“Querido tio

Nunca te falei isso, mas entre os sete tios e tias você é meu preferido.

Além disso, você sempre me deu os melhores presentes de todos.

Como naquele ano em que me presenteou com um pote de doce de leite. Delicioso. Ou quando me deu um exemplar de “Diário de Anne Frank”. Ou mesmo quando me deu aquele conjunto de canetas coloridas. Eu amei cada um destes presentes e sempre foram meus favoritos.”

Naiara ouviu o celular tocando na sala, mas fingiu nem ligar. O lápis bem apontado continuou se arrastando pela página branca.

“Eu sinto muito por você nunca ter tido o dinheiro ou a oportunidade para realizar seus sonhos ambiciosos, como ser astronauta ou professor de biologia. Ou mesmo ir morar naquele lugar da foto que você mantém guardada. Aquela foto de um banco cheio de neve e, ao fundo, um impressionante palácio brilhante. Seus sonhos sempre foram malucos, mas eu gostaria que tivesse tido mais oportunidades de segui-los.

Eu te amo, tio

E me desculpe por não me amar também”

O celular gritava sem parar, então Naiara juntou do chão as outras cartas e prendeu-as sob o peso de um porta lápis, rumando na direção do som estridente e irritante.

—Alô- Falou com os dentes cerrados ao ver que Lauro quem ligava.

—Amor, não acredito que você ficou brava comigo- Seu tom era de descrença- Eu só falei algumas verdades.

—O que?- A garota não conseguia acreditar no que ouvia.

—Você realmente devia superar essas coisas- Lauro comentou na defensiva.

—É, eu sei. Mas é difícil.

—Devia se esforçar mais- Sugeriu. As mãos de Naiara tremiam quando ela se sentou no sofá e agarrou uma almofada.

—Eu estou muito cansada, Lauro. Cansada de nunca ser levada a sério por você.

—Como assim? Eu te levo a sério.

—Não, não leva. Você só consegue pensar em si mesmo e que eu devia parar de falar certas coisas porque estou te aborrecendo. Isso não é pensar em mim ou no meu melhor.

—Você ta fazendo muito drama da situação.

—CALA A BOCA, LAURO!- Naiara se exaltou- SÓ CALA A BOCA. Eu to muito cansada disso tudo.

—E eu to muito chateado com o jeito que você falou comigo- Retrucou.

—Lauro... Eu quero terminar.

A única coisa que Naiara enxergava naquele momento era o rosto da garota. O rosto dela. Ela era perfeita, o que estava fazendo tentando competir? Tentando possuir um lugar na vida do garoto, um lugar que tinha sido tirado dela há tempos? Era estúpida de pensar que após aquele beijo ele seria alguma coisa para ela. Devia ter enxergado que Lauro era podre desde o começo.

A cada segundo após sua declaração o mundo parecia girar mais e mais devagar, mostrando e esfregando na cara de Naiara todas as inúmeras vezes que Lauro fora um galinha sem noção. Todas as vezes que ela fingiu não ver para não se magoar ainda mais, mas no final do dia sonhava com os rostos perfeitos daquelas garotas que eram melhores que ela.

Mais bonitas que ela, mais gostosas que ela, mais adoráveis, gentis, menos brigonas... Mais do jeito que Lauro gostaria que ela fosse.

—Sinto muito, mas eu não sou uma garota perfeita- Naiara falou com a voz embargada- E você é um escroto.

—Ah, eu sou o monstro dessa situação agora?- Lauro expressou sua indignação- Você termina comigo e eu que estou errado?

—Sim- Embora Naiara sentisse um vazio e inferior à todas as garotas bonitas, ainda tinha certeza do que dizia entre soluços- Você me traiu e eu nem sei quantas vezes e nem quero saber. Você me manipulou para que eu acreditasse que eu não era suficiente e eu acredito nisso, mesmo sabendo que não deveria.

—Você é maluca- Foi o que o garoto disse antes de desligar e deixar Naiara chorando sozinha do outro lado da linha.

Ela ainda não tinha acabado de dizer tudo o que gostaria, ainda faltava por volta de duas horas ininterruptas de um discurso que a faria gritar, mas Lauro encerrou antes. Melhor assim, pensou.

Jogada no sofá de sua sala, chorando copiosamente pelo tempo perdido com Lauro, Naiara abraçava o próprio corpo, já sabendo para quem seria a próxima carta.