Cassis (Série Alestia I) escrita por Jane Viesseli


Capítulo 16
Quando os Sentidos se Confundem




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Os olhos vermelhos do vampiro eram maliciosos e, ao mesmo tempo, irônicos, como um caçador que estivesse a zombar de sua presa indefesa. E era exatamente isso que ele fazia, caçoava de Sara com o olhar, de suas tentativas e palavras inúteis para fazê-lo parar. Ele havia sentido seu cheiro e se agradado, havia provado de seu sangue e gostado, e como estavam sozinhos ali, não precisava ter pressa. Não tinha mais como fugir, o predador a queria e, de acordo com seus instintos, ele a teria.

Foi aí que tudo aconteceu rápido demais para a mente humana de Sara processar. Em um segundo o predador soltou os seus ombros, deixando os braços penderem preguiçosamente ao lado de seu corpo, e no segundo seguinte a princesa corria em direção à porta.

Sara alcança o ferrolho que trancava a imensa porta, mas antes que pudesse destravá-lo, o imortal a alcança com sua velocidade elevada. Eles estavam sozinhos, num corredor que poucos possuíam permissão de transitar, não havia ninguém para ajudá-la e a princesa não conseguiu sentir nada além de desespero, pois o predador estava, evidentemente, brincando com sua comida.

Outra movimentação rápida modifica a cena em que a humana se encontrava, levando-a da porta para a cama, onde foi segurada fortemente pela cintura, com uma perna do vampiro de cada lado de seu corpo. Aquela era a primeira vez que Sara experimentava a velocidade anormal de um vampiro e, como sequela, sentia o quarto girar ao seu redor.

O predador sorri maliciosamente, deliciando-se em tê-la ali, somente para si. Seu aroma doce o consumia por completo, envolvendo o monstro num costume que não era o dele e o levando a fazer coisas que nunca fizera com nenhuma outra vítima, ele realmente estava gostando de tê-la como presa, mesmo que seu objetivo final ainda fosse matá-la.

As mãos que seguravam a cintura de Sara deslizam por suas curvas em direção ao pescoço, acompanhando o espartilho e passeando pela lateral de seus seios sem muito romantismo, mas querendo que seu toque fosse notado. A humana arfa com as mãos que percorriam seu corpo, era Cassis ali, porém, ao mesmo tempo, não era e aquilo a assustava.

― Cassis, por favor, você disse que sempre estaria aqui para mim – recomeça, com certa urgência na voz. – Não me deixe! Eu sei que está assim por minha causa, por isso quero ajudar, quero trazê-lo de volta.

O predador não compreendia suas palavras e se achava autossuficiente demais para esperar uma reação significante de sua caça. Por isso, enquanto o vampiro se aproximava da curvatura de seu pescoço para finalmente se alimentar, não conseguiu escapar das mãos de Sara, que lhe agarraram o rosto e o puxaram para um beijo gelado.

O não-vivo se afasta rapidamente, saltando e saindo do leito num único movimento, com a cabeça afundada nas mãos e soltando um grunhido que, aos ouvidos da princesa, se parecia com um animal morrendo. O verdadeiro Cassis tentava reassumir o controle, mas era evidente que àquela batalha era bastante difícil de se enfrentar.

Cambaleante, ele se dirige aos jarros de vitae, agarrando o mais próximo de si e o entornando rapidamente, seguido do segundo, não importando-se com o que lhe escorria pelos cantos da boca.

Levou quase um minuto inteiro para que o vampiro depositasse o segundo jarro sobre a mesa, caindo de joelhos e sentindo-se saciado, levando as mãos à cabeça como se sentisse uma enxaqueca enorme.

Cassis estava de volta!

― Retornou – sussurra Sara, correndo em direção a ele e o abraçando.

― Idiota – murmura num sussurro, parecendo extremamente cansado. – Eu disse para sair… Nunca mais faça isso!

A princesa afrouxa o abraço, não deixando seu contentamento esmorecer diante daquela ínfima repreensão, afinal, em sua mente ela acreditava ter conseguido trazê-lo de volta, apesar de, na verdade, ser à força de vontade do não-vivo que o fez lutar contra o predador, engatilhado pelo beijo da humana.

Cassis contempla o semblante satisfeito da jovem, que parecia expulsar de seu rosto a tristeza da noite anterior, detendo-se por alguns segundos nos cortes paralelos que ela ainda carregava em seu pescoço.

― Eu a machuquei.

― Isso? – Tampa o ferimento com a mão. – Não foi nada.

O vampiro iça seu tronco e quadril sobre os joelhos, puxando a princesa em sua direção para um abraço afável, ignorando o fato de sua boca, pescoço e roupa, estarem manchados pelo vitae que lhe escorrera. Tudo no verdadeiro Cassis era cuidadoso e sedutor, e agora, depois da experiência com o predador, Sara conseguia valorizar a forma com que ele a tratava, a tocava e a cuidava.

― Você não entende, não é? – sussurra próximo ao ouvido humano, fazendo-a se arrepiar com o som de sua voz, mesmo sem ter a intenção de seduzi-la. – Eu poderia ter te matado…

Os dedos do príncipe percorrem o braço de Sara em direção ao seu ferimento, tocando-o levemente, antes de afastar o tecido do vestido, deixando seu ombro completamente à mostra.

― O que vai fazer? – questiona a princesa no mesmo tom baixo, com o coração galopando no peito.

― Minha raça pode apagar vestígios de sua mordida, lavando o ferimento com a própria saliva para que se cure. Meu outro eu lambeu parte do local, por isso está quase cicatrizado, vou apenas terminar o serviço… Por favor, não fiquei com raiva de mim! – pede, descendo o rosto em direção ao pescoço da humana e depositando um beijo demorado sobre o corte.

Seus lábios quentes pareciam macios contra a pele branca, limpando qualquer resquício do toque gelado do predador. A humana continuava com a cabeça ereta, pois o vampiro não tivera coragem de fazê-la inclinar para o lado, movimento tão característico de sua alimentação, que poderia trazer péssimas interpretações para o que realmente queria fazer. Em vez disso, Cassis é que se inclinou para o lado, a fim de chegar até o ferimento e depositar ali o seu beijo de agradecimento.

Com a ponta de sua língua, o príncipe percorre a linha da ferida, sentindo de uma forma ainda mais distinta a maciez da pele de Sara. Ele podia sentir o pulsar de suas veias através daquele toque e o cheiro de seus cabelos com muito mais nitidez, contudo, estando inteiramente saciado, estava forte o suficiente para resistir à tentação de provar de seu sangue.

Os cortes desaparecem quase instantaneamente, fazendo um calafrio subir a espinha de Sara e explodir em seu rosto, em um rubor extremamente forte.

― Desculpe-me – sussurra ele, ao perceber que seus atos a estavam constrangendo.

― Eu que peço desculpas – responde ela, desfazendo o abraço sutilmente e encarando seu rosto marcado pelo sangue. – Foi minha culpa você ter gasto seu vitae… Fui muito egoísta.

Egoísta era o máximo que ela conseguia dizer e admitir sobre sua vontade de tê-lo ao seu lado, sem sequer lembrar-se que ele precisava se alimentar para manter seu toque caloroso. Por outro lado, Cassis também se sentia responsável pelo acontecido, afinal, o frenesi era DELE, unicamente DELE e ELE é que tinha sido descuidado, ou duplamente descuidado, ao acreditar que conseguiria passar toda a noite sem alimentar-se, utilizando seu vitae ativamente, e ainda ter tempo de repor tudo ao amanhecer.

Ajeitando a manga do próprio vestido, Sara repete o mesmo gesto que havia utilizado no primeiro quase-incidente, limpando o rosto do vampiro num toque tão gentil que o fez momentaneamente se descontrolar e corar, fato que não passou despercebido pela princesa, que sorriu.

― Ah, realmente a culpa é toda sua – fala nervosamente, tentado escapar daquela situação embaraçosa –, você é mesmo egoísta, me deixou sem vitae e quase provocou a própria morte. Se pensar bem, chegará à conclusão de que essa é a coisa mais idiota que alguém poderia fazer.

― O quê? – Irrita-se, não acreditando que ele estava mesmo culpando-a por tudo. Muito do que aconteceu havia sido realmente por causa dela, no entanto, por educação e gentileza, Sara esperava que ele afirmasse o contrário.

― Se tivesse pensado um pouco mais em mim… – Pausa, levantando-se. – Nada disso teria acontecido.

― Ora, seu… Sanguessuga… Cretino – xinga pausadamente, levantando-se logo em seguida.

― Hei! – A interrompe. – Melhor se banhar, eu a sujei muito e não quero sentir seu cheiro misturado ao de vitae… É desagradável. – Faz uma careta, caminhando até a porta e finalmente a destrancando.

― Você acha meu cheiro agradável? – pergunta a princesa encabulada, esperando inconscientemente que a resposta fosse positiva.

― Nem tanto – retruca ainda de costas –, só é menos desagradável quando não está com o de vitae.

Sara abre a boca num perfeito “O”, perplexa. Sua vontade naquele minuto era o de abrir aquela cabeça oca com um machado, porém, como não sabia manejar uma arma e sabendo que seu desejo seria frustrado antes que pudesse alcançá-lo, a princesa bufa irritada e marcha em direção à sua sala de banho particular.

― Ordenarei às criadas que lhe aprontem o banho! – berra Cassis.

― Não preciso da sua ajuda! – grita Sara de volta. – Posso fazer isso sozinha, não sou inútil como você pensa, sabia?

― Tanto faz – retruca de volta, sorrindo debochado.

Um riso baixo escapa de sua garganta, caçoando da situação e do estado de nervos em que Sara havia ficado. Cassis não estava sendo sincero em suas palavras e tampouco a achava inútil como ela pensava, usara a mentira apenas como uma forma de sair da situação constrangedora em que se metera. Além disso, ele estava feliz por retirar Sara da nuvem de tristeza que a rodeava desde a noite anterior; a princesa estava marcada pelo falecimento de toda a sua família e nunca se esqueceria de tal fato, mas já era um avanço de sua parte, como marido de mentira, não deixá-la se afundar em seus sentimentos negativos.

O silêncio predomina ambos os cômodos por alguns minutos. Cassis retira suas roupas manchadas pelo sangue, esfregando-as no rosto para retirar o excesso de vitae, enquanto ouvia o barulho da água a encher a banheira da sala de banho. Não havia nenhum outro ruído no compartimento ao lado e, por um instante, ele se perguntou se a princesa estava realmente bem.

Com passos silenciosos, o vampiro se dirige ao umbral que separava os dois aposentos. A sala de banho possuía um pequeno corredor no início, seguidas de duas colunas que sustentavam o teto e garantiam ao usuário uma maior privacidade, e foi entre a parede e a coluna que o vampiro se colocou a examinar o ambiente.

A banheira de madeira era bem maior do que a de qualquer outro nobre da Cidadela e enchia-se lentamente com a água que caía de uma bica na parede, localizada na boca aberta de um leão, que havia sido detalhadamente esculpido na pedra. Olhando com atenção, Cassis notou uma grande alavanca de ferro ao lado do leão, uma espécie de interruptor para abrir e fechar a distribuição de água da bica.

Para dentro da banheira, o vampiro podia ver algo parecido com pétalas serem jogadas pouco a pouco sobre a água, mas, somente quando virou a cabeça e mudou o ângulo de sua visão através da fresta, foi que o príncipe pôde finalmente vê-la, frente a um ramalhete que despetalava com paciência. Sara estava nua e a visão de suas curvas, mesmo que de costas, fez o imortal trancar a respiração instantaneamente. Não que ele precisasse realmente respirar, contudo, a convivência com os humanos o fez aderir a este hábito, e agora ele mal conseguia controlar seu passatempo.

Cassis morde o lábio inferior involuntariamente, com os olhos ainda fixos na pele alva, no contraste que fazia com os cabelos castanhos e nas curvas femininas. Porém, num lapso de consciência o não-vivo desvia o olhar, retirando-se da sala de banho da mesma forma silenciosa com que entrara. O que ele estava pensando, afinal? Tinha entrado apenas para se certificar que ela estava bem e, no fim, ficara hipnotizado, observando-a como um garoto humano e tolo.

― No que estava pensando? – retruca para si mesmo.

Nada. Ele não pensou em nada naquela hora, apenas se deixou levar pelo momento, o que lhe rendeu o esquecimento de sua respiração, o rosto marcado pela vergonha e a memória fixa da nudez da princesa em sua mente.

― Sara – chama em voz alta, apenas para que ela soubesse que ainda estava no quarto, ouvindo o farfalhar de tecidos no que ele imaginou ser uma tentativa de cobrir o corpo nu, caso ele decidisse entrar na sala de banho.

― O quê? – atende surpresa.

― Só para que saiba… – Sorri para si mesmo. – Eu estava acordado quando me beijou esta manhã. Esqueci-me de contar: vampiros não dormem!

― Cassis! – grita a princesa do outro cômodo, envergonhada, fazendo-o rir ao apanhar uma peça de roupa limpa e fugir do quarto, antes que ela lhe lançasse qualquer ofensa.

Quem os observasse naquele momento não acreditaria que um dia houve ódio entre eles, assim como tampouco creriam no fato dele ser um vampiro, depois de tantas manifestações corporais características aos humanos. As coisas estavam realmente diferentes entre o casal, pois algo dentro de suas mentes e de seus corações estava se modificando, e modificando para melhor.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :D



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