Vila Baunilha escrita por Metal_Will


Capítulo 27
Garoto de entregas


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo. Boa leitura! :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/775280/chapter/27

Um dos aspectos mais admiráveis do ser humano é sua capacidade de não desistir. Por outro lado, talvez um de seus maiores defeitos seja não saber a hora de desistir. É meio difícil de definir onde Luciano se encaixa entre essa virtude ou esse defeito, especialmente naquela tarde em sua casa, mais uma tarde em que, mais uma vez, ele tentava tirar algo minimamente audível de seu violão.

—Eu prefiro seeer...essa metamorfooose ambulaaanteee! - cantava Luciano em sua performance peculiar de Raul Seixas. Infelizmente, sua canção foi interrompida por Abílio, pai do garoto, invadindo o quarto do rapaz.

—Chega! Não aguento mais! - reclamou o pai.

—O que foi, pai? - perguntou Luciano - Aconteceu alguma coisa?

—Essa sua cantoria dia e noite! - respondeu Abílio - Não aguento mais isso! Você precisa parar!

—Qual é, pai? Preciso praticar. Como darei um show na lanchonete sem treino?

—Você já tá tocando essa porcaria há umas duas semanas e nem sinal de melhorar nada! Pelo contrário, acho que você tá tocando cada vez pior!

—O que você entende de música? - reclamou Luciano.

—Não sei nada de música, mas sei que se machuca os ouvidos não deve ser música! - retrucou Abílio - Moleque! Você não tem nenhum talento para música! Coloca isso na sua cabeça!

Luciano recebeu aquela crítica com dor no coração.

—Achei que pelo menos meu próprio pai poderia me apoiar… - resmungou Luciano.

—Os pais apoiam os filhos onde eles têm um mínimo de chance - rebateu Abílio.

—Só preciso praticar um pouco mais. O seu problema é que você não tem paciência - disse Luciano.

—Falta muito pouco para eu quebrar esse violão na sua cabeça - reclamou Abílio.

—Acho que vou trabalhar melhor com motivação - disse Luciano, mais para si mesmo do que para seu pai - Já sei! Vamos deixar o primeiro show na lanchonete marcado!

—O quê? Quer mesmo espantar os poucos clientes que temos? Você não tem dó mesmo do seu velho, não é? Quer que eu vá à falência de um dia para a noite mesmo?

—Deixa de drama - respondeu Luciano - Nossa clientela nem mudou tanto assim.

—A nossa sorte é que os Montecarlo só funcionam para o almoço - reclamou Abílio - E nossos clientes nesse horário já diminuíram. Precisamos pensar em um outro jeito de expulsar aqueles ladrões de clientes daqui logo.

—Ladrões de clientes? Só porque a comida deles é melhor que a nossa?

—Você entendeu o que eu quis dizer! - reclamou Abílio.

—Confia em mim, pai - disse Luciano - Vamos conseguir o dobro de clientes se fizermos um showzinho na lanchonete.

—Você não vai parar mesmo, não é? - Abílio até iria continuar a discussão, mas seu celular tocou. Após atendê-lo enquanto Luciano voltava a tirar alguns acordes de seu violão, ele desligou e chamou o filho para outra tarefa.

—Boas notícias! Temos um pedido - disse Abílio, mudando de humor - Finalmente. Faz tempo que não nos pedem nenhuma entrega.

—Entrega? - perguntou Luciano com uma voz de lamentação. Ele sabia que isso significava uma coisa: trabalho e menos tempo para praticar.

—É, entrega - confirmou Abílio - Pediram umas esfihas nesse endereço aqui.

Luciano viu o papel em que Abílio anotou o endereço. Não demorou muito para ele descobrir onde era.

—Mas essa é a fazenda Fontes - disse Luciano - É a casa da Ema.

—Isso mesmo. Dá para cobrar até mais pela distância - disse Abílio - Pelo visto nem todos os clientes nos abandonaram.

Bem, na verdade não foi Ema quem fez o pedido. Geralmente, os pedidos da fazenda Fontes para a lanchonete são feitos pelos empregados. Sempre que Luciano pegava sua bicicleta para fazer esse tipo de entrega na fazenda Fontes era para deixar nos fundos da casa principal com os empregados de lá. Porém, dessa vez aconteceria alguma coisa nova.

—Entrega! - disse Luciano, chegando ao local com sua bicicleta, mais precisamente, nos fundos da casa principal. 

—Opa. Chega aí - disse um dos funcionários da fazenda abrindo a porta para o garoto - Trouxe tudo?

—Tá aqui - disse Luciano, recebendo rapidamente o pagamento pelo pedido.

—Valeu, Luciano - disse ele - É bom comer algo diferente da comida sem graça que nos obrigam a cozinhar aqui.

—Imagino - disse Luciano.

Pelo que todos da cidade sabiam, o pai de Ema era paranoico com a saúde e isso incluía cuidados com a alimentação. Ele nem sequer deixava os empregados prepararem para eles mesmos algo fora de uma dieta rígida. Dizia ele que não queria ser tentado a comer algo perigoso. Luciano não entendia isso muito bem, mas não fazia muita questão de entender. Seja como for, para eles pedirem lanches na lanchonete do Abílio era sinal de que tinham abstinência de comer bobagem de vez em quando. Como muitos moravam ali na fazenda e compartilhavam da comida da casa principal, essa era a única saída deles.

—Valeu, heim? - disse o rapaz - Vou indo nessa.

Mas assim que deu meia-volta com sua bicicleta para retornar à sua casa, na esperança de praticar mais suas habilidades no violão, ele deu de cara com sua colega de sala, Ema.

—Luciano? - disse a garota, que circulava pelo local com roupa de ginástica e cabelo amarrado em rabo de cavalo - O que está fazendo por aqui?

—Vim entregar o lanche do pessoal - explicou ele, apontando para os empregados que já se esbaldavam nas esfihas (e, lembramos, esfihas da lanchonete do Abílio).

—Ah, o lanche que eles comem escondidos do meu pai. Entendi - disse Ema, sabendo muito bem do que se tratava.

—Patroinha, por favor, não conta nada para o seu pai, heim? - disse um deles, vendo Ema pela porta.

—Claro. Pode deixar - respondeu a garota.

—Francamente, não sei porque seu pai tem tanta frescura com isso - resmungou Luciano.

—Como posso dizer...meu pai é bem preocupado com a própria saúde. Ele não pode sentir nem o cheiro de coisas muito gordurosas - explicou Ema - Não que esteja errado, mas às vezes parece exagero.

—Saquei - falou Luciano - Bom, vou indo nessa.

—Espera - disse Ema - Podemos conversar um pouco?

—Conversar? - indagou Luciano.

—Isso - disse ela - Já estou terminando minha caminhada da tarde. Queria falar umas coisas com você.

—É que eu preciso resolver umas coisas e…

—Podemos lanchar - disse Ema.

—Lanche? Bom, já que você insiste tanto. Por que não?

Luciano tinha uma relação bem peculiar com a comida. Valia a pena perder algumas horas de prática musical por um lanchinho, ainda que fosse um lanche sem muita gordura  que Ema certamente ofereceria. Mas o que exatamente ela queria falar com ele? É isso que vamos ver.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vamos ver no próximo capítulo. Até lá! ;)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Vila Baunilha" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.