Quam superesse in paradiso escrita por Lara Coimbra


Capítulo 2
O Despertar de Mono


Notas iniciais do capítulo

Essa etapa cobre desde o momento que Mono se levanta do altar e finalmente avança para algumas horas além do que temos acesso...



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Logo depois da batalha, e da destruição da longa e alta ponte que ligavam as Terras Proibidas ao resto do mundo conhecido, Mono, que antes jazia morta, começou a respirar novamente. A brisa vinda do vasto vale soprou seus finos cabelos negros e o tecido de sua camisola branca. Devagar, ela abriu os olhos, levantou-se, e colocou seus pés descalços sob o chão de pedra do santuário. Estava tudo vazio e silencioso, até que um cavalo de pelagem negra se aproximou, mancando com uma das patas traseiras. Era Agro, parceira inseparável de Wander. Ela se feriu durante a batalha com o último colosso e se perdeu, mas estava de volta para ficar com Mono. A princesa acariciou Agro e disse-lhe seu nome. Sentia saudades. Logo, o animal lentamente guiou o caminho para Mono, em seu lento ritmo. Era de impressionar a sua resistência e força.

Chegando do outro lado da base, no santuário, percebia-se que o depósito de água já não era mais. Em vez disso, bem ao centro, estava um bebê. Ele tinha um tamanho anormalmente grande para um recém nascido, e escassos cabelos avermelhados. O som dos cascos provocou seu choro. Mono foi até a criança e a pegou no colo. Ela estava surpresa, mas muito calma, ao mesmo tempo. Sentia-se fraca. Não entendia porque estava ali, e nem sabia o que era aquele lugar. Havia sofrido com pesadelos horríveis e não sabia por quanto tempo havia dormido. 

“É um menino, Agro. Pobrezinho…”, ela disse ao cavalo, que reagiu de uma forma estranha. A cor dos cabelos a lembrou de Wander.

Logo, Agro voltou ao seu objetivo primário, que era sair daquele lugar. O salão com o extinto depósito de água era a base da torre do Santuário da Adoração. Uma rampa em espiral circulava a torre, dezenas de metros para cima. Seria um desafio, tanto para Agro quanto para Mono chegar ao topo. Sentindo o calor do corpo de Mono, o bebê se acalmou. Mono percebeu finalmente que o menino tinha chifres na cabeça. Ela sentiu pena. 

“Quem o abandonou neste lugar, pequenino? Quem poderia ser tão cruel? Nós precisamos encontrar sua mãe.”

Com as pernas bambas, Mono concluiu a subida. Agro relinchou, como se algo ruim tivesse ocorrido. Mono só compreendeu quando avistou também, o que o animal estava vendo. Era um abismo. O santuário havia sido construído junto a uma rocha gigantesca. Embaixo, uma enseada com uma praia, e adiante um deserto, que se subdividia em diferentes oásis, cavernas, e regiões com diversos biomas. Era realmente peculiar e magnífico. Ao longo da linha do horizonte, pedras e ruínas formavam uma trilha, um caminho. 

“Não, não pode ser.”, Mono estava em choque. Ela não podia acreditar que estava nas Terras Proibidas. “Agro, essas pedras tombadas em linha reta ao longo da paisagem… A ponte foi destruída, e nós não temos como voltar para casa!”, a princesa conversava em voz alta com o equino, pois não havia mais ninguém para conversar.

Mono estava desolada, confusa, e sem saber o que fazer com a criança em seus braços. Eram muitas peças no quebra-cabeça. Se ao menos Agro fosse capaz de falar, ela saberia responder onde estava Wander, como parou nas Terras Proibidas, o que aconteceu com a ponte, e como um bebê indefeso fora abandonado ali. Outra coisa intrigava Mono. Agro sempre foi muito próxima de Wander, e ficaria muito afetada caso se separasse dele, mas ela não estava nem um pouco inquieta. De tempo em tempo, o cavalo cheirava o rosto do menino de chifres. Mono não sabia que Agro poderia ser tão doce. Depois da lamentação aparente quanto a queda da ponte, ela mancou de volta, levando Mono para outra parte da construção, o Jardim Secreto. 

Ao contrário do universo inóspito e angustiante das Terras Proibidas, o Jardim Secreto era cheio de vida. Borboletas, passarinhos, esquilos e cervos, habitavam aquela área limitada, porém suficiente. Mono foi até o riacho que escorria ali e bebeu um pouco de sua água. Sua garganta parecia explodir. Tinha a sensação de que passara muito tempo sem se hidratar. Com a mão, ela tentou dar água ao bebê, mas o mesmo recusou e começou a ficar inquieto. Mono logo o balançou, e ele parou, mas sabia que era por pouco tempo. Agora, com fome, a donzela foi até uma das árvores e alcançou um fruto. Agro relinchou e fez barulho ao seu lado, como se tentasse avisá-la. Mono mordeu o fruto, mas sentiu um gosto muito amargo, e o suco que saía do alimento a fez sentir dor de cabeça, quase que de imediato. 

“Pois bem. Frutos do jardim não são comestíveis. Obrigada por me alertar, Agro.”, a princesa comentou, cada vez mais acostumada com a ideia de conversar com um animal. 

Agro começou a mancar outra vez, para fora do jardim. Mono apenas sabia que deveria confiar no instinto dela, pois até então, estava mais que provado que Agro era conhecedora da região. Se Mono estivesse correta, ela seria levada até uma fonte de alimento confiável. O bebê chorava novamente, com mais raiva, mais intensidade. 

“Precisamos achar sua mãe logo!”, Mono exclamou, preocupada. 

Antes de deixar o Santuário da Adoração e partir em busca de comida, Mono encontrou o arco e flechas de Wander. Chorou. Era uma prova de que ele definitivamente estivera ali, e talvez ainda estivesse. Seus sentimentos por Wander acabaram por desencadear mais lembranças. Mono se lembrava de ser escoltada por guardas, e de se deitar em um altar no templo do reino onde morava. Lorde Emon pediu que bebesse de um cálice. O sabor do líquido era terrível. Depois, não se recordava de mais nada. Mono, na verdade, tinha medo de descobrir o que havia acontecido. Aos poucos, suas lembranças e conhecimentos trariam a verdade à tona. Era apenas uma questão de tempo. Mono se lembrava que Wander a ensinara a disparar flechas, mas nunca havia praticado, depois disso. Se quisesse caçar animais para sobreviver, teria que aprender de qualquer maneira, e rápido.

 Na extremidade do santuário onde Mono despertou, havia duas saídas laterais, escadarias. Um vale esverdeado e espaçoso impressionava Mono. Tão bonito, e ao mesmo tempo tão vazio. Felizmente, e  não muito distante, havia uma árvore de tronco largo. Agro direcionou-a até lá. Os frutos desta eram um pouco diferentes dos que haviam no jardim. Como suas tentativas de lançar flechas nos galhos com as frutas falharam, Mono teve que gastar toda a sua pouca energia para subir na árvore e partir os galhos com a ponta de uma flecha. Pelo menos o alimento era farto. Cada fruta era aproximadamente do tamanho de uma jaca, seu gosto era doce e suculento, e além disso, continha bastante água em sua composição. Mono forçou a criança a beber do suco pois, caso contrário, morreria de fome. Ela estava fazendo o possível para evitar que aquilo acontecesse. Até descobrir outra forma de alimentá-lo, o suco da fruta boa teria que bastar.

Chegava o fim da tarde. No caminho de volta ao santuário, Mono encontrou, agarrado em um arbusto, um cobertor largo, com padrões de costura e estilos advindos do reino onde nasceu. Ela logo o reconheceu. Era o mesmo cobertor que levava consigo quando acampava com Wander, ainda criança. Seu coração palpitava. Chorou novamente. Este era o mesmo cobertor que Wander usou de manto para transportar o corpo falecido de Mono até as Terras Proibidas. Se não fosse pela sorte de tê-lo recuperado, Mono não teria como se aquecer à noite. Wander chegou a ensiná-la como fazer fogo de um jeito fácil. Alguns tipos de pedra, quando friccionados com a ponta da flecha, produzem faísca. Mono não havia tido tempo de coletar nem pedras e muito menos lenha para fazer uma fogueira. No dia seguinte, aquela seria sua missão.

À noite, Mono se deitou sob a grama do Jardim Secreto, junto à Agro, e abraçou o bebê. O cobertor os protegia do vento. Durante a noite inteira, o bebê acordava e chorava, com fome. Mono aliviava sua fome momentaneamente com o suco da fruta que coletou, mas aquilo não acalentou os ânimos da criança por muito tempo. Num ato de instinto e desespero, ela tentou imitar as mulheres de seu reino, colocando o pequenino contra a própria pele, simulando o contato com a mãe verdadeira. Enquanto refletia sobre o que poderia ter acontecido com a mãe do menino, ela o ninava e dava seu amor e calor, tentando confortá-lo. Não havia mais nada que pudesse ou soubesse fazer. Porém, de repente, algo inusitado aconteceu. O bebê se virou e achou seu seio, com a boca. Mono ficou paralisada. Ela nunca pensou que aquilo pudesse acontecer. Ao mesmo tempo em que achava estranho, percebeu que o bebê havia se acalmado, mesmo que não houvesse nada em seu seio para alimentá-lo. Mono queria muito encontrar a mãe verdadeira, mas parecia que o bebê havia encontrado uma substituta.

Exausta, ela fez uma oração, pensando em Wander. Ela não saberia explicar, mas sentia que ele estava próximo. Doía muito sentir sua presença através de Agro e do cobertor, e mesmo assim não poder abraçá-lo e dizer o quanto o amava. Mono tinha consciência de que algo ruim acontecera a ela, mas não podia ficar parada, esperando alguém salvá-la. Mono queria viver, e queria que a criança vivesse também. Ela precisaria de muita fé, e de muita coragem.


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Notas finais do capítulo

Sintam-se à vontade para apontar erros ortográficos! Até o capítulo dois, fazem alguns meses desde que escrevi e revisei. Muito obrigada a quem já leu até aqui. Aguardo qualquer comentário ou observação. Abraços.



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