Desde pequeno, Emil ouvia sempre, com um certo desdém, “coitado, nunca será rei, mas talvez seja melhor assim, o seu irmão é talentoso ao contrário dele...”. As criadas não tinham nada melhor para fazer, tinham que fofocar sobre destino dele.

Sempre na sombra do irmão, ele crescera amargo com a vida - que injustiça, era o que ele constantemente pensara até que chegou aos 16 anos. A partir dessa idade, Emil fora autorizado pelos pais, os reis, a vaguear pela cidade sempre que quisesse (excepto à noite, obviamente). Afinal, não seria ele a herdar o reino, logo, em princípio, ele estaria longe do perigo

Mas foi assim que ele vira a verdadeira injustiça – enquanto eles viviam muito bem no castelo e nas casas nobres, o povo sofria. Questionara aos pais sobre isso, mas tudo o que eles fizeram fora uma cara fechada. Não queriam saber.

Emil sentiu um queimor dentro de si. Porém, não podia fazer nada contra os pais.

Por enquanto.

Sem ninguém saber, Emil doava ouro e prata ao povo – era o mínimo que poderia fazer naquele momento, além de que era uma quantidade insignificante para os reis, mas não para o povo. Nunca iriam reparar.

Anos passaram num piscar de anos. Emil tornara-se num jovem adulto responsável, ainda um pouco amargo, mas disposto a mudar o reino. Estudava para tornar-se na mão direita do irmão mais velho, que parecia prometer melhorias no reino.

Apesar de não ter ouvido diretamente do irmão, Emil ouvira rumores de que Lukas iria casar-se com alguma princesa de outro reino. Estava cada vez mais perto a realidade do irmão se tornar rei.

Suspirou, não querendo saber disso. Caminhava pelas ruas, sem nenhum destino em particular. No seu ombro, estava o seu leal companheiro, Mr. Puffin. Adotara-o há alguns anos e desde então tem sido aquele que combatia a solidão de Emil.

Sem prévio aviso, a ave levantou vôo e seguiu em direção do porto. Emil acelerou o passo, perseguindo-o e chamando-o em vão. Entre encontrões e mais encontrões, ele chegou ao porto, ofegante.

— Ah, não comas esse peixe!

Emil olhou para a rapariga que tentava afastar Mr. Puffin do cesto cheio de peixes. Estava claramente atrapalhada com a situação.

— Mr. Puffin, para! – o animal olhou para o seu mestre e, ao ser ordenado para voltar, assim o fez. Assim no ombro, Mr. Puffin começou a lavar as penas.

Emil olhou envergonhado para a rapariga; ela era provavelmente filha de um pescador…

— Eu pago pelos estragos que o meu pássaro provocou. – Começou, sacando já do saco com moedas.

— Ah, não é preciso!

— Eu insisto!

— Mas o teu pássaro não chegou a fazer nada. – Ela contou, balançando a mão numa forma que indicava para ele deixar estar. – Estou curiosa; domesticaste esse pássaro? Nunca pensei que isso fosse possível!

— Ah, é uma prática comum nas províncias do leste. Mas com este tipo de pássaros já é mais difícil…

—Já estiveste nessas províncias?! Como é que é?? – Ela estava surpresa. Ao ver Emil a encolher-se perante tal animação, ela acalmou-se. – Ah, eu vim da ilha e é raro eu viajar… Desculpa.

— Tudo bem, eu conto como é.

Emil começara a encontrar-se com a rapariga, cujo nome era Michelle. Eles rapidamente se tornaram amigos e, meses depois, os sentimentos andavam à flor da pele.

— Ouviste, Emil. – Michelle estava encostada ao ombro do outro, de mãos dadas sob a perna dele. – O príncipe Lukas vai casar-se?

— Sim. – Respondeu, com o olhar preso no mar. Nunca contara a Michelle que ele era membro da família real. Não queria ser visto como um malfeitor… Sabia bem como a família real era vista pelo povo.

— O povo está animado pela festa. – Contou ela. – O príncipe quer somente produtos do reino. Até o meu pai recebeu uma grande encomenda!

Emil olhou para Michelle, surpreso. Ele não sabia daquilo.

— Sério?

— Sim, o próprio príncipe veio. Foi a primeira vez que o vi assim tão de perto! Pelos rumores, eu pensei que ele não sorrisse muito, mas quando viu-me, ele sorriu…

Lukas não era de sorrisos, nunca fora, então Emil sentiu uns ciúmes. Esperava que Lukas não pensasse em cortejar a Michelle…

— Pergunto-me como será o casamento. – Michelle levantou-se, ainda de mãos dadas com Emil. – Aposto que todos estarão com roupas bonitas e haverá um grande baile! Ah, como nos contos de fadas que se contam às crianças!

Ela puxou Emil para dançar. O sorriso dela era contagiante; ele também sorriu e dançou com ela.

— Gostarias de ir ao casamento?

— Claro que sim.

Emil não soube o que fazer… Ele queria a levar ao baile, mas não queria revelar a sua verdadeira identidade...

Quando Emil chegou ao castelo, Lukas estava à espera dele.

— Por que não convidas a tua namorada ao casamento?

— Como… como é que sabes?!

— As minhas fadas contaram-me. – Começou. – Achas mesmo que eu deixaria que o meu pequeno irmão andasse sozinho pelo reino?

Emil fechou o semblante, já nem estava surpreso… o seu irmão era obcecado por ele.

— Ela é uma boa rapariga. – Comentou Lukas. – Os pais iriam gostar dela.

— Os pais não deixariam que eu casasse com a filha de um pescador…

— Tu não és obrigado a casar com uma nobre.

E, então, Lukas sorriu.

Semanas passaram e era o grande dia. As ruas estavam animadas e coloridas. Todos estavam excitados pelo casamento.

Por outro lado, Emil estava nervoso – mandara um pagem e algumas criadas para casa de Michelle, juntamente com um vestido de baile e acessórios. Ordenara para que não especificassem qual dos príncipes tinha mandado tal presente.

— Príncipe Emil, a carruagem chegou. – Uma das fadas de Lukas informou. Ela parecia estar a flutuar, uma vez que as asas delas eram quase transparentes.

Emil engoliu em seco e começou a andar apressado para as escadas. Viu a carruagem a parar e a sair de lá Michelle.

Parecia que o tempo parou… Ela estava linda. O seu cabelo estava preso numa trança, com uma tiara de prata com pedras preciosas, e usava um vestido azul com rendas, de tal modo postas que o vestido parecia ser uma parte do mar.

Ela notou em Emil e sorriu para ele. Ele apressou-se em descer os degraus.

Antes que ele pudesse falar, Michelle agarrou nas pontas do vestido e curvou-se.

— Obrigada pelo convite, Príncipe Emil.

— N-não me chames assim…– Pediu, envergonhado, mas também com um sentimento de culpa no seu interior. – Desculpa por não ter contado antes a verdade…

— Eu já sabia.

— Quê?

— Eu vi-te quando anunciaram o casamento do teu irmão. – Contou, sorrindo meio acanhada. – Estavas a tentar esconder por de trás do teu irmão, mas notei no Mr. Puffin. Eu queria que me contasses...

— Não te importas que eu seja… da realeza?

— Eu é que devia perguntar isso… Não sou rica, nem tão bonita como essas nobres…

— Quê?! – Emil estava de olhos arregalados; ela não podia estar a falar em sério. – Tu és a mais bonita daqui!

E, então, lembrou-se que estava em público, encolhendo-se. Michelle riu-se, mais contida por estar rodeada da nobreza. Ela estava feliz – saber que Emil a achava tão bonita assim que até fê-lo perder os modos…

Ainda envergonhado, Emil estendeu a sua mão.

— Anda… Quero apresentar-te aos meus pais.

Michelle aceitou a mão, ansiosa pelo novo desafio que tinha à sua frente.