Vampires will never hurt you escrita por manasama677


Capítulo 10
Capítulo 10 - Demolition Lovers




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Helena, levantando uma parte do corpo de cada vez, finalmente ficou de pé. Trêmula, mas de pé. Só que, em vez de se juntar a Arthur como seria o esperado, voltou-se rapidamente para Julius Martinelli, para conferir se continuava a ser seguida. Infelizmente, a resposta era sim. Ao sentir os ferimentos por todo o corpo, alguns de combate e outros de espancamento, não calculava que estivesse em bom estado, a ponto de sua beleza convencer qualquer um dos inimigos. Ela teria que pensar em outra estratégia. Além disso, na última vez em que se encontraram, Arthur acreditava que havia sido traído por ela. Ainda assim, lidar com ele parecia menos terrível do que contar com a caridade do noivo, se é que poderia chamar alguém como ele desta maneira. Mal fez sua escolha, debulhou-se em cima do meio-vampiro, sem nenhuma compostura:

 

— Ajude-me! - soluçou, cravando as unhas em suas roupas.

 

Arthur, ao vê-la como um farrapo, não conseguiu esconder o susto. Mas a presença daquele homem atrás de Helena lhe causava confusão. Até onde ele sabia, Lee Rush e Martinelli eram noivos que se casariam. Foi o que eles anunciaram antes de se despedir dele, cúmplices e sorridentes, no último embate que eles tiveram. Agora, o noivo tinha na cara uma expressão sinistra e assassina, e a garota estava com tantos ferimentos quanto fios de cabelo – o que teria acontecido?

 

— Ele fez isto com você? – isso foi tudo o que Arthur Seingalt conseguiu dizer, diante de tão revoltante acontecimento.

 

Sem forças para responder, Helena desabou. Foi amparada por Julius Martinelli, que a agarrou com um sorriso no rosto, antes que Arthur pudesse pensar em fazê-lo.

 

— O que há, meu caro? A menina me pertence, como bem sabes. Nada fiz além de nosso nível natural de consentimento. Helena é incapaz de me resistir, a tal ponto que mesmo nesse incrível estado, acaba de me pertencer!

 

Arthur, boquiaberto, tentava entender o sentido por trás daquelas palavras perversas. Não conseguia encontrar em Helena o menor indício de alegria com a companhia daquele homem. Além disso, ela pedia ajuda, e parecia querer escapar dele.

 

— Ela estava fugindo do senhor – Arthur concluiu, rangendo os dentes de ira – Pediu minha ajuda!

 

Martinelli sorriu.

 

— Ah, criança! Tu não entendes nada das artimanhas das mulheres! Por acaso não sabes, e nem desconfias, de que ela o engana? Enganou desde o primeiro dia, e engana hoje! Uma vez recuperada, o apunhalará – é uma caçadora, o sangue sempre irá falar mais forte!

— Helena! - o jovem meio-vampiro estendeu a mão em direção à menina ferida, que foi um passo arrastada para trás.

— Não acredita, não é?

 

Martinelli, com um braço erguia Helena pelo tronco, enquanto a outra mão contornava as formas mimosas daquela ninfeta semimorta. Seus dedos maliciosos pararam a acariciar as auréolas pequenas e rosadas de seu busto infantil, agora manchado de sangue. Observando a expressão chocada do adversário, baixou mais um pouco a frente rasgada do vestido de Helena, expondo ainda mais seu seio desnudo.

 

— Este corpo me pertence, e é meu em todos os momentos que eu solicitar.

— Eu não admito que a toque desta maneira! Solte-a agora!

 

O caçador nada fez além de rir. Sabia que qualquer esforço empreendido pela fera para resgatar Helena poderia matá-la, e usava o medo que Arthur tinha de machucá-la para controlá-lo.

 

— Veja como o corpo dela reage a mim.

 

Martinelli percorria sua mão depravada pelas pernas da noiva. Parecia queria repetir na noiva o mesmo experimento que Arthur testemunhou Bertrand realizar em Angela. O meio-vampiro não queria acreditar que fosse isso, mas na última meia hora, seus olhos foram apresentados a muita perversidade de uma única vez. Ele não estava pronto para ver algo semelhante àquilo acontecer com Helena.

 

— Não se atreva a fazer isso! - Arthur bradou, em tom de ameaça.

— Se eu desejar, ela será minha, e diante de teus olhos!

— Fuja…! - Helena suplicou, concluindo que Arthur Seingalt não poderia fazer muito para ajudá-la.

— Tire suas mãos dela! Pare com isso!

— É, eu gosto dessa cara de desespero – Martinelli sorriu, introduzindo os dedos em Helena.

 

Arthur deu um passo violento para a frente; Martinelli recuou.

 

— Mais um passo e eu volto aos degraus da escada. Se eu tropeçar, Helena, que já está ferida, poderá se machucar de forma irrecuperável. Lembre-se: ela não é forte como nós. E é claro que, no caso de haver um acidente, eu estarei mais preocupado com a minha própria segurança.

— Não… – Helena balbuciou, fora de contexto. Arthur parecia se esforçar para entender o que ela dizia – Não fique aqui… para me ver deste jeito!

 

Seingalt juntou as mãos ao peito. Queria aproximá-las de Helena, mas intuía que essa proximidade desencadearia uma explosão violenta de seu rival. Sua simplicidade o complicava até mesmo para tomar decisões, e a situação demandava rapidez de raciocínio. Cada segundo do contato forçado que Helena tinha com aquele homem a humilhava, ele era capaz de ver isso. Mas todas as ideias que lhe passavam pela cabeça incluíam machucá-la, e é lógico que ele não queria isso.

 

— O que devo fazer? O que eu posso fazer para diminuir sua dor?

— Ahhh...dor…! Pelo que vejo, o cavalheiro desconhece o significado desta palavra! Caso contrário, não se atreveria a dizê-la enquanto dou prazer à minha noiva!

 

Arthur, como se negasse a si mesmo o dissabor de apreciar aquela bestialidade, tentava olhar apenas para o rosto quase inerte de sua amada. Carregava em si uma tensão que oscilava entre a paixão, a fúria e o desespero absoluto. Helena, privada de sua compostura, parecia reagir de forma automática ao toque de Martinelli, ou gemia de dor; era impossível definir com precisão os recortes monossilábicos desconexos de sua voz amiudada pelo sofrimento. De qualquer modo, seus olhos estavam fitos no meio vampiro, e sua mão se estendia na direção dele. Arthur finalmente a alcançou, e a tocou com o cuidado que se tem com um tesouro.

 

— Não posso evitar o destino que me cabe – disse ela, arfante – Apenas vá, enquanto tudo parece bem.

— Eu a procurei por toda parte! Não a deixarei agora. Não quando consigo finalmente ter com a senhora; tudo o mais não me interessa. O passado não é para mim mais do que uma anedota. Esqueço-me de todos os motivos que tenho para odiá-la quando a tenho diante de mim. Tu me governas antes que eu soubesse chamá-la pelo nome.

 

Helena cerrou os olhos e suspirou, numa conformação que nem combinava com seu espírito aguerrido:

 

— Fico feliz por vê-lo...pela última vez. Agora, posso morrer em paz.

 

Sua mão soltou a dele, tombando exaurida ao longo do corpo.

 

— Hah! Então é isto? Vão mesmo trocar juras de amor na minha frente? - Martinelli os interrompeu – Olhe isto! - agarrando os cabelos de Helena e sacudindo-a de um lado para o outro, bradou, em violenta fúria: - Este corpo, acostumado que é à corrupção, não pode pertencer a outro, senão a um homem que lhe dá o devido tratamento; que a lembra diariamente da posição aviltante que sua dona ocupa! Vê estas formas pequenas e suaves? É engano! Todos a conheceram, todos se uniram a ela, todos se deleitaram com ela! E eu, seu par definitivo, asseguro que ninguém mais há de nela tocar! Será eternamente minha, servirá somente a mim! Lembra-se de nosso acordo, Helena? Se eu a tomasse em meus braços novamente, eu iria…

 

Ele não chegou a completar o raciocínio. Antes que pudesse fazer isso, Arthur Seingalt, num único e preciso salto, solava o sapato no meio de sua cara. Como Martinelli bem disse, priorizaria sua segurança em caso de algum acidente, então ele logo soltou a garota. Helena caiu de joelhos, tocando no ventre. Arthur a agarrou pelos ombros, pondo-a de pé. Uma vez ciente de que ela era incapaz de assim permanecer, tomou-a no colo e saiu correndo, enquanto o adversário rolava escada abaixo.

 

Cada passo de Arthur era uma tortura para Helena. Por fim, ao correr para uma certa direção, a moça apontou seu dedo débil e trêmulo para uma parede.

 

— Ali – disse, com a voz fraca – Vamos nos esconder naquela câmara.

 

Obedecendo-a de pronto, o jovem mexeu alguns mecanismos de cordas e manivelas para fazer uma parede marcada por um retrato se retrair, exibindo um leito suntuoso: uma cama de dossel, janelas acortinadas de grosso veludo, ricas tapeçarias, móveis talhados a renda, espelhos diversos e teto pintado em afresco. Arthur ficou impressionado de saber que ela conhecia aquele esconderijo.

 

— E-este lugar...como soube dele?

— Há pouco mais de um semestre, um de seus irmãos o indicava...para mim…

 

Arthur não pareceu apreciar esta informação. Mas, curioso, perguntou:

 

— Qual deles?

— Não o conheci de nome – ela respondeu, enquanto ele a repousava na cama.

— Está melhor?

— Sim…

— Bom, ainda que o nome desse irmão chegasse aos meus ouvidos, acredito ser improvável eu saber de quem se tratava. Desde que aqui cheguei, tive poucas oportunidades de tratar com qualquer um deles.

— Por quê? - Helena, para se distrair da própria dor, tentava se distrair conversando.

— Você parece respirar com dificuldade. Assim está melhor? - o meio vampiro perguntou, após colocar dois travesseiros apoiando a cabeça da caçadora.

— Não tenho muito tempo.

— Não diga uma coisa dessas!

— São os fatos. Não sei como ainda...estou...viva.

 

Arthur tomou as mãos cobertas de sangue de Helena e as beijou. Tomou um lençol e cobriu com ele as pernas dela.

 

— Conte-me mais sobre seus irmãos. Eles são...bons para…?

 

Ele gesticulou para que ela parasse de falar. Suspirou, percebendo que a única forma e evitar que ela se esforçasse era contar sobre si mesmo:

 

— Eu não sou como os outros, tu o sabes. Isso também influenciou a maneira como fui criado. Eu não conhecia todos meus irmãos até bem pouco tempo, pois eles não costumavam me dirigir a palavra e me excluíam das reuniões. Na verdade, só vim morar com eles após o falecimento de minha mãe. Antes disso, eu e ela morávamos em um lugar afastado.

— Como era?

 

O rapaz deu de ombros, achando que não tinha nada de interessante a dizer. Não conseguia compreender por que Helena se interessaria em saber detalhes de sua vida.

 

— Vivíamos fugindo, preocupados com as pessoas que me perseguiam.

— Eu também...tentava fugir – a menina deixou escapar.

 

Ele evitou perguntar por que. Não queria que ela se esforçasse mais. Quando a menina deu sinais de que ia falar, ele prosseguiu, impedindo-a:

 

— Algumas vezes, eu tentava fugir de casa...para evitar que minha mãe sofresse tanto. Ela não aguentava minha ausência por longos períodos. Era uma pessoa muito sensível…

 

Helena fechou os olhos, deixando escorrer uma lágrima. Arthur imediatamente a secou com os dedos, tomando sua mão em seguida, afagando-a com carinho.

 

— Então, quando os caçadores a mataram diante de meus olhos, o meu mundo, tudo aquilo de que eu gostava, as histórias que ela me contava, o alimento fácil… tudo aquilo desapareceu. Eu acabei conhecendo a realidade sobre o mundo que ela tanto enfeitava… Minha mãe tinha um noivo, mas foi encantada por um vampiro certa noite...

 

O rosto de sua ouvinte ficou séria. Aquela história lhe soava familiar.

 

— Os vampiros falam de mulheres que são treinadas para fazê-los se apaixonar por elas, mas que terminam traídos e mortos por seus aliados ou contratantes. Minha mãe pertencia a uma tradicional família de caçadores e desempenhava esse papel sem que o seu noivo soubesse. Meu pai, que era conhecido por sua crueldade e orgulho, um certo dia resolveu fazer um experimento…

— Um experimento?

— ...eu.

 

Helena não conseguiu esconder o impacto que aquela informação causou. Mesmo em seus últimos momentos, conhecer o passado daquele que até então ela via como um inimigo era algo muito interessante. Ela queria viver o suficiente para contar aquilo para mais alguém, mas quem? Naquelas circunstâncias, ela não tinha mais ninguém a quem pudesse chamar de confidente. Pensou em Margarida, por fim, e a sensação de conforto trouxe ao seu rosto um sorriso. Arthur prosseguiu, como se sentisse pressa de confessar àquela caçadora tudo o que pudesse a respeito de seu passado. Como se ele pudesse se retratar com ela simplesmente ao revelar aspectos específicos de sua vida.

 

— Quando minha mãe apareceu grávida, todos os seus parentes, toda a sociedade em volta, a rejeitaram. Ainda assim, ela soube contornar com coragem a situação. Resolveu que eu nasceria, apesar dos protestos… Mas isso comprometeu seu relacionamento com o homem que amava. Minha mãe sofreu muito... Sem ter em quem depositar seus sentimentos mais puros, ela me amou com toda a intensidade de seu coração, mesmo ciente de que tudo o que fiz foi atrapalhá-la desde meu primeiro segundo de existência!

— Não, você com certeza...foi o sentido da vida dela…

— Ele me disse isso! Ele foi bem claro!

— ...“ele”?

— Sim...o noivo dela. Após a morte dela, eu não sabia o que fazer. Apesar de ter visto tudo, não acreditava que ela estivesse, de fato, morta. Voltar para casa significaria me certificar da realidade, ou ser caçado, e eu tive medo. Após caminhar por muitos dias, descansei em meio às montanhas. Estava faminto e exausto. Foi quando um senhor me encontrou e me falou que minha mãe estava viva. Eu o segui, claro! Estava muito feliz com essa informação. Mas desconfiei do trajeto de sua carruagem, e quando percebi que tinha caído em uma cilada, já era tarde demais. Ele me contaria depois que era o ex-noivo dela. Atraído pelo boato de que uma camponesa vivia sozinha com uma criança, ele chegou a mim. E ele me odiava tanto quanto amou minha mãe um dia.

 

— O que ele fez com você? - Helena quis saber, mesmo temendo ouvir a resposta.

 

Levantando um pouco a barra do gibão, Arthur disse:

 

— A maior parte das cicatrizes que tenho pelo corpo foram feitas por ele. Aquele homem repetia que ele e minha mãe teriam sido muito felizes se eu não existisse, e que eu merecia sentir em cada centímetro do meu corpo o sofrimento que eu causei. Eu cheguei ao castelo dos Seingalts tentando fugir dele. Não sei ao certo quanto tempo passei no porão daquela casa, mas, considerando meu crescimento, foram anos completos. Não sei dizer qual minha idade hoje, perdi a noção do tempo. Eu era muito pequeno quando fui subtraído da minha vida anterior.

— Como foi… ver sua família?

— Minha mãe sempre me ensinou que eu me depararia com pessoas amorosas que me aceitariam incondicionalmente como caçula. Contudo, o que eu encontrei foi bem diferente do imaginado. Minhas duas irmãs riam de mim e diziam que eu jamais chegaria a ser como eles, e meus irmãos me impunham missões muito arriscadas, em um tempo em que ninguém era capaz de responder sobre os efeitos da luz diurna no corpo de um meio-vampiro. Eu era desafiado a ir a lugares muito distantes, e tinha que voltar antes do amanhecer. Por ser um filho ilegítimo que queria provar a eles seu valor, obedeci cegamente cada um de seus comandos. Ao término de uma missão malsucedida, que era entregar informações sobre um caçador que já tinha se ausentado da cidade, eles me castigaram me trancando para o lado de fora. Foi quando eu descobri que era capaz de sobreviver à claridade.

— Você disse… que, quando sua mãe morreu, você passou vários dias fugindo. Não viu o sol durante este período?

— Eu me escondi em uma caverna na madrugada do primeiro dia, e só saí de lá quando senti a aproximação de uma cavalaria. Quando eu era criança, minha mãe me trancava no porão o dia todo e dizia que eu só podia sair de lá à noite. Então, ela me levava para a floresta e me fazia saltar por cima de armadilhas. Eu não entendia o propósito desses testes, naquela época.

 

Arthur olhou para o além, cerrou os olhos, suspirou e prosseguiu:

 

— Naquele dia, quando fui abandonado à soleira da porta, era uma manhã nebulosa. Meus irmãos propuseram um novo teste: me fazer sair no verão. Fiquei contente por eles acharem em mim algum propósito e por eles encontrarem em mim um poder que nenhum deles tinha. Em nenhum momento eu parei para pensar que estava arriscando minha vida. Aliás, mesmo escapando do sol, ainda tive que arriscar a minha vida constantemente… quando tive que lidar com os humanos, em diferentes oportunidades… Investigar os humanos, entregar seus pontos fracos, me fez ser capturado um sem-número de vezes. Fui submetido à tortura, fui escravizado, preso em grilhões, fiquei períodos muito extensos sem me alimentar… Uma vez, fui capturado por um homem, um estudioso que queria saber qual era o segredo por trás do nosso interesse em sangue.

 

Abrindo devagar a frente da roupa, Arthur revelou uma cicatriz torácica semelhante à de uma autópsia.

 

— Ele chamou o procedimento de “dissecação”.

— Tudo por “aceitação”… e “respeito” daqueles a quem… amamos. Quem respeitaria qualquer um de nós? Tu, o filho bastardo; eu, a filha de uma isca enganada por um forasteiro… não me surpreende que nós dois… estejamos lutando por reconhecimento…

— Por favor, não se esforce!

— Não, deixe-me falar – só terei esta chance!

 

Helena, com todo o seu esforço, manteve-se sentada. Encontrava muita dificuldade para respirar deitada. Arthur a ajudou, achegando-se a ela e acomodando a cabeça de Helena sobre um de seus ombros. Ficaram assim, lado a lado.

 

— Se, para todos eles, nós não valemos nada, neste momento somos tudo o que o outro possui. Você é tudo o que eu tenho agora.

— Sim, eu posso dizer o mesmo. Agora que a encontrei, nem o desfecho desta batalha me importa.

— Minha mãe foi condenada por todos por viver o amor de sua vida. Eu não vou mais permitir que eles me governem. Não me interessa a aprovação deles! Arthur… eu não me importo contra quem tenhamos que lutar para nos mantermos vivos…

 

Sim, porque eles nunca se importaram conosco.

 

— Você está de acordo? - a menina insistiu, ao vê-lo silencioso.

 

Os braços do meio vampiro hesitaram ao envolverem e abraçarem a caçadora. Desistir de sua família era algo para o qual ele ainda não estava preparado. Mas, por fim, Arthur decidiu:

 

— Sim… eu te amo. Somos tudo o que o outro tem – concluiu, repetindo as palavras dela.

— Por sua causa, eu perdi a todos… e eu não me arrependo. Eu não me arrependo – ela repetiu, acariciando o rosto do rapaz.

— Helena…

 

O jovem não parecia muito certo do que ela faria quando aproximou o rosto dela do seu, mas confiava nela o suficiente para se deixar conduzir. Aquele que seria o primeiro beijo dos dois não teve tempo de acontecer. Sentindo-se vigiados, os dois olharam simultaneamente para a porta. Alguém estava lá, pronto para atacá-los.

 

Arthur se levantou imediatamente, colocando-se em posição defensiva, de modo a evitar que qualquer coisa atingisse Helena. Seu olhar percorreu numa velocidade sobre-humana cada canto daquele cômodo, numa tentativa de encontrar algo com que pudesse se defender. Nada viu, então puxou uma das cortinas do dossel ao redor da cama e ganhou tempo, no qual o caçador que os perseguia investiu em golpes errôneos que lhe permitiram retirar Helena dali e correr. Mas o menino se enganou quando pensava que iria atravessar a porta e escapar de uma única pessoa. Aliás foi pior, porque fora Martinelli – que foi quem tentou atacá-los naquele momento – eles deram também de cara com todos os Lee Rushs com armas em punho.

 

— Devolva a minha noiva, seu parasita! - Martinelli, ludibriado e cheio de panos na cara, esbravejou, tropeçando enquanto tentava alcançar os dois.

— Não tenho tempo a perder contigo, caçador – Arthur respondeu, correndo com Helena no colo e furando a barreira de pessoas que se formava na entrada.

 

Temerosos de confrontá-lo, tamanha a velocidade que ele demonstrava ter, os caçadores apenas abriram caminho e depois apontaram suas armas ao demoninho que escapava impunemente com a familiar dele nos braços.

— Como podem estar juntos? Como ela se atreveu a nos trair? - perguntou Bernard, indignado.

 

O correto na verdade seria perguntar o que os Lee Rushs faziam acompanhados de Julius Martinelli. Cabe explicar ao leitor que, após executar o responsável maior pelo clã de caçadores rival, Karl escapou da câmara onde a luta aconteceu, abobalhado e parvo por ter escapado com vida desse confronto. Homens como ele não enlouquecem por muito tempo, afinal a insanidade pertence àqueles que têm algum sentimento, seja para enlouquecer de medo ou remoer os agravos praticados. Ele era incapaz de ambas as coisas; metódico e prático, era um sujeito capaz de reativar a consciência nos momentos devidos. Mas estava sim atônito, incapaz de encontrar o caminho de casa, ou de se lembrar o que fora fazer ali. Quase conseguira acreditar que sua missão havia acabado, até que dobrou um corredor e se deparou com as feições tensas de seus aliados, que relataram perder mais dois companheiros para um Seingalt. Ele teria serrado seus pescoços, surpreendendo a todos num ataque vindo de cima. O restante escapou por muito pouco, após ferir sem abater a fera, que afinal tomou rumo ignorado. Nenhum parente tinha sido morto, menos mal. Mas a agitação dessa notícia devolveu cor ao seu rosto, que estava pálido após o susto recém ocorrido. Ele também relatou sua vitória e todos concordaram que era muito bom vê-lo bem, uma vez que ele saiu dali desvairado atirando para todos os lados e acusando a todos de serem seus inimigos (no fundo, toda essa bajulação e reverência escondia um pouco de medo, mas claro que ninguém ia abrir a boca para dizer isso). Karl livrou sua cara dos aliados mais revoltados dizendo que foi tomado pela ilusão dos Seingalts, mas que já estava bem. Todos fizeram festa em torno dele e foi assim que os Lee Rushs se reconciliaram.

Quando eles se reorganizavam para voltar à atividade, perceberam uma movimentação num corredor acima deles. O castelo dos vampiros era moldado de forma que havia uma praça abobadada no centro, e ao redor desse passeio principal existiam diversas galerias circulares, mais ou menos como a forma de um grande teatro. O acesso a essas galerias se dava por longas e encaracoladas escadas, algumas feitas de madeira talhada e outras de renda em metal, dependendo da disposição de cada uma no conjunto. Fato é que Martinelli foi visto subindo uma dessas escadas como se tivesse asas nos pés e abrindo a porta de cada um dos quartos, imprudentemente, como se estivesse procurando alguém.

 

— É o maldito Martinelli! - Vincent o apontou.

 

Consciente do terror que acabara de passar por causa daquela aliança que nunca deveria ter acontecido, Karl ordenou que seus homens atirassem naquela direção. Julius Martinelli logo se deu conta da perseguição e um combate teve início. Enquanto era provocado e inteirado do que havia acontecido ao seu líder e antecessor, o jovem Martinelli começou a rir. Durante uma breve troca de golpes, ele explicou ao mestre Lee Rush que o rápido efeito da poção no velho se deu porque ele substituiu sua porção por outra que ele mesmo iria tomar, isto é, na busca por uma melhor performance durante o combate, o rapaz executou um plano de substituição que colocou a vida de Lucius Martinelli em perigo – e a ceifou, para felicidade dos Lee Rushs.

 

— Meu poder se esgotava em um estalar de dedos, enquanto ele performava por horas técnicas que lhe pareciam tão naturais que terminaram por despertar minha cobiça! Ora, se eu me arriscava pelas poções, nada mais justo do que eu usufruir das melhores e mais densas doses! Ontem brigamos por isso, e ao fim do embate ele me agrediu. Qualquer homem inteligente sabe que não se deve bater no rosto de outro homem! Ele nada teve além do merecido! Mas, nesta noite, quero comunicar algo ainda melhor: eu descobri uma forma de me transformar em um vampiro por completo!

— A que este calhorda está se referindo? - Vincent perguntou a Bernard, que deu de ombros.

— Tenho um trato com Vince, o líder atual da família Seingalt. Algo que não lhes diz respeito, mas posso resumir no seguinte: eu não irei mais atacar nem tentar caçar os vampiros. Estou aqui justamente para combater seus inimigos!

— Como tens coragem de dizer uma coisa desta, sendo tu um caçador? - Angela bradou, indignada.

— A eternidade me parece mais sedutora do que a lealdade, menina. É muito simples; meus princípios são meio volúveis. E, pelo visto, não sou o único! Imaginem que encontrei Helena, e que ela fugiu de mim acompanhada daquele meio-vampiro! Agora, encontro-me aflito entre acabar com a raça daquele parasita e recuperar minha noiva ou dar aos Seingalts a trégua que prometi.

— Tenho um acordo a fazer consigo, então: uma vez encontrando-os, não lhe negarei a chance de levar Helena – propôs Karl – Em contrapartida, tu nos permitirá caçar o raro espécime que nos escapou. Ao que os Seingalts perguntarem dele, tu lhes dirá que nada sabes, ou que ele foi ferido e morto em confronto. Que vos parece?

— O senhor me propõe, então, refazer uma aliança: não mais contra os vampiros, e sim contra aquele inusitado casal de traidores, certo?

— É isso mesmo! - Karl assentiu – Uma vez encontrando os dois, nos esforçaremos conjuntamente: tu por ela e nós por ele!

 

Martinelli sorriu maldosamente e, coçando a barba, exclamou:

 

— Perfeito!

 

E foi assim que eles restabeleceram sua pérfida sociedade sem que Helena e Arthur soubessem disso. Mas, consciente do que significava todos eles serem vistos juntos, a jovem caçadora de súbito entendeu o que estava acontecendo.

 

— Uniram-se contra nós! - ela soluçou – Corra, Arthur! Corra!

 

Arthur a obedeceu, mas sua preocupação com a integridade dela o extenuava. Tinha também o detalhe de que sua força e disposição não superava a de um humano por uma quantidade muito grande de tempo. Cerca de dois minutos após começar a correr, ele já dava sinais de extremo cansaço. Os caçadores os seguiram sem tréguas, e o casal acabou isolado no ponto mais alto de uma escada. Arthur soltou Helena e a colocou atrás dele. Sem forças, tudo o que ela conseguiu foi ficar sentada sobre as próprias pernas. Não dava mais conta de ficar em pé. Até para ficar naquela posição, agarrava a barra do gibão de Arthur, ofegando violentamente numa respiração trôpega e afogada; ela definitivamente morria. De braços bem abertos, Arthur tentava protegê-la de qualquer ataque.

 

— Não a machuquem – ele disse – Eu a capturei – mentiu.

 

Angela riu rispidamente, aquele tipo de risada que sai com o nariz.

 

— O parasita quer nos enganar! Quer nos convencer de que a traidora não tem parte nessa fuga!

— Os Martinellis são… nossos inimigos! - Helena exclamou – Por que estão… lado a lado?

— Do que estás falando? Que moral tens, biralha? - Karl trovejou, fazendo com que o corpo dela estremecesse de pavor – Tu, que estás ao lado desta aberração! Tu queres mesmo ter a audácia de questionar nossas alianças?

 

Helena abraçou uma das pernas de Arthur com tanto ímpeto que chegou a feri-lo com suas unhas. Ele abriu bem a mão e a colocou por cima do rosto de Helena, que tentava bisbilhotar pela lateral de sua coxa os atos de sua família, o que eles pretendiam fazer.

 

— Este meio-vampiro se afeiçoou a mim – Helena explicou, como se adiantasse – Ele me salvou de Martinelli… que iria me matar!

— Fizeste um bom trabalho, Helena! - Karl disse, com ironia – Usaste do teu talento em nosso favor. Facilitaste-nos a caça do maldito meio-vampiro fugitivo.

 

Arthur, confuso, não conseguia entender do que eles falavam. Helena o teria traído novamente? Do que eles estavam falando? Karl prosseguiu:

 

— Cumpriste com maestria tua última missão; honraste tua serventia. Agora, já podes deixar de existir.

 

Dito isto, apontou a arma na direção dos dois.

 

— Não! - Arthur protestou, lançando-se sobre Helena.

 

Um tiro o atingiu no ombro, outro na parte inferior da perna, porque ele se mexeu no intuito de cobrir a menina. Karl iria atirar mais vezes, quando sua arma falhou. Aparentemente, as balas de prata haviam se esgotado em definitivo.

 

— Não se mexa! - o líder dos Lee Rush mais uma vez assumia aquele tom autoritário e delirante.

 

Desobedecendo-o, Arthur tentou tomar Helena nos braços e correr, mas sem o apoio da perna machucada, não podia fazer muito. Vincent e Bernard miraram nele seu arco e facas de arremesso. Uma seta atingiu Arthur Seingalt na clavícula, enquanto a faca lançada por Vincent bateu na fronte do rapaz sem lhe causar nenhuma perfuração. Ainda assim, um pequeno ferimento fez brotar sangue de sua testa, dificultando sua visão. O jovem lamentava aqueles agravos em arquejos desesperados. Não poder proteger Helena era uma ideia que o aterrorizava.

 

— Vamos! - Helena, inacreditavelmente de pé, o puxava pela mão.

 

Arthur Seingalt, a exemplo dela, se levantou. A dor causada pela bala em sua perna era atroz, mas ele a ignorou e, mancando, sobraçou Helena e a conduziu para mais alguns passos. Dessa vez, quem caiu foi a garota. Desesperado em protegê-la, ele a tomou nos braços outra vez e tentou correr. Empurrou umas pessoas, atacou outras, foi acertado por flechas de água benta em diversas partes do corpo, arrastou-se por mais alguns metros e, ao ver que era impossível continuar daquele modo e proteger a amada, empurrou-a para um canto onde as setas não a atingissem e decidiu que iria lutar. Mas Helena também estava disposta a se defender sozinha, e cuidou de se armar com uma das facas de cozinha que tinha atado à coxa.

 

— Venha com a sua família, Helena! Agora! - Karl, possesso, ordenava.

— Eu nunca fiz parte… da maldita família de vocês…!

— Helena, então realmente escolheste ficar ao lado do parasita…! - Martinelli rosnou, apertando os punhos.

— Tu és tão vampiro quanto ele! Ou mais! - disse a garota, quase sem ar.

 

Ela segurava a faca a esmo, sem apontá-la para um destino certo. Mesmo assim, seu espírito convicto ainda causava grande impressão.

 

— Nesse caso, não a pouparei; como disse, eu a tomarei por inimiga mortal!

— E quando tu não o fizeste? - Arthur respondeu no lugar da caçadora, poupando-lhe o esforço.

— Saia da minha frente, vampiro! - Julius Martinelli quis avançar, mas Arthur Seingalt o enfrentou e nada parecia tirá-lo dali.

— Enquanto eu aqui estiver, tu não a tocarás! É uma promessa que faço!

— Lá embaixo, eu fiz muito mais do que apenas tocá-la! - provocou o outro, atacando o meia espécie.

Arthur se defendeu e chegou mesmo a arrancar dele próprio algumas flechas, produzindo com a arma reutilizada um ferimento superficial muito incômodo no braço que Julius utilizou para se defender.

 

— Bastardo parasita dos infernos! Tu me pagas, maldito!

— Não se atreva a machucá-lo! - Helena interveio, quase apanhando no processo. Como Arthur prometeu, ele a defendeu do golpe, empurrando para baixo a mão agressora do ofensor.

— É comigo que tu tens contas a acertar!

— Até lutam em parceria! - Angela apontou para Helena e Arthur, como se o pai dela não pudesse vê-los. Ela tinha se esquecido de como Karl Lee Rush andava estranho com ela. Lembrou-se imediatamente disso ao cruzar olhares com ele, e ficou quieta.

— O que acontece com Helena? Estaria ela dominada? - Bernard perguntava a Vincent, que, fora do centro do combate, parava para analisar a ferida no ombro.

— Eu não acredito que seja isso, Bernard. Eles se aliaram, são os fatos. Mesmo na pensão, os inquilinos já comentavam o comportamento estranho de Helena para com o meio vampiro. Era perceptível a atração que nutriam um pelo outro.

— Pois eu acabarei com os dois agora! Não admitirei tamanha desonra contra o meu nome! - Martinelli ficou duas vezes mais furioso ao ouvir essa conversa.

— Não – disse Helena, apontando a faca para o noivo – Nós acabaremos contigo. E com qualquer um… que se colocar… em nosso caminho.

— Tu pertences a mim a partir do momento em que eu a escolhi, sua vagabunda! Não irás a lugar nenhum com outro homem!

— É assim que te pronuncias a nosso respeito!? Espere já, que me resolvo contigo! - Karl ameaçou.

 

Arthur aproveitou que Martinelli estava muito concentrado em atacar Helena e entrou na sua linha de defesa com um golpe que acertou seu queixo de forma muito dolorosa. Martinelli rolou alguns degraus abaixo, só não descendo de vez porque o corrimão ondulado de ferro lhe serviu de suporte.

— Se ainda tiveres juízo, tornarás à tua família em paz e nos entregará este vampiro! - Angela propôs.

— Não – Helena disse, balançando exageradamente a cabeça. Ela tinha no rosto um sorriso medonho, insano, e ainda assim parecia feliz e confiante como nunca havia estado – Não – repetiu, por incapacidade de dizer mais coisas.

— Traidora maldita! Tu és nossa vergonha! Tu e a vadia de tua mãe, que arrastou nosso nome na lama desde que nasceu! - Karl tentou atacar Helena com uma adaga, mas Arthur Seingalt esticou seu braço para evitar o ataque, que, vindo daquela direção, seria certeiro no coração.

 

Ele livrou Helena, mas em compensação seu braço foi perfurado, derramando vultosa quantidade de sangue. Algo vital havia sido atingido, e o rapaz cambaleante logo se deu conta de que estava condenado. Helena avançou para atacar o tio, e Angela pulou em cima dela para evitar que o pai fosse machucado. As duas rolaram escada abaixo trocando golpes. Angela a insultava pesadamente de todos as palavras rudes e desonrosas que se pode imaginar, até que as duas finalmente encontraram o fim da escada. Vincent, para se poupar de vários degraus e socorrer a noiva, saltou do corrimão de uma altura de mais ou menos uns dois metros. Ao tocar o chão, lamentou a ferida no ombro, mas logo se recompôs, pois o motivo de ele estar ali urgia de sua ajuda.

 

— Vincent! - Bernard chamou e, vendo Helena sentada no peito de sua irmã, pediu: – Helena, não faça isso!

Sem chances de esperar, pois Helena poderia mesmo matar a prima estrangulada ou a socos, Vincent pegou a faca de cozinha que o embate das duas a fez soltar no chão e com ela fez um talho (era para ser uma perfuração, mas ela se desviou) nas costas de Helena, que tombou gritando. Para derrotá-la de vez, ele a chutou para o lado, e imediatamente foi socorrer a noiva, que resfolegava, amedrontada.

— Helena! - Arthur Seingalt tropeçou a escada toda buscando por ela.

 

Martinelli se colocou à sua frente e, sorrindo, disse:

 

— Parece que nós dois a perdemos, Seingalt.

 

Arthur nem fez questão de trocar palavras: golpeou o adversário seguidamente sem chance de defesa, até que a única saída encontrada por ele para deixar de apanhar fosse abrir passagem.

 

— Vincent, como ela pôde? – Angela chorava pelos agravos feitos contra ela, ignorando completamente a parte em que ela tentou tomar a faca de Helena para matá-la.

— Não há mais o que pensar – disse ele, arfando violentamente – Precisamos pôr um fim a isso!

 

Ainda de faca em punho, Vincent foi na direção de Helena, que, tentando alcançar o ferimento nas costas para medi-lo, recuava. Bem no momento em que ele ia agarrar o cabelo da garota para melhor coordenar seu ataque, Arthur Seingalt lhe aplicou um violento pisão na lateral da perna. Pelo grito que ele deu, no mínimo sua articulação havia sido quebrada, mas não: era apenas histeria mesmo. De qualquer forma, o noivo de Angela quis se levantar e Arthur não permitiu, chutando seu rosto e derrubando-o outra vez. Mordendo os lábios para ignorar a dor da perna atingida, o meio vampiro deu alguns passos na direção de Helena, mas logo percebeu que não havia sido deixado em paz quando Angela tomou do irmão, que havia acabado de chegar ali, uma de suas flechas e tentou atingi-lo manualmente, sem o uso de um arco. Arthur torceu o braço da caçadora para trás, entortando-o até que ela largasse a flecha, o que aconteceu após dois arrancos agitados e dolorosos provocados pelo parasita. Desarmada, a filha de Karl foi atirada por ele ao chão sem um pingo de delicadeza. Considerando toda a situação, ele não podia mais distinguir mulheres de homens ali. Helena estava acima de sua cordialidade, acima de sua família. Ela havia aberto mão dos Lee Rushs para ficar ao lado dele, e ele não pretendia desperdiçar essa confiança.

 

Bernard correu para socorrer a irmã que, a despeito da violência sofrida, estava ilesa. O rapaz logo sugeriu que Angela ficasse aos cuidados do noivo (ou que Vincent ficasse aos cuidados dela, ali era o mais plausível) e partiu para cima de Arthur. Vincent não ficou contente daquela posição e também tentou ajudar, mas foi empurrado por Bernard e convidado bruscamente a continuar onde estava.

 

— Proteja-a, já disse! - o irmão de Angela referia-se a ela.

 

Karl, com algo de sádico no olhar, acompanhava a escaramuça de alguns degraus acima. Não queria se aproximar nem arriscar ferimentos desnecessários nas mãos de um vampirinho irrelevante como o caçula dos Seingalts. Nesse caso, ficava acompanhando tudo de uma distância segura, mas seu silêncio tinha garras. Naquele momento encontrava-se tranquilo, porque Bernard estava em vantagem em relação a Arthur Seingalt, ferido de morte; mas um movimento vantajoso do meio-vampiro na direção do seu filho seria suficiente para voltar ao combate. Helena tentava gritar comandos e dicas a Arthur, mas cada vez que empregava algum esforço na fala, ela acabava se dobrando de dor, especialmente por causa da perfuração do ventre, que era a mais antiga. Considerando o quanto ela tinha durado até ali e o tanto que havia feito, o ferimento parecia ser de baixa letalidade, mas não era. Cada segundo desperdiçado em ação estava cobrando seu preço. Além disso, ela carregava outros ferimentos que, somados àquele, tornavam seu estado gravíssimo. Helena tinha muito sangue nas roupas e era impressionante que ainda estivesse viva. Mas ela somaria mais um feito notável ao seu vasto currículo: num momento em que Bernard brandia um punhal para ferir Arthur Seingalt, ela o puxou pela cintura e o fez errar o trajeto de seu ataque. Como retaliação, ele a atirou para o lado, xingando:

 

— Não me toque, puta suja!

— Não faça isso! - ela rogou, sendo ignorada.

 

Sem se esquivar de seu propósito, que era matar, Bernard deu passos em direção ao meio vampiro que tentava miseravelmente ficar de pé e combater. Angela foi a única pessoa capaz de ver o ataque que Helena arquitetava contra o primo, vindo de baixo. Gritando seu nome, ela o alertou do perigo e ele deu um passo para trás a tempo, e então o movimento de meia-lua que Helena fez para rasgar o ventre do ex-aliado não surtiu efeito, produzindo apenas um corte superficial abaixo do umbigo. Perplexo, Bernard alternava entre olhar para ela e medir o corte. Helena, a traidora, como se tivesse consciência de sua ingratidão, o encarava com um misto de temor e remorso. De alguma forma, ele sabia que aquela era a Helena real, que ela não estava sendo controlada nem feita de fantoche por nenhum inimigo, ela própria havia se tornado uma adversária. Naquele gesto, ele percebeu que as últimas palavras que Helena dirigiu aos Lee Rush não eram mero desagrado de uma alma magoada, e sim o anúncio oficial de uma inimizade mortal; ele a odiava quando escutava no andar de cima seus encontros noturnos, mas nunca conseguiu desprezá-la tanto quanto naquele momento.

 

— Bernard! - Angela correu até ele, abraçando-o e tateando-o inteiro, tentando entender o que havia acontecido, como ele tinha sido afetado.

— Não tem importância, foi só de raspão – o caçador respondeu, ainda imóvel. De qualquer maneira, ela atacou para matar, ele pensou. Uns centímetros, um segundo a mais e ele estaria morto, e essa consciência o abalava.

 

Aquele feito foi tão chocante para todos que os Lee Rushs simplesmente abriram caminho e não manifestaram qualquer resistência quando Helena, ensaiando uns passos, disse “vamos” a Arthur Seingalt e os dois saíram tropeçando rumo a um caminho ignorado. Angela desatou a fazer acusações aleatórias e cobrou providências quanto à fuga do casal, mas logo ficou em silêncio ao cruzar olhares com o pai, que a encarava de olhos semicerrados mais uma vez.

 

(…)

 

Durante um longo período, tudo o que Helena e Arthur ouviram foram suas respirações entrecortadas e seus passos arrastados. A consciência da solidão dos dois desabava sobre eles como um agravante a mais em seu estado, como se, feridos e fugitivos, suas chagas se tornassem ainda mais dolorosas. Eles eram desertores, e uma vez encontrados por quaisquer um dos dois lados, estariam perdidos.

 

— Eu não aguento mais! - a menina se lamentava, esbaforida.

— Aqui ainda não é seguro – o rapaz a incentivava a andar mais – Vamos nos esconder, por favor. Façamos render os poucos minutos que nos restam…!

 

Depois de todos os eventos daquele dia – ter sido baleada, trancada para fora, ter lutado contra ghouls nesse estado, ser amarrada para morrer, resgatar Margarida, lutar para salvar Karl dos Seingalts e depois ser torturada acusada de traição, e ainda por cima ter sido violentada – encontrar Arthur Seingalt era como uma compensação do acaso, um presente divino. Ah! Como gostaria de tê-lo conhecido antes! Quem dera ter cedido imediatamente à sua atração em vez de se obrigar a tanta obediência àquela família ingrata! O quanto teria se deleitado em carinhos e delícias se não tivesse se controlado? Por que ela, que se dera de pronto a tantos homens, teve que resistir justamente a este?

 

— Ouço passos – Helena falou, a pouca voz que lhe restava estremecendo de nervoso.

— Sim – Arthur assentiu, prendendo a respiração – Eu também.

 

O olhar que os dois trocaram era uma combinação de ardor e desespero, e num acordo mútuo os dois ficaram em silêncio, como se isso pudesse torná-los invisíveis. Eram eles um bem tão grande aos olhos um do outro que ficariam sem respirar pelos seus últimos minutos, se isso tornasse possível o parceiro ser poupado. Mas todo seu esforço se tornou inútil quando viram surgir, das profundezas do corredor escuro, uma figura pálida de olhos vermelhos e imensos cabelos negros, que lhe ultrapassavam os pés e se arrastavam pelo chão. Trajada de branco, a irmã restante de Arthur Seingalt logo se fez perceber. Ciente de sua natureza, o jovem cobriu Helena com o corpo e deu um comando quase inaudível de que ela se afastasse.

 

— Não posso… deixá-lo aqui – ela abanou a cabeça.

 

Sua exaustão era tamanha que ela teve que se encostar na parede e levantar a cabeça para pegar ar. Sentia que o sangue lhe afogava. Esfregou o braço no nariz para enxugá-lo, mas percebeu que aquilo não era resultado propriamente de algo superficial.

 

— E-Emma… - Arthur deu alguns passos para trás e afastou delicadamente Helena com o antebraço.

 

Ele tentava se fazer bem visível, porque sabia que, uma vez Helena sendo notada, a irmã saltaria nela como um enorme sapo e ele nada poderia fazer para evitar sua morte.

 

— Acompanhado de uma humana, seu morcego desgraçado? Oras, vejam só, por que não estou surpresa?

— Helena, por favor…! Se eu tiver que protegê-la, isto será mais difícil… consegue ver aquela luz no final do corredor?… Tome o lado direito… terceira porta… faça isto agora, sem demora.

— Está pensando que vai ser fácil assim? Traidor, não deixarei ninguém escapar!

— Helena! Vá! - Arthur suplicou, voltando-se para ela.

 

Helena, assentindo, tentou correr, mas tudo o que conseguiu foi se arrastar, apoiada nas paredes.

 

— Não fique distraído, seu imbecil! - Emma golpeou o meio irmão no rosto, fazendo-o desabar no chão.

— Irmã…! Por favor!

— “Irmã”…? Quem pensas que és? Tu, fruto de um desatino de meu pai? Misto do sangue de uma macaca humana e aquele morcego velho que há muito havia perdido a sanidade? Nada és para mim, nada és para nenhum de nós! E agora tu vales ainda menos do que antes! Um traidor que se afeiçoou a uma humana, e que a trouxe ao seio de nosso esconderijo acompanhada de sua maldita família de caçadores!

— Corredor direito, terceira porta! - Arthur repetia a instrução a Helena, para que ela não tivesse dúvidas – Eu a encontrarei lá, prometo! Agora vá!

— Bastardo traidor, nada mereces além da morte! - Emma o pisoteava, ignorando a caçadora, que fugia.

 

(…)

 

Helena, movida por algum instinto de sobrevivência, ou por concordar que realmente seria melhor para Arthur não tê-la por perto atrapalhando, deslocou-se para o mais longe que pôde da dupla de irmãos. Em um certo momento, ficou tão distante que não conseguiu mais escutar os sons do jovem meio-vampiro sendo torturado, e naquele momento começou a pensar nele como morto. Por que concordou em ir embora?, refletiu. Era óbvio que ela deveria tê-lo ajudado! Ele tinha feridas demais para dar conta de reagir ao ataque de uma vampira no ápice de suas condições físicas! E quanto a ela? De que adiantaria viver, uma vez ciente de que Arthur havia sido sacrificado? Nada mais a prendia naquele mundo, a não ser ele, e agora ele não mais existia!

 

— Assustada, Helena?

 

Ouvir a voz de Julius Martinelli naquelas circunstâncias era um verdadeiro descalabro. O que ele fazia ali? Helena tentou rememorar a última vez que havia se deparado com aquele homem, e a verdade era que não se lembrava. Ignorar o estado do inimigo, porém, não o impedia de estar vivo. Fato era ele estava ali, intacto, pronto para acabar com ela ou convertê-la em uma vampira se aquela fosse sua vontade. Mas Helena não queria se tornar vampira nem conhecer a eternidade se Arthur Seingalt estivesse mesmo morto, por isso pretendia lutar, para ser dona nem que fosse dos seus últimos momentos.

 

Helena considerou a possibilidade de avançar em Julius Martinelli, mas reconheceu que era uma sandice lutar naquelas condições. Mal respirava – como poderia vencê-lo?

 

— Que expressão é esta que tens no rosto, querida? Não irias tu acabar comigo? “Provar teu valor” aos Lee Rushs? O que aconteceu? Perdeste o jeito?

 

Puxando o que restava da frente da roupa de Helena e jogando-a de encontro à parede, ele prosseguiu:

 

— Eu posso responder isso. Tu nunca tiveste talento algum para os combates. Não à toa, viraste uma isca, que não passa de um nome elegante para “puta”. É o que tu és – teu querido vampiro já sabe disso?

 

Aos prantos, a moça tentou empurrá-lo, ciente do que ele ia tentar, do que iria recomeçar. Mas Martinelli a agarrou pelos ombros mais uma vez e a forçou contra a parede, traduzindo as suspeitas dela em palavras:

 

— Vamos continuar de onde paramos, minha “noiva” querida…

 

(…)

 

Arthur continuava a ser torturado por sua irmã mais velha, que não abria passagem independente de suas súplicas. O moço também relutava em feri-la, e isso era a sua pior desvantagem, pois Emma não pensava duas vezes antes de fazê-lo.

 

— Irmã, por favor, pare! - Arthur, debaixo da irmã, tentava impedir que ela cortasse sua cabeça com uma espada que ele nem havia se dado conta de que estava atada à cintura dela antes – Deixe-me ir! Helena pode estar em perigo!

— Calado! Primeiro, tiveste a ousadia de se afirmar como um de nós, mesmo sendo aquém de todos! Tu, com tua incompetência, deixaste rastros que os caçadores seguiram até chegarem a este lugar! Tu carregas consigo a morte de todos os nossos irmãos que foram sacrificados hoje! Inclusive Anna, que eu já ouvi falar que foi capitulada pelos caçadores!

— Emma!

— Como se não bastasse – a vampira forçou mais a espada no sentido de cortar a garganta do irmão e ele, mesmo com as mãos sangrando, resistia – ainda foste cair de amores por uma caçadora! Uma isca caçadora! A mesma que seduziu teu pai e que garantiu que ele fosse morto por aquele caçador maldito chamado Richard van Gloire, que os demônios o queimem no inferno!

— Eu nunca machucaria você, irmã… apenas deixe-me ir…!

— Mas eu quero machucar você! E, se você não quiser morrer aqui, deverá lutar por sua vida! Deste corredor, nesta noite, só um de nós sairá com vida!

 

Arthur não conseguia mais dar conta de segurar a espada, pois os ferimentos que ele tinha nas mãos eram demasiado profundos. Seu pescoço começava a ser pressionado pelo fio da lâmina, causando-lhe muita dor.

 

— Não me mate! - ele implorava – Não sem que eu possa vê-la e saber que ela está em segurança!

— Ela será a próxima… - disse a bela e sinistra criatura – Seu grande estúpido, sua única missão era matá-la! Por isso o mandamos repetidamente às ruas! E, no entanto, o que tu fazias? Cobiçava-a à distância! Contemplava com olhos apaixonados aquela que arruinou teu clã!

 

Puxando das mãos dele a espada com grande brutalidade, Emma garantiu que ele a soltasse definitivamente. Sendo a única possuidora do objeto cortante, ela o utilizou para perfurar o irmão na direção do estômago. Um grosso cordão de sangue borbulhou dos lábios do jovem meio vampiro.

 

— Eu não poderia jamais feri-la! Eu tentei, eu juro que tentei resisti-la… Eu reconheço que falhei… com vocês todos… mas fiz isto porque a amo…! Me perdoe, irmã…!

 

A vampira, entre irritada e desconcertada com o grande desastre que aprontou, sacudiu o irmão algumas vezes, como se isto pudesse recuperá-lo.

 

— Arthur, isto é sério? Oh, este sangue é verdadeiro?

 

Com as mãos trêmulas, ela tateou o rosto do caçula, dos olhos que choravam aos lábios que sangravam; o diagnóstico não era nada promissor. Ele, que mal havia se desenvolvido por completo, tão ingênuo, tão prestativo, tão manso, aquele que se dava aos caprichos das irmãs como um escravo, divertindo Anna e ela com sua submissão; aquela doce e meiga criatura que as duas só não arrastavam para o leito por ordem do irmão mais velho, que o queria incompleto como era para desfrutar das vantagens de seu acesso ao dia claro, ali estava ele, morrendo por efeito de sua teimosia assassina.

 

— Arthur, olhe para mim! Ande, levante! Sei que não és tão fraco assim! - insistia a vampira chamada Emma – Ora, qualquer um dos nossos teria se desviado deste ataque! Não és tu assim tão diferente dos outros, és?

— Irmã, ajude-me! Preciso ir até ela, como prometi…!

— Tu não morrerás, eu o transformarei!

— Não… meu corpo não aguentaria a transformação, e… eu preciso vê-la agora… preciso saber que ela se encontra bem… a eternidade seria uma punição para mim… se eu não pudesse tê-la comigo. Se ela morrer… viver não faz mais sentido para mim.

— O que há de tão infalível e absoluto nessa mulher a ponto de tu ignorares o próprio estado? Que encanto é este que arrebata todos os homens desta família? Tolo! Mil vezes tolo!

— Sei que estás aqui a mando de Ramon… ou de Vince… Irmã… apenas siga adiante… finja acreditar que estou morto. Permita-me vê-la! É o meu último desejo!

— Não morrerás, já disse! Sobreviveste a tantas coisas!

— Não é… como das outras vezes… minutos ou horas me separam… do meu destino… Permita-me morrer ao lado dela!

— Raios! Que seja. Eu partirei, faça o que preferir com seus instantes finais. Eles não poderão reclamar que eu não cumpri a missão: tu mesmo reclamas que estás sentindo a morte te encobrir com seu manto. Usarei esta informação em meu favor no momento em que for questionada sobre teu estado. Mas definitivamente, não posso ser vista aqui, a tratar contigo pacificamente. Vince o acusou de traição; ele, Ramon e nossos outros irmãos concordam que tu deves ser morto, especialmente depois da morte de Bertrand. Qualquer um que o encontrasse deveria matá-lo, este foi o combinado!

— O quê? Como isso pode ser possível?

— Eu disse a eles… que estava ao longe quando o vi seguir para o quarto onde Bertrand arrastou aquela mortal, a filha do caçador… Eles agora acreditam que tu tiveste relação com esta morte, que de alguma forma facilitaste o acesso dos caçadores àquele quarto.

— Fui tão… surpreendido quanto Bertrand.

— Eu acreditei em ti desde o primeiro momento, por mais que me recusasse a admitir que tu eras inocente. Mas eles não. Julgam-no culpado porque é clara tua paixão por aquela caçadora a todos os indivíduos desta família! E pensar que todo esse drama começou porque fui abrir a boca na hora errada! Agora, te encontras bem enrascado, é tudo o que tenho a dizer.

— Emma… obrigado. Não te preocupes… eu já me encontrava bastante ferido.

 

Arthur estendeu seu membro débil e ensanguentado na direção da mão da irmã. Apertou-a de leve, como numa despedida. Tentando parecer indiferente, a vampira tomou rápida distância dele, levantando-se. Foi quando deu meia volta para abandoná-lo ali deitado que ela percebeu que havia uma terceira pessoa com eles. Era seu meio irmão Ramon, que a apunhalava no ventre sem dizer uma palavra sequer para justificar sua atitude. A garota caiu para a frente, balbuciando palavras desconexas que expressavam uma dor atroz; ela provavelmente havia sido ferida com um artefato mágico de caçadores.

 

— Ramon, és tu? - Arthur inquiriu – Por quê? Por que fizeste isso?

 

Emma, levantando e tomando distância lentamente, fazia coro às perguntas de Arthur:

 

— Responda! Por que, maldito? Não cumpri tua vontade? Ei-lo: praticamente morto! Teus olhos são testemunhas de minha lealdade!

— Mentirosa – sibilou o outro, arreganhando as presas afiadas – Tu queimarás de dentro para fora, porque o fogo é o castigo para os traidores!

 

Foi questão de ele dizer isso para uma claridade brotar a partir da ferida que Emma tinha no ventre. Ao tentar cobri-la com as mãos, a vampira sentiu as palmas queimarem até os ossos. Naturalmente, ela gritou pela grave avaria.

 

— O que significa isto?! É um dos punhais de Vince, aqueles herdados do nosso pai?!

— Ora, parece que sua cabeça ainda funciona perfeitamente. Ou funcionava.

 

Num rápido movimento, Ramon tentou rasgar a garganta da irmã, mas não conseguiu, porque Arthur agarrou seu pé, fazendo-o perder o equilíbrio e errar o ataque.

 

— Não te preocupes com esta traidora imprestável, pois logo darei a ti o prazer de somar teus ossos aos dela, bastardo! - o vampiro disse, chutando o irmão mais novo.

— É o que tu pensas! - bradou Emma, a agarrá-lo – Tu me ordenaste que eu provasse minha lealdade a ti acabando com a vida de Arthur! Tiveste o que desejavas, e mesmo assim me atacas de forma vil! Pois agora, morrerás comigo!

— Ora, mulher! Que desatino! Pare, solte-me! Estás a feder a carne queimada!

— Nós arderemos juntos!

— Que insanidade! Já somos poucos, e ainda tentas me sacrificar por puro capricho!

 

Ramon Seingalt tentava se desvencilhar da irmã, mas ela mantinha os braços e pernas bem seguros em volta ele.

 

— Tu me feriste por ciúmes de Arthur! Sabias que, desde que ele veio a este castelo, tanto eu quando Anna não tirávamos os olhos dele, e passamos a ignorar tu e tuas conquistazinhas!

— Vocês sempre me pertenceram! Não tinham o direito de se enamorar de nenhum outro homem!

— Apenas cansamos de si e de suas muitas mulheres! Mas, já que quer minha fidelidade, tome-a! Ardamos juntos, para o resto de nossos minutos!

 

Arthur, sem saber o que fazer no meio daquele confronto, apenas assistia, abobado, os corpos unidos começarem a incandescer.

 

— Tu me querias para ti, eterna e fielmente tua! Pois me tens! Eis-me aqui!

— Está-me machucando! Meu corpo arde! Traidora infeliz, eu matarei a ti e a este teu maldito irmão bastardo, por quem tu tolamente admites paixão – como se eu e ele pudéssemos sequer ser comparados!

— Arthur – Emma voltou-se para o jovem meio vampiro, muito séria – Vá atrás daquela tua mulher, anda!

— Não permitirei que escape! - Ramon quis avançar para apanhar com as mãos qualquer parte do corpo de Arthur, mas o peso e a força irredutível da vampira que não o soltava o fez tombar ao chão, ampliando a área afetada pelas chamas – Sua estúpida! Não morrerei aqui!

— Emma! Emma… ! - Arthur, curvado sobre suas próprias feridas, ainda tentava arrumar alguma disposição para chorar.

— Anda! - Emma insistiu – Isto é tudo por ti…! Parta, parta sem demora, antes que a tua vida ou a dela se esvaiam! Nós, que tornamos tua vida tão infeliz, te devemos isto!

 

Obedecendo a irmã, e contra tudo aquilo que era possível, Arthur Seingalt conseguiu ficar de pé. O mais rápido que pôde, tomou aprumo através das paredes, tentando não perder o equilíbrio. Cada passo era um suplício por causa de seus múltiplos ferimentos, mas ele não desistia. Caminhou poucos metros quando sentiu que a voz dos irmãos e suas trocas de acusações já não mais se faziam ouvir. O clarão gerado pela combustão dos dois corpos também desaparecia. Alguma intuição mais fria agitou nele um certo descontentamento por não ter levado aquela super arma que matou dois de seus irmãos com ele, mas agora era tarde para lamentar, porque se ele voltasse todo o caminho que tinha trilhado, perderia muita energia e sangue. Restava a ele atravessar a porta do quarto que havia indicado a Helena Lee Rush, e apreciar com seus próprios olhos no que teria resultado o reencontro dela com Julius Martinelli, fato de que ele sequer tinha conhecimento àquelas alturas.


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