O Diabo do Sertão escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 35
Diabo da guarda


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Como fantasmas, eles iam de um lado ao outro sem nada falar. Além dos ruídos dos passos, o único som audível era dos rotineiros choros de Alice. A criança seguia saudável, mas ela podia sentir que havia algo de errado. Acostumada com aridez do sertão, ela sempre contou com a presença de uma voz quase irritante, mas preenchida por amor. Onde estava o pai? De alguma forma, Alice sabia que ele estava em apuros. Tendo essa certeza amplificada pelo peso da consciência, Maria Beatriz tentava desviar os pensamentos a todo momento. Ao invés de pensar em como tudo pode ter dado errado, a mãe focava em cuidar da filha. “Será que ela está bem alimentada? Será que esse choro é normal?”, eram as perguntas que mais serviam como fuga do que como questionamento genuíno.

Carregando a criança de um lado para o outro, Bia até tentava conversar com a pequena. Entretanto, as próprias feições de Alice faziam com ela se lembrasse de José.

— Você tem o nariz de painho — a mãe disse uma vez, dando uma pausa logo em seguida para chorar.

Era impressionante e assustador a intensidade do silêncio da casa. A ausência de José ocupava um espaço enorme, de maneira que parecia inútil tentar se desviar de pensamentos negativos. Vez ou outra, Bia se via aceitando possíveis destinos terríveis. “Talvez ele tenha morrido”, pensou uma vez. No entanto, não tardou para que fizesse o sinal da cruz e, logo em seguida, fosse se distrair com sua filha, ainda que a criança não tivesse requisitado qualquer atenção.

Diabo, por outro lado, não parecia fazer muita questão de emitir sons. Já estava acostumado ao silêncio sepulcral e, dessa forma, não sentiu nenhum incômodo diante do vazio sonoro. Pelo contrário, havia momentos em que o homem sentia falta da solidão e, com isso, até encontrou momentos de conforto longe da voz irritante e repetitiva de José. Além disso, ele também parecia achar o silêncio uma verdadeira ferramenta em prol da segurança: qualquer barulho fazia com que o homem sacasse o revólver. Nada passava despercebido de seu ouvido e, dessa forma, ele se sentia mais seguro.

No entanto, isso não significava que ele fosse uma estátua. Tendo consciência de que Bia já se esforçava muito para cuidar de Alice, o ex-cangaceiro foi ágil em administrar a casa. Ele não só limpava o local, como também cuidava da cozinha. Já tinha algum costume: nos tempos de cangaço, os membros do grupo faziam um revezamento para decidir quem cozinharia ao longo da semana. Apesar de não externar isso, Diabo sabia que tinha uma mão boa e que nunca decepcionou o paladar de ninguém.

Dessa forma, ele agora preparava o café da manhã silenciosamente. Tinha sorte: a dispensa da residência estava cheia e o grupo teria um bom tempo antes de precisar fazer compras. Optou por preparar um café e servi-lo com bolachas secas. Não era muito, mas já mataria a fome. Enquanto isso, na sala, Maria Beatriz servia o café da manhã da pequena Alice, que permanecia em silêncio.

A mãe, por outro lado, sentia um impulso cada vez mais forte de romper essa força silenciosa. Ela sabia que precisava falar e, cedo ou tarde, acabaria explodindo. Optou por fazer da maneira mais tranquila possível.

— Diabo — a voz dela saiu com uma calmaria que contrastava com seu estado mental.

— Diga — ele respondeu enquanto seguia com os trabalhos na cozinha.

— Eu sinto saudades, muitas saudades.

— De Zé?

A resposta era um óbvio “sim”. No entanto, não se tratava apenas daquilo. Bia sabia que, no âmago de seu ser, ela precisava de raízes. Há quanto tempo ela estava se mudando de um canto para o outro? Mais do que isso: há quanto tempo estava se separando de pessoas que tanto amava? Começou com sua própria mãe, anos depois chegou a vez da Lagoa da Esperança (e todos os esperanceiros), depois Socorro de Deus e agora José de Lima com seu destino incerto. No fim, ela não sentia falta apenas de seu marido, mas de tudo que sua vida já foi e poderia ter sido.

— Também — foi a sua resposta após longos silenciosos segundos. — Eu queria uma vida, Diabo.

— Uma vida? — Com o café quase pronto, o ex-cangaceiro se enchia de curiosidade diante das palavras da mulher.

— Uma casa pra viver, pessoas pra amar e paz. Só isso que eu peço. É muito? Por quanto tempo a gente vai ter que ficar andando de um lado pro outro? Até quando vai ter gente querendo nos matar? Por que não pode cada um ficar no seu canto e, desse jeitin, cada um seguir o próprio caminho? Eu num aguento mais ter minha vida interrompida por esses bandidos — ela fez uma pausa ao perceber a palavra que usara. — Desculpa, Diabo.

— Desculpa por quê? Eu sou bandido mesmo — ele falou calmamente. Logo em seguida, apareceu na sala com duas xícaras de café e um saco de bolachas secas. Serviu a refeição antes de prosseguir com o diálogo. — Bandido é bicho ruim mesmo. E cê tá certa em querer outra coisa pra vida. Se eu pudesse, eu ia ter uma vida diferente.

— E você não pode?

Aquela pergunta deixou Diabo em silêncio. Maria Beatriz entendeu: ele já havia pensado naquilo milhares de vezes, mas claramente não funcionou. O homem estava preso àquele ciclo de violência e não conseguia fugir. Porém, a mulher acreditava que agora era diferente. Ele estava a ajudando de todas as formas possíveis e era evidente que tinha um bom coração. No entanto, com o prosseguimento do silêncio, Bia resolveu mudar de assunto.

— Você acha que José vai conseguir voltar com minha mãe? — Doía nela pensar nas possibilidades negativas, mas ela tinha força para aguentar.

— José — Diabo repetiu e deu uma risada debochada. — Pense num homi doido. Eu não sei explicar, mas eu confio nele, Bia. Acho que ele vai dar um jeito.

O ex-cangaceiro não justificou a resposta e nem se aprofundou no tema. Mas não importava: Beatriz havia ouvido exatamente o que queria e, imediatamente, seu coração se sentiu mais tenro. Com isso, sentiu a fome surgir e pôde se aproveitar dos dotes culinários de Diabo. O café, bem quente, era forte e tinha um sabor marcante. As bolachas secas não eram de autoria do homem, mas se mostraram uma boa opção: elas combinavam perfeitamente com a bebida. Com Alice descansando numa redinha, a mãe pôde se deliciar com a maravilhosa refeição que lhe era servida. Diabo seguiu o exemplo e tomava o café sem mesmo soprá-lo. Logo em seguida, encheu a boca de bolachas e as engoliu após pouco mastigar. Por um momento, o silêncio foi confortável como um verdadeiro amigo e Bia esqueceu-se de todos os problemas.

— Diabo — ela voltou a falar com a delicadeza de sempre. — Qual o seu nome?

Aquela pergunta já fora feita para o ex-cangaceiro várias e várias vezes. A resposta era sempre a mesma: “Diabo”. Ele, no modo automático, estava a ponto de dizer a mesma coisa para a mulher, mas parou por um instante. Olhando em seus grandes olhos, percebeu que Beatriz não era qualquer pessoa. Ali, com a criança na mesma casa, ela se apresentava como uma pessoa que não temia Diabo. Mais do que ausência de medo, ela tinha plenitude de confiança. Como isso era possível? No fundo, o homem cheio de cicatrizes sabia: ele merecera tamanha confiança. Ainda assim, dentro de seu espírito, ele ainda se via como um monstro, um verdadeiro demônio. Beatriz percebeu o momento ambíguo de Diabo e, por isso, interveio:

— Não precisa falar.

— Preciso sim — ele afirmou. Respirou fundo, criou coragem e finalmente deu a resposta verdadeira. — Meu nome de batismo é Sebastião. Mas eu não gosto desse nome.

— Por quê?

— Porque me lembra da vida que eu nunca mais vou ter. Era o nome do meu pai.

Bia ficou em silêncio. Nos olhos de Diabo, ela via um sofrimento que tentava manter-se oculto a todo custo, mas que vez ou outra era revelado pela luz da verdade. A mulher não queria fazer mais perguntas. Não é como se ela não tivesse curiosidade, pois ela tinha isso de sobra. A questão era que ela não tinha a intenção de provocar ainda mais sofrimento ao ex-cangaceiro. No entanto, cansado de seus próprios segredos, Diabo resolveu abrir-se como um livro.

— A gente era só mais uma família desse mundão. Era eu, meu pai, minha mãe e mais três irmãos. A gente morava numa casinha no meio do nada parecida com esta aqui — ele começou enquanto olhava para a alma de Maria Beatriz. — Parecida, mas pobre, sabe como é. Eu lembro que a gente tinha baú onde mainha guardava uns negócio. Meu irmão mais velho, José, tinha mexido na fechadura do bicho. Ele era bom com essas coisas, sabe? Depois de dar uma mexida, ele conseguia trancar e destrancar o negócio pelo lado de dentro.

A mulher percebeu um sorriso nostálgico se formar na face do homem. Calada, deixou que ele prosseguisse.

— Eu e meus irmão usava esse baú pra brincar de esconde-esconde. Essa brincadeira é do seu tempo? — Diabo deixou uma gargalhada escapar ao se lembrar dos bons momentos com a família. — E a gente era desse jeito. Pai cuidava dumas vaca, mãe costurava e as criança ajudava com o que precisasse. Só mais uma família como qualquer outra, né?

O homem fez uma pausa e o sorriso desapareceu. Bia sabia: era agora que ele contaria como tudo mudou. A mulher tremeu mais do que tudo: ela temia que o mesmo destino se impusesse sobre sua própria cabeça. Benzeu-se três vezes de forma indiscreta, mas isso não envergonhou nem intimidou o ex-cangaceiro.

— Então teve esse dia — ele prosseguiu. — Eu tava brincando com meus irmão. Mim escondi no baú e fiquei esperando que me encontrassem. Mas não foi isso que aconteceu. Eu ouvi uns homi chegando em casa e, rapidin, eles começaram a atirar. Eu num vi nada: só ouvi os gritos dos meus pais e dos meus irmãos, além das bala.

Horrorizada, Maria Beatriz havia coberto a boca com as mãos. O apetite havia morrido há tempos e agora só lhe restava ver como a tragédia terminou.

— Eu fiquei no baú por não sei quantas horas. Eu era criança, mas sabia como era o som de um tiro. Tive que chorar em silêncio, porque tinha medo dos homi aparecer pra me matar — pensativo, Diabo fez uma pausa. — Na verdade, acho que passei mais de um dia lá. Num sei, mas lembro que adormeci. Quando acordei, criei coragem pra abrir o baú e ver o que tinha acontecido.

Agora, não havia palavra alguma que descrevesse o nível de sofrimento do ex-cangaceiro. Seus olhos não mais a escondiam a dor. Na verdade, deixavam que ela escapasse através de lágrimas, cena que fez com que Bia também chorasse.

— Não precisa continuar — ela disse.

— Preciso! — Diabo falou com força, como se sua vida dependesse disso. — Eles estavam todos mortos. Não dava nem pra reconhecer com o tanto de tiro que levaram! E então eu fiquei lá, rezando pra que a dona morte me levasse junto deles. Mas ela não veio. No lugar dela, apareceu um homi. Era o pai de Lúcio Arcanjo, o cangaceiro. O homi veio com sua trupe e se compadeceram de mim. Mim adotaram.

Maria Beatriz conseguia prever como a história continuava. Uma pobre criança sendo construída no sangue e na morte, com uma mácula eterna na alma. “Coitado”, ela pensou com grande pesar.

— Uns anos depois, nós encontrou os homi que mataram minha família — o ex-cangaceiro já havia parado de chorar. Seu rosto voltava a expressar raiva. — Matamo tudinho!

Ele parecia sentir um misto de orgulho e tristeza com isso. Era óbvio: a vingança não havia curado todas as suas dores. Agora, o que restava ao homem? Ele não saberia responder, mas Bia torcia para que uma nova paz se instaurasse e, dessa forma, ele pudesse viver uma vida pacífica. Foi então quando Alice começou a chorar e, independente do estado emocional, Maria Beatriz se viu obrigada a prestar os serviços maternos. Sentado, Diabo seguiu pensativo por longos minutos.

Foi com certa surpresa que ouviu um bater da porta. Vigilante, rapidamente puxou o revólver. Bia se aproximou e olhou para o ex-cangaceiro, que gesticulou para que a mulher fizesse silêncio.

— Alguém em casa? — uma voz grave falou do outro lado. — Dona Beatriz?

A mulher engoliu em seco. Não conhecia o dono da voz, mas podia sentir que ele não traria nada de bom. Olhando para a moça, Diabo cochichou:

— Se esconda no quarto e fique abaixada.

Com Alice nos braços, Bia respirou fundo e seguiu a sugestão de Diabo. Trancando-se no quarto, ela foi para debaixo da cama e começou a rezar. Pedia aos céus para que Alice se mantivesse calada e, mais do que isso, que Diabo fosse capaz de lidar com as possíveis ameaças. Na sala, o homem também se concentrava. Tinha consciência da possibilidade de tudo aquilo ser apenas um mal entendido. Talvez, no fim das contas, não houvesse qualquer risco.

— Acho que não tem ninguém — um outro homem falou do lado de fora.

Ágil, Diabo se encostou na parede, ficando ao lado da porta. As atitudes dos misteriosos visitantes iria ditar a reação do ex-cangaceiro. Paciente, ele aguardava com a arma destravada e com a audição bem aguçada.

— Você acha que ele fez algo com ela? — um outro homem falou.

— Acho que ela está nos enganando — mais um respondeu.

— Que seja — outra voz se levantou com irritação.

Foi então que, no auge do silêncio, Diabo ouviu o destravar de uma arma. Sem tempo para pensar, o ex-cangaceiro esticou o braço e, com a arma apontada para a porta, disparou duas vezes. Os projéteis fizeram buracos na madeira e rapidamente encontraram pedaços de carne e sangue para penetrar. Diabo ouviu gritos de dor e, sem perder tempo, escondeu-se atrás da parede novamente. Fez o certo: tiros foram disparados contra a porta logo em seguida, enchendo-a ainda mais de furos.

Do lado de fora, cinco agentes da lei jaziam assustados. Quatro deles se escondiam atrás da parede, enquanto o quinto estava no chão com duas balas alojadas no peito e gemendo de dor.

— Desgraçado! — o mais à direita falou. — O que a gente faz?

Cobertos pelo medo e pela incerteza, nenhum deles tinha a coragem de adentrar a casa pela porta principal. Porém, o oposto também era verdadeiro: Diabo sabia que era suicídio tentar encará-los de peito aberto. Com isso, o homem seguiu protegido pela grossa parede da sala enquanto rezava para entender as táticas de seus inimigos. Entretanto, teve azar: os homens foram menos burros do que o esperado e, ao invés de verbalizarem os planos, apenas gesticularam. A ideia era simples: dois atiradores dariam a volta pela direita e tentariam achar uma janela ou porta. Os outros dois ficariam olhando para a porta, caso o ex-cangaceiro resolvesse se expor.

Nesse meio tempo, Diabo conferiu o tambor do seu revólver: só lhe restavam três balas. Para piorar, ele percebeu que, a alguns metros do seu lado desprotegido, havia uma janela. O homem não precisava ouvir plano algum para saber que aquele poderia ser um ponto de ataque. Teria que pensar em algo rápido para sobreviver, ainda mais levando em consideração o limite de balas.

Do lado de fora, os dois algozes se aproximavam da janela. Com armas em mãos, eles sabiam que estavam próximos do maior feito de suas carreiras: o assassinato de Diabo, um dos cangaceiros mais brutais de que se tinha registro. No entanto, foi com tremenda surpresa que escutaram a castigada voz do homem.

— Eu me rendo! — Jogando o revólver no chão, o ex-cangaceiro colocou as mãos para o alto.

De dentro do quarto, Maria Beatriz ouviu o grito de rendição. Sua alma gelou e, mais ainda, Alice começou a chorar. A mãe sentiu um severo desespero tomar conta de sua alma e foi impossível não pensar no pior. Enquanto isso, Diabo seguia com uma estranha expressão de calma. De pé, aguardou pacientemente até que os agentes da lei – que se entreolhavam com estranhamento – aparecessem. Com armas apontadas, os quatro cercaram o bandido.

— Nosso dever aqui é matar o desgraçado — um deles falou.

— Sim, mas já pensou nisso? — outro começou a argumentar. — Imagina quando descobriram que a gente conseguiu capturar Diabo vivo!

— Mas e ele?! — O terceiro apontou para o homem do lado de fora. Ele não gemia mais, pois estava morto. — Vamos deixar por isso?

O quarto agente mantinha-se calado. Examinava Diabo: ele era mesmo o homem de tantas histórias horrendas? Agora, tudo que enxergava era um homem castigado pelos traumas e pelo tempo. Com uma camisa surrada de manga comprida, era evidente que o ex-cangaceiro já tinha até perdido gosto pela simples estética. E o seu rosto? Lotado de cicatrizes e de feiura. Até faria pena, caso não fosse nojento.

— Vocês não leem o jornal? — o homem calado finalmente falou. — Tão vendo o que os outros estados tão fazendo? Tão colocando as cabeças de homens como ele expostas. Por que a gente faria diferente?

O outros agentes se entreolharam. Para eles, aquele argumento até que fazia sentido. Diabo, por outro lado, ainda queria se preservar. Falou de maneira sarcástica:

Cês matariam um homi que se rendeu?

Os algozes se entreolharam mais uma vez, num raro momento de distração. Foi o suficiente para Diabo agir. Agarrando o homem mais a sua direita, o ex-cangaceiro revelou uma pequena faca que carregava na manga da camisa. Usando o corpo do homem como escudo, afastou-se dos agentes da lei que se desesperavam com suas armas apontadas. Com a lâmina voltada para o pescoço do colega deles, Diabo andou ainda alguns metros antes de parar.

— Nem pensem em vir pra cima — o ex-cangaceiro mostrava uma confiança contrastante com sua situação. — Eu vou rasgar a goela dele!

— Calma! — Com a arma apontada, um dos agentes estava visivelmente nervoso. — Vamos fazer um trato: você o solta e a gente te leva em paz, sem nenhum arranhão!

— Nenhum arranhão?! — um segundo agente se manifestou. — A gente vai partir sua cabeça no meio!

Diabo riu. Ele sabia muito bem quando tinha o controle da situação. Eram quatro contra um? Muito fácil para ele. Passando a lâmina para a mão esquerda, manteve-a perigosamente encostada no pescoço de sua vítima. Com a mão direita, foi até o coldre do homem e, agilmente, retirou o revólver dele.

— Vocês que pediram por isso — disse antes de reiniciar o confronto.

Sem hesitar, Diabo começou a disparar com a arma. O primeiro disparo acertou a cabeça de um dos algozes, enquanto a segunda foi direto no braço de outro. Continuaria com os disparos, mas foi interrompido de uma forma brutal: um dos sobreviventes começou a disparar na sua direção, com balas acertando o próprio agente imobilizado. Jogando o homem para frente, Diabo saltou para o lado em busca de alguma cobertura, enquanto os dois sobreviventes restantes faziam o mesmo. De pé, o antigo escudo humano do ex-cangaceiro não tardou para dobrar os joelhos e cair com a face no chão, finalmente sem vida.

Agora, o campo de batalha estava diferente. Um sofá e uma mesa dividam o cenário, enquanto Diabo seguia solitário de um dos lados. Do outro, os dois inimigos sabiam que tinham uma vantagem. No entanto, um deles estava com o braço baleado. O sangue encharcava suas roupas e pingava no chão, mas ele sabia que não estava na hora de cair. Ele e seu aliado se entreolharam, como se combinassem uma nova tática apenas com os olhos. No entanto, não esperavam a ação seguinte do ex-cangaceiro: usando a mesinha como apoio, ele saltou sem medo da morte. Passando por cima do sofá, Diabo agora via com clareza seus dois adversários. Primeiro, acertou um tiro no pescoço do homem que tinha o braço ferido. Depois, apontou para o último.

Que azar! Aquelas malditas armas estaduais eram claramente de baixa qualidade. O revólver travou e, desesperado, Diabo viu que seu último rival lhe apontava uma espingarda. Tentando prever a trajetória da bala, o ex-cangaceiro saltou para o lado e foi parcialmente feliz. Não foi penetrado pelo projétil, mas teve seu rosto pego de raspão, ganhando uma nova marca de dor eterna. Olhando para seu inimigo, Diabo viu que ele tentava desesperadamente recarregar a arma para efetuar um disparo mais eficaz. No entanto, não teve tempo: o ex-cangaceiro saltou sobre ele.

— Seu verme! — O agente da lei se debatia enquanto sentia as mãos de Diabo tomarem conta de seu pescoço. — Eu...

Sufocado, o homem sentiu que a morte se aproximava. Foi assim que, puxando forças do inferno, conseguiu acertar um forte golpe no braço do ex-cangaceiro, fazendo com que ele afrouxasse as mãos. Foi o suficiente para que o jogo virasse. Girando as pernas com força, o agente da lei colocou Diabo no chão. Logo em seguida, apanhou a arma e usou-a para golpear seu inimigo de forma severa. O homem com o rosto cheio de cicatrizes ganharia novas, além dos hematomas e de todo o sangue que se espalhava pela sua face. Com a vista ficando embaçada, Diabo sentia que não estava apto para proteger Beatriz. Conseguia ver sua vida se esvaindo e, aos poucos, perdeu qualquer força para reagir. Foi então quando, com apenas sua audição funcionando, ouviu o destravar de uma arma e um disparo. “Morri?”, o ex-cangaceiro questionou.

— Diabo! — Bia gritou.

Com a visão retornando, o homem ferido se surpreendeu. Sobre o seu corpo, o algoz jazia morto com um tiro na cabeça. Tirando o cadáver de cima, o ex-cangaceiro olhou para frente e viu que ali estava Maria Beatriz. Segurando o revólver retirado de algum cadáver, a expressão da mulher era de puro horror. Ela finalmente entendia o porquê de Sebastião ser chamado de Diabo.


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Notas finais do capítulo

Obrigado pela leitura :D



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