Vila Baunilha escrita por Metal_Will
Que Vila Baunilha é um local pouco conhecido todo mundo já sabe. Que é um lugar com uma população minúscula todo mundo também já sabe. No entanto, apesar de tudo isso, vez ou outra a cidade recebe visitantes que não são apenas habitantes de cidades vizinhas que vão ali satisfazer uma demanda de mão de obra. Esse é o caso da nossa história de hoje.
—Vila Baunilha, heim? - disse um homem próximo à placa de entrada da cidade com aparência chinesa por volta de seus cinquenta anos, usando óculos, barba por fazer, sem muitos dentes na boca e usando um chapéu de palha - Será que dá pala fazer negócios aqui?
O homem chinês tinha acabado de saltar de uma carona e carregava uma mochila com uma caixa consideravelmente grande. Sua missão era vender alguma coisa. Estávamos falando de um caixeiro viajante das antigas.
Após entrar na cidade e ver que não a densidade demográfica não era das melhores, suas esperanças começaram a diminuir. Apesar disso, ele continuou andando até encontrar alguém e consegue. Luciano, nosso bom amigo, estava aproveitando sua folga naquele feriado para tirar algumas notas de seu violão.
—Ei, amigo. Bom dia - cumprimentou o chinesinho.
—Err...o senhor não é daqui, é? - perguntou Luciano.
—Não, não. Sou caixeilo viajante, né?
—Você fala engraçado - reparou Luciano.
—Sotaque chinês - explicou o vendedor.
—Mas como assim caixeiro viajante?
—Vendo válias coisas - falou ele - Estalia intelessado em algo como...coldas pala seu violão?
—Cordas?
—Por coincidência, tenho coldas de violão aqui - falou o chinesinho - Balatinho, né? Só dez leais.
—Bem que meu violão tá precisando de cordas novas… - comentou Luciano.
—Vai complar? - perguntou o caixeiro esperançoso.
—Mas vai ficar para a próxima - disse ele - Dez reais é muita grana. Não tenho esse dinheiro hoje, não. Mas valeu.
E Luciano seguiu andando e praticando sua tenebrosa música “chapadão de amor”.
“Cidade pequena, né? Não posso vender muito calo”, pensou o vendedor chinês. No mesmo instante, um novo cliente em potencial se aproximava, apesar do vendedor não colocar muita fé nele.
—Ei - disse Beni, nosso garoto com uma imaginação um pouco acima da média - O senhor é novo por aqui, não é?
—Ah, sim - falou ele - Sou caixeilo viajante.
—Um “caixeilo”? - repetiu Beni - O que é isso?
—Vendo válios plodutos, né?
—O senhor fala engraçado.
—Sotaque chinês - disse ele - Gostalia de complar alguma coisa?
—Bom, eu até recebi minha mesada hoje, mas…
—Então - o vendedor não parava de sorrir - Pode ter alguma coisa que te intelesse, né?
O caixeiro abriu sua enorme mala e apresentou alguns produtos. Muambas das mais diversas, mas Beni não parecia interessado em nada.
—Valeu, tio - disse Beni - Mas não tô a fim de nada.
“Dloga”, pensou o chinesinho. “Não posso sair dessa cidade de mãos abanando. Deve ter alguma coisa intelessante pala clianças aqui. Ah!”
O vendedor, pelo que parecia, teve uma ideia. Ele pegou uma pequena caixa da mala e mostrou ao jovem Beni um antigo jogo de quebra-cabeças.
—Que tal esse, heim? - disse ele - É um genuíno quebla-cabeças chinês.
—Ah, é aquele jogo que você tem várias peças e vai montando até formar a figura total, né? - disse Beni, esboçando um sorriso aparentemente de interesse.
—Quer levar? - perguntou o chinesinho.
—Não, valeu - disse ele, já se preparando para sair de cena - Isso parece chato.
“Esse moleque…”, pensou o vendedor, mas, rapidamente, teve outra ideia. Sem que Beni visse, tirou uma das peças do quebra-cabeças com um sorriso malandro e o chamou de volta.
—Não, espele - disse o vendedor, puxando Beni de volta antes que ele caísse fora - É que esse...não é um quebla-cabeças comum.
—Ah, não? - agora Beni ficou um pouco mais interessado.
—Tem uma lenda por tlás dele - falou o vendedor - Dizem que quem completar esse quebla-cabeça ganha podeles mágicos.
—Poderes mágicos? - perguntou Beni.
“Onde estou com a cabeça”, pensou o vendedor. “Clalo que ele não vai engolir essa…”
—Verdade? - insistiu Beni para a surpresa (e felicidade) do vendedor.
—Sim, sim - disse o caixeiro - Até hoje ninguém conseguiu montá-lo.
—Sério? Só tem umas cem peças. Como ninguém conseguiu montar até hoje?
—Ah, a lazão é muito simples. Tem uma peça faltando.
—Ora, então não adianta nada - falou Beni - Por que compraria um quebra-cabeças impossível de terminar?
—Você não deixou eu telminar de falar - continuou o chinesinho - Por que você acha que vim pala essa cidade?
—Para vender sua muamba?
—Não só isso - prosseguiu o vendedor - É polque o quebla-cabeças peltenceu ao meu tatatatalavô que uma vez visitou Vila Baunilha e deixou uma das peças aqui pala o quebla-cabeças não cair em mãos eladas.
—Espera...então a última peça está aqui na cidade? - perguntou Beni.
—Sim - disse ele - Foi há muito tempo, mas ele a deixou em algum lugar segulo da cidade. Infelizmente, não sei onde.
“É isso”, pensou Beni. “O destino trouxe esse quebra-cabeças para mim. Essa é a resposta que tenho buscado há tanto tempo. O fim está próximo e eu sou o escolhido para defender o planeta. Se há uma pessoa destinada a herdar os poderes do quebra-cabeças sou eu!”
—Eu compro! - disse Beni.
—Compla? - perguntou o vendedor
—Sim - disse ele - Se tem alguém capaz de achar o esconderijo da peça lendária e montar o quebra-cabeças, esse alguém sou eu! Eu compro! Quanto custa?
—Quanto você pode pagar?
—Bem, tenho duas notas de vinte reais aqui e…
—Feito. Faço por qualentinha - disse o vendedor, pegando a nota de vinte da mão de Beni e entregando o quebra-cabeças para ele - Isso paga meu almoço. Vendendo mais alguma coisinha à talde já posso ir pala a plóxima cidade, né?
—Mesmo? Nossa, obrigado.
—Eu que agladeço - disse o chinês, satisfeito por ter se livrado de um dos produtos mais difíceis de vender.
O vendedor saiu andando rapidamente, enquanto Beni olhava empolgado para seu novo brinquedo. Apesar de satisfeito com a venda, sua consciência de ter enganado a pobre criança pesou um pouco. Quando já estava longe, o chinês jogou a última peça no meio da entrada da floresta.
—Bem, a última peça está mesmo no telitólio da cidade, né? - disse o vendedor - Melhor meia mentila do que uma mentila inteila, já dizia Confúcio.
Claro que Confúcio nunca disse isso, mas, seja como for, Beni estava feliz e disposto a completar o quebra-cabeça.
—O que será que eu consigo quando completar o quebra-cabeça? - pensava ele - Será que tem um espírito que vai me fazer ganhar jogos de cartas? Não sei, só sei que vou completar esse negócio! Essa vai ser minha missão!
É, o caixeiro viajante não poderia ter encontrado um freguês melhor.
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
Olhando agora até que o caixeiro viajante tem carisma para ser um bom personagem recorrente, né? Kkkk. Pena que chegou muito tarde, ele só aparece nesse capítulo mesmo. Mas o arco está só começando, então espero que continue acompanhando.
Até o próximo! :)