Apocalipse escrita por Natália Alonso, WSU


Capítulo 18
Epílogo




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Eu lembro da primeira guerra nuclear, alguns de nós sobrevivemos com tumores, resistimos como era possível. Agora, nesse segundo ataque da Aliança, não sobrou muita coisa de humano em nós.

Primeiro vem as luzes, iluminando o horizonte no característico cogumelo macabro. Depois, você sente o calor, o vento, o fogo e algo que lhe desfaz sem muito o que sentir. Só nesse momento você ouve, você que estiver em um bunker, é claro. Quando centenas de mísseis pegam todos os lugares possíveis o tremor da terra forma um rugido infernal. Eu nunca fui ao inferno, sou apenas semi-morta, mas o imagino assim, nesse roar oscilante, o demônio devorando tudo que estava na superfície. Nós ficamos ouvindo isso por tanto tempo que dormimos, quando se vive na guerra tanto tempo se acostuma com seu som, quase um acalanto. Junto de várias clones de minha filha me senti protegida, elas estavam finalmente livres da Aliança, muito tranquilizante. Fico pensando: “será que finalmente acabou?”.

— Sara.

 

 

A zumbi adormecera enquanto escrevia suas memórias, acordou de repente, assustada com o que ouvira. O som cortante na verdade, era o silêncio. Tudo quieto demais do lado de fora. Uma das clonadas abre o bunker, observa a paisagem de céu coberto de nuvens escuras. Uma poeira cai suavemente, tal como uma neve de cinzas ainda quente. Sara caminha até a porta do bunker, a pele parcialmente carcomida é queimada, os vermes do rosto migram desesperadamente para o ventre mais protegido da radiação. A clonada manda que ela pare, a soldada levanta voo direto para o céu, atravessa as massivas camadas quentes de fuligem, sobe muito até finalmente conseguir sair.

Pouco sobrara de céu antes da camada escura da estratosfera, a alien de queimaduras nucleares vê que a nuvem se estende em toda a superfície terrestre. Dessa vez o ataque fora muito mais amplo.

 

 

 

*********

 

Em poucos dias, em outro ponto terrestre as clonadas trabalham a todo vapor, o saque de outros bunkers rendeu mais comida enlatada para o que tem os sobreviventes da Resistência. Daniele vomita no canto e recusa a comida novamente, Henrique preocupa-se.

— Acha que é por causa da radiação?

— Eu não sei — responde Aradia —, vou chamar o curandeiro da tribo dela, talvez ele saiba dizer.

A bruxa sai em busca do sábio que está com um maço de ervas em chamas nas mãos ungindo seus pacientes vermelhos. Alguns estão contaminados, mas neles se percebe rapidamente pelo descamar da pele, o cair parcial da pelagem e suor no corpo trêmulo. Dimitri está nas soldando chapas de aço para serem colocadas como reforço no bunker quando uma das clonadas o avisa.

— Eu encontrei a entrada, não está muito longe.

— Qual delas?

— Metrô Santa Cruz.

— Ótimo. Ele dá acesso a antiga linha lilás, a mais funda dos metrôs daqui de São Paulo, é provável que esteja menos abalada com os bombardeios. Avise Kate, ela saberá como devemos nos organizar para ir para lá, teremos muito mais espaço e facilidade de se locomover.

A clonada responde com o novo mantra adquirido “Kate é a salvação da humanidade”. Incomodado com a entonação religiosa, ele ignora enquanto a clonada vai embora.

 

 

*********

 

Em outro ponto, as luvas de couro abrem o carro coberto de fuligem. O ser usa uma máscara de gás, é envolta de muitos tecidos cobrindo toda a pele e um capacete militar já carcomido pela radiação. Ele ofega enquanto procura alimentos ou qualquer coisa útil, não acha, mas ouve um movimento familiar. Vira o rosto devagar para trás, espiando o vampiro muito fraco vindo em sua direção, pega o facão da cintura e em um único golpe, atinge de baixo para cima a mandíbula do vampiro em pleno bote.

A fera cai de contorcendo e gritando no chão, o facão atinge sua têmpora e os olhos vermelhos rapidamente perdem o brilho. O ofegante guerreiro tira sua preciosa arma do corpo e corre o mais rápido que pode para longe dali. Ele sabe que muitos podem ter sobrevivido.

A figura de grande porte arfa em suas botas, as várias camadas de tecidos, couro e poucas placas de chumbo não vão protege-lo por muitas horas mais. Já fazem dias que está nessa jornada, horas que o último carro com gasolina parou de funcionar. Sua esperança é chegar em um abrigo, demarcado no mapa amassado de seu bolso.

A máscara já deixa passar um cheiro horrível, ele sente um gosto metálico em sua língua, as armas de sua cintura serão inúteis se ele morrer com a radiação. O campo aberto é um local perfeito para um ataque de predador, um vampiro ou oroba sobrevivente, com tanta fome como ele. Suas pernas doem, ele ouve um rosnado, leva sua mão para a pistola, mas então ouve mais um ao longe, outro roar mais próximo. São vários. Ele não quer saber quantos.

Muda de ideia e corre o mais que pode, era ali, ele tem certeza de que era ali. Já deveria ter aparecido uma placa... Ele corre em círculos procurando avistar a construção, mas só tem os resquícios de uma cidade destruída.

— Será que aqui caiu também? As Karens?

Os prédios com marcas de tiros, os muitos corpos de militares e clones deixam claro que houve batalha... onde está a redoma?

Os rosnados aumentam, ele se vira com a pistola, segura o facão com a outra fazendo de apoio para a arma. O primeiro tiro é certeiro no rosto do vampiro, o segundo atinge o ombro, o facão finaliza. Um terceiro por trás rasga seus tecidos das costas arranhando na placa de chumbo que o protege. O vampiro grita pelos dedos destruídos e o facão acaba com sua dor. O solitário ainda atira nos predadores ao longe, três, quatro, cinco, mais alguns golpes de facão. Seis, sete, oito. Mais um vampiro o segura por trás e ele precisa atirar em sua cabeça para se libertar. Ele se vira, ainda cinco monstros a sua volta, aponta a arma e ela só solta o aviso que a luta acabou. Ele joga a pistola na direção de um, que desvia facilmente, debochando da fraqueza do oponente.

Ele sua segura com força o facão quando as metralhadoras fazem levantar uma parede de poeira sua frente. Os vampiros estão mortos no chão, ele ouve os trincos das metralhadoras sendo travadas novamente baixa o facão devagar quando a mão de outro encapuzado o conduz para dentro do prédio destruído. Ele e os guerreiros correm para dentro do prédio que é uma perfeita fachada. Destruído por fora, mas após o segundo andar, uma parede tem um sensor. Ele tira as camadas de tecidos, arranca a máscara libertando seu rosto para identificação.

Sua pele negra e olhos castanhos estão cansados, o escaneamento é completo identificando na tela: “Major Manson, seja bem vindo.” Os soldados fazem continência enquanto um fala baixo.

— Estávamos a sua espera, Major. Achei que só chegaria aqui amanhã.

— Eu estou com pressa.

 

 

 

*********

 

O curandeiro pousa mais uma vez o ouvido naurú na barriga de Daniele, suas mãos acariciam as costas da líder antes dele arfar em sua narina longa e peluda vermelha. A boca cheia de presas vai se transformando aos poucos em uma boca humana, enquanto sussurra algo no ouvido da líder. Ela franze o cenho, e pede que o sábio deixe o local. Aradia observa ao longe, seus olhos de rapina já entenderam tudo, ela vai embora junto do curandeiro, deixando Henrique entrar na ala do bunker.

— O que está acontecendo? Que cara é essa, Dani?

— Estou grávida.

Henrique para por um segundo, sorri e abraça Daniele. Ele ri e fala muitas coisas que ela sequer entende. Ela ouve como um murmuro ao longe sua voz, está atordoada com o que sente, no meio da alegria de Henrique, ele não percebe enquanto beija a barriga de Daniele que ela derrama uma lágrima.

 

 

 

Arádia vira-se para Dimitri.

— Sabe quando podemos ir para o metrô? Aqui está ficando apertado.

— Logo. Kate já saiu para organizar algumas coisas lá fora, quando tudo estiver limpo ela nos chamará. As Karens estão sendo muito úteis.

— Sim... elas são mesmo, muito eficientes.

Acima deles, na superfície, as Karens sobrevoam em diversas áreas, tanto para fazer uma demarcação de áreas livres de vampiros e orobas, como para coleta de mantimentos. Kate ainda está com seu traje branco brilhante, sua capa rasgada em dourado arrasta parcialmente no chão. Ela ouve um murmuro ao longe, um caminhar arrastado. Ela voa e alerta outra Karem para se aproximar consigo.

As duas encontram um rapaz, o jovem não deve ter mais do que quinze anos, poucos pelos faciais em seu rosto ferido por garras. Ele sobreviveu a um vampiro talvez. O garoto se apoia fracamente nos destroços e murmura em desespero.

— Por favor, estou com sede...

A Karen rapidamente o segura para que não tombe ao chão, a soldada olha para sua comandante confirmando a instrução.

— Sua sede será cessada. — avisa Kate que sinaliza para a soldada.

O rapaz dá um sorriso tímido e a Karen rapidamente torce seu pescoço provocando um estalar violento. O corpo cai, com a cabeça virada e o sorriso paralisado na falsa esperança. A Karen vira-se para a líder e presta continência antes de alçar voo.

Kate é a justiça. Kate é a salvação da humanidade... — entoa a clonada já no ar.

Kate fica no chão, olhando o rosto do rapaz iludido e depois ao longe em seus próprios pensamentos.

Uma das clonadas está voando muito mais afastada, ela verifica que não tenham mais sobreviventes, qualquer Cain que possa atrapalhar a passagem do grupo para o metrô. Quando ela está próximo de um grupo de carros contorcidos, ouve um lamento fino de voz feminina. A soldada se aproxima e vê a figura encolhida aos prantos sendo refletida pelo metal da antiga banca de jornal. A soldada se abaixa para alcançar a mulher chorosa e ela não está ali. Ao invés disso, a mão suave segura e ergue o rosto da soldada por trás.

As presas fincadas em seu pescoço sugam com violência o sangue de suas veias. A soldada está paralisada, o olho completamente negro da vampira abre indicando imenso prazer na refeição. Após a drenagem, uma lambida ainda sobe pelo rosto da soldada já pálida, o corpo despenca de grande altura e Lucy permanece flutuando no ar. Completamente parada ela observa ao longe as clonadas em vários pontos, a rainha ainda porta sua coroa feita do crânio de Baal e olha para o braço direito. Finalmente o corte na altura do cotovelo cicatrizara, mas sua sede de vingança ainda é grande, agora, com novos alvos. A vampira desaparece quando mais Karens se aproximam.

 

 

Do outro lado


          — Um novo ataque? Do que está falando, Marcos? — Arthur, o velocista fala ao celular antes de entrar em seu apartamento. O jovem de uniforme prateado deixa os óculos de proteção na mesa, junto de seus fones de ouvido tocando música eletrônica.

— Estamos pensando em fazer uma força tarefa novamente, vamos precisar de você Arthur. Eu não sei o que houve, fazem dias que você viu na televisão o que aconteceu com Lucy, ela está desaparecida.

— A vampira? Droga Marcos, tenta falar com o Mefisto, ele deve saber de alguma coisa.

— Eu não acho que ele vai nos ajudar agora... Arthur, precisamos reunir todos novamente, estou preocupado... — fala o Temerário enquanto pega outra chave inglesa e passa no meio dos canos do motor automotivo.

— Só de ouvir você sério assim me preocupa também... está bem eu estou indo, chego aí em dez minutos, só preciso comer alguma coisa.

— Dez minutos? Por que vai demorar? — responde Marcos enquanto um pouco de graxa cai em seu rosto, o motor do carro ronca baixo. — Isso querida... geme pra mim...

— O que?

— Eu não to transando, por mais que isso pareça.

— Não sei se essa informação me deixa tranquilo. Até logo.

Ao se despedir e desligar o celular, o rapaz rapidamente vai até a cozinha, prepara seis miojos, uma cesta de frutas, quatro sanduíches de mortadela, duas pernas de galinha e senta-se na mesa da sala. Ao colocar seu lanche da tarde nota algo muito estranho. Uma montanha de poeira cobre uma caixa plástica, o bizarro nisso é que sua casa sempre foi muito limpa e a poeira parece o acúmulo de anos bem no centro da mesa. A caixa plástica contém um CD, ele reconhece a própria letra no marca-texto que dá seu título.

Veja sozinho, não confie em ninguém”.

Espantado, ele olha para os lados verificando que não há mais nada fora do lugar, nada foi tocado, a não ser essa relíquia bizarra. O velocista vai até o notebook, vira o CD com cuidado e vê as manchas em sua parte de gravação. O que quer que seja, já está danificado, corroído pelo tempo que estava... mas ela não estava ali de manhã... isso não faz sentido...

Ao colocar o disco no computador, um único arquivo está lá, um vídeo. Ele aumenta o som e vê a si mesmo no vídeo, mas uma versão dele mais velha e muito estranha.

Olá, Arthur. Como você pode ver, eu sou/sou/sou você, mas de outra dimensão.

Um pular na imagem e som do vídeo indicam que a mídia está danificada. O garoto se assusta, olha para trás e vê a câmera no tripé, o ângulo e o sofá no fundo mostram que foi gravado lá mesmo, naquela manhã. Ele sabe disso pelo copo de café abandonado naquela manhã ao lado da mesinha.

Já verificou que sou eu? — fala Arthur pacientemente da tela. — Bom, então preste aten/aten/ção, eu não tenho muito tempo para gra/gravar.

A mídia falha são mensagens do outro mundo, falando do nosso mundo atual e das versões que podemos ser. Depois dos mais longos três minutos da vida de Arthur, a versão mais velha do velocista avisa entre as falhas de vídeo e som.

Traga/a para cá/// Ela// precisa estar aqui. Se ela esti/ver/ver morta// não teremos mais chance. /// A profecia tem que/// Lucy tem que/// aqui.

O vídeo termina, o rapaz fica paralisado sentado em sua cadeira.

FUE 2 e Apocalipse 2 estarão em um único livro.


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