A Lenda da Raposa de Higanbana escrita por Lady Black Swan


Capítulo 11
10: A cruel sobrevivência do mais forte.


Notas iniciais do capítulo

Oh dúvida cruel, porque minha tão amada criança é tão ignorada?

GLOSSÁRIO:

Dojo: Local onde se praticam artes marciais japonesas.
Senpai: É usado para indicar alguém com mais experiência e para indicar hierarquia.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/776602/chapter/11

Com imensurável dor Akira gritou ao ter um punhado de penas negras arrancado de sua asa esquerda e caiu sobre um joelho puxando-a contra o peito sentindo os dedos úmidos de sangue ao agarrá-la.

E aquele ainda era apenas o segundo dia na Vila Tengu, ainda faltavam outros oito.

Ele ergueu os olhos queimando de fúria, odiava aquele lugar, odiava com todas as suas forças, odiava! Odiava! E odiava! E a sua frente o seu adversário, Koji, o encarava com um sorriso cruel segurando o punhado de suas penas negras na mão, era um garoto tengu assim como ele e os dois tinham praticamente a mesma idade e ainda assim nada havia de semelhante entre eles.

Pois um deles era um tengu de sangue puro.

—O que foi mestiço? — Koji cuspiu — Tem algo para me dizer aberração?!

E o outro estava manchado por sua ascendência metade humana.

Akira trincou os dentes, supostamente suas vilas eram os únicos lugares onde os tengus eram aceitos e bem recebidos, ali eles viviam em comunidade, criando, cuidando e treinando uns aos outros, como irmãos.

Porém, as coisas não eram bem assim para Akira e seu irmão, eles eram diferentes do resto dos tengus, crias de um rebelde que continuava sempre e sempre a desafiar a vila, era graças a ele que a raposa prateada voltava constantemente para atormentá-los, pois fizera amizade com ela, pegara para si uma mulher humana e se recusara a deixá-la de lado, escolhendo-a em lugar da vila e por fim, o insulto final, recusara-se a entregar seus filhos para serem criados segundo os costumes tengu, e mais do que isso: seus filhos eram aberrações ― nem youkais, nem humanos.

Por todas essas afrontas era de se esperar que Satoshi já houvesse recebido, no mínimo, algum tipo de punição, algo além de um simples exílio parcial, — ele ainda podia ir até a vila sempre que quisesse, e ficar lá pelo período que quisesse também, mas enquanto permanecesse com a mulher não poderia voltar a morar lá, pois ele sempre retornaria para ela, e ela jamais teria o direito de pisar na vila deles —, mas aparentemente a vila vinha sendo muito branda com ele ao longo dos séculos.

E mesmo sendo considerado um rebelde, o pai deles ainda era leal a vila, e se por um lado eles eram humanos e jamais deveriam ter permissão para pisar na vila, por outro lado eram tengus também, e jamais deveriam deixar a vila, então ainda que tenha se recusado a entregar seus filhos, ele cedeu ao ponto de levá-los uma vez a cada 90 dias no máximo (embora geralmente não passasse de 45 dias) para que, por dez dias inteiros, eles fossem treinados na vila.

Mas Akira odiava aquele lugar.

—Garotos! O que estão fazendo?! — o professor de prática com espadas gritou com os garotos da porta do dojo — Entrem logo!

—Sim! — responderam os garotos, imediatamente deixando Akira de lado e correndo para dentro do dojo recebendo um ou outro ocasional cascudo do professor, ao passar por ele.

O professor, Hiiro ― o tengu branco ―, chamado pelos mais novos de “Hiiro irmão maior” ou “Hiiro-san” era um tengu de asas e cabelos brancos como a neve, seus olhos eram vermelhos e tinha muitas cicatrizes espalhadas por todo corpo.

Ele era ao mesmo tempo um dos tengus mais desprezados e respeitados da vila.

Hiiro-san lançou um olhar em direção a Akira.

—Algum problema, moleque?

Akira ergueu-se largando a asa e sacudindo a mão, pegajosa de sangue.

—Não, irmão maior. — respondeu firme.

O tengu branco olhou de cima para o menor, avaliando-o, e então com uma clara expressão de desgosto chamou:

—Então entre de uma vez.

Na vila tengu nunca se devia demonstrar fraqueza, não havia lugar para isso ali, assim Akira ergueu-se e correu para dentro do dojo, recebendo seu respectivo cascudo ao passar por Hiiro-san.

***

—Oh! Um vaga-lume! — o professor Haruna comentou abrindo a janela para que o pequeno inseto saísse — Que engraçado, não? — virou-se sorrindo para a classe — Estamos um pouco fora de época afinal, mas talvez ele esteja apenas procurando por sua dama, quem sabe?

Ninguém mais na turma pareceu dar atenção para aquele comentário — na verdade, agora pareciam estranhamente ainda mais concentrados nos exercícios, quase como se evitassem olhar para o professor —, mas Gintsune franziu o cenho.

—Procurando a dama dele? — repetiu.

—É claro. — o professor virou-se cruzando os braços com um sorriso — A princesa vaga-lume.

Aquele nome, evidentemente, não trouxe nada a Gintsune, mas antes que pudesse perguntar qualquer coisa Keita-kun agarrou seu antebraço e ao olhá-lo viu-o com uma clara expressão de pavor, com os olhos arregalados e balançando a cabeça de um lado para o outro.

Gintsune sorriu sinalizando que tinha compreendido, mas no momento em que Keita-kun suspirou aliviado e soltou seu braço, ele rapidamente virou-se para o professor e perguntou:

—Quem é a princesa vaga-lume?

Houve um doloroso e sonoro gemido por toda a sala, e o professor Haruna riu, parecendo até gostar daquilo.

—Então nunca ouviu falar da princesa vaga-lume, Ayaka-chan? — perguntou caminhando novamente para trás do púbico em frente ao quadro — Não me surpreende, afinal chegou à cidade há pouco tempo... Bem, então segundo a lenda...!

Novamente um sonoro gemido de dor se espalhou por toda a classe, Keita-kun no lugar ao lado de Gintsune até mesmo bateu a cabeça na mesa, mas o professor Haruna ignorava tudo aquilo ou, para ser mais sincero, parecia divertia-se com aquilo, inclinando-se sobre o púbico, apoiando o rosto de lado na mão e sorrindo, sempre sorrindo.

—Bem, então segundo a lenda... — recomeçou propositalmente ignorando as reclamações de seus alunos — Muito tempo atrás vivia por estas terras, vagueando por suas montanhas e florestas, uma princesa que reinava sobre os vaga-lumes e sonhava com o mundo dos humanos.

Embora Gintsune ouvisse atentamente à lenda, ninguém mais parecia se importar, pois ao seu redor, tudo eram expressões entediadas e suspiros cansados, com olhos concentrados nas equações que tinham que resolver — Gintsune pouco se importava, havia as terminado uns dois segundos antes de o professor ver o vaga-lume.

—Ela sonhava...

—Professor Haruna o senhor já nos contou essa lenda. — a representante, sentada na primeira cadeira da fila de Gintsune, o advertiu de forma entediada. — Sete vezes. É a sua história favorita de verão.

—Mas nenhuma desde que retornamos ás aulas. — o professor defendeu-se.

—Contou sim. — ela retrucou sem sequer erguer os olhos — No primeiro dia de aula.

—Mas nenhuma desde que Ayaka-chan entrou na classe. — ele ajeitou os óculos. — Ela sonhava com as risadas humanas, suas danças e canções e com suas histórias...

—Professor! — uma garota sentada próxima á porta de trás chamou com a mão erguida, Gintsune tinha quase certeza de que ela se chamava Naruko... Naruko alguma coisa, Naruko Fuyuki talvez? — Qual a resposta da questão sete?

—Se eu dissesse como vocês aprenderiam? — riu o professor Haruna.

—Então pode nos dizer suas medidas professor? — chamou outra garota que estava sentada na segunda cadeira na fileira à direita da representante, seu nome era... Provavelmente algo como Tadashi Emiko.

Emiko e Fuyuki eram as duas garotas de cílios postiços que estiveram provocando Gintsune falando por suas costas uns dois dias atrás.

—Receio que não. — ele riu.

—Por que não? — a garota lamentou.

—Porque não é pertinente para a aula.

—E a Princesa Vaga Lume é?

—Um dia, já não aguentando mais ver tamanha tristeza em sua princesa... — o professor retomou a história de repente, fazendo Gintsune cobrir levemente os lábios com as mãos ao dar uma pequena risada — Os vaga lumes decidiram conceder-lhe o desejo e criaram uma trilha de luz que a guiou ao mundo humano. Porém, uma vez no mundo humano a princesa foi cegada por seus encantos e esqueceu o caminho para casa e assim ela se perdeu para sempre entre os humanos, mas seus leais súditos, os vaga lumes, jamais deixaram de procurar por ela e às vezes ainda é possível ver trilhas de luz nas florestas, são os vaga-lumes tentando iluminar o caminho que guiará sua princesa de volta para casa. — apoiando o rosto sobre a mão ele olhou para o alto um pouco distraído. — É por isso que, por essas bandas, alguns dizem que se você se perder na floresta deve seguir os vaga-lumes: Eles o guiarão para a saída, da mesma forma que guiaram sua princesa... Já outros dizem que nunca devemos seguir os vaga-lumes, pois como eles estão tentando guiar sua princesa para casa se os seguirmos eles acabarão nos levando para um mundo do qual não poderemos retornar. Fico me perguntando qual dos dois pode ser verdade...?

—Nenhum dos dois, professor, é apenas um mito! — alguém respondeu.

—Eu sei, mas ainda assim fico imaginado. — o professor Haruna riu, quando o sinal do final da aula tocou, e ele juntou as palmas de forma animada — Muito bem, então quem terminou as equações?

Gintsune ergueu a mão.

Ptofessor Haruna olhou a volta, acenando afirmativamente para as poucas mãos erguidas, e baixando os olhos enquanto recolhia seu livro disse:

—E a propósito eu preciso falar com as senhoritas Kanae-chan, Naruko-chan e Tadashi-chan na sala dos professores depois das aulas.

Gintsune percebeu quando as garotas Emiko e Fuyuki se entreolharam nervosas, e Fuyuki tentou discretamente puxar a saia — praticamente dez centímetros acima dos joelhos! — um pouco mais para baixo por debaixo da mesa, enquanto Emiko discretamente passava a mão sobre a orelha para tirar o brinco de pressão que tinha ali, mas a representante parecia tranquila.

Não era difícil ver o que aquelas três tinham em comum: todas desrespeitavam as regras de conduta de vestimenta da escola e usavam as saias mais curtas do que o recomendado, não que a maioria das garotas não encurtassem as saias ― Inclusive Yukari, que era sempre tão certinha, usava a saia a altura dos joelhos, quando o certo era sete centímetros mais a baixo ― mas aquelas três exageravam.

E para o resto da turma o professor Haruna, já de saída, disse:

—Por favor, entreguem seus exercícios à representante Kanae-chan ainda hoje, para que ela os entregue a mim.

Assim que a porta se fechou, Gintsune levantou-se de seu lugar e saiu correndo atrás dele.

—Professor! — chamou — Professor Haruna!

Ao ouvi-la o professor parou a uns poucos metros dali e virou-se com seu sorriso de sempre.

—Sim Ayaka-chan?

—Hum... É que eu tinha uma pergunta... — ele colocou o cabelo atrás da orelha.

—É sobre os exercícios de hoje? — professor Haruna perguntou solicito — Há algo que não entendeu?

—Não, não, nada disso, é... Sobre o dia esportivo na semana que vem.

—Sim?

—Eu só queria saber... Ainda a tempo de eu me escrever para participar? — e olhou-o cheio de suplica.

—O que? Agora? — se surpreendeu. — Por que assim tão em cima da hora Ayaka-chan? Por que não se escreveu antes?

—Bem, eu...

Desviou o olhar, como se estivesse envergonhado, e mordeu o lábio inferior de forma hesitante, chegou até a engolir em seco, a clara representação de alguém que escondia algo, mas tinha medo de contar... Tudo encenação.

Afinal, que efeito teria se ele apenas dissesse que até então simplesmente não tinha qualquer interesse no dia esportivo? Ou que era tão ausente nas aulas que sequer ficara sabendo do tal evento?

Professor Haruna tocou o topo de sua cabeça, e deu um sorriso incentivador.

—Fale com Kanae-chan, sim? Talvez ela possa dar um jeito para você. — sugeriu.

Gintsune franziu o cenho ao ser deixado ali, talvez ele devesse ter prestado um pouco mais de atenção às lições de sua mãe, pensou insatisfeito retornando à sala, como era mesmo que se manipulava uma mente humana? Você balançava os dedos em frente aos seus olhos para distrair suas mentes ou os fazia olhar em seus olhos para que suas mentes se concentrassem só em você?

Ele não sabia dizer qual aula se seguiu à aula do professor Haruna, pois foi posto para fora de classe logo nos primeiros dez minutos, mas a aula seguinte a essa era Ed. Física, e os alunos começaram a sair de sala para se dirigirem ao vestiário e Gintsune se pôs a caminhar ao lado da representante.

—Está muito em cima da hora Ayaka, todas as equipes já estão formadas. — ela suspirou.

—Mas é que eu não sabia.

A representante a olhou com uma clara expressão de “e de quem é a culpa?” ao que Gintsune respondeu fazendo a cara mais inocente que conseguiu.

—Escute Ayaka, não dá! — a representante suspirou — Está muito em cima da hora!

—Mas representante! — insistiu — Eu sou realmente rápida, sou mesmo boa em atividades físicas! Não vai se arrepender!

Afinal, como poderia esperar-se que uma raposa perdesse em uma simples competição esportiva escolar contra meros humanos?

—Você pode até dizer isso Ayaka, mas até agora nunca apareceu numa aula de Ed. Física sequer! — olhou-a desconfiada — Onde é que você se enfia afinal?

Gintsune nada respondeu e apenas sorriu.

Geralmente quando ele sumia era porque ia para o telhado dormir e fumar, mas às vezes também entrava no plano astral e seguia o professor Haruna através dele para sussurrar-lhe palavras e por idéias em sua cabeça, às vezes sussurrava-lhe coisas aleatórias sobre Shiori, como se fossem os próprios pensamentos do professor, noutras, quando ele passava por lugares mais movimentados, fazia comentários aleatórios, e até entrecortados, de forma que Haruna nunca podia deixar de ouvir ou pensar em Ayaka Shiori.

De repente uma mão fechou-se em torno do braço de Gintsune, e ao virar-se ele deparou-se ali com Yukari de expressão fechada.

—Ah Yukari, é você. — cumprimentou — Você devia sorrir de vez em quando, uma menina tão jovem sempre com a expressão fechada desse jeito...

—Já sei, vou criar rugas mais cedo. — ela o interrompeu ranzinza — O que pensa que está fazendo?

—O que? — perguntou confuso.

—De qualquer forma, Ayaka, estamos realmente muito em cima da hora para colocar mais alguém em qualquer equipe que seja. Se realmente quisesse participar do evento esportivo devia ter se apresentado mais cedo então, por favor, em eventos futuros tente agir com um pouco mais de antecedência. — a representante concluiu abrindo a porta do vestiário feminino e entrando.

E só então Gintsune percebeu que já haviam chegado ao vestiário feminino, então era por isso que Yukari estava brava com ele dessa vez, ela sempre se irritava quando ele se aproximava de lugares femininos, mesmo quando estava em corpo feminino... Há! Como se ela realmente precisasse de motivos para se zangar com ele.

—Fique longe do vestiário feminino. — ela lhe disse seriamente.

—Por que você continua insistindo nisso? — perguntou pondo uma mecha de cabelo atrás da orelha e cruzando os braços — Já disse que não tenho porque espionar suas amigas, não quando não tenho interesse em nenhuma delas e meu corpo é simplesmente muito mais belo do que o de qualquer uma delas.

Encolheu os ombros.

—Ainda assim, fique longe do...!

—Você sabe o quanto sou belo, não sabe, Yukari? — interrompeu-a propositalmente, não querendo ouvir mais um sermão — Afinal teve que ficar me olhando por todo aquele tempo durante a aula de artes para me desenhar... A propósito eu gostei muito das orelhas de raposa que desenhou em mim, como posso dizer? Elas combinaram tão bem comigo...

Disse com uma risadinha, e ele não era o único a achar isso, pois no final da aula quando a professora pediu a todos que mostrassem os seus desenhos para o resto da turma, todos foram unânimes em concordar que as orelhas haviam caído bem em Ayakashi-chan, afinal ela era bonita como uma raposa... E Gintsune conseguiu corar adoravelmente com os elogios.

—Em compensação você desenha terrivelmente mal. — ela retrucou — O que eram aquelas coisas na minha cabeça que você fez?

—Suas tranças. — Gintsune respondeu sem se ofender. — Artes nunca foram o meu forte, essa era mais a paixão da minha...

—Yuki? — Kaoru-chan chamou saindo do vestiário. — Você não vai se trocar?

Gintsune virou-se para ver Kaoru-chan já em seu uniforme de Ed. Física: calças vermelhas de moletom, camisa branca de mangas curtas e tênis igualmente brancos.

E os cabelos ondulados, apesar de curtos estavam repartidos ao meio e presos dos dois lados na altura da nuca.

—Eu já estava indo Kaoru. — Yukari respondeu fechando a mão em torno do cotovelo de Gintsune e o puxando para o seu lado, afastando-o de Kaoru-chan na sequência. — Eu só estava dizendo a nossa colega que se ela está se sentindo mal não deveria fazer Ed. Física.

Kaoru-chan o olhou.

—Ayakashi-chan, você tem algum problema de saúde?

Gintsune acenou displicentemente com a mão.

—Não se preocupe Kaoru-chan, não é nada grave.

—Mas se você precisa de alguém para acompanhá-la até a enfermaria talvez eu possa...

—Não precisa Kaoru! — Yukari respondeu rapidamente.

Kaoru-chan ainda deteve-se por um momento, olhando brevemente de Yukari para Gintsune, e pareceu que diria alguma coisa, mas desistiu e acenando com a cabeça foi embora.

Gintsune a observou partir cabisbaixa e estalou a língua.

—Não acha que está negligenciando um pouco a tua amiga? — perguntou cruzando os braços. — Eu me lembro de uma vez que fiquei irritado porque já estava na vila há dias e o tengu nem sequer parara para me dizer um “oi”, porque estava muito ocupado com algum festival ou coisa assim... E depois ainda irritou-se comigo quando acordou de cabeça raspada. — encolheu os ombros — Bem, mas pelo menos assim ele arranjou tempo para falar comigo, ou gritar, tanto faz.

Yukari o largou e se colocou em sua frente, com as mãos nos quadris.

—Fique longe de Kaoru! — advertiu-o, embora ele não tivesse a mínima noção de como a linha de pensamento dela chegou àquilo — Entre todas, ela é aquela de quem você definitivamente deve manter mais distância!

—Ora... Não me desafie, Yukari. — ele sorriu lenta e provocativamente.

Com expressão séria Yukari sinalizou a ele que estava de olho e, entrando no vestiário alertou-o:

—Eu falo sério, raposa.

—Tudo bem. — ele respondeu, embora ela tivesse ido embora — Só não me culpe se um dia acorda com a cabeça lisa como um ovo.

Francamente agora ele até que gostaria de brincar um pouco com Kaoru-chan só para provocar Yukari, e ver o que ela poderia fazer — ou achava que poderia fazer — para impedi-lo, mas Kaoru-chan era tão doce e passiva, tão retraída... Tão pouco interessante, que simplesmente não valia a pena o esforço, especialmente agora que ele tinha coisa mais interessante para fazer.
...

A turma ainda estava fazendo os exercícios de alongamento antes das atividades físicas quando um dos garotos comentou:

—Ei, não é Ayakashi-chan quem vem ali?

Yukari, que ajudava Kaoru em seu alongamento, ergueu a cabeça surpresa e logo avistou a raposa acenando ao correr em direção a eles com os cabelos presos no alto em um rabo de cavalo por algo prateado cintilando entre os fios negros, e usando um uniforme de Ed. Física.

Céus, de quem ele tinha roubado aquilo agora?!

―Veja Yuki, parece que a Ayakashi-chan está se sentindo melhor hoje... ― Kaoru começou a dizer, até perceber que Yukari já não a estava mais ouvindo e começava a se afastar.

Ainda a chamou mais uma vez, mas Yukari nem pareceu a escutar, dirigindo-se diretamente á raposa e a agarrando pelo braço para puxá-la consigo.

―Muito bem! O que está aprontando agora? ― sibilou entre os dentes.

A raposa bateu palmas de forma animada.

―Yukari eu tive uma ideia incrível! ― afirmou entusiasmado, mal percebendo ou ligando para o tom de Yukari. ― Eu vou participar da aula de Ed. Física, assim a representante vai ver como sou habilidoso e não vai ter como recusar a minha inscrição para o dia esportivo!

Yukari arregalou os olhos.

―Você quer participar dos jogos?! Por quê?! Disse que era tedioso! ― acusou.

A raposa piscou.

―Isso foi antes de você me falar que havia prêmios!

Exasperada Yukari sacudiu a cabeça, fazendo suas tranças chicotearem de um lado para o outro.

―Não! ― disse ― O que eu disse...! Os prêmios nem sequer são de verdade! Não há nenhum valor neles, só um valor simbólico!

Ainda com as palmas das mãos unidas a raposa inclinou a cabeça levemente de lado.

―Simbólico? ― repetiu ― O que é simbólico?

― Simbólico é... ― Yukari atrapalhou-se.

Mas a raposa, que obviamente só podia ter algum tipo de problema de déficit de atenção, já não a estava mais escutando.

―Ah! ― exclamou erguendo o braço e acenando enquanto passava correndo por Yukari parecendo até que já havia se esquecido de sua existência ― Professor! Professor eu sou Ayaka Shiori e faço parte da turma também é um prazer conhecê-lo!

Yukari suspirou, ele era realmente incontrolável, ela só esperava que ele não arrumasse tantos problemas... Claro que suas esperanças foram por água abaixo menos de doze minutos depois quando, durante uma das voltas que a turma deveria dar em volta da pista de atletismo, Naruko Fuyuki, que corria uns poucos metros a frente de Yukari, perguntou:

―Para onde foi a Ayaka?

Inconscientemente Yukari já olhava para os lados, procurando pela raposa.

―Ela estava aqui ainda há pouco... ― Nishitake Keita respondeu também olhando em volta ― Não estava?

De repente Tadashi Emiko parou e apontou.

―Ali está ela. ― quando mais alguns alunos pararam de correr para olhar, inclusive Yukari, ela fez ema careta de desgosto e continuou ― Falando com os senpais do terceiro ano.

Yukari suspirou balançando a cabeça, o que ele estaria aprontando agora?

―Essa Ayaka sempre se faz de doce e inocente. ― comentou Naruko um pouco alto demais, para ter certeza que todos a ouviam, se juntando a Tadashi ― Mas na verdade é só uma manipuladora, convencida, olhe só como ela flerta com os senpais! Quer fazer todos os garotos comerem na sua mão...

Enquanto observava, Yukari teve a nítida impressão de ver a raposa lançar um olhar significativo àquelas duas, acompanhado de um minúsculo sorrisinho enquanto enrolava uma mecha de cabelo entre os dedos, embora não tivesse certeza se ele era ou não realmente capaz de ouvi-las daquela distância.

―Vejam como é cínica! ― Naruko exclamou revoltada.

Apesar de estarem falando a verdade havia qualquer coisa naquelas meninas que incomodava Yukari, talvez fosse a forma como se vestiam e comportavam e que faziam todos os seus comentários parecem extremamente hipócritas.

―Oi! Por que estão falando essas coisas da Ayakashi-chan? ― Nishitake, um dos garotos da classe, partiu em defesa da raposa.

Naruko e Tadashi o olharam com tédio, quase com desprezo.

―Só estamos dizendo a verdade. ― Tadashi Emiko respondeu.

―Baboseira! ― ele retorquiu sem nem pensar duas vezes ― Ayakashi-chan é bonita e simpática, não é nada do que vocês disseram!

―Você está apenas cego. ― Naruko cruzou os braços e virou o rosto de lado ― Como todos os garotos dessa escola, aliais.

―É verdade. ― Tadashi concordou, também cruzando os braços. ― Não vêem que ela está apenas manipulando vocês...

O que aquelas garotas diziam era verdade, a raposa realmente os estava manipulando e fazia tudo para se por no centro das atenções, mas ao mesmo tempo Yukari não sentia como se elas realmente pudessem enxergar aquilo...  Era mais como se falassem movidas puramente por inveja, e isso a incomodava.

E agora as atenções da classe ― que já havia parado por completo de correr ― estava focadas totalmente na discussão daquele trio, enquanto todos cochichavam entre si quem estava certo ou errado, a maioria parecia confiar na “integridade” de Ayaka Shiori, mas antes que alguém pudesse dizer mais alguma coisa o som de um apito ressoou em seus ouvidos.

―Turma! ― o professor gritou ao fundo, erguendo os braços ― O que houve? Eram cinco voltas, ainda faltam três!

―Desculpe professor, nós nos distraímos aqui! ― a representante gritou de volta e virando-se novamente para o resto da turma acenou com a mão para que continuassem correndo ― Vamos, vamos pessoal, circulando, ainda temos mais três voltas para...

―Oi! O que está acontecendo ali agora? ― uma das garotas da classe perguntou, chamando a atenção da turma novamente para o que se passava do outro lado da quadra.

Mas o que a raposa estava fazendo agora? Yukari franziu o cenho ao ver a maior parte dos senpais se afastando da raposa, deixando-o somente com um casal de senpais ao seu lado, um dos quais era justamente o presidente do clube de atletismo! Os três conversaram por alguns instantes e logo depois a raposa e o presidente abaixaram-se e se colocaram em posição de corrida, enquanto a garota posicionava-se a frente deles... Não... Seguramente ele não ia... A largada foi dada!

Uma exclamação de surpresa e admiração coletânea escapou de sua turma quando, já nos primeiros sete segundos, Ayaka Shiori já disparava com, pelo menos, três metros de vantagem contra o presidente do clube de atletismo.

Quatro! Cinco! Sete...!

Momentos depois, no silêncio estupefato que se seguiu à vitória da raposa ― que agora dava pulinhos animados na linha de chegada ― somente a representante falou:

―Ah... Então ela é realmente rápida como diz.

E ao olhar para ela e ver o sorriso estranho que tinha na face enquanto passava a mão lentamente pelo queixo Yukari suspirou.

Parece que ele estava nos jogos afinal.

***

Depois de terem limpado com meticuloso afinco todo o chão de tatame do dojo, quarenta e seis crianças tengus, todos com idades próximas entre si, se posicionaram enfileirados lado a lado em duas fileiras, uma de frente para a outra, ao longo das paredes do dojo, esperando pelo comando do professor... Ou melhor, quarenta e cinco crianças tengus e meia.

Akira sentia o desprezo de seus “irmãos” por sua metade humana, de ambos os seus lados os tengus mantinham uma distância maior que a necessária, e do outro lado da sala Koji — seu futuro adversário na aula — o encarava com evidente ódio, olhando-o de volta Akira ainda podia sentir o latejar e o sangue seco em volta da área já cicatrizada em sua asa de onde suas penas haviam sido arrancadas anteriormente, e pretendia devolver o favor agora.

—CURVEM-SE!

Hiiro-san gritou da ponta do salão, e os meninos todos se curvaram numa saudação.

—POSIÇÃO!

Gritou passando com as mãos juntas nas costas em meio às fileiras de garoto, e os quarenta e seis garotos, numa perfeita sincronia sacaram suas espadas de madeira, presas do lado esquerdo do quadril, e se posicionaram erguendo-as a sua frente e afastando o pé direito para trás, sem deixar, nem por um segundo sequer, de olhar nos olhos de seus adversários do outro lado do salão.

Todos esperaram com as respirações suspensas, em expectativa.

—UM! — Hiiro-san fazia o caminho de volta.

Quarenta e seis garotos afastaram o pé direito para o lado se abaixando e girando as espadas em arcos rentes ao chão, acertando um inimigo imaginário na altura dos tornozelos e o derrubando no chão.

—MORTE!

Num movimento rápido os garotos se ergueram, segurando com as duas mãos as espadas acima da cabeça e as baixaram, produzindo um alto estalo quando suas pontas “cravaram-se” no coração do inimigo imaginário.

Virando-se de volta no inicio do salão Hiiro-san olhou criticamente para os rostos de cada um dos pequenos ali, todos já conseguiam ocultar as cabeças de pássaro recobertas de penas negras, próprios da espécie em seu estado normal — embora uns sete ou nove preferissem não o fazer ―, mas mais da metade ali ainda não sabia como ocultar as asas, e em uma luta elas sempre podiam ser tanto uma vantagem quanto uma grande desvantagem.

—POSIÇÃO! ­— Ordenou e os meninos ergueram suas espadas e esperaram enquanto Hiiro-san passava entre eles, e somente ao chegar ao outro lado do salão ele gritou de costas: — DOIS!

As espadas rodopiaram, e seus cabos atingiram o estômago do inimigo imaginário, fazendo-o curvar-se para frente.

—MORTE!

Mais uma vez girando as espadas os garotos as ergueram, e então as desceram com uma violenta força que separou a cabeça do pescoço de seu inimigo imaginário.

 —POSIÇÃO!

Novamente as pontas de quarenta e seis espadas foram erguidas e esperaram, numa silenciosa tensão, pelo próximo comando, enquanto Hiiro-san virava-se e fazia o caminho de volta.

—TRÊS!

Quarenta e seis meninos puxaram o cotovelo direito para trás, posicionando a espada para um ataque direto, Hiiro-san parou e virou-se em sua posição original.

—MORTE! — veio o comando.

As pontas de quarenta e seis espadas de madeira foram projetadas para frente, em um golpe que atravessava o coração do inimigo.

—POSIÇÃO! — os meninos voltaram ás suas posições originais — DESCANSAR!

Com um único movimento rápido e limpo as espadas de madeira foram novamente guardadas.

—CURVEM-SE!

Os meninos curvaram-se numa saudação.

A boca de Hiiro-san curvou-se numa expressão desagradável, fazendo uma cicatriz que tinha próxima aos lábios, contornando desde a lateral de seu nariz até a ponta do queixo, enrugar-se.

—Muito lentos! É isso o que vocês são! — criticou — Numa luta de verdade já estariam todos mortos! Mortos!

Seus alunos ouviram resignados e eretos, sem tecer um comentário sequer, nunca seriam rápidos o bastante, pois sempre, em algum lugar, haveria alguém mais rápido que eles.

—NO CENTRO!

Akira sabia o que vinha a seguir — todos sabiam — era hora dos combates um contra um.

Nascidos e criados na vila tengu todos os outros garotos eram treinados em armas desde muito jovens e tinham horas de prática diária, por isso estavam muito a frente de Akira e seu irmão que em contrapartida treinavam na vila apenas por dez dias a cada quarenta, e Hiiro-san, que o odiava da mesma forma que todos os outros “irmãos” da vila, sempre o colocava para lutar contra o mais forte da turma, somente para que ele fosse surrado e provavelmente fazia o mesmo com seu irmão — por causa da diferença de idade Akira e Akihiko não faziam as aulas de prática juntos —, é claro, eles treinavam com o pai às vezes quando estavam em casa, mas não era um treino diário e tão pouco tão rigoroso quanto o treino dado na vila, e em todos esses anos de treino Akira só se lembrava de ter vencido por três vezes... E pretendia conseguir naquele dia a quarta vitória.

―CURVEM-SE! ― Hiiro-san gritou.

E todos os garotos curvaram-se, cumprimentando o adversário já com as mãos nos punhos das espadas, prontos para sacá-las, exceto o adversário de Akira, o menino rangeu os dentes e ferveu por dentro ao perceber que Koji não havia se curvado, e ao invés disso meramente inclinara a cabeça com uma feição repleta de desprezo e asco ― por acaso ele se considerava assim tão acima que nem sequer podia cumprimentá-lo adequadamente? ― Akira definitivamente lhe quebraria o nariz, isso só para começar.

―UM ― Hiiro-san gritou e observou os garotos a se encararem com as mãos nos punhos das espadas ― DOIS ― ele esperou e observou enquanto a tensão crescia cada vez mais, até que os nós dos dedos ficassem brancos em volta dos cabos de suas espadas, o silêncio tornou-se tão pesado que mesmo uma gota de suor caindo no chão poderia ser ouvida, deu um passo para trás, respirou fundo e gritou por fim ― TRÊS

Sua voz retumbou por todo o dojo, mas logo foi engolida pelo estrondo de dezenas de espadas de madeira se chocando simultaneamente.

Os garotos avançavam a frente ceifando os oponentes, e pulando para fora do alcance antes de atacarem com uma barragem de estocadas e cortes velozes, sentiam a leveza de suas espadas de madeira e sentiam nos dedos a vibração que vinha desde a ponta da espada, como se fosse a própria extensão de seus braços, enquanto Hiiro-san andava por entre os garotos, com as mãos unidas nas costas e emitindo pequenos grunhidos ― se de satisfação ou descontentamento era impossível saber.

Sempre que um garoto caia derrotado ou era desarmado, ele era imediatamente erguido por Hiiro-san e empurrado para o canto do dojo

―Basta, já o vi o suficiente moleque ― dizia com brusquidão.

E ao vencedor algumas tapinhas de aprovação nas costas, uma leve bagunçada nos cabelos e o comando para descansar.

Mas nada disso importava, pois a única luta a realmente importar ali naquele dojo para Akira era a sua própria.

Akira atacou primeiro, estava furioso, queria ensinar aquele tipo uma boa lição, uma que ele não fosse esquecer, pelo menos, nas próximas décadas, mas Koji desviou-lhe a espada com a ponta da sua própria, Akira voltou a avançar e Koji o bloqueou um, dois, três golpes! E quatro e cinco! Akira não daria a ele a chance de atacar! Definitivamente não daria! Seu sexto golpe também foi bloqueado pelo oponente, mas no sétimo Koji não apenas o bloqueou como também se esquivou, girando para o lado, desequilibrando Akira e, repentinamente indo parar ás suas costas, movendo a espada na vertical e acertando-o com uma força absurda na nuca, derrubando e fazendo seu crânio ressoar e estrelas dançarem em frente aos seus olhos, o salão girou, ele podia ouvir o sangue rugindo em seus ouvidos.

E de repente o outro garoto estava saltando sobre si, cortando o ar com a espada, e Akira quase não conseguiu agarrar-se a própria espada e girar para o lado rápido o bastante para escapar, quase foi pisoteado pelo par de garotos ao lado, mas evitou isto também, por uma fração de segundos ele detectou a espada inimiga descendo sobre si novamente e fechou as asas para proteger-se.

No instante seguinte uma cruel chuva de golpes recaiu sobre si, jogado no chão usando as asas como escudo Akira era atacado furiosamente pelo adversário que tinha o rosto já roxo de raiva, e aquela, normalmente, seria à hora para se intervir, Akira estava caído, derrotado, morto, a luta havia acabado, mas ninguém veio, e o garoto continuou a ser surrado ali.

Então Koji parou, arfando por um segundo, mas ainda assim por tempo o suficiente para a espada de Akira surgir de uma abertura por entre as asas e voar certeira com a ponta em direção a sua garganta jogando-o para trás e fazendo sua mão agarrar a garganta quando se engasgou com o próprio sangue a jorrar por sua boca.

Akira levantou-se com um salto, mas Koji ainda não estava derrotado, ele ergueu a espada e aparou o golpe, empurrando-o para trás na seqüência, Akira plantou o pé direito no chão e defendeu-se da melhor forma que pôde da nova leva de golpes que recaia dessa vez sobre sua clavícula, costelas e cabeça, as asas pesavam, a cabeça ressoava, o sangue rugia em seus ouvidos, um golpe em específico foi mal aparado e o tremor da ponta da espada espalhou-se até as pontas de seus dedos e subiu por ser ombros, fazendo-o trincar os dentes e os dedos afrouxarem-se formigando.

―Asas com penas tão negras quanto às de um corvo. ― silvou Koji ― Tão orgulhoso de si mesmo, pensa que só por isso pode passar-se por um tengu de verdade, mas nós sabemos o que você é mestiço, todos nós sabemos: é uma aberração!

A espada de madeira voou no braço de Akira fazendo-o largar sua própria arma com um grito de raiva quando o cotovelo virou-se num ângulo estranho a antinatural, e antes que ele pudesse recuperar-se do golpe a mesma espada que o atingira anteriormente acertou-o com o cabo na boca do estômago, fazendo-o curvar-se para frente e dando a oportunidade de seu adversário lhe aplicar o golpe final: um novo golpe na nuca que o fez desmontar-se no chão, caindo por cima do braço e soltando novamente um novo berro de dor.

E de repente Koji estava sobre si novamente erguendo a espada transtornado de fúria.

―PAREM! ― a voz de Hiiro-san ecoou tão alto pelas paredes daquele dojo que parou não só a luta de Akira e Koji, como também todas as outras ao redor, e Hiiro-san avançou furioso por entre os garotos, empurrando aqueles que não fossem espertos ou rápidos o suficiente para sair de seu caminho até, finalmente, alcançá-los e agarrar Koji pelo braço o puxando ― O que pensam que estão fazendo moleques?! Já estão mortos! Mortos não lutam! ― ele empurrou Koji que caiu sentado no chão ― Se aquela espada fosse verdadeira tinha lhe atravessando a garganta! Morto! AGORA SUMA DAQUI! ― assustado Koji recolheu sua espada e levantou-se correndo aos tropeções para o canto do dojo, e Hiiro-san voltou então sua fúria para Akira, ainda caído no chão ― E você moleque?! Morrestes umas mil vezes e isso só pelo que pude contar! Aquele golpe na nuca te arrancaria fora a cabeça! E o que foi aquilo? Usando as asas como escudo! Se aquilo fosse uma lâmina verdadeira elas teriam sido retalhadas! Você sabe o que é um tengu sem asas? ― Hiiro-san estava tão furioso que as veias em seu pescoço estavam todas saltadas ― Um tengu deverá perder seus braços e pernas antes de perder suas asas! ESCUTOU-ME?!

Akira contraiu o rosto e remoeu calado sobre aquilo, não bastasse o amargor da derrota fora Koji quem continuara o atacando mesmo ele já estando caído, agora tinha que levar o sermão por apenas ter-se defendido ― embora soubesse que errara ao usar suas asas como escudo.

Hiiro-san sacou a própria espada de treino e olhou ao redor.

―Ringue de batalha! ― à simples menção da ordem os garotos recolheram suas espadas e correram velozes e silenciosos se espalhando de maneira equidistante pelas bordas do salão retangular, colocando-se de volta em suas posições originais, Hiiro-san voltou-se novamente para Akira ― Saque a espada moleque.

O menino olhou-o surpreso.

―Mas acabastes de dizer que estou morto! ― respondeu.

―E está. ― Hiiro-san respondeu implacável ― E agora quero que saque a espada e lute direito.

Com o olhar endurecido o pequeno meio tengu fechou a mão em torno do cotovelo direito e o girou.

Houve um estalo nauseante, e com certeza doloroso quando o cotovelo voltou ao lugar, mas Akira não se permitiria chorar, e seu olhar continuou firme em Hiiro-san ― seria satisfação aquele brilho estranho em seus olhos vermelhos? ― quando pegou a espada ainda caída ao seu lado.

―Muito bem então. ― concordou.

O braço estava latejando com uma dor aguda desde o cotovelo até o pulso, e os dedos estavam rígidos e não lhe respondiam direito, ele certamente levaria uma surra, e sabia disso, mas ainda assim não recuaria, Hiiro-san acenou com a cabeça e afastou-se um passo para trás colocando-se em posição a espera do garoto, mas quando Akira tentou levantar-se uma forte fisgada de dor o pegou desde o tornozelo esquerdo e o derrubou de volta ao chão.

―O que houve? ― Hiiro-san instigou ― Levante-se!

Mas em lugar de obedecer, o garoto agarrou o próprio tornozelo.

―É meu pé, acho que o lesionei. ― avisou.

―Eu disse... ― rosnou Hiiro-san ― Levante-se!

Sua resposta dessa vez foi um olhar desafiante de Akira, que segurava a espada com tamanha força que os nós dos dedos já se tornavam brancos em volta do cabo, porém ainda assim não havia maneira daquele menino erguer-se novamente, não era como o cotovelo, ele não estava deslocado, não podia simplesmente pô-lo de volta no lugar.

―Eu disse...! ― Hiiro-san ergueu a espada acima da cabeça ― LEVANTE-SE!

A espada do tengu branco desceu sobre o mais jovem que, num ultimo segundo, desviou o olhar fechando os olhos e erguendo o braço ainda intacto para proteger-se.

A espada de Hiiro-san caiu sobre Akira.

O som da pancada explodiu varrendo o salão... Mas o menino nada sentiu.

Confuso, Akira abriu os olhos e deparou-se com o pai de pé ali, o braço esquerdo, com o qual ele aparara o golpe, ainda estendido.

―Penso que este treinamento há de ter chegado ao fim. ― disse Satoshi com voz entediada, quase inexpressiva.

―Satoshi saia da frente. ― Hiiro rosnou.

Satoshi suspirou.

―Queira perdoar-me irmão maior, mas isso não será possível. ― ele calmamente sacou a espada ― Pois levarei o garoto, mesmo que pela espada se assim for necessário.

Hiiro trincou os dentes e afastou-se, colocando-se em posição, a expressão de Satoshi era de lamuria ou tédio ― era difícil dizer ―, mas ainda assim ele colocou-se em posição.

Os dois inclinaram a cabeça, cumprimentando um ao outro.

E atacaram!

As espadas chocaram-se, Hiiro empurrou Satoshi para trás que voltou a atacar, mas foi bloqueado e desviado para o lado, o tengu rebelde se afastou alguns passos para o lado, com a espada novamente em guarda esperando o ataque do branco, que não demorou a vir.

Hiiro girou o corpo ceifando com a espada na horizontal, Satoshi bloqueou o movimento da espada, mas o corpo de Hiiro continuou a girar e num salto ele o atingiu nas costelas, afastando o rebelde metros para o lado, que se curvou com a mão no local atingido, mas antes que tivesse tempo de registrar a dor adequadamente o tengu branco voltou a cair sobre si e ele ergueu a espada, desviando a espada inimiga no último instante, mas Hiiro era experiente demais, ele agarrou seu punho e o puxou para frente girando ao longo do comprimento de seu braço e o acertando com o cotovelo no nariz.

O rosto de Satoshi foi jogado para trás e seu corpo empurrado, mas ele voltou a atacar, correndo a frente com a espada em punho, as espadas cruzaram duas! Três vezes! Antes que eles voltassem a se separar e então atacassem um ao outro novamente, Satoshi girou o corpo, ceifando com a espada na horizontal da mesma forma que Hiiro fizera antes, mas o adversário jogou o corpo para trás esquivando-se, ainda na seqüência do giro Satoshi abaixou-se, esticando a perna pronto a dar uma rasteira no tengu branco, mas ele saltou agilmente para trás.

Os dois pararam por um momento, encarando um ao outro, Satoshi secou com as costas da mão o sangue que lhe escorria do nariz, o rosto de Hiiro era como uma máscara de desprezo talhado em pedra.

Satoshi partiu ao ataque, dessa vez quando Hiiro o bloqueou não foi tão fácil empurrá-lo, e de repente Satoshi retirou-se, desequilibrando o inimigo para frente por uma fração de segundos, ao mesmo tempo em que ele baixava o corpo girando e erguendo-se às costas de Hiiro o atingindo na clavícula esquerda.

O tengu branco girou furioso, com a espada em punho, mas Satoshi o bloqueou e então o chutou no estômago com a planta do pé empurrando-o para trás, Satoshi avançou, erguendo a espada pronto a partir-lhe o crânio, mas foi bloqueado quando Hiiro ergueu a espada acima da cabeça, caindo sobre um joelho, a força do impacto os fez trincarem os dentes.

Satoshi saltou para trás e Hiiro o perseguiu, chocando suas espadas novamente, duas! Quatro vezes! Num duelo de forças as espadas cruzaram-se forçando uma a outra por um milésimo de segundo até que o rebelde empurrou o mais velho para trás e saltou para frente erguendo o punho e o acertando no queixo, arrancando-lhe sangue ali e saltando novamente para trás antes que Hiiro pudesse reagir.

Hiiro avançou com a espada erguida e Satoshi o confrontou, porém o mais jovem jogou-se ao chão, deslizando sobre um joelho e erguendo a espada como uma lança sobre a cabeça.

―Morto. ― sentenciou sombriamente quando a ponta da espada atingiu com uma pancada surda o peito à altura do coração de Hiiro, que ainda tinha a espada erguida acima da cabeça num golpe nunca completado.

Hiiro baixou a espada e a guardou assumindo a derrota, Satoshi ergueu-se também guardando a espada, ambos encararam-se frente a frente por alguns segundos antes de curvarem-se um ao outro.

Voltando para o filho ainda caído Satoshi girou dando-lhe as costas e caiu sobre um dos joelhos a sua frente.

―Vamos Akira. ― chamou ― Suba.

Akira olhou para as costas do pai, franzindo o rosto de tensão, mas não fez nenhum movimento para aproximar-se, ao sentir a hesitação do garoto Satoshi acrescentou:

―Nunca houve, nem haverá, vergonha em um tengu carregar um companheiro ferido. Que caiu dignamente em batalha.

Embora ainda com o rosto contraído o menino aproximou-se relutante e agarrou aos ombros do pai para subir em suas costas, ele não precisava olhar para trás para tomar consciência dos olhares de ódio e menosprezo que lhes eram dirigidos, não apenas enquanto saiam do dojo como também enquanto atravessam a vila, mas fez o possível para ignorá-los enquanto o pai o carregava com estóica resignação para longe dali e floresta adentro.

Foi só quando chegaram à clareira do poço abandonado ― e que já estava abandonado desde muito antes de Satoshi nascer ― e ele baixou o filho para sentar-se sobre a borda do poço foi que ele permitiu-se desabar, caindo de quatro no chão, inclinando a cabeça como se prestes a vomitar.

―Eu achei que fosse morrer...! ― ofegou, realmente parecendo que vomitaria a qualquer instante.

Akira passou a mão em sua cabeça.

―Pronto, pronto, já passou. ― disse.

Ainda com ânsias de vômito Satoshi permaneceu de cabeça baixa passando mal, antes de finalmente erguer-la.

―Sinto muito por ter que ver-me assim. ― ele sentou-se se jogando para trás e apoiando as costas no poço, olhando insatisfeito com o cenho franzido para a mão que ainda tremia ― Bem sei que tu e teu irmão deveis odiar ter um pai tão fraco quanto eu, e também que me devem odiar por trazê-los repetidas vezes a este lugar, e não vos tiro esse direito.

 ―Todos aqui nos odeiam e nos tratam mal e nós os odiamos de volta. ― Akira respondeu sem preâmbulos ― Mas Akihiko e eu somos meio youkais então aonde quer que nós formos não seremos mais bem tratados do que aqui, por isso é melhor que aprendamos a nos proteger e nos tornemos forte se quisermos sobreviver... E também não acreditamos que o senhor seja fraco, temos orgulho, pois somos os filhos do mais forte entre os tengus. Gintsune-Sama nos disse.

Satoshi olhou com surpresa para o filho.

―Aquele patife realmente disse algo desse tipo?

Akira confirmou orgulhoso:

―Claro que disse. Porque o senhor cresceu sendo duramente espancado e maltratado, mas não se tornou cruel e violento como os outros tengus, ao invés disso é gentil e paciente e conseguir conservar tamanha bondade em um ambiente hostil como esse sem nunca deixar-se quebrar só é prova da sua incrível força! Por isso que és o mais forte dos tengus!

Aquilo realmente surpreendeu Satoshi, desde que o conhecia Gintsune sempre fora um trapaceiro de sorrisos ardilosos, mas se ele realmente havia dito algo como aquilo aos seus filhos, então talvez ele não fosse tão cretino assim.

―Mas Gintsune-sama também gosta de estar sempre dizendo o quanto o senhor é ridiculamente fácil de enganar e por isso muito divertido. ― Akira completou.

Oh certo, pensou o tengu consigo mesmo, esqueça tudo, no final das contas a raposa era sim tão somente um canalha!

―Deixando a este bandido de lado. ― suspirou dobrando a perna e apoiando o braço sobre o joelho deitando a cabeça para trás sobre a borda do poço para poder olhar o filho de lado ― Como está seu braço?

Akira dobrou e esticou o braço direito flexionando os dedos para testá-los.

―Os dedos ainda estão meio rígidos e tem uma dor aguda descendo desde o cotovelo até o pulso, mas deve estar bem até o anoitecer ou amanhã de manhã, as minhas asas é que pesam como se tivessem rochedos sobre elas...

―Também atacaram vossas asas?

―Eu as usei como escudo durante o treino. ― admitiu a contra gosto ― E antes disso Koji cercou-me e arrancou-me um punhado de penas com um puxão.

―Isso é mau, te irritastes?

Akira franziu o cenho.

―É claro.

―Quis vingar-se?

―É claro.

Satoshi ergueu a cabeça balançando-a.

―Isso é mau.

Akira fechou a expressão de forma apreensiva.

―Sinto muito se ainda sou tão fraco a ponto...

―Não isto. ― Satoshi interrompeu ― É que se está dizendo que te irritastes e quis vingar-se então provavelmente perdeste o controle no treino, isto é mau, numa luta deve sempre manter-se o controle do contrário é vantagem para teu oponente, eu estava apavorado na luta contra Hiiro-san e ele certamente tinha sede de sangue, mas nenhum de nós dois se descontrolou.

―Entendi. ― Akira fechou o punho com firmeza.

―Bem, bem, deixa estar que agora necessito ver a teu calcanhar, também o contundiu, não é?  ― Satoshi descartou já se posicionando em frente ao filho apoiado sobre um joelho para avalia-lhe o tornozelo ― Isto não parece bom... Sinto muito por ter demorado, mas é que primeiro passei para ver Akihiko antes de ir ver-te, eles sempre tentam deixar tu e ele o mais distante possível um do outro e a mim bem longe dos dois para que eu não possa atrapalhar.

―Uma estratégia pouco eficaz, já que nunca dá certo. ― o garoto comentou ao mesmo tempo em que tentava controlar uma expressão de dor enquanto o pai examinava-lhe o pé.

―De fato, mas por sorte eles o colocaram nas cozinhas dessa vez, ele só estava descascando batatas e lavando legumes e essas coisas, nada do que vocês já não fazem em casa então ele ficará bem, desde que façam o serviço direito eles não têm oportunidade para maltratar vocês, e no que diz respeito a tecer, costurar, limpar, lavar, cozinhar e afins sua mãe e eu os ensinamos muito bem... ― Satoshi fez uma careta ― E ainda assim não me deixam ensinar aqui, dizem que não sirvo para isso porque sou fraco demais. 

―O pior sempre são as aulas de combate, especialmente de espadas. ― o garoto admitiu com uma careta.

―Quanto a isto devo admitir que não tenho a força para ensiná-los adequadamente, pois sou incapaz de atacá-los seriamente. ― ele levantou-se dando duas tapinhas do pé de Akira, que se contraiu ― Mas este pé está mesmo ruim, e sua regeneração é consideravelmente mais lenta por causa de sua parte humana, então não poderá pisar por um ou dois dias eu acho.

―Então acho que terei de cortar o pé fora, porque somente assim para me deixarem descansá-lo por uns dois dias estando aqui. ― o garoto respondeu carrancudo.

―Tem razão... ― Satoshi passou a mão sobre o queixo de forma pensativa ― Então por agora façamos assim: neste momento eu deveria estar pegando o turno vespertino para ficar de guarda nos portões da vila, desta vez pode vir comigo. ― de costas em frente ao filho ele abaixou-se ― De qualquer forma é de consenso geral que os mais novos devem aprender desde cedo a vigiar nossos portões.

―Hum... Sei, e o outro guarda vai aceitar assim tão facilmente? ― Akira perguntou já montando em suas costas.

Satoshi levantou-se.

―Tem razão, é melhor passarmos no arsenal antes e pegarmos uma lança só para garantir. ― comentou, fazendo o filho rir.

―Ah, e deveríamos passar nas cozinhas para buscar Akihiko também. ― acrescentou.

Afinal embora seu irmão estivesse seguro por agora, nada garantiria quanto a mais tarde.

—Acha que ele pode ajudar? ― Satoshi perguntou de volta, demonstrando um traço de bom humor raro aos tengus, mas talvez a isso pudesse culpar a sua longa exposição à raposa prateada ― Mas tem razão, vamos pegá-lo no caminho.

Akira concordou, abraçando ao pescoço do pai.

―Escuta pai. ― chamou.

―O que?

―Por onde acha que anda Gintsune-Sama?

―Não tenho nem idéia. ― respondeu depois de pensar por um momento ― Mas certamente está infernizando a vida de alguém por aí.

***

Yukari acordou ao receber um golpe no estômago e o fôlego escapou-lhe com a mesma brusquidão que os olhos abriram-se, quando a raposa a jogou descuidadamente sobre os ombros.

―O que está acontecendo? ― irritou-se socando as costas dele.

―Oh! Você está acordada! ― a raposa comentou alegremente.

―Agora estou! ― ela voltou a socar-lhe as costas ― O que você está fazendo?!

―Oi! Pare de se debater!

Ele exclamou quando ela começou a sacudir as pernas e empurrá-lo, até que por fim ele a soltou e a deixou cair sentada de volta em sua cama.

―Por acaso estava tentando me sequestrar?!

A raposa cruzou os braços e virou a cara.

―Besteira! Eu só queria te mostrar algo!

―Arrancando-me da cama e jogando-me sobre os ombros como um saco de batatas no meio da madrugada? ― perguntou com uma careta.

Ele a olhou.

―Oh desculpe, prefere que eu te carregue como a uma princesa? ― estendeu os braços.

―Não me carregue de forma alguma! É duas da manhã seu maluco! ― brigou tentando chutar-lhe o estômago para afastá-lo.

Mas ele agarrou-lhe o tornozelo.

―Vamos Yukari! Vai ser divertido!

―Não! Eu já disse! Me solta! ― protestou sendo arrastada. ― São duas da manhã!

―Por que você fica repetindo isso? Eu já ouvi. ― ele respondeu ignorando seus protestos e a jogando novamente sobre o ombro.

E ainda sob os protestos dela ele a carregou até a janela, a qual abriu para em seguida sair por ali, fazendo Yukari por reflexo imediatamente agarrar-se o melhor que podia às suas costas.

―Não grite. ― ele pediu.

―Não...?

Emitiu uma exclamação surpresa quando de repente a raposa a girou pondo-a debaixo do braço, como se ela pesasse menos até que uma boneca de pano, e antes que ela se desse conta do que acontecia ele tapou sua boca com a mão.

―Hum! ― protestou. ― Hum!

Certificando-se de que a boca dela estava devidamente tampada a raposa dobrou levemente os joelhos e então... Saltou!

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Esse foi um dos capítulos mais difíceis que já escrevi até agora, porque não tenho muito experiência com cenas de ação ou luta, então espero realmente que tenha ficado bom, pelo menos para mim pareceu bom enquanto escrevia.
E para onde será que Gintsune levou Yukari?
Por favor, se leu até aqui diga-me o que achou.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Lenda da Raposa de Higanbana" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.