A luta a ser travada escrita por MT


Capítulo 15
Capitulo 15- Quando se decide prosseguir


Notas iniciais do capítulo

E aqui acaba, este é o final getsug.... ops, frase errada.



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Seu contorno foi sendo delineado e os traços de sua face e vestes construídos à medida que o breu deixava o ar. O lábio inclinou-se levemente para cima no canto esquerdo e as pálpebras subiram para que a luz alcançasse-lhe as íris. Estava sentado sobre o piso com o joelho ameaçando tocar os ombros. Era uma figura esguia e decrépita com um agasalho marrom puído e uma barba mal aparada fazendo par com uma cabeleira negra e desgrenhada sobre a nuca. Mas os olhos varreram-no com questões e colheram dele respostas. 

A boca de John abriu-se e os pensamentos que carregava voaram como folhas ao vento para algum lugar longe dali. 

— Olá, nós dividimos uma cela certa vez. - as palavras quebraram o silêncio. - Sou Jonas Chave, mas não de cadeia apesar do que possa pensar de alguém que conhecera na prisão.

John recompôs-se, ofereceu uma cadeira para o invasor e sentou-se na cama. A mente do rapaz tentava ligar a visita do antigo colega de cela a Boneco ou a um motim ou a um terremoto que abrira a delegacia ao meio, mas resquícios de ter visto algo inesperado quando estava embriagado por outras questões o abalaram o suficiente para que deixasse de tentar deduzir. 

— Por quê? - perguntou ao perceber que era a única indagação que lhe jogaria no caminho para respostas mais objetivas.

Jonas cruzou as pernas e recostou-se, um sorriso mais amplo tomou suas feições lembrando ao rapaz do quanto ele falara da primeira vez que conversaram.

— Eu sei pouco e ainda menos, mas Boneco pretende mover meu companheiro de cela como um peão e acabou de fazer isso a pouco. Você é um estranho para ele se excluirmos seu histórico e as pequenas coisas que pôde perceber ao te ver e ao ouvir alguns relatos. Ele tem uma imagem sua formada, provavelmente de um sujeitinho teimoso e simplório que pode ser dobrado por força se não por dinheiro. - John o observava em silêncio, os olhos abertos e atentos aos movimentos de Jonas. - Não confiará em você, mas desdenhará o suficiente para permitir que entre em seu território e faça uma ou duas coisas suspeitas, afinal mesmo que alguém como você conspire contra ele não será com o apoio dos outros chefes criminosos e a polícia local está sob os pés de Boneco como um escravo particularmente dócil. 

O rapaz entendeu aonde todas aquelas voltas iam dar e cerrou os punhos. A mão que usou para vencer o oponente latejou emitindo outra vez a dor que sentira ao encontrar a face inimiga. A boca abriu-se e fechou engolindo uma resposta impulsiva que a não muito tempo atrás teria escapado por entre os lábios. 

— Quer que eu seja seu peão, mas o que espera conseguir com apenas dois homens?

— Não muito e por isso tenho outros contatos. De você necessito apenas de algumas pequenas tarefas. Duas, na verdade, e uma delas amanhã.

John remexeu-se na cama com um estranho desconforto acertando-lhe as entranhas. Compreendia muito bem que Boneco não hesitaria em derramar seu sangue ou de pessoas próximas a si caso fosse ameaçado o suficiente.

— O que quer que eu faça? 

— Bata na porta dele e convença-o a emprestar a você o maior número de homens possível, homens que levará para longe deixando a base mais facilmente invadivel. Antes de ser preso descobri o bastante para saber onde fica a sala de registros e é lá que pretendo encontrar o que preciso para arranjar apoio. Tudo que tem de fazer é reduzir o número de guardas através de palavras, simples não acha?

Não havia nada de simples em convencer um proeminente criminoso a separar seu quartel general e documentos de uma boa fatia dos homens que os protegem. Mas John assentiu positivamente com a cabeça. Ele sentia o sangue queimar e clamar por luta, pelo levantar do queixo, por um encarar ousado.

— O que mais?

Jonas Chave riu e se ergueu. Um homem alto, esguio e de olhos ágeis que carregavam um brilho vivo contrastante com suas roupas sujas e desgastadas, sua barba por fazer e cabelos selvagens. 

— Continue a dançar como uma boa marionete para nosso bom Boneco e, se tudo der certo, na próxima apresentação, quando estiver dando-lhes uma dose de boxe, eu e mais alguns agentes da lei de outros estados invadiremos e estragaremos a festa como bons policiais devem fazer. - ele se aproximou e esticou a mão, um membro grande e repleto de calos. - Conto com você, John, o pugilista.

Apertou a mão de Jonas enquanto encarava as íris dele, duas esferas cinzentas, claras o bastante para assustar. Mas não desviou o olhar nem hesitou.

— Digo o mesmo. - John respondeu. 

 

Aquilo fora há muito tempo e mesmo assim lembrava de cada entalhe daquilo. Do choque de vê-lo surgir em meio as sombras depois da primeira luta por Boneco, da incerteza quanto a ser capaz de fazer o que me pedia e do ímpeto de fazê-lo. Eu temi, mas era preferível a cogitar ir atrás de Mariana, atrás do que realmente desejava. Movi meus pés, não para um caminho rumo a derrotar um grande criminoso, e sim para fugir assustado da pessoa que amava. 

Ainda levaria um tempo para que minhas costelas estivessem recuperadas e o dinheiro começava a rarear, mas quando andar deixou de doer a primeira coisa que fiz foi ir ver como ficara a academia de boxe do velho. As janelas haviam sido trocadas, as paredes externas pintadas de amarelo e preenchidas com alguns grafites onde eram representados homens como Ali e Thomas Hearns, lendas do boxe americano. Eu sempre quis desviar do mesmo modo que Muhamed Ali, socar tão forte e preciso quanto Tyson e colecionar títulos como Acelino Popó, um dos maiores nomes entre os pugilistas do meu país. Mas o campeão nacional e sua enorme força destrutiva haviam me chocado de tal modo que subir até onde essas grandes pessoas chegaram soava a um sonho alto demais para alguém com asas tão pequenas.  Porém, ainda desejava ver o mundo do mesmo lugar que essas pessoas, sentir que sou mais que apenas outro lutador degrau para homens melhores. Não fugiria disso.

Lá dentro do ginásio Rompe Barreiras vi rostos conhecidos e novos. Socando sacos remendados, fazendo sparrings com luvas costuradas e suando como se não houvesse amanhã. Quase pude ver um garoto franzino e irritado se esforçando para usar as combinações que seu treinador passara, golpeando e depois balançando a cabeça em desaprovação. Era um orfãozinho de merda, mas um orfão que estava de pé indo atrás do que queria sem parar para lamentar o quão impossível parecia. Senti as íris umedecerem. Dei meia volta antes que alguém me notasse e viesse fazer com que mais memórias erguessem-se dos seus túmulos no passado. Mortos devem permanecer assim. 

Iria voltar a praticar boxe porque eu queria, mas não ali, depois de Boneco ter destruído o local para me provar seu poder, seria desrespeitoso com as pessoas que dependiam do lugar. Me movi tomando distância da academia para nunca mais retornar, ao menos não sem um título mundial nas costas.

— Ei, seu bunda mole! 

Meu corpo deu uma leve tremida ao ouvir.

A voz fez com que parasse de andar. Fechei os olhos e respirei fundo antes de encarar aquele homem. Acima de todos, é possivel que ele fosse quem mais tivesse decepcionado. Um amigo, um admirador, uma pessoa com sonhos altos e falas positivas cheias de ânimo. Quando o vi eu soube exatamente o que dizer, diferente do que imaginava nos cenários mais otimistas. 

— Iremos lutar no palco profissional, então não perca tempo se perguntando o que houve. - disse o encarando no fundo das íris verdes imersas na face de pele caucasiana.

Os olhos do rapaz se arregalaram e sua boca abriu-se um pouco enquanto as pernas paravam o avanço.

— Irei atrás do campeão nacional. Depois continuarei a subir. - o observei, apenas umas poucas palavras e tudo que havia para me dizer esvaiu-se. - A gente se vê por aí.

Segui sem olhar para trás enquanto o som daqueles treinando reduzia-se até findar num silêncio taciturno. Pretendia não ser apenas mais um que desistiu para eles também. Certamente continuaria até o fim. Mas o fim podia ser menos glorioso do que seria agradável.

 

— Não há nada novo, ele pode estar no país ou no outro lado do mundo. - o tom de Jonas Chave estava monótono, frio e desgastado. - Não é atoa que sabia o que eu planejava desde o principio, sou burro demais para lidar com alguém como ele.

A carta que recebi no hospital contava como Boneco sabia dos nossos planos para a noite no estádio, cada desconfiança que teve e cada raciocínio e investigação que o permitiu descobrir e controlar o esquema para fazer o que ele chamou de ´´abaixar das cortinas``. Todos os líderes foram apreendidos exceto ele e aqueles mortos durante a troca de tiros entre a força policial especial conjunta e os membros das facções criminosas. Boneco sequer estava lá e isso só deixou o sabor da derrota mais forte para o paladar de Jonas Chave. Havíamos conversado o bastante para que eu percebesse que por trás do tom descontraído e das risadas existia uma mente dando tudo de si pelo seu trabalho.

— Entendo, obrigado por me informar. - respondi.

Ele ergueu a cabeça dos documentos e sorriu, algo fraco e mirrado, mas estava ali, uma pequena inclinação no canto dos lábios.

— Por favor, somos antigos companheiros de cela, não há segredos entre nós. - Jonas Chave falou. - Apenas perguntas não feitas.

Não o via como amigo ou irmão, mas suas ações tinham derrubado um império de crimes e permitido que minha cidade tornasse-se mais segura. Dizer-lhe uma ou duas coisas não fariam nada além de evitar que falsas certezas surgissem e causassem alguma confusão. 

— Vou sair da cidade por um tempo. Sou muito grato por tudo que fez. - falei e virei para ir embora, no começo a passos lentos, mas nada foi dito então prossegui num ritmo mais elevado. Existia outros lugares para os quais dar um olá e tentar gravar na memória. 

 

  A praça ao lado do rio, as ruas por onde costumava correr e o orfanato pelo qual não passava há anos. Deixei-me vê-los em cada parte de suas formas, contornando as arvores, a água, os edifícios e os sons que emanavam deles como uma aura, apenas com os sentidos. Não planejara muito mais além dos objetivos óbvios enquanto recuperava minha saúde, mas nunca cogitei partir sem dar uma última boa olhada nesses locais. E Fabricia. Desde de que ela melhorou o bastante para voltar ao trabalho não temos nos visto apesar de ter soado enquanto conversávamos no hospital que nossa amizade havia se aprofundado um pouco mais. 

Nossos lábios se encontraram, se não esquceu, há algo nisso que você devia entender ainda mais depois de dizer a ela que iria até Mariana, seu estúpido tolo.

Eu entendia que ver a pessoa que o descartou por outra podia não estar na lista de coisas agradáveis de se fazer, Mariana o fizera por mais álcool que houvesse em seu sangue para culpar e isso ainda trazia uma sensação fria e deprimente ao meus ossos. Fabricia era uma amiga com quem ria e trocava ajudas a bastante tempo e isso não seria mentira mesmo após um beijo que não levou a nada. As ruas estão menos vivas com tantos daqueles homens que Boneco usava como cães para pastorear as pessoas em jaulas ou mortos, devia bastar para que fosse justamente ao contrário com gente rindo nas entradas de suas casas e crianças jogando futebol de pés descalços na rua. Mas aconteceu de simplesmente arrancarmos parte da cidade ao removê-los, criminosos, humanos que davam bom dia ao senhor da padaria e jogavam conversa fora junto aos amigos e consortes que iam trabalhar em um emprego dentro dos limites da lei. Por um momento me perguntei quantos dos que compunham o círculo social dos sujeitos mortos e presos não estariam amaldiçoando os envolvidos nisso agora.

Quantas crianças não estariam orfãs, enfeitando ruas e roubando biscoitos em mercearias enquanto acumulam rancor pelos assassinos de seus pais agora? 

Balancei a cabeça e soltei o ar pela boca. Meus olhos desceram para a calçada, depois subiram de volta a frente onde ruas, prédios e postes seguiam até onde a vista alcança. Continuei a andar. Um passo, outro e então de novo. Se olhasse para trás continuaria incapaz de deter uma bala ou alterar o que já aconteceu. Sendo um campeão mundial poderia haver uma ou duas coisas para fazer, mas nenhuma delas estaria me aguardando no passado.

 

As cicatrizes ainda pendiam na face dela, finas linhas formadas por depressões na pele, enquanto vagava entre as mesas servindo, ouvindo ou falando. O cabelo estava solto como cascatas negras desabando sobre seus ombros. Ela não me via. A fitava do outro lado da rua com uma árvore fazendo sombra na minha cabeça. Meu estômago gemia e as pernas hesitavam, podia sentir algumas gotas de suor deslizarem pelas têmporas. O vento assobiou fazendo uma pequena chuva de folhas dançarem diante de mim. 

Não vou fugir.

Avancei, o olhar fixo, os passos tensos e uma estranha sensação de estar andando de forma desengonçada acompanhando-me. Fabricia atendia uma mesa com um sorriso, mas quando ergueu a vista e nossos olhares chocaram-se seus lábios tremeram. Quis correr de volta ao apartamento. Desejei fugir.

Não vou fugir.

— Oi. 

— Oi. - ela  respondeu. Erguendo a prancheta e a encostando no peito virou-se e sumiu dentro do pequeno edifício onde eram guardados os produtos do bar.

Engoli em seco sentindo a face ruborizar e me movi forçando os músculos das pernas a obedecerem. Precisava apenas dizer uma coisa.

Encostei a palma da mão esquerda ao lado da entrada de funcionários por onde Fabricia passou. As palavras cravavam suas presas em minha garganta como lobos selvagens, mas de algum modo ouvi elas deslizarem para fora.

— Eu estou indo embora e talvez não volte tão cedo. - do outro lado, se Fabricia encontrava-se ao alcance do que dizia, a reposta era o silêncio. - É só isso, sabe, para não se surpreender quando não me ver por aí…

Nenhum comentário, nenhuma cena dramática, sem lágrimas ou abraços de despedida, ela não saiu para me lançar nem um último olhar. No hospital brincávamos como amigos de infância e apenas alguns dias depois mal encaravamos a sombra um do outro. Mariana não era alguém tão simples de se almejar para que uma ou outra perda não ocorresse e no fim eu deveria saber que acabaria desse jeito. Depois daquele beijo.

E não fugir nunca foi sinônimo de vencer.

Dei as costas a aquele lugar com um adeus soando em pensamento.

 

Estava na minha cama, com o celular em mãos e um número na tela do aparelho. Era o último movimento e o primeiro passo para prosseguir na direção que realmente desejava. Havia uma tensão nervosa preenchendo-me por dentro, mas pressionei o botão verde e aguardei até a chamada ser atendida.

 

— Oi, sou eu. - consegui dizer.




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Notas finais do capítulo

The Final Fucking End!



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