O Pecado de Lígia escrita por Holanda


Capítulo 1
A Missão de uma Vida


Notas iniciais do capítulo

inspirado em um post no grupo do nyah no Facebook que pedia um romance entre uma semideusa e a Medusa.



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— Como você está se sentindo? — A voz suave de Bridgit soou bem na sua frente. 

Lígia não podia vê-la, mas lembrava de sua aparência, o cabelo ruivo como cobre, olhos azuis como o céu em um corpo e magro e bonito, uma típica mulher branca, se ela não fosse filha do deus grego Apolo.

— Não sinto mais nenhuma dor. — Ela respondeu. — Me diga como está? Falo da minha aparência, está muito ruim? — Lígia estava sentada em uma cama na enfermaria do centro de recuperação.

Ela ouviu a respiração de Bridgit engasgar.

— Olha… eu diria que…

— Está horrível! Feio de doer! — A voz masculina alta cortou as palavras da garota.

— Bart! — Bridgit o repreendeu, Lígia sabia que Bart, filho de Ares, estava dividindo a enfermaria com ela, felizmente a lesão do rapaz era menos grave que a dela, uma perna quebrada logo se cura com um pouco de medicina aliada com remédio dos deuses.

— Mas é a verdade. — Bart continuou com  seu tom cheio de si. — Mas veja pelo lado bom, tem gente que acha cicatrizes iradas, eu, por exemplo, adoro! Inclusive, se você quiser sair para um jantar depois que tivermos alta… estou disponível.

Lígia fez uma careta.

— Bart, parar! — Ela ouviu o som claro de Bridgit dando um soco no ombro do dele.

Ela teria rido disso se tivesse acontecido apenas algumas semanas atrás.

— Ignore as idiotices que ele diz. — A filha de Apolo falou.

— Suponho que é sempre uma boa ideia ignorar ele. — Uma outra voz ecoou pela enfermaria e Lígia imediatamente reconheceu como a voz de Nick, a líder dos semideuses, filha de Zeus e protegida de Atena.

— Ares e seus filhos não são conhecidos como os mais inteligentes do ninho. — Agora foi a própria Atena que falou.

— Injusto, só por que reprovei 3 vezes a cinta série? — Bart bufou.

— Acho que é um pouco mais do que isso, Bartolomeu. — Atena provocou com uma voz imperturbável.

— Não me chame assim, esse nome é horroroso! — Ele exclamou birrento para a deusa da sabedoria.

Lígia ouviu os passos das duas se aproximando de sua cama.

— E como vai a sua recuperação? — Atena perguntou com sua voz que sempre soava dura e fria para os ouvidos de Lígia.

— Vai bem, senhora, mas… 

— Eu sei o que se passa em sua mente. — A deusa falou. — Lamento por seus olhos, gostaria de poder fazer mais, porém, o dano causado por ácido da saliva de hidra é algo que vai muito além dos poderes de cura e dos conhecimentos de Asclépio, e agora que os deuses estão ficando cada vez mais fracos, nossas limitações só crescem.

— Eu sei, mas eu me sinto tão inútil. — admitiu amuada.

— Você não é inútil! — Nick afirmou. — Você lutou incrivelmente bem contra aquela hidra e foi muito corajosa! 

Lígia abriu um sorriso, Nick sempre foi uma boa amiga, apesar de ter certeza que não passava de uma mentira para ela não se sentir pior.

— Porém… — Atena começou e seu sorriso desapareceu em um segundo. — Acredito que haja alguns pontos onde você pode melhorar.

— Bem, agora isso não importa mais, cega assim, sou imprestável. — Lígia caiu deitada na cama com uma postura de derrota.

— Eu não diria isso. — falou a deusa. — Eu tenho uma missão perfeita para você.

— Missão? — Ela se ergueu rapidamente e aguçou os ouvidos, Lígia não podia ver, mas podia imaginar o rosto perfeito de Atena emoldurado em seu cabelo branco impecável lhe olhando de forma solene.

— Foi para isso que viemos aqui, você não está empolgada? — falou Nick, Lígia podia sentir o sorriso na voz da líder.

— Mas como pode isso?

— Eu vou explicar tudo. — Atena disse. — Minha velha inimiga, Medusa, fez de um parque de diversões, agora abandonado, seu novo covil. Ela é um monstro cruel e sádico, porém, muito inteligente e vingativa. Já fez dezenas, centenas, de vítimas nos últimos meses, ela deve ser detida.

O silêncio era palpável dentro da enfermaria, mesmo Bart que era o falastrão ficava quieto quando Atena estava falando naquele tom profissional e inflexível.

— Ela não é um dos monstros mais fortes, mas… Medusa tem uma habilidade que a torna quase que invencível. — O tom da deusa ficou ainda mais escuro. — Ela pode petrificar qualquer guerreiro que olhe diretamente para ela… porém, isso vocês já sabiam. Eu pretendia usar a clássica estratégia de um escudo espelhado, contudo, tal tática tem sua parcela de risco, agora tenho uma nova estratégia.

— Como Lígia não pode mais ver, ela não será afetada pelo poder de petrificação de Medusa. — Bridgit refletiu.

— Bem observado, Bridgit. — Atena elogiou. — Por mais que um espelho nas mãos de um bom guerreiro seja uma boa escolha, ainda há muitas variáveis que podem dar errado a custo de vidas, mas uma guerreira cega? As chances de algo dar errado diminuem bastante.

— Não me levem a mal, mas Lígia não é lá uma grande lutadora. — Bart falou. — Quer dizer, vocês estão falando sério em mandar uma filha de Afrodite cega ir enfrentar a Medusa sozinha? Isso é loucura.

Lígia mordeu a própria língua tentando inutilmente não se ofender.

— Por um lado, você está certo, por outro… — Atena começou e Nick completou sua frase.

— Por isso mesmo que Lígia irá treinar, um treinamento especial comigo e Atena! Ela ficará muito forte e honrará a missão que recebeu! Não é? 

Lígia tinha certeza que Nick estava a olhando sorrindo. Ela sorriu de volta determinada:

— Sim!

 

~Três Meses Depois~

 

As botas de Lígia se moviam silenciosamente pelo chão de concreto, ela não podia ver ao seu redor, mas isso era uma coisa boa, pois o cenário era macabro. O parque estava em ruínas, os brinquedos parados e acumulando poeira e teias de aranha, dezenas de pessoas petrificada estavam ao longo do caminho, não havia distinção, crianças segurando algodão-doce, mulheres com bebês em seus braços, vendedores de bichinhos de pelúcia em barraquinhas, guardas apontando armas para o monstro que fez aquilo. Todos viraram estátuas de pedra branca com seus rostos paralisados de pavor e correndo em fuga.

Ela treinou exaustivamente durante três meses, seu corpo, suas táticas e seus sentidos. Lígia podia sentir no ar o cheiro ácido e forte, era cheiro de serpente. Ela o seguiu até o odor ficar mais forte, ela não poderia saber, mas estava indo da direção da casa de shows daquele parque.

— O cheiro está muito intenso, e posso ouvir um som, parece cobras sibilando, com certeza ela está aqui.— disse para si mesma já puxando seu escudo e espada para suas mãos e controlando seu nervosismo, agora que estava tão perto, Lígia podia sentir o medo pulsando através de suas veias, mas ela não deixaria isso paralisá-la.

Ela entrou fazendo o mínimo de barulho possível ao empurrar a porta, caminhou silenciosamente por um corredor se guiando com a mão na parede, foi quando começou a ouvir um som diferente, uma voz surpreendentemente feminina, leve e melodiosa. 

Era uma música, Lígia reconheceu como grego antigo, ela havia tido diversas aulas com Atena antes e não era uma ignorante na língua dos seus antepassados. Ela se aproximou cada vez mais, a voz ficando mais alta e clara, Lígia não sabia, mas havia acabado de entrar nas arquibancadas do anfiteatro, ela só percebeu isso quando tateou em volta e identificou poltronas de couro. A voz estava vindo bem na frente, agora ela podia ouvir perfeitamente a música ecoando e enchendo o salão e seus ouvidos, bonita, mas carregada com melancolia. 

Com certeza quem estava cantando era alguém bem triste e amargurado. Algo apertou seu coração. Como filha da deusa do amor, Lígia tinha uma tendência a ser irritantemente empática e sempre sentir o que os outros estavam sentindo, aquilo sempre foi visto como mais um de seus sinais de fraqueza, mas as vezes, ela simplesmente não conseguia evitar, seus olhos arderam incapazes de verter qualquer lágrima desde o acidente com a hidra. 

O cheiro… o cheiro de serpente a trouxe de volta a realidade, quem estava cantando era Medusa, não havia mais ninguém ali. 

De repente ela pisou em algo que fez barulho, pelo som, certamente era uma lata de refrigerante. A música parou imediatamente e Lígia se colocou em posição de combate. 

— Quem está aí? — A voz de Medusa se projetou firme e feroz, completamente diferente de quando ela estava cantando. — Oh, uma jovem semideusa… Atena não se cansa de mandar suas crianças para me divertir? O último foi patético, será que você vai durar mais tempo? 

Do que ela estava falando? Atena já havia enviando outros ali? Por que Lígia não foi informada disso? 

— Mentira! Eu não acredito em nada que você diz! — Ela se ergueu gritando ainda protegida por seu escudo.

— Entendo, sua deusa não lhe contou, não foi? Lhe mandou para uma missão suicida e ainda não lhe contou tudo, típico de Atena, não estou surpresa. — Lígia ouviu o som do corpo reptilíneo da Medusa se arrastar pelo chão enquanto falava. — Veja a linda estátua que seu colega formou quando eu o petrifiquei, não é linda? Eu sou uma artista. 

Lígia sorriu seguindo o som da voz e das serpentes em seu cabelo sibilando, Medusa ainda não sabia que ela era cega, antes de partir da base, Atena lhe deu uma caixa, quando Lígia abriu e tocou, percebeu que era uma máscara lisa e sem nenhuma feição.

— Uma máscara? — Ela perguntou.

— Sim, isso cobrirá seu olhos e ninguém saberá imediatamente de sua condição lhe dando assim uma vantagem tática sobre seus oponentes, mas não subestime Medusa, ela é inteligente e não demorará para notar esse truque, então seja rápida e eficiente, use a ignorância de seu inimigo contra ele. — Atena havia lhe dito.

— Artista? Você é uma assassina! — Lígia gritou.

— Assassina? É, isso também funciona. — Medusa sibilou. — Mas isso não faz muita diferença, você logo se juntará a eles, lacaia de Atena.

Medusa se moveu rapidamente para frente em sua direção, Lígia soube pelo barulho, ela saltou no momento certo, seus instintos agindo como lhe foi treinado, ela ergueu o escudo na frente de seu corpo e escondeu a espada atrás do escudo até o último momento onde atacou em pleno ar, ela tinha certeza que havia mirado na cabeça do monstro, mas ela acertou algo duro, o antebraço da górgona, e antes que ela pudesse reagir sua garganta foi pega e Lígia foi jogada contra a parede, suas costas bateram em um pilar de sustentação do anfiteatro, ela sentiu o concreto rachando atrás de si, uma mão fria a segurava pelo pescoço e suas pernas balançavam no ar longe demais do chão. 

— Achou mesmo que um truque assim ia funcionar? — falou Medusa, as cobras em seu cabelo chiaram, quase como se estivem rindo. — Muitos outros heróis tentaram isso antes, e eles todos eram muito melhores que você, garota. 

Isso atigiu diretamente o orgulho dela, ela sempre estava sendo rebaixada. 

— Vejamos o que você esconde atrás dessa máscara. — Medusa continuou e Lígia sentiu a máscara sendo retirada com uma estranha delicadeza. — Oh, como imaginei, seus olhos, é por isso que você ainda não virou uma estátua de pedra. Atena e seus estratagemas engenhosos, pena que dessa vez não deu certo, não é? 

— A-ainda, não acabou… — Ela conseguiu dizer com a voz estrangulada. 

Medusa riu e apertou mais ainda os dedos ao redor de seu pescoço dificultando sua respiração. 

— E como você vai escapar, garotinha? — O monstro perguntou com o sarcasmo escorrendo por sua voz. 

— Desse jeito! — Ao dizer isso, Lígia puxou uma pistola de seu cinto de calibre 45 e atirou em sua oponente, ela disparou três tiros rápidos.

Medusa foi pega de surpresa pelo ataque da arma de fogo e a soltou no chão se afastando e urrando de dor. Os tiros atingiram seu tórax e abdômen, quase se aproximando da cintura onde terminava sua parte humana e começava sua metade de cobra. 

Lígia se colocou de pé imediatamente que atingiu o chão, assim que se equilibrou voltou a disparar contra a górgona que rugiu de fúria, agora sua voz não podia estar mais distante da música que ela ouviu, era um som pavoroso e alto. 

Medusa esbravejou todo os tipos de maldições em grego antigo contra ela e atacou com sua cauda, os tiros da arma de Lígia não eram fortes o bastante para atravessar as escamas duras da cauda reptilínea dela, ela sabia que o único jeito seria acerta o peito ou a cabeça para fazer algum dano real, mas agora Medusa se colocou estrategicamente protegida por sua cauda, e mesmo isso, não seria o suficiente, Lígia sabia que o monstro poderia se recuperar até dos mais graves ferimentos com o tempo, a única forma de matá-la seria a decapitando.

Ela recuou, mas não o rápido o bastante, Medusa agitou sua cauda e atingiu a semideusa como um chicote, Lígia foi jogada longe na direção do palco, ela caiu sobre as cortinas. Ela se levantou erguendo sua espada e escudo. 

— Malditas armas modernas! Vejo que vocês semideuses se atualizaram, isso também é a cara de Atena! — Medusa sibilou se aproximando, agora com mais cuidado. — Aquela cadela, eu juro que se eu por minhas mãos nela… Vou despedaça-la com minhas mãos e jogar cada pedaço no tártaro. 

— Isso nunca vai acontecer! — Lígia gritou e saltou em sua direção, ela deu um golpe descendente com sua espada, Medusa se protegeu com a cauda. 

A górgona viu sua oportunidade e tentou golpear a semideusa com as garras de sua mão, mas era exatamente isso que Lígia planejava, ela sentiu a aproximação da mão da Medusa e moveu seu escudo acertando o braço do monstro o afastando, ao fazer isso, a semideusa ergueu a submetralhadora que estava escondido na parte de trás do escudo e disparou contra seu inimigo. 

A saraivada de balas atingiu em cheio o alvo, Medusa foi ferida ao longo do tórax e cabeça, por instinto ela agitou a cauda que acertou Lígia com grande força, força o bastante para jogá-la de volta na direção do palco, mas desta vez, as tábuas de madeira que formavam o chão se partiram e ela caiu no vão logo a baixo. 

Ela sentiu uma grande dor em seu quadril, bem onde foi o pior do impacto, Lígia sentiu o cheiro da poeira que dançava a sua volta, ela ouviu os gritos da Medusa e o som horrível dela se debatendo, provavelmente, devido a dor extrema. Em seus movimentos frenéticos, a górgona acabou acertando o local onde a semideusa estava fazendo mais do palco desabar sobre ela. 

A última coisa que Lígia sentiu foi os escombros caindo sobre ela e os gritos de Medusa ficando mais distantes conformes a sua consciência adormecida. 





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