainda não... Acho que fazem uns dois dias que não mexo... – afirmou, pegando uma garrafa de suco de laranja da prateleira de baixo e um copo da bancada – Por que? – questionou, se servindo do suco. Teresa suspirou, como se não tivesse coragem o suficiente para falar – Tê?

                − Imagine que o diabo e o demônio resolveram se encontrar para fazer maldades e serem preconceituosos explicitamente – ela supôs. Alexei bebericou do suco, com um olhar confuso.

                − Tá, para de fazer rodeio e fala logo!

                Teresa suspirou profundamente.

                − Minha sogra encontrou uma alma gêmea depois que saiu da Veludo Vermelho naquele dia... Adivinha quem? – Alexei pigarreou, sem paciência para mistérios. Teresa revirou os olhos do outro lado da linha – Dulla Swanna – contou. Alexei, extremamente surpreso, arregalou os olhos e acabou cuspindo todo o suco de sua boca no chão.

                − MEU DEUS? – foi tudo que soube dizer e, realmente, era a junção do diabo e do demônio, em uma versão condensada, protofascista, hipócrita e da terceira idade. Dulla, a pseudo-youtuber rancorosa, amarga e explicitamente racista, que escorava seus discursos cheios de veneno e preconceito no fato de já ser uma “senhora”, e Ellen, a peça que Alexei já havia conhecido muito bem em apenas cinco minutos de conversa. Ok. Definitivamente ele não estava preparado para uma artimanha do destino nessa intensidade caótica e degradante. Não esperou nenhuma outra palavra de Teresa para correr para o computador e logar no facebook.

                Havia sido marcado num comentário de um vídeo por Teresa. Clicou no link, abriu e deu play no vídeo, com a amiga ainda na linha.

                − Caras pessoas de bem— Dulla Swanna começou, com sua escancarada e corvina voz de sempre. Estava sentada num sofá, com o poodle Floque no colo, ao lado de Ellen e, surpreendentemente, Dona Consuela Cruz. — Essa é uma mensagem para vocês...

                − Meu deus, até a Dona Consuela... – Alexei sibilou. Teresa murmurou “hum” em concordância.

                − Estamos cansados de ter nossa sociedade corrompida por aqueles que pregam contra nossa liberdade – Alexei não precisou de muitas informações para reconhecer que “aqueles” se referia aos vampiros — Contra nossa segurança, contra nossa saúde e principalmente contra nossos sentimentos de cidadania. Nós, pessoas de bem, estivemos anos demais caladas, vendo os valores se inverterem unicamente para agradar uma minoria que não é natural e atenta contra nosso espírito cristão! Os governos têm tentado nos fazer engolir esse “tipinho” a qualquer custo, colocando nossas famílias em risco! Nossos jovens! Sendo corrompidos por essa raça amarga e perigosa!

                − Meu deus, raça amarga? – Alexei disse indignado e enojado.

                − Fica pior – Teresa afirmou.

                − Eles têm atentado todos os dias contra a moral, contra a boa sociedade... Assaltado nossos bancos sanguíneos, vendido seu sangue poluído e pecaminoso para fins desconhecidos, de bruxaria, ciência herege... Tentado transformar nossas crianças, inocentes, em cúmplices desse mal – Alexei engoliu seco, irritado com tantas mentiras. O sangue que os vampiros bebem não vinha de fruto de roubo, mas de uma política de compra e venda sanguínea legalizada e amplamente apoiada pelos governos mundiais. E ninguém queria transformar crianças em “cúmplices desse mal”... Afinal, ninguém gostava de criança. Imagina uma criança para a eternidade?

                − Eles passam doenças fatais para a humanidade— Ellen Guttenberg interveio, com sua dose tremenda de desinformação e notícias falsas recebidas pelo whatsapp — É um perigo que se relacionem com nossos jovens! Lembrem-se como a AIDS não era um problema até os gays começarem a espalhar ela pelas pessoas de bem! — afirmou. O queixo de Alexei caiu com tamanha demonstração de preconceito, desserviço social e retrocesso descomunal com toda política de informação e luta pelos direitos sociais das pessoas LGBTS nos últimos anos. — Mas, claro, não me vejam como racista! Não somos racistas! Somos mães de família em busca de apoio!— afirmou com a clássica fala das pessoas exageradamente racista. Alexei engoliu seco.

                − E é exatamente por isso que fizemos esse vídeo: para dizer que vocês, pessoas com boa índole, caráter e opiniões fortes, não estão sozinhas! Ainda que tentem nos calar, dizer que nós somos isso ou aquilo, não ouçam! Existe uma nação inteira de pessoas patriotas de bem ao seu lado, para lutar contra todo esse mal maior – Dulla Swanna sorriu maleficamente, alisando a cabeça do poodle e com um olhar excessivamente diabólico. Alexei engoliu seco, assustado.

                − Mal maior? – Alexei disse, irritado, quando o vídeo finalmente havia terminado – Ela pensa que nós vampiros somos o que? Hitler? – Teresa suspirou e pigarreou ao telefone.

                − Meu deus... Eu tô morrendo de vergonha pela Ellen, sério, meu deus... – ela afirmou – Não é possível que ela não tem um amigo pra avisar que ela tá passando uma vergonha que... Nossa... – suspirou novamente.

                − E a Dona Consuela? Meu deus! – Alexei surpreendeu-se ao lembrar da presença da mãe de Ignácio junto à dupla dinâmica neofascista. Se levantou, corrigiu a postura e estalou o pescoço, com uma veia de preocupação saltando na testa. Suspirou – Será que o Ignácio viu isso? – Alexei, repentinamente, sentiu-se preencher por uma tristeza esmagadora e estável, que se assentou no coração e corrompeu todos os seus pensamentos com um labor amargo e cinzento. – Ele tava pronto para se assumir pra ela outro dia, sabe... Ouvir algo assim de alguém, com sua mãe apoiando do lado, não deve ser muito bom para a alma de quem quer ser aceito...

                − Ela tava bem aleatória ali, sabe, não sei se compartilha desse tipo de pensamento... – Teresa interveio, convicta – Mas também não posso te dar certeza do contrário. Parece que foi uma pessoa qualquer que a Dulla viu na rua e arrastou para gravar um vídeo sem nem sequer dizer sobre o que iam falar nele – afirmou. Alexei coçou a nuca, desatento as palavras de Teresa, ocupando sua mente única e exclusivamente com Ignácio, tentando imaginar mil e um sentimentos que o homem poderia estar passando caso tivesse visto o vídeo. Saber que a mãe poderia compartilhar de ideais racistas não era algo fácil para ninguém, ainda mais alguém na virtude de se assumir como parte de uma minoria estigmatizada – Alexei? – Teresa chamou, curiosa pelo silêncio repentino.

                − Preciso ir, Tê, depois falo com você... – Alexei afirmou, já sabendo o que precisava fazer. Pôde ouvir um risinho baixo da amiga do outro lado.

                − Vai lá – ela disse, animada. Alexei arqueou as sobrancelhas, confuso.

                − Como você sabe onde eu vou? – questionou.

                − Você é previsível – respondeu. Alexei revirou os olhos e encerrou a ligação.

                − Tem comida na geladeira – Alexei disse à Ramona e a Edric antes de pegar sua bolsa, seu casado, se olhar no espelho e sair porta a fora.

                − Onde ele foi? – Edric questionou. Ramona sorriu.

                − Resolver uma loucura pendente, eu acho – respondeu – Agora tira desse programa, meu, que negócio chato!

                Começou a chover repentinamente. O céu todo havia se acinzentado, num clima sádico e triste, com tons severos de desesperança e desamor. Alexei havia esquecido o guarda-chuva em casa, para variar. O vento frio fazia as gotas de chuvas correrem na diagonal e tentava a todo custo levantar sua blusa de frio com capuz e deixar sua barriga desnuda. Não havia nenhum movimento na rua naquele horário, nem carro, nem pessoa, nem animal, só a densa corrente de água que caía sobre o vampiro e molhava seus pensamentos confusos numa sinfonia abstrata de pura sutileza do destino. Ouviu, em tempos tão antigos que nem podia nomear, que tomar banho de chuva sempre ajudava a clarear os pensamentos e a pensar em soluções. Apesar de ser uma crendice das mais bobas, Alexei torcia para que, nem que seja minimamente, alguma gotícula daquela chuva torrencial lhe despertasse a sapiência necessária para resolver todos os seus problemas – mas, se há todos não fosse possível, se contentaria apenas com a ajuda para resolver o contragosto que havia tido com Ignácio.

                Esteve tão próximo de Roman nos últimos dias que desenvolveu um afeto tão grande e palpável pelo homenzarrão que era admirável e poderoso, outrossim, bastou ver aquele vídeo e ter minimamente a menção de que Ignácio Cruz poderia estar mal para que todos os seus pensamentos se convergissem unicamente a necessidade imediata de acalentar, abraçar e cuidar do homem da clínica de massagem.

                Alexei não ligava mais para a chuva, para o tempo fechado, para os contratempos do destino ou pela intempérie emocional que havia sido desde sempre. Seu coração se fechou para sentimentos externos, focando única e exclusivamente numa preocupação apaixonada, adornada por doses de amor e compadecimento. Estava centrado, quase hipnotizado, a caminho da clínica de Ignácio.

                Quando chegou a porta já estava tão molhado que não havia mais possibilidade de sentir a chuva tocar seu corpo em algo seco. Pigarreou e apertou a campainha. Uma vez, duas vezes, três vezes. A luz da clínica foi acessa, na escuridão que havia se tornado com o tempo se fechando. Ignácio colocou o rosto na janela, confuso, tentando reconhecer quem apertava sua campainha.

                − Ignácio! – Alexei gritou animado. Lembrando-se do sábado incrível que passaram juntos, que bastou o amante o ver para que lhe gritasse no mesmo tom. – Preciso falar com você – afirmou. Ignácio pareceu reconhecer Alex após alguns segundos confusos, arregalou os olhos, correu para dentro e desapareceu da janela.

                Haviam passados alguns instantes desde a última vez que havia o visto na janela. O coração de Alexei murchou em desamor, frustrado pela ideia de que o homem havia lhe abandonado na chuva. Sentiu uma tristeza percorrer sua espinha.

                − Quando o tempo abrir... Abra a janela, veja, eu sou o sol — Alexei sibilou, entristecido, com a voz fanha por conta do frio que começava a doer em sua alma. Sentiu toda sua esperança cair por terra e a vergonha tomar seu lugar. Estava pronto para ir, havia dado às costas para a clínica, e suspirou.

                − Você é doido? – a voz de Ignácio era inconfundível. Alexei abriu um sorriso tão grande e sentiu-se preencher por uma esperança e uma felicidade tão descomunais que mal podia se conter, todavia, se esforçou o máximo para aparentar naturalidade. Se virou, encarou o amado e sentiu seus olhos brilharem com a luz daquela felicidade. De estar ali com ele. De saber que ele não havia sido capaz de fazer o mesmo que o irmão fez. De saber que ele estava bem. Ignácio Cruz segurava um guarda-chuva enorme – Alexei? – ele chamou, com olhos confusos pela demora para obter uma resposta. O vampiro estava hipnotizado, entorpecido pelos próprios sentimentos.

                − Me desculpe, eu... Eu precisava falar com você – afirmou. Ignácio revirou os olhos, suspirou e abriu o portão, colocando Alexei sob o guarda-chuva. Se aproximou do vampiro, colocou o cabo entre si e ele, e caminhou lentamente para dentro da clínica.

                − Existe celular pra isso, sabia? – Ignácio afirmou, irritado. Alexei riu, parou e ficou olhando o homem nos olhos, até o momento que acabou ficando desconfortável. Ignácio Cruz, envergonhado, alisou a nuca e desviou o olhar – Eu... – suspirou – Por que? – questionou.

                Alexei engoliu seco, pensou, pensou e nada pôde formular. Esteve tão centrado naquela necessidade incólume de falar com Ignácio, saber se ele estava bem e pedir desculpas por tudo que havia o feito passar, que não se preparou para o óbvio: o que ia falar quando finalmente tivesse essa oportunidade? Engoliu seco, sentiu sua pontinha de vergonha mover seus pensamentos e percorrer sua espinha. Olhou para os lados, tentando desviar do olhar questionador de Ignácio, e buscou por ajuda e inspiração divina.

                − Chuva, você prometeu!— pensou, irritado.

                − Alexei? – Ignácio perguntou, impaciente. Alex fechou os olhos, sentiu tudo por um instante. Se deixou preencher por todos os sentimentos, todos os momentos e todos os problemas, bem qual todas as perspectivas de soluções, que viam rondando toda sua vida já há cento e cinquenta anos. Sentiu medo, sentiu amor, sentiu prazer, sentiu angústia, sentiu tesão... Se lembrou de cada um dos rostos do passado distante, a mãe, o pai, o tio, as pessoas que matou... Recordou os rostos do passado próximo, Dominic, Ramona, Teresa... e, finalmente, as pessoas mais importantes de seu presente: Sehu, Versa, Roman e Ignácio Cruz. Cada um lhe trouxe emoções únicas e lembranças inapagáveis, por mais escuridões que preencham sua alma, tinha certeza que nunca se esqueceria de qualquer um dessa lista. Era tudo tão intenso... Como a vida, como a imortalidade e como a eternidade. Sentia seu sangue de vampiro arder como aço derretido e o coração acelerar como uma máquina desenfreada. Ele não tinha certeza absoluta sobre o que sentia por Ignácio, mas sabia que seria eterno: seria uma parte da sua vida que sempre estaria ali, independente dos anos, décadas ou séculos que haviam passado.

                − Eu queria te ver – foi tudo que ele pôde dizer e significou mil e uma exposições de sentimentos confusos e desconexos. Eu queria te ver significava também: me importo com você; estou com saudades de você; quero que você esteja bem; me arrependo de tudo que fiz; tenho medo de te perder pra sempre; a eternidade não é nada se não for com você. Só Alexei não havia reparado por completo ainda. Ignácio Cruz suspirou por um longo momento, refletindo, coçou a barba e anuiu.

                − Vem, não quero que você fique resfriado – afirmou. E isso podia significar também tudo que foi dito outrora sobre as palavras de Alexei.

                Duas demonstrações de afeto que não se limitavam as formas cordiais do romancismo, mas exaltavam, em linhas enxutas e misteriosas, toda intensidade que um amor e uma paixão podiam significar para duas pessoas extremamente marcadas pela maldade do mundo e pela intempérie do amor.

                Se olharam por alguns segundos antes de entrarem.

 


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