Winnie escrita por EsterNW


Capítulo 2
II. The Timelord Who Waits for the Dawn


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ;)



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— Outro ataque? — Winnie questionou, porém tudo o que lhe restou foi apressar-se, pois o Doutor coxeava a meio caminho da porta.

— Não, isso é algo diferente. Não são os meus alarmes — disse quase na saída. Olhando para o lado, viu a jovem oferecer-lhe a bengala. Winnie já havia deixado a cesta abandonada pela Torre. — Obrigado — agradecendo, ambos saíram da Torre, deparando-se com um pequeno aglomerado de moradores na praça principal.

— É o Kraken novamente — uma das senhoras chorava, limpando as lágrimas no próprio cachecol. — E levou meu Alex.

— Alex? O que houve com ele? O que está acontecendo? — o Doutor tomou a frente tão longo aproximou-se.

— O Kraken despertou, Doutor. O terror de Trenzalore acordou novamente. Alex e as outras crianças foram as vítimas desta vez — um dos moradores anunciou e o medo pareceu pesar sobre aquelas pessoas.

O Kraken era uma das antigas lendas de Trenzalore, talvez adaptada do folclore terrestre, planeta de origem dos primeiros descendentes daquela colônia de humanos.

Séculos antes do Doutor e do aparecimento de qualquer rachadura, os habitantes de Trenzalore lidaram com o ser adormecido no interior do lago, no coração da floresta. Tentáculos de polvo era a única descrição possível do ser ancestral, já que nenhum dos desavisados atacados sobreviveu para contar o que viu.

O primeiro líder de Trenzalore, com a união do povo, foi capaz de conter o monstro, ocasionando a maior avalanche que havia registro naquele lugar. Porém, um dia, ele voltaria. Para pena de todos, o retorno deu-se justamente quando um grupo de crianças brincava nas proximidades, apesar do aviso para ficar longe da floresta. Em um descuido, desobedeceram, não retornando.

Temerosos, os moradores uniam-se para um debate no objetivo de encontrar a solução. 

— Por que você está indo sozinho? É perigoso — Winnie alertou, seguindo os passos do Doutor, que escapava sorrateiramente do burburinho.

— Eu é que deveria estar te perguntando isso: por que você está me seguindo? — O Doutor parou, já na entrada da floresta, girando nos calcanhares e colocando as mãos sobre os ombros da garota. — É perigoso para você, Winnie. Fique com os outros, tenho certeza que eles virão em breve, então você poderá se juntar a eles — orientou, sabendo que não demoraria muito para os moradores chegarem a um consenso: o Kraken deveria ser enterrado novamente. Pelos próximos séculos. 

— Então por que você não espera? O que você pode fazer sozinho, Doutor? — Winnie inquiriu, voltando os olhos para cima e encarando o senhor do tempo. 

Eram iguais a ela. O mesmo olhar suplicante, preocupado com ele. Não suportando sustentar aquele mesmo olhar — que vira no rosto de outra pessoa —, tirou as mãos dos ombros da garota, dando as costas para ela e mirando a claustrofóbica floresta de árvores escuras. 

— As crianças ainda podem estar vivas, tenho que tentar. — Olhando para trás com o rosto parcialmente virado, apenas viu Winnie cruzar os braços. 

Para sua surpresa, ela não protestou, apenas ficou parada onde estava. Mesmo quando ele avançou pela floresta, ela continuou no mesmo lugar. Quando Patrick saiu da reunião para ir até eles, questionando, ela permaneceu lá. 

O Doutor entrou para a penumbra da floresta, com os pés afundando na neve fofa, desviando-se de galhos baixos e sozinho com a própria preocupação. Inimigos de fora? Estava mais do que preparado para eles, que viessem! Só fariam mal àquelas pessoas por cima de seu cadáver! Inimigos de dentro? Seres antigos, lendas de Trenzalore? Talvez tivesse mais coisas para se preocupar do que imaginava…

Quando a sensação claustrofóbica diminuiu, e as árvores foram tornando-se um pouco mais esparsas, atingiu a enorme clareira, mais clara do que o resto da floresta, não possuindo a copa das árvores para bloquear a luz. Ao redor, apenas silêncio e o vento sussurrante. 

Ah, crianças, por que foram até ali? Tinham a cidadela toda à disposição, por que atrever-se pela floresta? Desafios irresponsáveis, provavelmente. Crianças…

O Doutor aproximou-se da margem e deixando a bengala ao lado, abaixou-se, com o joelho injuriado reclamando e enviando pontadas de dor devido o movimento, entretanto, ignorou-o. 

Tirando a chave de fenda sônica do bolso, apontou-a para a superfície do lago, coberta por uma fina camada de gelo rachado.

— Você os matou, não foi? Direto para o fundo — disse para si mesmo ao checar as leituras, vendo que não havia rastro das crianças, apenas um sinal estranho, desconhecido para ele. — O que é você? 

— Cuidado! 

O Doutor virou o pescoço na hora ao ouvir o grito vindo de um dos lados.

— Winnie?! — exclamou o nome dela, vendo a garota em pessoa correr na direção dele. Pelo susto, desequilibrou-se, com o joelho machucado cedendo ao peso do corpo. 

Entretanto, não era devido o joelho o desequilíbrio. Um tentáculo gelatinoso, cinzento como uma pele morta, enrolava-se pelo seu calcanhar e começava a arrastá-lo para o lago.

— Solta ele! — Com um belo pedaço de madeira como arma, Winnie atacou a garra com toda a força que possuía nos braços magros. — Solta ele! — gritava enquanto dava pancadas na carne cinzenta e emborrachada.

Com certa insistência, o ser desenroscou-se do calcanhar do Doutor, deixando-o com o pé a centímetros da água gelada.

— Você está bem? — Winnie questionou arfante para o Doutor, cessando os golpes assim que o membro do ser sumiu de vista.

— Winnie, cuidado! — Mais rápido do que qualquer um pudesse prever, um novo tentáculo foi posto de fora, enroscando-se na perna de Winnie e puxando-a com força para dentro do lago, furioso pelos golpes que recebera.

— Doutor! — ela gritou chamando ajuda ao senhor do tempo, porém, não houve tempo para mais nada quando sentiu água entrar-lhe pela boca, sendo obrigada a prender a respiração.

O líquido gelado dava uma sensação de queimação na pele e seus olhos ardiam debaixo d'água, mas quase nada enxergavam a não ser o escuro. Ela debatia-se, porém o aperto do tentáculo em sua perna era forte demais. Winnie só sentia que estava afundando, cada vez mais para o fundo do lago. Nas profundezas, enxergou a sombra enorme do que seria o temido Kraken. Tentáculos que não conseguia contar, pois se moviam sem parar, ligados a uma carcaça que ocupava quase todo o fundo, escuro demais para distinguir qualquer coisa, era visível apenas um olho sujo e parcialmente aberto.

Winnie mal sentiu quando um novo corpo se jogou nas águas frias e nadou até ela com rapidez e destreza, alcançando-a e tentando puxá-la, mesmo que a força dos membros do Kraken fosse maior do que a força de todos juntos.

A pressão em sua perna diminuiu e escorregou quando um zumbido soou do lado de fora. Os dois não ouviram nada, a exceção do Kraken, sendo capaz de distinguir o ruído a incomodar-lhe.

Aproveitando a distração do ser, o rapaz puxou Winnie para cima e bateu os membros com força para tirá-los logo daquela escuridão. A garota tentava ajudar como podia, porém não era de muito proveito, provavelmente já sentindo cãibras.

— Obrigado, Senhor! — um dos homens gritou quando os dois saíram do lago.

Patrick — Winnie conseguiu enxergar quem a salvara— arrastou-a para longe da margem.

— Fiquem longe do lago! — o Doutor gritou para a multidão que chegava aos poucos e coxeou para perto da garota e do rapaz encharcados e gelados. — Winnie! Winnie! Você está bem? — Aproximando-se e ajoelhando-se desajeitadamente, segurou o rosto da garota entre as mãos, analisando-a. Puxou uma pálpebra da jovem, puxou a outra, escaneou-a com a chave de fenda sônica e, chegando a uma conclusão, apertou-a em um abraço, mesmo que isso significasse molhar suas próprias roupas no processo. — Você está bem, Winnie. Você está viva — ele começou a repetir a palavra "viva" em um sussurro, apertando a garota contra o peito.

— D-doutor, e-stou com f-frio — ela gaguejou a frase com os dentes batendo um contra os outros, tremendo de frio. O Doutor soltou-a, segurando o rosto dela novamente. A pele estava gelada e pálida, além dos lábios rachados e perdendo a cor.

— Hipotermia… — disse mais para si mesmo e retirou o próprio casaco, passando-o pelos ombros de Winnie. — Vocês dois, para a Torre, agora — orientou para a garota e Patrick, que também estremecia de frio. —Aqueçam eles o máximo possível até eu chegar. Acendam a lareira.

—O-o que v-você vai f-aze-er? — Winnie gaguejou para o senhor do tempo enquanto os braços fortes de um dos moradores a tirava do chão.

— Um pouco de diálogo com um ser marinho dos tempos antigos.

A garota apenas teve tempo de vê-lo virar as costas, enfrentando o lago, quando o tronco largo do homem que a carregava para longe dali tampou sua visão. Ela pouco se lembrava da viagem pela floresta até a cidade, se não de conversas preocupadas entre a pequena excursão — com tópicos variando entre o Kraken e a hipotermia que começava a afetar ela mesma e Patrick —, tudo rápido demais para seus sentidos parcialmente letárgicos que ainda processavam toda a ação que durara apenas alguns minutos.

Tendo passos extremamente rápidos, logo chegaram até o centro de Natal, com os braços fortes ainda carregando Winnie à Torre do Relógio e atravessando as portas escancaradas.

— Winnie! O que aconteceu com você? — Ellie Moorland exclamou tão logo pousou os olhos sobre a filha.

A garota foi depositada sobre a cadeira de balanço do Doutor, próxima à lareira que uma mulher começava a acender. 

— Vão até as residências próximas, tragam mais cobertas, por favor — Ellie pediu para as crianças curiosas, que correram para cumprir o pedido. A mãe colocou duas mantas sobre a filha, que tremia de frio e batia os dentes, o rosto pálido.

—O…

— Mais cobertas, por favor!

As perguntas de Winnie foram ignoradas e logo mais malhas foram postas sobre ela e as portas fechadas, para preservar a temperatura ambiente do lado de dentro. Suas roupas encharcadas foram trocadas por outras e Patrick sumiu de suas vistas, provavelmente indo embora para recuperar-se em sua própria casa, próxima da Torre. Aos Moorland, cuja residência era a última, não era uma boa ideia sair para enfrentar a neve do lado de fora.

Ninguém se prestou a responder as dúvidas de Winnie e ela ficou sozinha com as próprias preocupações quanto à segurança do Doutor. Será que ele conseguira? Bem, ele era o Doutor, lógico que daria um jeito, Winnie pensou. Apenas restava saber se nada mais aconteceria…

Sentindo a letargia apoderar-se de seus sentidos, Winnie começou a cabecear de sono, sentada na cadeira de balanço. O calor que retornava aos poucos para seu corpo, junto do quentinho do fogo que queimava na lareira, apenas ajudava a tornar suas pálpebras mais pesadas.

Perdida entre o sono e a consciência, teve a impressão de ouvir a voz do Doutor carregada de consternação a derramar perguntas sobre Ellie. Caindo para a inconsciência do sono, teve a impressão de sentir um beijo ser depositado sobre sua testa. Adormecendo, não conseguiu reconhecer quem estava ao seu lado.

Enquanto seu corpo descansava, sua mente caminhava por sonhos cada vez mais intrincados, onde ela vivia mil vidas diferentes e morria em cada uma delas. Uma cozinheira em um castelo escuro, uma aristocrata em outra colônia humana, uma piloto em uma nave espacial, uma pianista na Terra, uma cientista e uma governanta vitoriana. Todas tinham o mesmo destino no final, morrendo para salvar homens com faces diferentes, mas que ela tinha certeza de ser a mesma pessoa.

Não era a primeira vez que sonhava viver vidas diferentes, passara por isso desde criança, mas essa era a primeira vez que sentia não ser apenas um sonho, como se todas aquelas garotas fossem ela.

Quando o seu eu vitoriano caía do alto de uma nuvem, com o Doutor a chamar por "Clara", Winnie despertou. Atordoada, ergueu o tronco do bolo de cobertas e olhou para o ambiente, vendo que ainda estava na Torre do Relógio. A movimentação de outrora cessara e sua mãe dormia na cadeira da mesa de trabalho do Doutor, puxada para mais perto da lareira, e com uma coberta sobre ela. Se não fosse o sussurro sempre presente da misteriosa rachadura na parede, tudo estaria em silêncio.

Winnie sentiu o corpo suado e quente com tanto tecido em cima dela. Saindo debaixo de todas aquelas mantas, levantou-se da cadeira de balanço. Não querendo falar alto para acordar a mãe, ela pôs-se a procurar em silêncio pelo morador daquela Torre.

Não o encontrando no térreo, resolveu apelar para as escadas, sendo a outra opção o lado de fora, onde ele poderia estar em qualquer lugar. Após degraus que não acabavam mais, finalmente atingiu o topo, sendo capaz de ver as costas do Doutor em seu casaco cinza escuro, parado à beira da Torre.

— Você não devia estar aqui nesse frio. Quase sofreu uma hipotermia horas atrás — o senhor do tempo advertiu sem virar-se para ela.

— Estou bem, sério. Estava com calor agora pouco — tentou garantir com um sorriso, mesmo que sentisse um vento gelado lá em cima, sendo obrigada a cruzar os braços.

Parando ao lado do Doutor na beirada da Torre, olhou para baixo, sendo capaz de ver toda a cidade de Natal e além de lá de cima. A floresta, a área do lago e o horizonte, onde o sol começava a despontar. Ela dormira a madrugada inteira.

— Lindo, não é? — o Doutor interrompeu o silêncio enquanto Winnie ainda observava os detalhes abaixo. — Costumo vir aqui em cima nesse horário.

— Sempre?

— Sim — ele assentiu, colocando as mãos sobre o concreto da beira. — Você já viu o nascer do sol em Trenzalore, Winnie? Provavelmente sim, tanto tempo vivendo aqui — rindo para si mesmo, alternou o olhar fixo entre o horizonte e uma observada de canto de olho para Winnie.

— Poucas vezes. Mas daqui de cima você parece ter a melhor visão de todas do amanhecer.

O Doutor sorriu, voltando o rosto para ela e analisando-a.

— Você está bem? — questionou e Winnie confirmou com a cabeça. — Não deveria ter me seguindo hoje mais cedo, era perigoso. Você quase morreu.

— Você também quase morreu. O Kraken estava te puxando para o lago e não tinha ninguém para te socorrer a tempo — ela argumentou e o Doutor teve que dar o braço a torcer dessa vez, mesmo que não admitisse em voz alta. — Aliás, o que você fez com ele?

— Nada que um pouco de conversa e algumas canções de ninar venusianas não resolvessem para colocar alguém para dormir de novo — com a resposta, Winnie relaxou e o Doutor analisou-a em silêncio, com a mente ainda no tópico anterior.

Em menos de dez segundos, os olhos do senhor do tempo faiscaram ao chegarem a uma conclusão.

— Você me salvou… — Winnie assentiu e sentiu as mãos do senhor do tempo sobre seus ombros. — Você me salvou e está viva depois disso.

— Bem, até onde sei, sim, eu estou viva — confusa, ela continuou sem entender o que acontecia quando o Doutor abraçou-a.

— Você está viva, Winnie! Nem todas vocês morrem! — Separando-se do abraço, ele voltou a olhar para ela, ainda com as mãos nos braços da garota. — Isso não é maravilhoso? Quer dizer que nem todas precisam morrer! Você vai viver! 

— Todas? 

— Shiu! Veja. — Ignorando a dúvida estampada na face da jovem, ele apontou para o longe, de onde o sol começava a nascer.

Os raios iluminavam a neve em feixes tímidos, conforme o astro aparecia na linha do horizonte. Era uma das cenas mais belas que Winnie vira em todos seus dezoitos anos de vida.

Os dois permaneceram silentes enquanto observavam o espetáculo natural avivar a neve sem graça. Contudo, não durou mais do que apenas alguns minutos, com o sol sumindo e apagando as cores do branco. 

— Esplêndido, não é? — o Doutor perguntou, sendo o primeiro a falar algo após minutos de contemplação silenciosa.

— Foi maravilhoso — ela respondeu com um sorriso maravilhado no rosto. O Doutor sorriu ao ver a expressão no rosto da garota. Uma mistura de melancolia e felicidade. — Por que você me olha assim? — Winnie repetiu a pergunta da conversa que tiveram horas antes. 

O Doutor abaixou a cabeça, suspirando e, decidido, voltou a olhar para ela.

— Você gosta de chá?

— Por quê?

— Porque tenho uma longa história para te contar e acho que chá é bom para acompanhar. 

Indicando para Winnie os degraus em caracol, eles voltaram para o interior da Torre.

...

Para um senhor do tempo, o envelhecer poderia ser comparado ao erodir de uma rocha, desgastando-se pouco a pouco com o passar das décadas e séculos. Era cansativo e desesperador. Principalmente ao perceber que tudo mudava ao seu redor e apenas ele continuava o mesmo, envelhecendo lentamente.

Os anos passavam em Trenzalore e o Doutor permanecia batalhando diariamente contra os inimigos e seu objetivo de impedir a volta dos senhores do tempo. A maioria ficou para trás, restando somente o pior de todos os seres do universo: Daleks. Se alguém dissesse que algum dia ele se uniria aos Silêncios para combatê-los, certamente não acreditaria. Porém, tudo era possível naquela vida e os anos o ensinaram isso.

Incontáveis batalhas foram vencidas e inúmeras pessoas morreram e nasceram em Natal durante aqueles anos. Era o ciclo da vida o nascer, crescer e morrer. 

Para o Doutor restava apenas assistir a tudo, erodindo lentamente, com as rugas ficando ainda mais aparentes em sua face e com dezenas de cabelos brancos brotando em sua cabeça. No fundo, era desesperador saber que não poderia mais mudar. Mas tivera tempo demais para se acostumar com aquela ideia. 

Caminhando pela cidade naquele final de madrugada, percebia que ainda era quase a mesma, como ela. A única diferença sendo detalhes nas casas, feitas por seus novos moradores. Com os pés afundando na neve fofa e tendo o auxílio de sua bengala, atingiu o último dos casebres da via e bateu à porta. Logo, foi recebido por um homem alto e forte, na casa dos quarenta anos.

— Ela está esperando por você, Doutor. Está impaciente — anunciando para ele, deixou que o senhor do tempo entrasse, encaminhando-o para o quarto na casa de dois cômodos.

O Doutor adentrou o ambiente simples, composto por uma cama de casal, um criado mudo com um lampião tendo a chama no final e um armário de madeira. Winnie estava deitada debaixo de várias cobertas.

O homem voltou para a sala-cozinha, deixando os dois sozinhos.

— Seu filho tem ficado todas as madrugadas com você? — ele foi o primeiro a questionar para a senhora, caminhando para o lado dela e sentando-se no espaço vazio da cama de casal.

— Clarence e a esposa costumam alternar nas visitas, mesmo que eu insista que não precisa. — Winnie sorriu fraco, teimosa como sempre. 

Viúva há vários anos, tudo o que lhe restava era uma casa vazia, por isso, o filho, a nora e os netos visitavam-na com frequência.

—Peter adorou o cavalinho de madeira, sua sugestão foi muito boa — o Doutor disse, referindo-se ao brinquedo que fizera para o neto da senhora.

Winnie sorriu outra vez e ambos ficaram em silêncio novamente. Quando o senhor do tempo estava prestes a retomar a conversa, ela puxou um cordão de dentro das vestes, tirando-o e entregando para o Doutor. Ele abriu um sorriso nostálgico ao ver o ursinho de madeira, usado como um pingente, e feito de colar por um cordão.

— Não sabia que você o tinha depois de todos esses anos — respondeu, fechando o ursinho na palma da mão.

— Era um presente seu para mim. E eu sempre guardo os presentes que recebo.

Decidido, o Doutor passou o cordão pelo pescoço, usando o colar que fora de Winnie.

— Eu também guardo os presentes que recebo. — Segurando o ursinho entre os dedos, depositou um beijo sobre a madeira, guardando-a dentro das vestes. — Winnie-The-Phooh — ele recordou do apelido de infância da mulher, fazendo com que ela sorrisse com nostalgia.

— Faz anos que alguém não me chama mais assim. 

— Você reclamava que apenas seus pais podiam te chamar assim.

— Isso até eu descobrir que era o nome de um ursinho gorducho e comilão — ela reclamou, lembrando de quando o Doutor contou a origem do apelido, uns bons anos atrás. — E então ninguém mais podia me chamar assim. Apenas você insistia.

— Você era um bebê gorducho e comilão. — Com isso, Winnie apenas dirigiu um olhar repreensivo para o Doutor, mas que não passava de pura brincadeira.

A senhora respirou fundo, sentindo o corpo reclamar por conta do ato.

— Eu pensei que você não viria mais — ela mudou de assunto repentinamente. 

— Eu sempre mantenho minhas promessas, Winnie. —Ele fez-se de ofendido, porém, a mulher sabia que não era de verdade.

Durante todos aqueles anos, o Doutor e Winnie sempre acompanhavam juntos os poucos minutos do amanhecer. O Doutor poderia contar todos os milhares de dias que fizeram isso nos últimos setenta e seis anos. Era difícil acreditar que aquela mulher ao seu lado, que vira nascer e crescer, agora tinha noventa e quatro anos. Para ele, não parecia tanto tempo.

— Não disse que você quebra suas promessas, apenas achei que não quisesse ver o nascer do sol aqui da minha casa. Tem uma vista ótima do alto da Torre. 

— Eu sempre mantenho minhas promessas, Winnie — ele reiterou, segurando a mão da mulher. Assim como a sua, as rugas delimitavam parte da pele alva. 

Winnie olhou para o rosto do senhor do tempo, erguendo a mão para um carinho gentil.

— Você quase não mudou desde que eu te conheci. — Abaixando a mão, riu fraco para si mesma. — E eu virei uma velha caquética.

— Você não é uma velha caquética, Winnie, e nunca será — o Doutor assegurou e acariciou os cabelos grisalhos da mulher, com a mão que não segurava a dela. — E agora eu tenho rugas entre as sobrancelhas, veja só. — Ele franziu a testa para provar seu ponto.

— Você quase não tem sobrancelhas — Winnie riu com um engasgo e o Doutor franziu a testa novamente.

— Ei, olha a boca! Minhas sobrancelhas são sensíveis. — Os dois compartilharam sorrisos de amigos que possuíam uma piada interna entre si, desatando a rir logo em seguida.

Winnie tossiu.

— Veja, o sol está nascendo — ela conseguiu dizer com um pouco de falta de ar, apontando para a janela grande em frente à cama.

O Doutor olhou-a preocupado de canto de olho, contudo, a mulher encarava o lado de fora do vidro e ele fez o mesmo. No exterior, o sol começava a nascer, clareando o céu escuro. Mesmo com a visão limitada de onde estavam, nunca se cansariam de apreciar o amanhecer.

Winnie sentia as pálpebras pesadas e implorando para serem fechadas, junto do peito parando de subir e descer, cada respiração mais difícil para ser completada. Algo escapava por entre seus dedos.

— Corra… Garoto esperto. E lembre-se de mim — Winnie sussurrou a frase que estava marcada por todo o universo nos lábios de inúmeras mulheres, sempre com a mesma face. Sempre ela.

Terminada a última palavra, as pálpebras de Winnie se fecharam e ela expirou. O Doutor permanecia segurando a mão da mulher, com o dedo acariciando a pele em círculos. Aproximando-se, depositou um beijo sobre a testa dela.

— Durma bem, Winnie.




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Notas finais do capítulo

Bem, aqui terminamos essa twoshot que eu simplesmente amei escrever ♥
E sim, vocês não leram errado, a Winnie morreu de causas naturais.

Como prometido, nesse capítulo vamos falar da Winnie e finalizar sobre as inspirações pra essa twoshot.
Quando eu estava fazendo uma pesquisa pra escrever uma outra fic de DW (que ainda não saiu do papel, mas um dia), descobri a existência de uma HQ chamada Blood and Ice, onde o 12° Doutor e a Clara (sim, a original) encontram um eco da Clara, chamada Oswin "Winnie" Clarence. Ao final da aventura, a Winnie salva o Doutor, como todo eco, porém, ela não morre no final. Sim, ela termina vivinha e descobrimos que nem todos os ecos da Clara morrem.
Com isso, tínhamos dois possíveis finais para essa fic: o primeiro a Winnie morreria para salvar o Doutor e ele teria certeza que fez a escolha certa em mandar a Clara embora, pois Trenzalore é muito perigoso para ela. Na segunda opção, e que foi escrita aqui, a Winnie vive uma vida em Trenzalore e morre de velhice. Com a cena singela que me veio em mente, optei pela segunda opção e creio ter sido a melhor escolha ♥
E sim, o nome Winnie veio da HQ (achei fofo), mas também escolhi por causa de Winnie-The-Phooh, que, como podemos ver, tem um significado especial aqui :3

Bem, é isso. Obrigada a você que acompanhou e vamos conversar um pouquinho sobre essa aventura ♥
Até mais o/



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