Assassina escrita por Ann Vinyso


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

• Boa Leitura!



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Assassino, s.m., indivíduo que comete homicídio; homicida; adj., que causa a morte de; que aniquila, causa terror, frustração, dor, desespero etc.

 

— Mate-o! — A voz saiu natural, como se aquela ordem fosse simples e corriqueira.

Para a garota, ouvir este comando não era tão incomum. Ela vivia em uma ditadura de mortes, todos os dias uma vítima diferente era escolhida – algumas vezes, a vítima era um humano – e ela era a carrasca, uma escrava da verdadeira assassina. Infelizmente, não adiantava discutir. No início, ela até tentou, recusou-se a ser uma mensageira da Morte, contudo, conseguiu apenas cicatrizes – nos pulsos, na bochecha direita e entre os seios.

— Por que ele? Ele não nos fez nada, ele é bondoso conosco, um dos poucos que ainda nos sorri. — Tentou argumentar.

— Anne, por que você é tão teimosa? — A voz soou fria e cruel, como sempre o era.

Todo este pesadelo começou na infância da garota, quando tinha sete anos e ainda morava em Tempskrons, ela começou a receber aquela visita misteriosa. Primeiro, eram conversas normais, sobre o dia-a-dia da menina, sobre seus colegas da escola. Cerca de seis meses depois, a primeira ordem. Sem saber ao certo o que estava fazendo, a pequena Anne envenenou o gato da família com uma mistura de produtos de limpeza doméstica e veneno para insetos.

— Não sou teimosa! — A garota respondeu baixinho, olhando para as próprias unhas. — Apenas não gosto de matar pessoas inocentes... Ou seja, todos que matei até hoje. — Acrescentou a última parte num tom quase inaudível.

— Está me contrariando? — A cólera aumentava perceptivelmente a cada sílaba. — Lembra-se do que acontece quando não obedece aos meus pedidos?

A primeira vez em que tentou descumprir um “pedido” foi quando se reusou a matar um colega de classe. Com nove anos, ela já sabia que isso não era certo. E apesar das mortes súbitas de todos os seus animais de estimação (porquinhos da Índia, gatos, cachorros, peixes, passarinhos, tartarugas) ninguém nunca desconfiou da doce e amável criança.

Annellyse tinha a pele muito escura, os cabelos eram longos quase sempre amarrados em um rabo de cavalo e os olhos azuis claros – era linda. Não era violenta ou mal educada, nunca desobedecia aos mais velhos e nunca respondia aos seus professores. Dava-se muito bem com seus companheiros de sala de aula, até mesmo com sua futura vítima, o pobre e indefeso Ricardo – o qual sofria de anemia e uma dúzia de alergias diferentes que o tornavam fraco e de aparência frágil.

— Lembro-me muito bem! — Ela respondeu, afagando os próprios pulsos onde havia feias cicatrizes feitas com gilete de apontador de lápis.

Tais cicatrizes foram as primeiras e fruto da tentativa inútil de não matar o garoto. Mas, ou ela matava ou era morta. Até que foi fácil dar cabo da vida de Ricardo. Com tantos problemas de saúde, ela precisou apenar unir vários causadores de crises alérgicas e manda-lo ao hospital – lugar onde ela o visitou para agravar mais o caso clínico da criança. Três dias depois, ele sofreu com uma terrível crise de asma e morreu por não conseguir respirar.

— Então... Não me desobedeça e faça o que mandei! — A voz saiu baixa e com uma pitada de alegria maligna. Era perversa e sentia prazer com a morte.

Anne baixou as pálpebras devagar e quando as levantou, os olhos brilhavam com intensidade. Aqueles belíssimos olhos azuis pareciam-se com as estrelas do céu.

A primeira vez em que eles brilharam daquela forma foi também a segunda vez em que a garota matou um ser humano. Ela tinha pouco mais de quinze anos e era uma adolescente como outra qualquer: tinha alguns amigos, ia à escola, tirava boas notas nas provas, seu corpo estava em transformação, gostava de sair para festas, gostava de dançar – e tinha um rebolado único. E como todos os adolescentes, naquele dia, tinha um encontro: Toni, o terceiro melhor aluno da sala, chamou-a para irem ao shopping juntos.

No cinema, durante uma comédia romântica, ela estava inquieta. O rapaz virou-se para ela, sorrindo, imaginando que se daria bem naquela noite. Olhou-a nos olhos, depois de ter dado uma rápida conferida nos lábios que tanto desejava, e viu-os brilhando belissimamente. Aproximou-se aos poucos do corpo da garota, fechando os olhos, quase podia sentir a boca dela na sua quando sentiu outra coisa, na verdade.

Era uma dor aguda no baixo ventre, uma ardência na barriga. Já meio tonto, ele abriu os olhos e encarou Anne. Os olhos da jovem demonstravam uma frieza e maldade que ele jamais imaginou que pudesse existir dentro daquela bela negra. Samuel também notou outra coisa, um dos olhos já não era mais azul e sim verde, como o as águas claras de um rio. Ele não se lembrava de que a garota tivesse heterocromia, não havia explicação plausível em sua mente perturbada pela dor. E por falar em dor, ele resolveu olhar para o próprio ventre que doía e de onde ele sentia sair um líquido quente.

Para sua surpresa, havia duas adagas esverdeadas e brilhantes enterradas em seu abdome. Um par de mãos as segurava e estas mãos estavam fixadas nos braços de Annellyse. “Por quê?” — Ele balbuciou, antes de tombar para trás na cadeira, sem vida – as adagas pareciam tê-lo atingido além da carne, diretamente na alma. O sangue se espalhou rapidamente pelo local, mas antes que os outros ocupantes da sala de cinema se dessem conta do corpo, Anne voltou a si. Os olhos voltaram ao tom normal e perderam o brilho estrelar, as adagas – que em momento nenhum ficaram manchadas com sangue – desapareceram magicamente e ela saiu correndo para fora do cinema.

Chegou em casa aterrorizada e não se surpreendeu quando policiais bateram na sua porta, horas depois. Tudo estava silencioso, a garota não escutou ordens ou “pedidos”, foi abandonada sozinha para enfrentar aquela situação inexplicável. Foi levada à delegacia, passou a noite toda sendo interrogada, sendo bombardeada por perguntas às quais era incapaz de responder satisfatoriamente ao delegado. Chamaram um psiquiatra. Então, ela só lembra-se das intermináveis sessões no consultório dele, onde ela respondia perguntas de todos os tipos.

No último dia em que dormiu em casa, Anne ouviu a pior ordem de todas. Deveria matar os próprios pais – que estavam cansados, confusos e aterrorizados com o que a filha fizera. Ela tentou não fazer isso e assim ganhou mais cortes nos braços, um na bochecha e outro entre os seios. Quando a faca estava quase furando a pele acima de sua jugular, ela cedeu. Os pais dormiam trancados, com medo dela, mas a tranca na porta não foi um empecilho muito grande.

Assim que os olhos de Anne brilharam e mudaram de cor – o brilho estrelar era sempre acompanhado da heterocromia – a porta do quarto do casal se abriu magicamente e a garota entrou em silêncio. As mesmas adagas – que possuíam uma cor próxima do verde-água –, do dia em que Toni morreu, reapareceram nas mãos dela. Sem um pingo de reconhecimento do que fazia, a morena rasgou as gargantas dos pais, quase os degolando por completo. Quando se afastou, as adagas estavam limpas, sem nenhuma gota de sangue.

Naquele dia, ela foi ao psiquiatra, triste pelo que tinha acontecido. E contou toda a verdade para ele. Falou sobre a voz que a perturbava desde os sete anos, sobre como ganhou sua confiança para então lhe mandar matar animais de estimação. Narrou a morte de Ricadro e como ela fez para provocar isso. Explicou sobre as cicatrizes (algumas delas, feitas naquela manhã). Passou quatro horas naquele consultório – duas horas e meia a mais do que o habitual –, mas, no fim, tinha desabafado tudo o que estava preso dentro de si.

Desde então, estava internada num manicômio longe da área urbana da cidade. Vivia isolada dos outros pacientes, só saia para tomar sol quando os outros já estavam em seus quartos, nunca recebia visitas de parentes ou amigos. O único visitante era o seu bom e velho psiquiatra. Ela gostava dele, pois, mesmo conhecendo a fundo o seu caso, não a tratava diferente de uma pessoa comum. Conversava normalmente com ela, ria, contava piadas e até lhe trazia alguns doces às vezes – depois de tantos anos naquele prédio, ela até esquecera-se que idade tinha.

— Aí vem ele, estamos ouvindo seus passos calmos. — A voz falou quase risonha, cautelosa, esperando o Dr. Victor entrar. — Não me desaponte, minha querida!

As adagas envenenadas se materializaram nas mãos de Anne. Ela estava atenta como uma felina e podia sentir o cheiro do homem do outro lado da porta. Esperava somente o momento em que ele entrasse no ambiente para pular em seu pescoço e fazer o que fazia melhor: matar. Afinal, Annellyse era uma assassina.


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