Desde que era pequeno, ele se lembrava das famosas festas que Bruce era obrigado a dar para manter a fachada de playboy perante a sociedade de Gothan. Eram consideradas por seus convidados verdadeiramente inesquecíveis – não que Alfred o deixasse chegar muito perto para ver alguma coisa realmente concreta, apenas maiores de idade, mestre Dick, ele dizia – mas ele se lembrava de conseguir ouvir o barulho dos risos e das conversas no outro estremo da mansão Wayne.

Tinha algo mágico acontecendo, ele pensava.

Dez anos depois, suas opiniões acabaram mudando um pouco.

Aquilo era o inferno. Não, pior que o inferno. Ele tinha certeza de aquela tortura psicológica fora criada apenas para que os velhos anciões do conselho pudessem lentamente o assistir enquanto ele tentava não chafurdar em toda aquela maçante conversa sobre negócios.

Reprimindo um bocejo, o moreno discretamente checou as horas mais uma vez no relógio. Não tinha se passado nem dez minutos que todo aquele martírio tinha começado.

Sinceramente, o barulho de toda aquela conversação o estava deixando um tanto tenso. Ocasionalmente era bastante intrigante a forma como ele raramente conseguia se permitia relaxar de forma verdadeira, todos os anos de treinamento intensivo fazendo com que sua mente sempre trabalhasse de forma a se precaver de todo e qualquer desvio, podendo ele ser premeditado ou não. O pensamento instintivamente o fez ficar mais consciente do metal frio de uma das milhares de adagas do arsenal de Bruce roçando em sua bota.

É. Ele definitivamente nunca seria um homem de negócios.

Enquanto engatava em uma conversa entediante com um dos milhares de acionistas da Wayne Interprises, pensou que a noite provavelmente deveria estar sendo muito mais produtiva se ele estivesse em Central City.

Era de conhecimento geral de seus membros que a sede da Legião ficava em uma das muitas ilhas remotas presentes no Oceano Pacífico, porém a maior parte dos seus esforços sempre ficava na cidade. Ele nunca soube muito bem o porquê, mas havia algo lá que o fazia se sentir em casa, muito mais do que Gotham ou o Circo Haly jamais puderam.

Certo, talvez não algo. Está mais para alguém, não pode evitar se corrigir mentalmente com um sorriso.

A ação o fez instintivamente pensar em longos cabelos, tão ruivos quanto o pôr do sol, e em um sorriso tão caloroso quanto.

Ok. Aquela festa já tinha acabado para ele.

Estava na hora de voltar para casa.

Entrar foi muito fácil. Sempre era.

Ele realmente precisava conversar com Nora sobre sua desatenção. Já era a terceira vez no mês em que ele usava a janela – sempre aberta, não importando o horário – de seu quarto para entrar na casa.

Ele poderia só pedir uma cópia da chave, tinha certeza de que Nora não se oporia, mas o que podia fazer?

Sempre adorou um bom desafio.

Mesmo que esse em questão fosse relativamente fácil.

Ela ainda não estava em casa. Provavelmente iria chegar mais tarde que os outros. Richard sabia que nos fins de semana ela tinha a mania de sempre passar no Laboratório Star para checar como andam as pesquisas, mesmo quando todos já tinham ido embora, um comportamento que o preocupava. Nora tinha a complicada tendência de sempre querer fazer tudo em excesso. Na vivência dele, isso sempre cobrava o seu devido preço.

Logo, sabendo que a ruiva provavelmente iria chegar exausta, resolveu que seria de bom tom da sua parte preparar algo para comer. A fome voraz dos velocistas deixou de ser algo fora do normal há anos, entretanto ironicamente Nora era brilhante em muitas coisas, mas cozinhar não era uma delas.

Com a destreza habitual, rapidamente saiu do quarto e desceu as escadas em direção a cozinha. O cômodo já lhe era de certa forma familiar. Sem pressa, retirou tudo o que iria precisar para o preparo da refeição.

As tardes sempre foram um tanto entediantes na mansão Wayne, logo Alfred – com seu brilhantismo habitual – resolveu que seria uma boa idéia o ensinar a complicada e muitíssima fina arte do preparo dos alimentos. Mais uma das muitas lições que faziam ele ser grato ao mordomo.

Algum tempo depois, uma suave movimentação na sala o fez assumir uma postura alerta, apenas para se lembrar de que Nora tinha adquirido o hábito de praticamente nunca usar os poderes enquanto está em casa.

Às vezes, a lentidão mundana pode ser benéfica, ela lhe explicou ao ser indagada, muito tempo atrás.

Enquanto terminava de forma quase automática a refeição, não pode evitar o fato de que não se permitiu relaxar de forma concreta até que o vislumbre de cabelos vermelhos tomou a forma de uma ruiva sorridente de vinte e um anos. O mais velho ignorou o fato de que seu coração falhou uma batida com aquele sorriso.

O barulho do forno sendo acionado desviou a sua atenção.

Terminando o seu recente trabalho, dirigiu o olhar para a velocista, que não parava de tagarelar desde que chegou.

— ... você precisava ver, foi realmente muito engraçado! O Wally quase conseguiu destruir todo o minucioso trabalho da Donna. Ela ficou uma fera, eu já estava vendo a hora em que ela iria tirar o laço da bolsa e enforcar ele! – Gesticulava enquanto andava pelo pequeno espaço da cozinha, separado apenas por uma ilha central. O lugar todo era admiravelmente claro e límpido, assim como toda a casa.

— E aí, o Connor e a Donna começaram a brigar para decidir quem iria comer o primeiro pedaço de bolo, o que acabou resultando em uma Meghan completamente suja de glacê. E no final, a gente teve que ir jantar em uma pizzaria. A Meghan disse que estava tudo bem, mas eu realmente queria que a festa tivesse dado certo, sabe? – Desejou, parecendo meio chateada. Ele apenas concordou sorrindo. Ela ficava fofinha quando estava falando sem parar.

Parecia que ela ia discorrer mais sobre a noite, porém constatação de algo a fez suspirar.

— Eu estou fazendo de novo não é? – Ele não pode se conter, riu.

— Sim, está. –

— Eu não sei qual é o meu problema, sabe? Eu tento parar mas é como se as palavras só saíssem da minha boca de forma desenfreada, e eu não consigo me controlar! – Aborrecida, sentou-se na bancada. – Ei, isso é lasanha? – Toda a sua atenção se voltou para a comida.

Já acostumado, o Grayson apenas assentiu.

— Eu sinto muito por não ter ido, Bruce me fez prometer que não iria faltar nessa reunião de negócios. – Segurou a vontade de revirar os olhos. Ele realmente detestava tudo aquilo. Não era à toa que resolvera ser detetive. Uma noite com aquelas pessoas e ele já estava pronto para atirar em alguém.

— Tudo bem. – Já terminara de comer. Um segundo depois, estava ao seu lado. – Que tal se formos ver um filme? – Ofereceu, parecendo querer melhorar o seu humor. Richard concordou.

Alguns longas-metragens depois, Richard já sentia uma suave paz interior se apoderar lentamente de seu corpo. Enquanto mirava os suaves raios passando ocasionalmente pelos lindos olhos castanho-esverdeados, ele não pode deixar de pensar que já devia estar atrasado para a patrulha noturna com Superboy, mas sinceramente? Ele acabou descobrindo que não se importava, contanto que Nora Snow-Allen continuasse o olhando daquela forma.