Internamente Evans escrita por psc07


Capítulo 12
Capítulo Onze


Notas iniciais do capítulo

SURPRESA!!!!!

Hoje é um dia 18 especial pois é meu aniversário de namoro, então escolhi fazer um agradinho para vocês!

Curtam e aproveitem esse mimo! Um cheiro!



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Lily acordou ainda meio sonolenta, e levou alguns segundos para lembrar o motivo: ficaram resolvendo prova até mais de duas da manhã. Com um suspiro, ela se levantou e foi se arrumar para não atrasar.

Benjy e Emmeline já estava prontos; tinha um banheiro com chuveiro disponível.

—Bom dia – Lily cumprimentou quando entrou na cozinha e viu os amigos já comendo.

—Hey, Lil – Benjy disse, com um sorriso. Aquela cena não era estranha para Lily: Benjy em sua cozinha, lhe oferecendo um prato de panquecas. Eles viveram isso por um tempinho.

—Marlene não vem? – Emmeline questionou.

—Ela geralmente não come antes de sair – Lily explicou.

Dez minutos depois eles haviam terminado de comer, e estavam prontos para o hospital, mas Marlene não havia saído do quarto, então Lily foi atrás.

A morena ainda estava se arrumando, e Lily suspirou.

—Podem ir na frente. Lene ainda não está pronta – Lily disse aos dois que esperavam na sala. Eles estavam no carro de Benjy, e saíram com um aceno.

De repente, Lily se viu cercada por Marlene, Tonks e Mary.

—Okay, fala, Tonks – Marlene ordenou. Lily arregalou os olhos, e a amiga fez um gesto de impaciência com a mão – Sim, claro que eu estava pronta, mas tínhamos coisas mais importantes em jogo.

Lily riu, mas logo foi silenciada por Mary e Marlene, que olharam para Tonks após repreender a ruiva.

—Então, estávamos terminando o trabalho, quando aparece uma mensagem de Remus! – Tonks conta com um sorriso imenso – Ele pediu desculpa pela demora, mas disse que todas as coisas que ele havia dito antes ainda eram verdadeiras e ele precisava de um tempo para refletir sozinho.

—Ok, justo – Mary concedeu – Mas deveria ter dito antes.

—Concordo – Marlene opinou – E você está bem com isso?

—Assim… – Tonks disse, dando de ombros – Eu queria outra coisa, mas eu entendo o lado dele, de verdade. Então disse que quando ele terminasse de ser dramático e autodepreciador para vir falar comigo.

—E ele disse o quê?

—Agradeceu pela compreensão. Aí eu disse que provava que a diferença de idade não atrapalhava tanto assim, que a de altura era maior… porque ele ficou reclamando que o pescoço dele ficou doendo. Então ele disse que esse problema era facilmente passível de resolução, e eu entrei em uma espiral de imaginação e achei melhor dormir.

Lily sorriu. A garota era realmente muito safa.

—Bom – Mary aprovou. – Você tomou certa iniciativa, mas ainda respeitando o espaço que ele pediu.

—Agora, antes que a gente se atrase, vamos falar de Lily e James – Marlene anunciou, fazendo Lily revirar os olhos, Mary bater palmas e Tonks soltar um “oooooh”.

—Não há nada para ser dito, Lene – Lily retrucou.

—Corta essa, vocês estavam flertando muito na Calourada – Mary interrompeu – E nem venha dizer que foi para ensinar Peter. Eu lhe conheço.

Lily deu de ombros.

—Eu não disse que não flertamos – Ela esclareceu – Apenas que não há nada a ser dito sobre isso. Estávamos numa festa, somos solteiros, estávamos nos divertindo, e–

—E depois se beijaram? – Tonks perguntou, fazendo Marlene rir. Lily revirou os olhos.

—Não! E depois voltamos a ser residente e interna. Acabou a história. Agora anda logo antes que nos atrasemos, Marlene.

Lily tentou entender porque as insinuações lhe incomodavam tanto enquanto dirigia para o St. Mungo’s. James era muito bonito, isso era evidente. Seria uma coisa… não ruim ser associada desse jeito com um cara gato como ele.

Mas…

Bem, como ela frisara, ele era residente. E da área que ela queria seguir. Então ela não queria arriscar nada, e ela estava certa.

Todo mundo sabe que não se deve cuspir no prato em que se come. Ou que onde se ganha o pão não se ganha a carne. Ou qualquer coisa do tipo.

Pensar em tudo aquilo era uma grande bobagem, Lily sabia. Porque as garotas estavam supondo que James se interessaria por ela, o que ela achava difícil.

—O que você tanto pensa? – Marlene perguntou quando saltaram do carro.

—Nas perguntas que farei a Remus sobre nosso paciente. – Lily mentiu com simplicidade. Não seria algo tão difícil de imaginar, tanto que Marlene engoliu.

Dessa vez apenas James e Sirius estavam na sala de prescrição quando as garotas chegaram.

—Evans! – Sirius exclamou sorrindo – Paciente da semioclusão teve alta ontem pela tarde. Você está sem um paciente de novo – Ele informou, agora fazendo um beicinho.

—Eu sei que você adorou me ter como interna, Sirius, mas não precisa ficar tão triste – Lily respondeu – Os outros internos vão ficar com ciúmes.

O residente riu.

—Eu não me importo com esses infernos— Ele disse, cruzando os braços.

—É assim que você quer me conquistar? – Lily perguntou, num falso tom de dor – Me chamando de inferno?

—Quem disse que eu quero te conquistar? – Sirius questionou. Lily ergueu uma sobrancelha e ele riu – Eu quero, mas quem está com paciente novo é James. 

—Oh, compreendo – Lily disse, fazendo uma careta de decepção – Tente não chorar sem mim, certo?

Sirius revirou os olhos, e Lily se aproximou do amigo de cabelos rebeldes e óculos, que observava os dois com um pequeno sorriso e uma sobrancelha erguida.

—Bom dia, James – Ela desejou sorrindo. 

—Não sabia que vocês eram tão amigos – James disse depois de cumprimentá-la. Lily revirou os olhos.

—Oh, bem. Ele só é loucamente apaixonado por mim, apenas não consegue admitir – Ela explicou teatralmente. James sorriu mais.

—Ah, certo. Tudo explicado. 

Eles trocaram um olhar.

—O que tem para mim?

—Admissão já pronta do plantão de enfermaria da tarde – James disse, fazendo Lily juntar as mãos e agradecer em orações. Ele riu – Paciente para tratamento cirúrgico de hemorroidas.

Lily assentiu.

—Vamos, quero lhe apresentar e lhe mostrar o exame da região – Ele falou.

Lily pegou seu material necessário e seguiu James para fora da sala de prescrição.

—Você falou com ele? – Lily perguntou num sussurro. James meneou a cabeça.

—Sugeri que sabia de alguma coisa, e ele fingiu que não tinha entendido, mas dava para perceber que ele tava escondendo – James respondeu – Passou o dia no quarto mais uma vez.

—Ele mandou mensagem para Tonks – Lily confidenciou, fazendo James arregalar os olhos.

Sob pedidos dele, Lily relatou rapidamente o conteúdo das mensagens, mas tomando especial cuidado para não falar demais o lado de Tonks.

—Eu não esperava que ele fosse seguir meu conselho – James admitiu. Os dois estavam agora parados na porta do quarto, fingindo olhar a ficha de admissão que Lily carregava entre eles.

Lily ergueu as sobrancelhas.

Seu? Você acha que eu falei um bocado de manhã à toa? – Ela perguntou, cruzando os braços. James sorriu.

—Nosso conselho.

Lily assentiu com a cabeça.

—Agora vamos ver esse novo paciente – Lily pediu – Preciso perguntar para ele com quantos meses ele sentou sozinho – James riu – Depois podemos falar mais sobre Remus e Tonks, Dr. Potter.

Foi a vez de James demonstrar leve surpresa.

—E por que ficaríamos fofocando sobre eles, Srta. Evans?

Lily sorriu.

—Porque claramente somos cupidos, e é isso que cupidos fazem.

***

Quando Lily e Marlene chegaram em casa, foram surpreendidas por Tonks na cozinha – fato não tão alarmante depois de verem Mary ao seu lado.

—Estou fazendo macarrão e carne à bolonhesa! – Tonks exclamou com um imenso sorriso – Bem, Mary está ordenando tudo o que eu faço, e corrigiu quase tudo, mas estou filmando para tentar outro dia!

A alegria da garota mais nova era contagiante, e Lily não escondeu o sentimento. Ela depositou suas coisas no quarto, se trocou e foi para a cozinha para ver se precisavam de ajuda.

—Tudo sob controle, Lily – Mary tranquilizou. Lily decidiu então colocar a mesa.

—Lupin falou mais alguma coisa, Tonks? – Marlene perguntou enquanto se serviam.

—Falou – Tonks respondeu – Assim, ele deu bom dia e boa noite, e mandou um vídeo engraçado. Não sei se é um bom sinal ou não, ou sei lá. Não tenho muita experiência com relacionamentos. Mas… 

—Mas…? – Mary incitou. 

—Foi bom falar com ele – Tonks disse, dando de ombros e brincando com a comida no prato – Sei lá, eu acabei me acostumando a falar todo dia, e eu meio que senti falta.

As outras três garotas hesitaram antes de falar, o que fez Tonks olhar para cima e soltar uma risadinha completamente diferente da que ela exibira na cozinha poucos minutos antes.

—Podem dizer, sou apenas uma garotinha idiota – Tonks disse.

Lily suspirou.

—Primeiramente, a comida está muito boa – Lily elogiou – Segundo… você parece gostar bastante de Remus, Tonks. E isso não é estranho, já que vocês se conhecem há muito tempo e ainda tiveram essa convivência agora e depois se beijaram. Pelo pouco que eu conheço, Remus parece ser uma pessoa incrível.

—Ele é – Tonks confirmou com um sorriso que mostrava todo seu carinho pelo residente.

—Então você não é idiota – Lily afirmou – Se ele não gostasse o mínimo de você, nunca teria lhe beijado na calourada. Mas…

—Sempre tem um mas – Marlene comentou, fazendo Lily lhe lançar uma encarada.

—Mas talvez seja bom você se preparar para possibilidades não tão… agradáveis – Lily disse, fazendo uma careta.

—Se ele está hesitando, hesite também – Mary aconselhou.

—Não importa quão… incrível ele for… você é ainda mais – Marlene concluiu.

Tonks sorriu levemente.

—Definitivamente vou me lembrar disso – Ela assegurou.

—Essa ideia de você vir morar com a gente foi ótima – Marlene comentou após alguns momentos – Eu estava precisando de alguém para receber a minha inteligência e dicas de como sobreviver a machos.

Lily bufou.

—Como se você não continuasse a passar essas dicas para mim e para Mary – Ela rebateu.

—Mary está fazendo Bertram comer na palma da mão dela, ela não precisa da minha sapiência – Marlene explicou – No momento, por enquanto, você não está com ninguém, então, por ora, também não está necessitada.

Lily estreitou os olhos para a amiga morena.

—Não gostei da sua insinuação.

—Não insinuei nada – Marlene falou com um sorriso cínico – Mas se a carapuça serviu…

E, sério, quem poderia culpar Lily por ter jogado uma bolinha de guardanapo em Marlene?

***

Lily ficou feliz de ver Remus mais tranquilo na enfermaria. Ele não parecia mais tão angustiado, mas definitivamente tinha algo o perturbando.

Ela preferiu não mencionar.

—Hey, Lily – Ele cumprimentou – Está de PE hoje?

—Sim, senhor. Você também? – Ela perguntou com um sorriso.

—Na verdade é Sirius – Remus respondeu – Eu estou na emergência. Posso te fazer companhia no almoço, se quiser…

A oferta de Remus teria sido apenas gentil não fosse pelo olhar intenso que ele lançou.

—Claro, seria ótimo! – Lily aceitou de imediato.

Além de Remus ser bastante agradável, ela estava muito curiosa para saber o que ele lhe diria. Claro que ela suspeitava, mas ainda assim…

A manhã foi muito cheia na enfermaria: ela teve que coletar gasometria dos dois pacientes que acompanhava, e um deles precisou passar uma sonda pelo nariz até o intestino pois estava engasgando ao comer e precisava de alimentação, e sempre era preciso tirar uma radiografia depois disso para garantir que estava no lugar certo.

Então ela mal viu o tempo passar, e antes que percebesse, Remus estava lhe puxando pelo jaleco, insistindo que uma hora não faria diferença.

—Mas eu preciso levar o raio-x…! – Ela exclamou.

—Lily, não vai fazer diferença entre agora e daqui a uma hora. A dieta para sonda precisa de um tempinho para ser liberada e já foi pedida independente do posicionamento – Remus contrapôs – Ele está distendido, sem apetite, e os níveis glicêmicos estão controlados, ele comeu de manhã e está bem nutrido.

Lily suspirou e tirou o jaleco para seguir Remus para o refeitório. O St. Mungo’s era um dos hospitais que forneciam alimentação para estudantes e estagiários nos períodos necessários, e a comida também era boa de maneira geral.

—É mais uma coisa que você precisa aprender no internato – Remus falou quando eles se sentaram – Você precisa se dar limites, ou de repente está deixando de comer para ficar trabalhando e isso não é saudável.

—Rem, você sabe melhor que eu a rotina da cirurgia. Se tiver comida, coma. Se tiver uma cama, durma. Você não sabe quando vai ser a próxima vez – Lily rebateu. Remus ergueu as sobrancelhas.

—Essa é sua hora de comer, Lily. Você lida com tudo que tem que ser lidado no momento, e o que pode ficar para mais tarde, no seu horário de almoço, você deixa. Sirius estará lá de tarde. A radiografia não está pronta.

Lily deu de ombros e Remus riu.

—Eu só queria deixar sem pendências – Ela justificou.

—Sempre vai ter uma pendência. Mas não se preocupe. Eu literalmente já tive que arrastar James para fora da enfermaria no internato. É normal – Ele tranquilizou com um sorriso.

Lily devolveu o sorriso e voltou a comer. Ela sabia que ele falaria o que queria quando estivesse pronto, então não se preocupou em apressá-lo; era possível ver o residente se mexendo de maneira desconfortável.

Até que ele limpou a garganta, e Lily segurou o sorriso.

—Você sabe da minha… situação com Tonks – Ele iniciou sem rodeios.

—Estou ciente, sim, tendo presenciado – Lily respondeu, e ele limpou a garganta mais uma vez.

—Bem, sim. E também que ainda não… conversamos muito a respeito.

—O que apesar de compreender um pouco seu lado, eu acho que já passou da hora.

—Talvez – Remus cedeu e suspirou – Lily, ela é a priminha de Sirius. Você tem noção do que é isso? 

—Consigo apenas imaginar.

—Ela é bem mais nova. Ela… ela é incrível, na verdade. Mas eu não sei como isso poderia dar certo – Ele admitiu.

—Assumo então que você quer que dê certo – Lily supôs, e ele confirmou.

—Eu não sei… eu preciso de ajuda em imaginar como… é loucura, para mim.

—Não me entenda mal, eu me sinto honrada de ser a escolhida para ajudar… mas seus amigos não têm ideias? – Lily perguntou. Remus bufou em resposta.

—Peter? Aquele Peter que você literalmente fez um passo a passo de como falar com uma mulher sem gaguejar? – Ele questionou erguendo uma sobrancelha. Lily soltou uma risadinha – Sirius me mataria. Com toda a certeza. E James… – Remus negou com a cabeça – inútil.

—Por que inútil? – Lily perguntou franzindo o cenho. Remus tinha um expressão divertida no rosto.

—Porque ele é um romântico incurável – Remus respondeu simplesmente – Ele sempre vai dizer para tentar, porque se há uma chance de amor, deve seguir, e coisas assim.

Lily ergueu as sobrancelhas, e compartilhou o humor do residente.

—Huh. Interessante.

—O que me traz de volta a você. 

Lily hesitou.

—O fato de Tonks ser mais nova e prima de Sirius e você ter assistido ela crescendo realmente é difícil – Lily concedeu – Mas honestamente, eu só vejo um caminho, considerando que os dois querem essa… situação. Tentar.

Remus ergueu as sobrancelhas.

—Chama ela pra um encontro. Vão pro cinema, jantem juntos, sei lá. Você vai pensar em algo bom, tenho certeza. Converse com ela sobre o assunto. Faça ela entender porque você fica desconfortável e porque a situação é difícil para você. Quem sabe ela não tem uma ideia sobre como fazer dar certo?

Ele escutou em silêncio, absorvendo tudo que lhe era dito. Lily lhe deu o tempo necessário, enquanto eles começavam a sair do refeitório, então ele suspirou.

—É só que… ela é tão…

Lily sorriu.

—Sim, eu também acho. E… bem, ela gosta de você, e ela pode parecer super mais nova na sua cabeça porque você a viu crescer, mas ela é muito mais do que isso. E acho que no fundo você sabe.

Lily não sabia se Remus estava em silêncio pelo cansaço de subir as escadas (como sua respiração ofegante denunciava) ou por estar refletindo. Antes de falar mais, ele tossiu algumas vezes.

—Talvez você tenha razão – Ele disse, por fim. Lily abriu um grande sorriso.

—Que bom que você consegue enxergar a verdade.

Remus riu e, depois de pegar suas coisas, desceu para a emergência, deixando Lily com Sirius.

—Evans! – Sirius exclamou sorrindo – Está presa aqui comigo?

Lily fingiu uma careta de desespero enquanto concordava com a cabeça.

—Nos divertiremos bastante hoje!

—Não podemos ficar calminhos e torcer pros pacientes ficarem bem e quietos? – Ela perguntou sentando ao lado dele.

—Para nos divertirmos os pacientes terão que ficar bem e quietos, Evans. – Sirius revelou solenemente. Lily sorriu.

—Você fala como se tivesse várias atividades planejadas para uma criança, Sirius – Ela comentou. Foi a vez do residente sorrir.

—Todo interno é uma criança. Primeira lição do dia.

Lily revirou os olhos e, rindo, empurrou Sirius.

—Vê? Muito educação e treinamento, você irá receber – Ele disse, imitando Yoda. Lily riu mais uma vez.

—Certo, estou preparada, mestre.

Sirius sorriu mais.

—Boa garota. A primeira atividade é relaxar por mais alguns minutos. A digestão, sabe como é…

Então ele tirou um tablet da mochila e abriu o aplicativo da Netflix, e olhou para Lily.

—Gosta de La Casa de Papel? – Ele perguntou com uma sobrancelha erguida.

—Você está assistindo pela primeira vez? – Ela devolveu, e Sirius assentiu – Hm, meio atrasado. Seria horrível se alguém lhe desse spoilers né…

Sirius agora ergueu as duas sobrancelhas.

—Está me ameaçando, Evans?

Lily sorriu e deu de ombros, pegando o livro que levara para o hospital no dia.

—Maquiavélica! – Ele acusou, mas seus olhos traíam seu divertimento.

Se ela tivesse que arriscar, diria que ele realmente gostava dela.

—Apenas sei meus trunfos…

Sirius definitivamente iria responder, mas nessa hora uma enfermeira chegou e entregou um termo de consentimento cirúrgico que havia sido preenchido errado, e que precisava que Frank revisse.

Sirius ligou para Frank, que estava na emergência pediátrica com Alice.

—Isso me parece uma tarefa de internos, Evans – Sirius comentou com um sorriso, entregando o termo para a garota.

—Também me parece. Eu volto já.

Lily sabia que a emergência pediátrica era próxima à adulta, porém nunca fora lá. Então foi pelo caminho já conhecido e seguiu as placas, até ser alertada pelos choros que estava no local correto.

Ela perguntou onde estava Dra. Alice, e foi para o consultório indicado por uma das técnicas de enfermagem. Esperou na porta até o paciente sair para não atrapalhar a consulta.

—Dra. Alice? – Ela perguntou, batendo na porta após a saída de um casal jovem com um bebê de colo. 

—Lily, pode entrar! – Ela exclamou – Mas sem isso de doutora, por favor! Em que posso te ajudar?

—Deu um problema num termo que Frank aplicou, e precisa ser ele a corrigir – Lily explicou – Sirius ligou e ele disse que estava aqui…

—Ah, sim, ele estava, mas foi no banheiro…

O resto da frase foi interrompida por uma técnica que abriu a porta, de aparência levemente assustada.

—Dra. Alice, só temos você de médica no momento, chegou um menino convulsionando, ele está na sala vermelha.

Alice levantou na hora, e chamou Lily com ela.

—Convulsão, qual a primeira droga? – Alice questionou enquanto elas iam apressadas para a sala vermelha.

—Diazepam – Lily respondeu de imediato.

—Perfeito. A dose pediátrica varia a depender do peso, mas agora não temos como saber, apenas estimar ao ver o paciente… ou perguntar aos pais.

Ao chegarem, viram a enfermeira já puncionando o acesso venoso periférico, e um garoto, de uns 13 anos, ainda convulsionando, com uma máscara de oxigênio, e a mãe chorando ao lado.

—Okay, pessoal, vamos lá. Preciso de uma cânula de Guedel, quero 7 litros de oxigênio a 100%, oximetria e glicemia capilar – Alice solicitou rapidamente – Senhora, meu nome é Alice, sou médica residente daqui da pediatria. Há quanto tempo seu filho está convulsionando?

—Eu… uns 10 minutos, não tenho certeza! – A mãe respondeu gaguejando entre soluços.

—Então vamos precisar de Diazepam endovenoso. Senhora, quantos quilos ele tem? Tem alergia a alguma coisa? Usa algum remédio todo dia?

—Ai, a última vez… trinta, eu acho. Não tem alergias e não usa remédios, ele é perfeitamente saudável!

—Certo, fique tranquila, nós vamos cuidar dele. Precisamos de 5mg de Diazepam endovenoso pra fazer durante um minuto – Alice pediu, olhando atentamente para o monitor. Ele estava respirando bem – Qual o nome de seu filho?

—Nixon – A mulher respondeu.

—Vamos cuidar dele, ok? Aguarde ali fora por enquanto. Quando ele estiver melhor eu chamo a senhora. 

Pouco tempo depois as convulsões cessaram, e o alívio na sala foi explícito.

—Dra. Alice, a glicemia capilar veio 93 – Uma das técnicas informou.

—Ah, obrigada, Claire. Podemos coletar sangue? Vou solicitar agora no sistema enquanto converso com a mãe dele para tentar definir a etiologia. Obrigada pelo apoio, gente. – Alice agradeceu com um sorriso.

Fora incrível, Lily pensou, ver Alice em ação. Calma, comandando a situação com firmeza e educação, sem passar nenhuma dúvida de que sabe conduzir o caso. Lily desejava ser assim no futuro.

—Senhora, ele parou de convulsionar, está voltando aos poucos. Tem uma enfermeira com ele que irá me avisar qualquer coisa – Alice falou com a mãe assim que a viu – Como é o seu nome?

—Ana. Ele está bem, então?

—No momento, sim. Ele já teve isso antes? – Alice perguntou.

—Já, mas quando era bem pequeno, parou pouco depois de três anos e nunca mais teve – Ana contou.

—E não usa nenhum remédio hoje?

—Não usa.

—Chegou a usar quando teve? Alguma coisa assim, todo dia?

—Não, não, nada disso – Ana negou – Ele é extremamente saudável.

—Certo. Ele tem treze anos, certo?

—Isso. 

—Ele estava se queixando de alguma coisa? Dor, tontura?

—Bem… – Ana disse após hesitar – Ele estava andando meio desequilibrado recentemente, sabe? Mas nada demais. Achei que fosse alguma brincadeira ou ele me pirraçando. Eu estava reclamando pois ele começou a tirar nota baixa, e aí ele passou a me pirraçar, fingindo que não entende o que eu falo… e fica dizendo que o braço tá tremendo sozinho… 

Lily percebeu Alice franzindo a testa. Ela podia não saber muito de pediatria, mas aquilo tudo com certeza não era normal.

—Ele teve febre? Tava com dor de cabeça, vomitou? – Alice continuou, e Ana negou novamente. 

Antes que Alice continuasse, uma senhora mais velha chegou e se apresentou como neuropediatra. Alice a deixou a par do caso, e a preceptora Trelawney também fez uma cara de confusa.

—Vamos lá, a senhora vem conosco – Trelawney falou – Vamos fazer um exame chamado eletroencefalograma, que é como se fosse um eletrocardiograma, só que do cérebro – Ana continuou confusa – Serve para ver a atividade do cérebro. Pode nos dizer algumas coisas sobre essa crise. 

Lily observou atentamente o posicionamento dos eletrodos na cabeça de Nixon, e as linhas se formando. Trelawney juntou os lábios numa fina linha.

—Senhora, seu filho teve alguma doença quando era bebê? – Ela questionou.

—Não, nada – Ana negou.

—Não teve nenhuma manchinha no corpo com febre antes de um ano de idade?

—Ah, isso ele teve, com uns dois anos. Mas ficou bem, nada demais.

As narinas de Trelawney inflaram.

—Senhora, seu filho tomou todas as vacinas ou faltou alguma?

—Ah, vacinas? – Ana perguntou, fazendo uma careta – Eu não vacinei Nixon. Todo mundo sabe que vacina causa autismo, além de mil outras doenças.

Se Lily estava em choque, não havia como descrever a expressão de Alice e Trelawney.

—Senhora, eu acredito que seu filho possui uma condição chamada panecefalite esclerosante subaguda. A senhora sabe o que é isso?

—N-não – Ana estava branca agora.

—É uma doença em que a criança vai aos poucos perdendo todas as funções do cérebro. Começa com atenção, equilíbrio, diminui rendimento escolar, irritabilidade, tremores involuntários, convulsões, e evolui com demência, perda da fala, cegueira, e cerca de três anos depois do diagnóstico, morte.

Ana levou as mãos à boca e as lágrimas retornaram com força total. Lily estava um pouco surpresa com a dureza da preceptora. Sempre imaginara pediatras como pessoas calmas e fofas. 

—Sabe porque essa doença acontece? – Trelawney continuou – É uma alteração tardia da infecção pelo vírus do sarampo, que ocorre entre oito e quinze anos após a infecção do sarampo, que é compatível com a história que a senhora disse. 99% de chance da vacina de sarampo ter prevenido essa condição. A senhora compreende? Que a sua desinformação e decisão de não seguir orientações médicas culminaram com uma sentença de morte com péssima qualidade de vida para o seu filho?

Ana não conseguia mais olhar para Trelawney, que nesse ponto estava vermelha de raiva.

—Mesmo que vacinas causassem autismo, que não causam, se eu estiver certa, o que tem grandes chances, a senhora vai desejar que ele tivesse autismo, quando tiver que alimentá-lo com uma sonda quando ele tiver quinze anos. Eu vou solicitar outros exames para confirmar o diagnóstico. Mas eu não tenho dúvidas do que seja. Também vou acionar o conselho tutelar para notificar a senhora por negligência. Alice, querida, pode retornar para o consultório. Eu assumo daqui.

Alice assentiu e puxou Lily de volta para a salinha.

—Essa onda anti-vacina está crescendo muito – Alice comentou – Vemos cada vez mais situações que poderiam ser prevenidas com o calendário vacinal, mas por muitas mentiras espalhadas, ocorrem.

—Eu estou sem palavras – Lily confessou.

—É uma situação impossível. Geralmente Dra. Trelawney é absurdamente doce. Mas ela perde as estribeiras quando esse tipo de coisa acontece. Confesso que eu também. Aquele garoto vai morrer por causa da mãe. Se você por acaso encontrar, na vida de maneira geral, alguém que não vacine os filhos, faça um favor à sociedade e explique a importância, Lily. Vacinas são seguras e salvam muitas vidas. Não podemos deixar a desinformação e a mentira matar pessoas.

***

Dizer que Lily estava chocada com o caso que acompanhara com Alice era pouco. Até mesmo Sirius percebeu que a garota não estava bem quando ela voltou para a enfermaria após ter conseguido que Frank corrigisse o termo.

—É uma merda – Sirius respondeu quando ela contou o que ocorrera, sua feição dura – Pessoas idiotas não deveriam ter filhos. Você precisa de uma habilitação para dirigir um carro. Procriar me parece uma responsabilidade muito maior.

Lily soltou uma leve risada. Era o tipo de coisa absurda que Sirius dizia, mas que fazia um pouco de  sentido, no final das contas.

Finalmente a radiografia que Lily tanto esperava chegou, e Sirius lhe mostrou os pontos importantes para saber que a sonda estava bem posicionada e que poderia ser liberada para alimentação.

—Vamos ver se tem alguma interconsulta, já que aqui está parado… – Sirius disse depois de irem conversar com o paciente. Ele abriu o sistema enquanto cantarolava alguma coisa – Olha só, temos uma na ginecologia. Vamos lá.

Lily gostou de ter algo para fazer; tirava sua mente do que acabara de ocorrer. Ela já fizera o rodízio de Ginecologia e Obstetrícia (GO), mas não fora nesse hospital, então ela não sabia o caminho. Sirius mantinha o passo apressado, e mesmo com a diferença de tamanho, ela conseguia acompanhar. 

—Leito 235… – Sirius comentou – Parece que estão suspeitando de apendicite numa paciente… vamos lá…

Lily ergueu as sobrancelhas. Não era algo tão comum.

—Senhora Miriam? – Sirius perguntou, chegando no leito informado. A paciente confirmou – Me conte um pouquinho sobre o que ocorreu… 

—Ah! Sirius! Não sabia que era você! Não lhe vejo há um bom tempo!

Os dois se viraram imediatamente para a voz que se aproximava deles juntamente a um clique de salto. Lily viu uma mulher extremamente bonita, com cabelos castanhos e olhos azuis bem chamativos. Ela estava vestida de um jeito que gritava “preceptora”, mas pela cara de Sirius, Lily se questionou.

—Jorkins. Não sabia que era sua paciente – Ele respondeu sem ânimo. A mulher manteve o sorriso.

—Não precisa conter sua felicidade, Sirius – Ela disse com uma pitada de sarcasmo – E você é interna da cirurgia? – Ela perguntou para Lily com um pequeno sorriso.

—Isso. Lily Evans, prazer – Lily se apresentou. A outra sorriu um pouco mais.

—Sou Bertha Jorkins. Pode me chamar de Bertha. Sou residente de GO, e estou com Miriam – Ela respondeu, depois se aproximou do leito e pegou a mão da paciente – Como já conversei com ela, acho que ela tem apendicite. Mas é bom repetir tudo para Sirius. Ele é da cirurgia e vai saber melhor que eu.

Miriam realmente parecia estar com apendicite pela história que ela relatava – bem, no palpite de Lily. Mas Sirius também parecia concordar com a suspeita.

—A dor já melhorou bastante – Miriam disse – Dra. Jorkins me deu morfina agora há pouco.

Sirius sorriu para ela e se virou para Lily.

—Nesses casos, Lily, não adianta tanto testar os sinais. Analgésicos dificultam a resposta à dor necessária pra ter significado clínico. Vamos só palpar para ver tem outro sinal de irritação peritoneal… e relatar na interconsulta que o exame foi prejudicado pelo uso de analgésicos.

—O que queria? Que eu a deixasse com dor? – Bertha vociferou.

—Bom, você sabe que pela tarde geralmente levamos menos de meia hora para responder interconsultas, Jorkins. – Sirius lembrou – E tem um telefone na nossa enfermaria. Ele funciona. – Ele se virou para a paciente – Realmente parece uma apendicite. Normalmente eu faria exames laboratoriais, mas com a sua condição, vai estar alterado de qualquer jeito.

A condição era: Miriam estava grávida de 20 semanas (20 longas semanas).

—A ultrassonografia pode nos ajudar, então vou solicitar uma imediatamente. Não é o ideal fazer uma tomografia pela gestação, apesar de melhor exame. – Sirius explicou – Mas é bom a senhora já ficar ciente que há possibilidade de cirurgia, mas se precisar, ficará tudo bem.

—Cirurgia? Não por vídeo? – Jorkins questionou.

—Sim, por vídeo. Não há maior risco. Recuperação melhor dela, menos estresse, menos resposta metabólica, mais tempo para o bebê. – Sirius concluiu – Vou lá pedir seu exame e volto mais tarde.

Chegando no balcão, Sirius percebeu que esquecera o carimbo na enfermaria, e Lily se ofereceu para pegar enquanto Sirius escrevia. 

Mas algumas coisas são pelo acaso, como por exemplo quando Lily voltou para o balcão e Sirius e Jorkins estavam discutindo – Lily apostaria tudo que não era sobre Miriam.

—… ele está bem, Jorkins –Sirius afirmava num sussurro irritado – ficar longe de você é o melhor para ele.

—Eu não consigo achar isso, Sirius! Nós éramos felizes!

—Você! Você era feliz. James não. Você fazia dele de gato e sapato, e ele não conseguia nem dizer não! – Sirius replicou – Olha, vocês namoraram por um bom tempo, mas acabou. Siga em frente. Supere James, ok? Ele está muito bem. Agora vamos que isso não é local…

Quando Lily foi deitar de noite, ela pensou nesse encontro estranho. Não deveria se surpreender em James ter namorado aquela mulher estonteante. Ele fazia o tipo de que namorava mulheres estonteantes – não mulheres como Lily, por exemplo.

Não que ela… nada disso. Não mesmo.

Ela se imaginou contando para Marlene, e sabia que a amiga lhe diria que era ciúmes o que sentia. Mesmo que não fosse. Mesmo que só fosse algumas borboletas misturadas com vontade de apagar aquele sorrisinho da cara de Jorkins.

Mas tudo isso era apenas distração, auto-preservação. Então Lily tirou o plug da memória do que ocorrera na emergência, e sua cabeça não parou tão cedo.

Talvez Nixon não pudesse ser salvo, mas ela queria lutar para outras crianças não sofrerem o que Nixon sofreu. Ou para crianças impossibilitadas de tomar a vacina – as com câncer fazendo quimioterapia, as transplantadas, as com doenças do sistema imunológico – não padecerem de doenças previníveis.

No seu consciente ela conseguia mandar e focar em coisas importantes, mas seus sonhos… ah, seus sonhos estavam misteriosamente misturados com cabelos castanhos e olhos azuis, que se transformavam em uma bagunça preta e olhos castanho-esverdeados, seguidos por um sorriso grande e promissor…


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Notas finais do capítulo

Deixando só um recadinho: vacinem seus filhos! Se vacinem! A vacina é um método simples que salva vidas todos os dias! Poucas pessoas não podem tomar vacina, e todos nós nos vacinando as ajudam. Vacina não causa autismo, e a chance de causar reações adversas graves é muito menor que o benefício proposto. O sarampo está voltando no Brasil por diminuição da cobertura vacinal. Sarampo mata. Vamos nos vacinar!