Tudo Morre - Rabum Alal escrita por Shalashaska


Capítulo 3
Wardum Uggae




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Escravos do Deus da Morte

 

Ela urrou mais uma vez, encontrando forças para mover seu corpo e se desvencilhar do inimigo. Seus pés encostaram no chão, seus braços arremessaram a máquina para longe. Ela pode enfim respirar. Então era isso? A Cisne considerou a traição precoce e mal calculada. Ainda assim, era de justiça poética e dentro do esperado ao príncipe. Ele se mantinha contra os métodos de seus companheiros, era opositor do sangue em excesso, e fazia sentido eliminar a Cabal. Ele a iniciou, ele a encerraria. Um ciclo completo. No entanto, aquele seu truque, sua mentira e traição, não tinha chegado ao fim - ou então, teria simplesmente dado errado.

Uma silhueta descia o horizonte tal qual uma estrela cadente.

Cisne Negro se manteve de pé e observou o corpo de Namor cruzar o céu azul, caindo metros a frente de onde estava com um impacto doloroso. O som da batalha já havia acabado, apenas Próxima ainda retirava sua lança dos últimos adversários. As carcaças das máquinas jaziam acumuladas no terreno rochoso daquele planeta, alguns com tentando se levantar com espasmos elétricos. A Cabal se reuniu.

— Aquele é Namor. — Apontou, indicando o local aos companheiros. Thanos seguiu sua orientação com o olhar, sua face inexpressiva. — Eu o vi sair, voar, no meio da batalha.

— Ele fugiu?

— Eu não disse isso, Terrax. — Ela respondeu com cautela. Não era sua intenção defendê-lo, mas se ele ainda estava vivo… Tinha curiosidade de assisti-lo se enrolar em mais mentiras. Ou então ser apunhalado sozinho pela dura verdade. Duvidava que sua traição saísse barata para os integrantes da Cabal. — Eu não sei, eu o perdi de vista quando…

— É claro que ele fugiu! — Proxima fincou a lança num corpo a sua frente, irritada. — Ele tem esperado pelo momento certo. É um covarde, um fugitivo!

— Eu poderia perguntar, meu lorde. Se o desejar.

— Sim, Corvus. — Thanos assentiu. — Pergunte.

O grupo seguiu caminho, Corvus Glaive à frente. Ele chamou pelo nome de Namor, verificando se ele estava consciente. Demorou alguns segundos, mas o príncipe levantou-se do chão, tirando seu rosto da rocha e permanecendo de joelhos. Seu rosto estava abatido, seu olhar injetado de fúria. Ele nada disse.

— Não foi uma queda curta, príncipe, mas eu já o vi aguentar muito mais sem um único arranhão. — Corvus começou, sua voz rouca e agourenta. — Então por que sinto cheiro de sangue em você, Namor? O que houve quando fugiu?

— Eu não fugi. E não respondo à você.

Uma figura maior interveio na conversa. Thanos.

— Então responda a mim.

Seguiu-se um momento de breve silêncio, depois ele se levantou. Cisne observou seus punhos cerrados.

— Eu… Eu… — Namor encarou-a de soslaio, engoliu seco. Voltou seus olhos a Thanos. A telepatia da Cisne Negro não era suficiente para escutar pensamentos inteiros ou revirar lembranças, mas ela viu a perfídia se acumular na língua dele enquanto traição escorria junto ao sangue de seu ferimento no tórax. Ele os traiu e os sentenciou à morte, ela sabia disso. No entanto, algo dizia que alguém lá em cima havia o traído também. Namor, por sua vez, parecia captar sua compreensão. Talvez esperasse que ela o entregasse.— Eu vi. Eu vi algo no céu. Ali.

Ergueu o braço, indicou um ponto alaranjado no céu. Estava distante e parecia um satélite. Uma parede translúcida de energia cobria o horizonte que os separava da Terra, trazendo a cor laranja numa longa faixa que se estendia por quilômetros. Ela quase podia dizer que a cena era bela, porém aquele manto de energia no espaço tremulava em tons agourentos. Era uma barreira, uma gaiola. E bomba ainda estava ali, para trás.

— E eu saí para checar o que era e agora eu sei do que se trata. É algum tipo de gerador de escudo. Impenetrável. E é por isso que me feri. Tentei passar por ela e não consegui. — Uma pausa. Parecia fazer força para concluir o pensamento e a dor dele poderia a fazer rir se o momento fosse mais apropriado. Ela não o interrompeu, porém.— Deve ser trabalho de T’Challa, Richards e os outros. Eles nos prenderam aqui para morrer junto com esse mundo.

Mais uma vez os olhos da Cisne e de Namor se encontraram. O modo que a voz dele havia hesitado, somado ao que ela tinha vislumbrado com sua telepatia, eram respostas o suficiente. Os Illuminati tinham dado seu troco. T’Challa conseguiu sua vingança por tudo o que Namor fizera em Wakanda no passado. Ela entendia tudo, embora isso também significasse que todos ali morreriam. Se manteve resoluta, aguardando cada um deles absorverem a verdade dita por mentiras e a ideia de uma morte próxima.

Eles aceitaram a trapaça. Consideravam o príncipe mais fraco do que estúpido para tentar traí-los, portanto acreditaram que ele inocentemente se ausentou para ver o satélite no céu. A Cisne assentiu, como se também concordasse. Na verdade, pensava sobre como Namor tinha usado sua própria desvantagem ao seu favor e ela teve, mais uma vez, a confirmação de que ele era capaz de qualquer coisa para salvar seu povo: Matar mundos. Se aliar a monstros. Traí-los. Humilhar-se.

Sim, Namor era um homem testado por Rabum Alal e afiado por ela. Ele sabia que não era nada frente ao inevitável fim, disposto a se anular ainda mais para garantir a sobrevivência de um povo muitas vezes ingrato. Não era herói e não tinha anseios de se tornar maestro naquele jogo entre universos, um deus. A Cisne enxergou certa sabedoria naquela conclusão nefasta.

— Meu machado pode dividir átomos. — Terrax mostrou sua arma. — Eu cortarei esse escudo.

— Não, isso é uma armadilha. Uma bem arquitetada. Força bruta não irá vencer astúcia nesse instante…. — Thanos ponderou. — É necessário algo mais. Namor, quanto tempo até a colisão dos mundos?

— Não importa! Eles vão acionar essa bomba antimatéria, eu sei que eles irão detoná-la assim que quiserem! Então não temos… — Ele próprio cortou sua frase, encarando a palma de sua mão. O dispositivo, que nada mais era do que um temporizador de Incursões, abriu uma segunda contagem de tempo. O céu começou a se tingir de vermelho. — Deuses. O que é isso?

A Cisne Negro encarou o céu. Do lado oposto da Terra, um planeta tingido por carmesim abria uma janela para outra realidade.

— Sinmtum Tapputu. — A Cisne declarou, abismada. Aquele era um acontecimento raro. — Uma dádiva de Rabum Alal. Uma segunda Incursão está acontecendo à este mundo.

— Se nós conseguirmos chegar até lá, será nossa saída daqui. E então encontramos um caminho para nossa Terra e tiramos a pele daqueles covardes!

A opinião de Proxima Meia Noite pareceu ser um consenso entre o grupo, pois a morte era a outra alternativa. Maximus digitou em um pequeno painel holográfico em seu punho, o qual exibia números e gráficos com a rota de colisão dos planetas.

— Encontrei. É longe, seiscentos quilômetros. Precisamos nos apressar.

O grupo se virou à Cisne Negro, que em resposta fez o era esperado dela: Envolveu todos os integrantes da Cabal em esferas de energia psionica, levitando-os para cima o mais rápido que podia, para longe do planeta morto e da explosão iminente. Uma esfera para ela, uma para Namor, uma última maior para Thanos, Proxima, Terrax, Corvus Glaive e Maximus.

Eles não passavam de bolhas flutuando para fora de um mundo seco e fadado a morte, já entre o limiar entre o azul da Sidera Maris e o vermelho de um julgamento justo de Rabum Alal. Algo dentro da Cisne Negro a alertava que a explosão estava próxima, embora estivessem apenas no meio do caminho para o outro planeta. Era uma sensação gélida em seu tórax, um arrepio em sua coluna. Tinha visto aquilo acontecer tantas vezes que seu coração já entendia quando estava muito perto da morte.

E então começou.

Não houve som, pois estavam no espaço e o vácuo aquietava seus piores desesperos. O mundo atrás deles se fragmentou em luz e calor, seu impacto infernal aproximando-se tal qual uma onda. Através da parede opaca de sua barreira psionica, Cisne Negro enxergou o rosto tenso de Namor e ele a encarou de volta.

Durou uma fração de segundo e era como se eles, de fato, não fossem mais do que bolhas frágeis no ar. Vulneráveis, prestes a serem tocados e estourarem. Ela entendia que não havia forma segura de se concentrar em seu poder e manter a proteção em todos eles. Não, isso requeriria mais do que suas capacidades. Com um gesto vago de sua mão, a Cisne desfez a esfera de energia ao redor de Thanos e os outros e fortaleceu as demais barreiras, dela e de Namor Os cinco corpos de seus companheiros pairaram sem rumo ou segurança no espaço.

Ela pôde ver suas expressões se torcerem em gritos, em fúria, em descrença. Proxima até tacou sua lança. Namor arregalou os olhos, esperando o instante em que o mesmo aconteceria com ele. Traição.

— Ana sintim alaku. — Ela falou docemente, ciente de que ninguém poderia ouvir seus dizeres em sua língua materna. Vá até o seu destino. Em outras palavras... Morra.

E então tudo foi consumido pelo fogo.

A Cisne acordou com o rosto colado no solo, seu corpo pesado. Havia água. Olhou ao seu redor, um tanto confusa. Era a beira de um riacho, havia o verde da vegetação. Mesmo com sua visão ainda desfocada, não enxergava o brilho azulado da Sidera Maris. A Incursão tinha se passado e ela mais uma vez sobreviveu a mais uma temporada, graças a bênção de Rabum Alal. Estava no outro mundo, inteira. A esfera de energia havia lhe protegido da explosão, impulsionada pelo impacto até a atmosfera do outro planeta. Tentando se reerguer, ela ouviu uma voz perto de si.

— O que foi aquilo? — Reconheceu a voz de Namor e a acusação de suas palavras. — Que inferno você fez?

Ela riu, tossindo a água que havia inspirado enquanto estava desacordada. Puxou o ar com a boca, gargalhou e tossiu de forma aguda, histérica, insana. Namor não a interrompeu, chocado com a reação da Cisne Negro.

— Isso é um teste?

— Está chocado, príncipe? — Ela perguntou de volta, sentando-se com os joelhos ainda imersos no riacho. Suas pernas estavam fracas e ela não se levantaria naquele momento. — Prefere morrer?

— Eu traí a Cabal. Você ia morrer pelas minhas mãos. Todos vocês.

Namor engoliu seco. Ele estava um pouco melhor do que ela, mas não muito. O ferimento em seu tórax estava aberto, havia cortes e hematomas ao longo de sua pele. Ainda assim, conseguia manter-se de pé.

— Eu sei disso. Sei que nos traiu e sei que alguém o traiu de volta. Foi provavelmente T’Challa, um desafeto seu, que pôs uma lâmina no seu peito antes de te mandar de volta para morte. Por que está me contando como se eu não soubesse?

— Então por que? — Ele deu mais um passo para frente, pânico e confusão em seus olhos. Encarava-a sem entender se enxergava sua salvadora ou se via um monstro capaz de trair alianças, destruir mundos, matar sem hesitação. A verdade era mais afiada, pois ela era cada faceta daquela realidade distorcida. — Por que optou por mim e não por eles?

— Por que, por que, por que… — Ela desdenhou. — É sempre essa a questão? Quando estão prestes a morrer, se perguntam o por quê. Se estão vivos, se perguntam a mesma coisa. Patético.

— Não me teste, Cisne! — Ele se aproximou, dando passos duros no riacho. Tinha ânsia de agredi-la. — Você não é tola, sei que tem algo em mente. Por que eu?

Ela se endireitou, deu de ombros. Estava cansada e a gritaria de Namor lhe irritava.

— Você nunca foi herói, Namor. Nem demônio. É um homem que faz o necessário, ainda que saiba que o fim está chegando. Você não se considera um deus, o próprio ceifador. Não, não. Assim como eu, sabe que você não é nada e, assim como eu, também não irá se render docemente. Eu não sei dizer ao certo as consequências da nossa vinda à este mundo estranho. — Ela fez um gesto vago, indicando a vegetação. — Eventualmente essa realidade irá colidir com a sua Terra natal e você terá que se decidir. Aqui, ou eles. Seus compatriotas que lhe descartaram. A roda é implacável e ainda está girando.

Ele fez uma expressão de asco.

— O que você diz beira o profano. É amoral, sujo.

A Cisne não pegou o ataque verbal para o lado pessoal. Namor estivera muito próximo da morte, suas emoções agitaram-se aos limites da razão. Sobrara um pouco de aversão nele sobre todo o passado da Cisne, o que ela tinha feito ou deixado de fazer. Destruir mundos era algo inconcebível e imensurável, ainda assim os dois cometeram tal pecado e poderiam repeti-lo inúmeras vezes sem hesitar.

— Sim. Assim como você. Veja, príncipe… Eu vou viver. E vou ver o final de tudo. Falta pouco para a fome de Rabum Alal ser saciada e o multiverso se resumir a um, e então à nada. E algo me diz que você deseja ver também.

Os ombros tensos de Namor se aquietar e ele se sentou ao seu lado.

— Eu vou viver. — Ele suspirou, repetindo a frase dela. — Os deuses tem pena do que ficar no meu caminho.

Silêncio.

— E por que não eles? Digo… Thanos, e… Terrax, Glaive. Proxima e Maximus.

A Cisne compreendeu o questionamento. Conservar a aliança deles parecia mais sábio, pois eles eram quase deuses, ou desejavam ser. Namor, por mais excepcional que fosse, ainda era somente um homem. Um atlante fora de seu reino. Por que não salvar Thanos e os outros? Os dois trocaram um olhar breve e logo veio a simples resposta:

— Eu não gostava muito deles.

Dito isso, ela encarou o céu. Sabia que suas palavras perturbavam o príncipe, pois seu motivo era pouco e parvo em comparação a outras questões do universo, embora verdadeiro também. Ela, de fato, não gostava muito deles. Não ligou para que Namor pudesse pensar, já que não importava. Seus olhos vazios permaneceram fixos no horizonte, esperando o brilho vermelho ou azul de uma nova Incursão.

Esperando o fim.


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Notas finais do capítulo

*Eu não sei se vou escrever mais deles, mas foi bem divertido. Quero levar a palavra da Cisne Negro ao mundo hahaha Sério, adoro essa personagem tão esquecida. Espero que tenham gostado e, se possível, deixem comentários ao fim do capítulo. Não precisa ser nada muito elaborado e me deixaria muito feliz!