Enemic Secret escrita por Marylin C


Capítulo 1
Feliz Navidad




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Hector encontrou o marido sentado em um dos únicos sofás do ambiente escuro, uma taça de vinho na mão e uma expressão entediada no rosto. Ao seu redor, pessoas desconhecidas dançavam um ritmo frenético que ambos uma vez já tinham aproveitado, as luzes e a penumbra tornando a atmosfera muito mais pessoal do que realmente era.

— Você está muito velho para esse tipo de diversão, Rafa? — indagou com um sorriso de lado, apoiando-se no braço do sofá e abaixando o tronco para beijar o marido. Rafael deu de ombros, uma expressão um pouco melhor que antes.

— Provavelmente sim. Mas me diga: sem você aqui, com quem eu ia dançar?

— Bom ponto. — Hector riu. — Onde está Paula?

— Não faço a menor ideia. Ela estava numa daquelas mesas ali dois minutos atrás, mas sumiu. — o Oficial de Justiça apontou. — Devíamos simplesmente ir pra casa, essa música está me deixando com dor de cabeça.

— É aniversário da sua amiga, Rafa. Devíamos ao menos cumprimentá-la e ficar para o parabéns. — Hector lembrou, fazendo o marido dar um suspiro exasperado. — E depois, não custa nada nos divertirmos um pouco aqui. Eu estou precisando dançar um pouco, sinceramente. — fez uma breve careta que alertou Rafael para o real estado de espírito do homem ruivo ao seu lado.

— Aconteceu alguma coisa? — indagou rapidamente, virando-se para olhar o marido.

— Lembra que íamos tirar o amigo secreto da delegacia hoje? — o agente da CNI disse, ao que Rafael assentiu. — Pois é. Adivinha quem eu tirei.

O homem de barba castanha analisou a expressão desgostosa do marido, fazendo uma careta parecida ao replicar:

— Tulio Santiago?

— Sim! — Hector pôs uma mão no rosto, suspirando. — Por acaso o universo me odeia? O que fiz para merecer isso?

— Bom, cariño, você não poderia ter trocado com alguém? — Rafael sugeriu, e o ruivo fez que não com a cabeça.

— A capitã iria me entender, mas quem organizou o amigo secreto foi aquele amigo do Santiago. Eu não ia dar esse gostinho para eles. — explicou, dando de ombros. — E depois, acho que não seria exatamente maduro da minha parte fazer isso só porque ele me odeia.

O marido assentiu, abrindo espaço para Hector sentar-se ao seu lado no sofá.

— Bom, sinto muito. O que você está pensando em dar pra ele?

— Não faço a menor ideia. Nos ignoramos desde aquele episódio de quando eu comecei a consultar para a polícia de Barcelona, lembra? — o agente disse, pescando a taça de vinho do marido para tomar um gole antes de encostar-se no ombro dele.

— Você é esperto, vai conseguir pensar em algo. — Rafael assegurou, fazendo carinho nos cabelos ruivos de Hector com um pequeno sorriso tranquilizador. — Mas muito bem: vamos nos divertir um pouco, já que fomos obrigados a vir aqui.

O agente assentiu com uma risada, se levantando e entrelaçando seus dedos aos do marido antes de puxá-lo para a pista de dança lotada de pessoas. Rafael fez alguns movimentos esdrúxulos de dança que fizeram Hector gargalhar e imitá-lo, jogando braços e pernas para o ar no ritmo da música. O homem de cabelos castanhos riu junto, os dois fazendo danças igualmente animadas e ridículas ao rodopiar um ao outro pelo salão e chamar a atenção dos presentes. O casal pouco conhecia as pessoas que os olhavam, mas não se importaram em serem contidos. Ambos precisavam daquela noite de distração depois de uma semana cansativa, mesmo que não frequentassem muito aquele tipo de lugar.

Pelo menos duas músicas mais tarde, Paula finalmente encontrou os dois. A procuradora forneceu álcool a Hector, e Rafael abriu um sorriso desaprovador ao guardar no bolso de seu casaco a gravata que o marido largou em algum momento da festa. Era um acordo mútuo e pouco comentado entre o casal que, quando um bebia, o outro deveria ficar minimamente sóbrio para contenção de danos. Mesmo o Oficial de Justiça tendo tomado uma taça de vinho, se considerou o mais sóbrio dos dois e foi quem, no final da noite, cuidou para que o marido adormecido não batesse a cabeça no vidro do táxi que os levaria para casa.

Depois de por Hector na cama, Rafael abriu a porta do quarto de seus filhos, vendo a garotinha agarrar-se ao menino enquanto os dois dormiam profundamente. Ele tinha agradecido à cunhada por cuidar deles logo que chegou da festa, ganhando um sorriso cansado em troca. Encostou-se à moldura da porta branca, observando o sono tranquilo de seu Felipe e sua Amélia com um pequeno sorriso feliz. A pequena Mia tinha a própria cama, do outro lado do quarto, mas insistia em dormir com o irmão todos os dias. Lipe nunca reclamava, realmente afeiçoado à irmãzinha que o idolatrava. Seus filhos, o homem de cabelos castanhos repetiu para si mesmo em pensamento. Sua família.

Beijou a testa de cada um e voltou a fechar a porta do quarto, se dirigindo para a cozinha e, alguns minutos depois, se acomodando com uma manta e um chocolate quente próximo à lareira a álcool de seu apartamento, um livro em mãos enquanto aproveitava a rara quietude da sala de estar.  Com duas crianças pequenas em casa, poucas vezes tudo estava em completo silêncio. Se acostumara com a bagunça infantil e com ler em meio ao barulho, mas esses raros momentos de solitude consigo mesmo eram necessários.

Refletiu sobre o problema que Hector tinha-lhe confidenciado no começo da festa. Suas entranhas se reviravam de raiva toda vez que pensava no sorriso cínico de Tulio Santiago, mas ele tinha que admitir para si mesmo que aquele rancor era pouquíssimo maduro de sua parte. Ele tinha sido ridículo com Hector, é claro, mas fazia mais de 10 anos desde o ocorrido. As pessoas podiam mudar, certo?

Revirou os olhos para si mesmo ao reparar que estava lendo o mesmo parágrafo pela quarta vez, e decidiu ir dormir. Conversaria com seu marido de manhã.

 

***

 

O sangue manchava o branco da longa barba do velhinho, os olhos abertos não vendo coisa alguma por detrás dos óculos redondos. O policial estremeceu, aconchegando-se mais em seu grosso casaco antes de analisar a cena de crime. A causa da morte parecia ter sido um único tiro na cabeça, a longa distância. Ele olhou em volta, para os outros oficiais contendo o olhar curioso do público, e reparou a grande quantidade de prédios ao redor daquela praça. Qualquer um poderia ter atirado no Papai Noel dali, de qualquer lugar.

— Santiago! — ele se virou ao ouvir seu nome, apenas para conter uma careta ao ver sua capitã chegando com o agente ruivo da CNI. — Você é o detetive responsável por esse caso, não é?

— Sim, senhora. — respondeu, sem olhar para o homem ao lado dela.

— Bom, esse homicídio é o terceiro em duas semanas. — a mulher de olhar firme disse, e fez um gesto para o agente ao seu lado. — Como sabe, assassinos em série são especialidade da CNI. Portanto, o agente Martinez irá trabalhar com você nesse caso.

— Sim, senhora. — repetiu, fazendo um esforço para conter o desgosto em sua voz. A capitã Pezzino sorriu-lhe brevemente e seguiu seu caminho, deixando os dois homens sozinhos. Martinez não parou para conversar sobre o tempo, apenas analisou o corpo e fez o mesmo movimento que ele, ao olhar para os prédios.

— O tiro veio daquela direção. — apontou para o norte e para cima, franzindo a testa. — Como das outras vezes. Precisaremos verificar todos os prédios desse lado.

— Eu poderia ter chegado a essa conclusão sozinho. — Santiago não conteve o revirar de olhos, e o homem ruivo encarou-lhe com uma expressão séria.

— Santiago, realmente precisaremos trabalhar juntos dessa vez. — disse, os ombros tensos a única indicação de seu real estado de nervos. — É dezembro. Há poucos policiais e poucos agentes, não podemos simplesmente trocar de casos para nos evitar como fizemos pelos últimos dez anos.

— E o que você propõe? — o homem de traços asiáticos cruzou os braços, e Martinez suspirou.

— Que nos tratemos com respeito durante o caso, e continuemos a nos ignorar fora dele. — deu de ombros. — Sem sarcasmo, sem revirar de olhos, sem caretas. Pode ser?

— Pode. — Santiago cedeu, e os dois voltaram a analisar o corpo do velhinho vestido de Papai Noel. O agente ruivo tirou um celular do bolso, abrindo arquivos dos casos anteriores e ampliando imagens para mostrá-las ao colega de trabalho. — As cenas de crime são praticamente as mesmas, com prédios e lugares altos ao redor. E por volta da mesma hora do dia, quando o fluxo de pessoas está muito alto.

— Isso indica organização. E o atirador precisaria ser muito bom, talvez com passado militar. — comentou o policial, e Martinez assentiu. — A balística precisa analisar a bala para termos certeza da ligação entre os três assassinatos.

— Mas bem, não é sempre que Papais Noel são mortos. E ainda mais com o mesmo modus operandi.

Os dois continuaram seu debate, dando ordens aos policiais e fazendo anotações em seus celulares. Santiago odiou admitir, mas o ruivo trabalhava bem. Era conhecido como um dos melhores agentes da CNI por um motivo, afinal.

 

***

O homem de olhos puxados massageava os pés da esposa, ouvindo-a discorrer animadamente sobre a confraternização que ela tinha organizado com os amigos do trabalho. A mulher negra tinha um sorriso de satisfação nos lábios e vestia um antigo suéter roxo que um dia tinha pertencido ao marido, mas que ela monopolizara há anos.

— Você lembra da Maria, certo? A professora de português? — quando Tulio assentiu, ela deu uma gargalhada — Ela ficou tão bêbada que tivemos que impedi-la de tirar a roupa no meio do bar!

Tulio Santiago riu junto, alcançando o pote de hidratante no criado-mudo da cama para passá-lo no outro pé da esposa.

— Também tiramos aquelas fotos instantâneas de máquina, e andamos pelos bares de tapas daquela rua do Paragon. Foi muito divertido! — ela comentou, soltando os cheios cabelos cacheados do rabo-de-cavalo que tinha feito logo ao chegar em casa.

— Fico feliz que você tenha se divertido. — Tulio sorriu-lhe — E me desculpe por não ter conseguido ir. Esse caso está me matando.

— Tudo bem, eu supero. Os cônjuges dos meus amigos são ótimos e não me deixaram ficar de vela. — ela respondeu — Não muito, pelo menos.

— Augusto se livrou daquele namorado abusivo? — ele indagou, sabendo que Julieta ficava muito preocupada com o amigo, professor de biologia da escola em que ela ensinava teatro. Mas ela não teria dito que tinha se divertido tanto se o monstro que Augusto chamava de namorado tivesse ido.

— Oh, sim! Finalmente! — Julieta bateu palmas, contente. — Fiquei bem orgulhosa, ele é bom demais para aquele homem horroroso.

— Se ele quiser prestar queixa ou algo assim, é só falar que eu consigo desenrolar. — Tulio ofereceu, ao que a esposa soltou um suspiro de admiração com um sorriso lento.

— Fico muito feliz de você ter parado de ser aquele babaca ridículo por quem eu me apaixonei. — comentou, e o policial ergueu uma sobrancelha.

— Como você se apaixonou por um babaca ridículo, então? — indagou, divertido. Julieta deu de ombros.

— Eu sempre gostei de um problema, e você não era de todo ruim. Cortar fora suas partes babacas ridículas ao longo desses anos tem sido bem divertido.

— Você poderia ter se dado muito mal.

— Eu sei, não recomendo arriscar assim a ninguém. — ela sorriu — Mas valeu a pena, não valeu?

— Você que me diz.  — Tulio terminou a massagem, distraidamente passando o creme restante de suas mãos em seus cotovelos antes de deitar ao lado da esposa na cama. — Qual é a parte babaca ridícula que você pretende tirar de mim dessa vez?

— A parte que é orgulhosa demais para pedir perdão por uma brincadeira ridiculamente homofóbica que fez dez anos atrás e por isso trata mal o maior afetado por ela. — Julieta respondeu de pronto, fazendo o policial revirar os olhos.

— Não é por isso que eu não falo com ele, certo? Ele é que não fala comigo.

— E você pode culpá-lo? — ela cruzou os braços, erguendo uma sobrancelha.

— Bom, não. E mesmo assim, ele se acha muito superior só porque é da CNI. Ele é…

— Seu superior. E um contato útil de se ter. E alguém a quem você deve desculpas. — a professora interrompeu, enumerando cada ponto com um dedo. — Não acha que isso já durou tempo demais?

— Sim, mas… — suspirou ao vê-la erguer mais as sobrancelhas, sabendo que estava completamente errado nessa discussão. — Certo, você tem razão. Mas ainda assim, somos muito diferentes. Não dá pra sermos amigos assim do nada.

— O ponto não é arrumar um amigo. É fazer a coisa certa. Trabalhe direito, seja gentil e veja o resultado. Se ele não aceitar suas desculpas, você ao menos tentou. — ela disse — E depois, eu não acho que vocês sejam tão diferentes assim.

— Você é muito sensata. — Tulio sorriu.

— Alguém nessa casa tem que ser, não é mesmo? — Julieta respondeu com uma risada, se ajeitando para encostar uma cabeça no ombro do marido. A conversa dos dois seguiu, confortável e corriqueira de um casal acostumado com a presença um do outro há anos. Mas Tulio ficou com os argumentos de Julieta na cabeça. Ela tinha razão, é claro. Mas seu orgulho era algo difícil de transpassar, como ela também sabia. Mas era o certo. E Tulio Santiago era alguém que se esforçava para fazer as coisas certas, por mais que elas doessem.

 

***

 

O agente de cabelos ruivos empurrava a cadeira de rodas, sua garotinha no colo do homem sentado juntamente com algumas das sacolas das compras daquela tarde.

— Tem certeza que não está pesado pra você, amigo? — Rui perguntou, girando o tronco para poder ver Hector dar de ombros com um sorriso.

— Está tudo bem. É melhor eu me desgastar te empurrando que perseguindo a Mia pela rua. — respondeu, observando a garotinha risonha bater palmas para os sons de carros e música de Natal. Rui tinha posto Amélia em seu colo logo que os três saíram do carro para comprar presentes natalinos, sabendo que a pequena de cabelos castanhos adorava andar em sua cadeira de rodas tanto quanto gostava de correr.

— Então tudo bem. Você quem sabe. — o policial loiro sorriu, chamando a atenção da garotinha para brincar com os dedos dela. Era mais seguro daquele jeito, já que estavam fazendo compras e Hector não poderia impedir sua menininha cega de bater a cabeça em algum lugar. Quando estava com Rafael e Felipe, era mais fácil. Mas os dois categoricamente odiavam andar de loja em loja com o ruivo, especialmente no Natal, então tinham ficado em casa lendo seus livros. Mia, por outro lado, adorava ouvir o barulho e sentir a movimentação das pessoas, e Rui precisava de uma companhia para fazer suas compras por causa da cadeira de rodas. Logo, uniram o útil ao agradável.

— Quem falta na sua lista? — Hector indagou para Rui, que abriu o celular para riscar mais um nome da lista, um braço passado ao redor da garotinha em seu colo para impedi-la de cair.

— Só o do amigo secreto da delegacia. — anunciou. — Quem você tirou?

— Só vou contar porque você é meu amigo e eu preciso de ajuda. — o agente afirmou, suspirando exasperado. Os três adentraram um café para fugir do frio, o ruivo manobrando habilmente a cadeira de rodas do amigo para uma mesa de fácil acesso. — Tirei o Santiago.

— Mentira! — Rui gargalhou, fazendo Hector fazer uma careta antes de se sentar. O loiro deixou Amélia brincar com um bicho de pelúcia na cadeira ao seu lado, tentando controlar-se para parar de rir.

— Eu não acho isso nem um pouco engraçado.

— Ah, você tem que admitir que é engraçado sim! — ele exclamou — Vocês têm essa intriga há dez anos e agora você tem que comprar presente pra ele. É ironia do universo que chama, não é?

Hector revirou os olhos, poupando-se de responder ao fazer um sinal para a garçonete mais próxima e pedir um chá preto para si e um chocolate quente infantil para sua garotinha. Rui pediu um macchiato, e o ruivo fez um comentário sarcástico para o gosto extravagante do amigo antes de falar:

— Me ajude a pensar num presente pra ele, sim?

— Eu acho que está mais do que na hora de vocês pararem com essa briga infantil. — o loiro comentou. — Vocês estão trabalhando juntos no caso dos Papais Noel assassinados, não é?

— É. Mas ainda assim, só falamos de trabalho por motivos óbvios. Ele me odeia, Rui.

— Tem certeza que ele te odeia? — Rui indagou. — Ou é apenas despeito por vocês se ignorarem esse tempo todo e arrastarem um rancor inútil?

— Isso é quase a mesma coisa, não? E ele é um homofóbico ridículo, lembra? — Hector deu de ombros, e o policial revirou os olhos.

— Você pode ser bem retardado quando quer, não é? O Santiago é o orgulho em pessoa, mas dez anos se passaram. As pessoas mudam, Hector. — afirmou, sério. — Me responda sinceramente agora: qual foi a última vez que você ouviu ele fazer uma piada homofóbica?

— Foi… Daquela vez que… — o agente hesitou, subitamente parando para pensar. — Faz anos.

— Da última vez que algum dos amigos dele fez uma piada homofóbica, o que ele fez?

— Rui, eu não prestei atenção. Minha vida não gira em torno de Tulio Santiago, sabia? — Hector bufou, e Rui ergueu uma sobrancelha.

— Você é pago para prestar atenção, pare com seu drama. O que ele fez? Responda.

— Repreendeu o amigo, foi umas semanas atrás. — o ruivo constatou de má vontade.

— Pois é. Eu acho que vocês trabalharem juntos em um caso é uma ótima oportunidade para você conhecê-lo melhor e notar que ele não é mais o babaca de dez anos atrás.

— E desde quando você defende o Santiago? — Hector franziu as sobrancelhas.

— Desde quando notei que essa briga de vocês ficou ridícula, depois daquele caso que me deixou nessa porcaria. — Rui apontou para a cadeira de rodas. — Ele levou um tiro na mão tentando me carregar para longe, lembra? Ele podia ter morrido quando saiu da cobertura daquele jeito, mas me ajudou mesmo assim.

— Isso faz dele um bom policial, mas ainda tenho minhas dúvidas sobre essa mudança que você reforçou tanto. — o agente disse, e o policial loiro soltou um riso incrédulo.

— Você acha que ele teria feito isso dez anos atrás?

O ruivo suspirou, sabendo que o amigo tinha razão. O caso que tinha feito Rui levar um tiro tinha sido o mais tenso que eles tinham resolvido em anos, e Hector se lembrava de ter feito uma ligação desesperada para seu marido sentado na sala de espera do hospital em que o amigo estava em cirurgia. Fazia quase um ano que isso tinha acontecido, e Santiago tinha voltado à ativa depois de três meses de fisioterapia na mão. Rui, por outro lado, estava confinado à cadeira de roda por pelo menos o próximo semestre. Mas três meses de licença era algo impensável para alguém orgulhoso como o homem de traços asiáticos que categoricamente ignorava Hector, e ele não tinha hesitado ao correr para salvar um colega de trabalho que nem era próximo dele.

Aquilo podia não contar muito no quesito ‘ele não é mais homofóbico’, mas o agente foi obrigado a reconhecer que esse fato confirmava ao menos uma das mudanças que o tempo e a experiência tinham orquestrado em Tulio Santiago. Ele se importava.

 

***

 

A garotinha de cabelos castanhos dava pulinhos animados no lugar, de mãos dadas com o pai enquanto ouvia atentamente os rumores das conversas das pessoas ao seu redor e sentia o frio de Barcelona no inverno em seu rosto diminuto. Ao seu lado, seu irmão descrevia-lhe em detalhes as cores e as roupas do Papai Noel que eles visitariam em minutos, deixando-a mais curiosa ainda. Queria tocar a barba de algodão e entender o vermelho.

— Lipe, você vai tirar foto com o Papai Noel também, certo? — Rafael perguntou, de mãos dadas com Mia enquanto os três esperavam na fila.

— Vou, mas é a última vez. — Felipe respondeu, tirando parte de sua franja de cabelos loiros de cima dos olhos. — Eu sou grande demais pra isso, Fael.

— Oh, então você também é grande demais para ganhar presente do Papai Noel? — o homem de barba castanha indagou, erguendo uma sobrancelha para o filho mais velho.

— Claro que não! — o menino cruzou os braços, fazendo Rafael rir. Naquele momento Hector chegou com copos de chocolate quente para todos, também se colocando na fila de ver o Papai Noel daquela praça. Apenas a tensão em sua postura denunciava seu estado de espírito como algo diferente de animado para aquela tradição de Natal, os olhares furtivos que ele dava às construções ao redor do lugar passando despercebidos até por seu marido.

Eles eram os últimos da longa fila de famílias que queria tirar fotos com o Papai Noel, até um casal chegar com um garotinho. Hector arregalou os olhos em surpresa por meio segundo, antes de respirar fundo e abrir um sorriso cordial para o homem de traços asiáticos que parou ao seu lado:

— Santiago, como vai?

— Vou bem, Martinez. — apertou a mão do colega com polidez, sentindo o olhar atento de sua esposa ao seu lado. — Essa é Julieta, minha esposa, e meu menino, Alexandre. — apresentou em seguida, e o agente ruivo cumprimentou ambos com sorrisos antes de também fazer suas apresentações:

— Esse é Rafael, meu marido, e esses são Felipe e Amélia.

Trocas de apertos de mão e elogios educados de prazer em conhecer foram trocados entre os adultos, Felipe disfarçadamente escondendo-se atrás de Rafael para analisar o garoto moreno que parecia ter a sua idade sem se sentir desprotegido. Alex, por outro lado, estava mais atento ao ambiente ao seu redor que ao novo conhecido, e foi o primeiro a arregalar os olhos e agarrar-se ao pai quando a confusão começou.

Um tiro foi ouvido à distância, e a multidão de pessoas correndo englobou as duas famílias que conversavam. O primeiro instinto de Martinez e Santiago foi abaixar as cabeças de seus entes queridos, guiando-os com rapidez para o primeiro abrigo que pensaram: a parte de baixo de um prédio do outro lado da rua, longe da multidão.

— Pai? — Alex chamou, de olhos arregalados. — O Papai Noel morreu.

Tulio olhou na direção em que seu menino apontava, e as outras três cenas de crime iguais àquela surgiram em sua mente pelos dois segundos que teve antes de Rafael exclamar:

— Meu Deus, a Mia!

— Onde ela está?! — Hector perguntou nervosamente ao marido — Achei que ela estava com você!

— E eu achei que você tinha pego ela na confusão! — o mais alto disse, e os dois respiraram fundo ao mesmo tempo antes de olhar para o lugar de onde tinham vindo, a multidão de transeuntes assustados correndo para todas as direções e impedindo-os de localizar sua garotinha. Eles se olharam e se preparam para voltar para a praça antes de Santiago interromper:

— Esperem!

— Será que você não entende nada?! — Rafael vociferou, os olhos brilhando de preocupação e raiva — Ela é uma menina cega de três anos perdida em uma multidão!

— Eu sei! Será que dá pra me escutar?! — o homem de cabelos negros gritou, gesticulando muito. — Precisamos controlar a multidão para conseguirmos achar a garotinha, não tem outro jeito!

— E o que você sugere? — Hector cruzou os braços para esconder o tremor de suas mãos, impaciente.

— Vamos nos dividir. Julieta, você encontra um lugar mais seguro que esse com os meninos e liga para a delegacia. — ele voltou-se para a esposa, que assentiu. — Martinez, você usa o seu distintivo para fazer as pessoas se afastarem enquanto eu e Rafael procuramos a menina. Pode ser?

— Mas pai, eu… — Alex começou a dizer, mas Tulio voltou-se para ele com seriedade:

— Fique com sua mãe, eu não quero que você se perca também.

— Mas…

— Eu aceito o plano. — Hector falou, depois de olhar para o marido em busca de uma afirmativa. — Felipe, fique com a tia Julieta, certo?

E os três homens partiram para o meio da multidão, Julieta já começando a discar o número da capitã para avisá-la do que estava acontecendo. Alex bufou, frustrado, e Felipe franziu a testa para ele.

— O que você ia dizer pro seu pai? — indagou, e o menino moreno respondeu:

— Eu ia dizer que vi pra onde sua irmã foi. A multidão meio que arrastou ela.

— Pra onde?! — Felipe arregalou os olhos azuis, e Alex fez uma linha curva com o dedo partindo do ponto aproximado em que eles estavam antes da confusão começar.

— Eu tentei segurar ela, mas minha mãe me puxou pra longe.

— Então vamos atrás! — o menino loiro afirmou, mas o moreno hesitou ao olhar a mãe falando no telefone. — É minha irmã, Alex! Vamos!

Alex então se decidiu, segurando a mão de Felipe e puxando-o para o meio da multidão enlouquecida. Ainda ouviram o grito de Julieta chamando-os de volta, mas não deram-lhe atenção. Desviaram de pessoas e pularam cercas, passando por decorações natalinas derrubadas e parentes desesperados ligando para a polícia e gritando por seus familiares. Ambos ignoraram o máximo possível a estrutura montada para o Papai Noel que agora estava morto, o garoto moreno puxando o loiro a toda velocidade. Ele então chegaram a uma escultura de mármore, quase no centro da praça, e primeiro ouviram o choro desesperado antes de ver Amélia agarrada à base da construção. A menininha tinha perdido o cachecol e segurava o gorro cor de rosa com uma mão, a outra tocando a estátua fria como se para confirmar onde estava.

— Mia! — Felipe gritou, e quase soltou a mão de Alex para atravessar a pequena multidão. O garoto de olhos puxados o impediu de soltar-se, com um olhar sério para os montes de pessoas que corriam entre eles e a garotinha.

— Você não pode soltar, senão vamos nos perder um do outro! — exclamou, e o loiro assentiu. Os dois contaram até três e então correram juntos, alcançando Mia e dando suspiros iguais de alívio. A menininha continuou chorando, e Alex foi o primeiro a abaixar-se até ela para dizer, o mais calmamente que conseguiu — Ei, flor. Achamos você. Não chora.

Amélia hesitantemente tirou a mão da estátua para tocar o rosto de Alex, e Felipe se ajoelhou ao lado dela para sorrir-lhe e acrescentar:

— Sou eu, Mia. Lipe. Eu e o Alex estamos aqui.

— Lipe! — a garotinha repetiu aliviada, dando dois passos hesitantes para abraçar o irmão. — Alex?

— Isso, meu nome é Alex. — o menino confirmou, levando a mão dela para seus cabelos ondulados. Ele tinha perdido o próprio gorro do meio do caminho, Felipe notou. Mia riu, brincando com os fios negros e então repetindo o nome de Alex, como que para ter certeza de que ia se lembrar. Então se voltou para o menino de cabelos loiros, comentando — Agora precisamos descobrir como voltar para…

— O que diabos vocês estão fazendo aqui?! — a voz de Rafael interrompeu o raciocínio do menino, e Mia voltou o rosto para onde tinha ouvido a voz do pai, os últimos resquícios de suas lágrimas indo embora ao bater palmas e estender os braços na direção dele. O homem pegou a menina no colo, abraçando-a aliviado, e então se voltou aos dois garotos que tinham níveis diferentes de culpa em seus olhares. — Disseram para vocês ficarem com Julieta, não foi?

— Sim, senhor. — Alex respondeu primeiro — Mas eu tinha visto pra onde a menina tinha ido e quis ajudar, aí arrastei o Felipe junto comigo.

— Mas quem insistiu em sair de lá fui eu, Fael. — Felipe acrescentou rapidamente, sem deixar o outro levar toda a culpa. — Queria achar a Mia, tava preocupado também.

— Eu sei, Lipe. Mas o que eu faria se tivesse perdido você também? — Rafael indagou, e voltou-se para Alex — O que sua mãe faria se tivesse perdido você? Tenho certeza que ela está desesperada agora.

— Eu sei, senhor. Desculpe. — Alex abaixou a cabeça, e então o pai de Felipe pôs uma mão em seu ombro. Ele ergueu os olhos escuros, e se surpreendeu ao ver um pequeno sorriso no rosto do homem.

— Mas obrigado por achar minha menina, Alex.

— De nada, senhor. — ele sorriu de volta, e só então os três notaram que a multidão tinha praticamente se dispersado e o barulho das sirenes de polícia invadiam o ar. Os quatro voltaram para o ponto do outro lado da rua onde tinham anteriormente deixado Julieta, e ela abraçou o filho aliviada.

— Nunca mais faça isso, ouviu?! — brigou, alguns cachos de seu cabelo escapando do coque alto que tinha feito. Alex assentiu, e olhou Felipe com um pequeno sorriso cúmplice. O menino loiro sorriu de volta, e desse dia em diante os dois se tornaram amigos. Há poucas coisas que se pode fazer juntos sem acabar gostando um do outro, e enfrentar uma multidão apavorada para achar uma menininha era uma dessas coisas.

Foi então que Santiago se aproximou, respirando forte depois de ter corrido uma praça inteira. Ele sorriu aliviado quando viu que Amélia tinha sido encontrada, trocando um acenar de cabeça com Rafael antes de voltar para a cena do crime. Hector tinha acabado de dar ordens aos policiais recém-chegados ao ver o homem de olhos puxados chegar.

— Sua menina está segura. — anunciou, e o ruivo soltou um suspiro aliviado. — Mesmo modus operandi?

— Sim. — o agente respondeu, e os dois voltaram a falar do caso como se o caos anterior não tivesse existido. Mas existiu, e Hector Martinez passaria a noite em claro pensando em todas as coisas desastrosas que poderiam ter ocorrido se… Argh, se Santiago não tivesse tido a ideia de controlar a multidão. E se oferecido para procurar Mia ao invés de dar ordens. Se Santiago não estivesse lá, provavelmente tudo teria dado errado.

Precisava agradecer a ele. E, de repente, a ideia de escolher um bom presente para o amigo secreto da delegacia não soava tão ruim assim.

 

***

 

O homem de cabelos negros olhou para a foto em sua mesa, de um garotinho sorridente e com um dente faltando mostrando as mãos sujas de tinta, e abriu um leve sorriso. Se levantou da cadeira com a caneca de café em mãos, refletindo que deveria comprar o presente do filho depois que saísse do trabalho naquela tarde mesmo e pensando se deveria deixá-lo debaixo da árvore ou escondê-lo. Achou melhor escondê-lo, já que seu Alex era uma criatura curiosa que provavelmente adivinharia o que era e o quebraria antes mesmo da semana do Natal chegar. Mas o que comprar para ele? Lembrava-se de boa parte dos itens que o garoto tinha pedido, mas precisava ser algo especial. Será que…?

— Oh, merda! Desculpe, Martinez! — exclamou quando tropeçou no homem ruivo que cruzava o corredor e ambos foram ao chão, a caneca se partindo em vários pedaços e esparramando o café no chão. — Você se machucou? — acrescentou ao notar o agente Martinez rapidamente segurar uma mão com a outra.

— Foi só um corte, nada demais. — ele mostrou a mão, de onde partia um corte que sangrava e obviamente contradizia a afirmação do homem ruivo.

— Você está sangrando. — Santiago replicou, prontamente tirando um lenço do bolso e apertando o corte do agente com ele. Apertou os lábios com preocupação antes de afastar-se, deixando-o segurar o lenço para estancar o próprio sangue.

— Está tudo bem. Estou acostumado a tropeçar no nada, ao menos dessa vez foi em alguma coisa. — Martinez respondeu, dando de ombros e erguendo uma sobrancelha para o policial, que tinha rido levemente. Os traços asiáticos e o queixo bem desenhado faziam-no se sobressair na multidão, assim como o porte atlético e a postura bem alinhada. Hector lembrava de ter quase literalmente babado quando tinha sido apresentado a ele, dez anos atrás, mas agora o que sentia por ele era uma curiosidade cuidadosa. — Você esqueceu de me ignorar. — pontuou, fazendo Santiago abrir um sorriso amarelo.

— Foi. — concordou, voltando a ficar sério. — Eu estava tão distraído que esqueci. Não vai acontecer de novo.

— Bom, espero mesmo que não nos esbarremos assim desastrosamente de novo. Mas não precisa me ignorar.

— Não preciso? — Santiago franziu a testa, em dúvida. — Você não me odeia? Por causa… daquilo?

— Hm, acho que o ódio deu uma trégua porque é Natal. — disse, com um gesto de descaso. Então sorriu. — E depois, somos adultos. Faz séculos que isso aconteceu. Além disso, preciso te agradecer por ajudar a achar Mia naquele dia terrível.

— Concordo. E não precisa me agradecer, só fiz o que achei que era o correto. — Santiago se levantou, estendendo uma mão para ajudar Martinez a se levantar. Sua esposa ficaria orgulhosa, refletiu consigo mesmo. Julieta passara anos reclamando da criança mimada que ele tinha sido naquela situação de 10 anos atrás, até que ele realmente entendeu que ela estava certa. Respirou fundo e acrescentou — Trégua?

— Trégua. — Martinez sorriu, apertando sua mão com a que não estava machucada. Os dois começaram a seguir seus caminhos, Santiago pensando em onde conseguir uma pá para limpar aqueles cacos de porcelana, até que ouviu o ruivo chamá-lo novamente — Santiago?

— Huh? — se virou, e o agente falou:

— Semana que vem vai ter jogo do Barcelona no Camp Nou. Um amigo meu é goleiro lá e me deu ingressos. Eu e meu marido vamos levar nosso mais velho. Quer levar seu menino também?

— Você tem ingressos pra mim? — espantou-se, e Hector deu de ombros.

— Sim. Vem conosco?

— Acho que sim. — Santiago sorriu — Preciso falar com minha esposa primeiro, ela é quem dá as ordens.

— Correto. — o ruivo riu — Me avise se quiser ir para eu guardar os ingressos.

— Certo. Obrigado pelo convite, Martinez.

— Não por isso, Santiago.

E os dois seguiram seus caminhos, certamente tendo pensamentos parecidos sobre como falar sobre aquilo para seus respectivos cônjuges e presentes a serem comprados para seus filhos. Afinal, não eram tão diferentes assim.

***

 

Tulio trancou a porta da cela, jogando as chaves para Hector. Os dois sorriram e agradeceram as palmas dos colegas de trabalho com reverências divertidas, que os esperavam terminar de fichar o assassino dos Papais Noel para começar a confraternização da delegacia. A capitã os observava colocar todos os documentos e evidências em uma caixa com os braços cruzados e uma expressão orgulhosa no rosto, feliz que dois de seus melhores homens tinham finalmente se entendido. Maia Pezzino soltou os cabelos lisos do rabo de cavalo, arrumando-os brevemente antes de bater uma palma:

— Muito bem, senhores. O show acabou! Vamos embora daqui.

— Sim, capitã! — a maioria dos homens assentiu, começando a sair da delegacia e organizarem-se em caronas. Hector estaria dirigindo e Tulio e Maia iriam com ele daquela vez, já que a festa seria na casa de Rui. O policial loiro podia estar afastado de seu cargo, mas todos na delegacia ainda o consideravam um colega e um amigo.

— É uma pena que votamos em não levar nossos cônjuges dessa vez, capitã. — o ruivo comentou, entrando no carro primeiro e aguardando os dois colegas. — Faz algum tempo desde a última vez que vi Antonia.

— Verdade. — Maia concordou com um sorriso — Mas Anya saiu com nossas sobrinhas hoje, então nem se pudesse você a veria. Deveríamos marcar uma saída, nós e nossos cônjuges, hein? — acrescentou com um olhar para Tulio, que estava no banco de trás.

— Concordo. Depois de toda essa bagunça de fim de ano, podemos marcar sim. — ele sorriu, seus olhos puxados quase desaparecendo em linhas finas parecidas — Especialmente agora que Alex ficou tão amigo de Felipe.

— Eu estou quase arrumando um telefone pro Lipe, do tanto que ele me pede o meu para conversar com o Alex. — Hector riu. — Aquele dia do jogo do Barcelona foi o definitivo para torná-los amigos, não foi?

— Assim como foi o dia para nos tornamos amigos de vez. — Tulio acrescentou com uma risada — Foi um dia bem divertido.

— Ainda bem que ambos se resolveram finalmente. — Maia disse. — Posso finalmente fazer uma divisão de casos em que minha equipe fica em seu máximo de efetividade.

— Você não me contou como conseguiu aqueles ingressos, Martinez. Os lugares eram realmente muito bons. — Santigo comentou, e o motorista ruivo sorriu.

— Eu mencionei que o goleiro é meu amigo, certo? — deu de ombros — Acontece que ele também é meu ex. Ficamos amigos depois de termos terminado, e ele consegue esses favores para mim quase sempre.

Tulio assentiu, rindo. Os três continuaram conversando enquanto Hector dirigia, sobre casos já resolvidos e suas famílias e o mais recente sucesso: a resolução do caso dos Papais Noel assassinados. Santiago e Martinez tinham passado muitas noites sem dormir, investigando e analisando e coletando informações, para poderem respirar aliviados naquele dia 22 de Dezembro. O culpado era um franco-atirador que nutria um ódio particular pelo Natal, e os dois só conseguiram prendê-lo por terem entendido seu método e conseguindo prever o próximo lugar em que ele atiraria. Apenas um bom trabalho de detetive, como eles comentariam com os jornais na manhã seguinte.

Os três chegaram ao apartamento de Rui, Hector tendo estacionado na rua e saído do carro com uma caixa de presente. Santiago e Pezzino levavam sacolas, e os três esperaram outros dois colegas os alcançarem antes de subirem de elevador até o andar correto. A porta do apartamento estava aberta, e as risadas de seus colegas invadiam o corredor. Rui se encontrava próximo à sua lareira, e ao entrar Hector precisou admitir que tinha sido uma boa ideia deixar Rafael redecorar o apartamento do amigo. Ele tinha deixado o ambiente adaptado para as necessidades momentâneas do policial loiro, com poucas prateleiras e um espaço amplo para transitar com a cadeira, além dos tons de marrom e azul combinarem perfeitamente com a personalidade animada e tranquila do dono do apartamento.

— Muito bem! Agora que a capitã chegou, podemos começar! — ele bateu uma palma, recebendo a atenção de todos. O homem ao lado dele, que Hector reconheceu como sendo o amigo de Santiago que tinha organizado o amigo secreto, tirou uma sacola de aparentemente lugar nenhum e começou a fazer uma descrição animada de quem ele tinha tirado. As outras pessoas rapidamente acertaram, uma moça de cabelos castanhos que se chamava Diana, e assim o jogo seguiu entre bebidas e risadas até demorarem um século para acertarem a capitã Maia.

— Como você sabia que a minha máquina de café tinha quebrado, Juan? — ela indagou com um sorriso animado ao abrir o presente. O policial em questão deu de ombros, erguendo sua taça em um brinde à felicidade de sua superior, e então foi a vez dela. Maia deu um relógio de parede para sua sorteada, uma estagiária que vivia perdendo a hora, e ela tirou mais uma das poucas mulheres presentes até essa mulher abrir um sorriso solene e dizer:

— A pessoa que eu tirei está sempre animada, encoraja os colegas e adora um bom chá. Ele sempre está disposto a ajudar e é muito melhor investigador que quase todos os presentes. Sem ofensas, é claro. — acrescentou, quando todos soltaram gritos de animado protesto. Quando a sala voltou a se aquietar, foi Rui quem iniciou as adivinhações:

— Claramente é o agente Hector Martinez!

E essa exclamação foi seguida por um coro de concordância enquanto a moça assentia e entregava uma caixa de presente muito bem embrulhada a Hector, que riu e a abraçou antes de ir para o centro da sala com sua caixa e abrir o presente. Ele arregalou os olhos com um sorriso incrédulo ao abrir um jogo de chá de porcelana, as xícaras em um delicado tom de branco com acabamento em dourado.

— Melanie, como você adivinhou? — deixou o presente cuidadosamente em cima da mesa para abraçar mais uma vez a moça, que deu de ombros com um sorriso de lado.

— Eu fui atrás do Rafael, é claro. Ele disse que você tinha ficado um pouco triste quando seus pequenos quebraram o jogo de chá que você tinha, e ainda especificou cores e detalhes.

— É, bem a cara dele falar de cores para combinar com a mobília de casa ou algo assim. — ele revirou os olhos, mas tinha um sorriso agradecido no rosto salpicado de sardas. Então voltou-se para os colegas ao seu redor, fazendo um gesto dramático para sua caixa e pigarreando antes de falar — Quando tiramos esse amigo secreto, eu juro a vocês que quis muito sumir para não ter que comprar um presente para essa pessoa.

— Sou eu, não sou? — Tulio comentou, e Hector cruzou os braços em uma falsa irritação.

— Me deixe continuar, ridículo. — voltou a olhar para as pessoas com um sorriso — Muito bem, eu não tinha ideia do que fazer. Mas acabei aceitando o desafio, e coincidentemente fui colocado em um caso junto com essa pessoa. Acabamos deixando para trás as desavenças de dez anos atrás e atualmente estou contente de chamar essa pessoa de amigo. — encarou Santiago, que sorria. — Ele é sarcástico, irritantemente bonito e odeia estar errado, além de ser uma das pessoas que mais amadureceu em todos esses anos que estou trabalhando aqui com vocês.

— Santiago! — gritaram todos, batendo palmas quando o homem de olhos puxados se levantou para abraçar o agente ruivo.

— Sou irritantemente bonito, é? — ergueu uma sobrancelha, e Hector deu de ombros.

— Obviamente é um dos motivos que fez Julieta casar com você. Agora abre a caixa.

— Antes disso, tenho que te falar algo. — Tulio sorriu — Acho que nunca pedi desculpas formalmente por aquela brincadeira de dez anos atrás. Então queria fazer isso agora. — ele respirou fundo, ficando subitamente sério, e disse — Me perdoe por ter feito aquilo com você, não foi nem um pouco gentil da minha parte. Eu fui preconceituoso, babaca e ridículo.

— Desculpas aceitas. — Hector respondeu, e os dois apertaram as mãos enquanto os colegas davam gritos e aplaudiam em comemoração. Santiago então abriu a caixa, para encontrar uma caneca nova, uma barra de seu chocolate favorito e…

— Não acredito que você me deu uma camisa autografada do Barcelona! — Tulio exclamou, erguendo a camisa para que todos os presentes pudessem ver. Martinez deu de ombros, um sorriso teimando em aparecer em seu rosto.

— Já expliquei que tenho amigos em lugares altos, hein?

— Já sim. Obrigado, Martinez. — o homem de cabelos negros respondeu, sorrindo. — Feliz Natal.

— Feliz Natal, Santiago.

 

***

cinco anos depois

 

Amélia brincava com seus carrinhos sentada no jardim enquanto Alex e Felipe conversavam a um canto. Rafael e Hector jogavam cartas com Tulio e Julieta na varanda, um olho no jogo e um na garotinha. As pessoas passavam na rua, se divertindo com a folia de fim de ano enquanto aguardavam ansiosamente os espetáculos de Ano Novo. A casa recém-comprada do casal, cuja iniciativa tinha sido justificada pela barriga grávida de gêmeos de Julieta Santiago, ficava próxima à avenida onde seriam os fogos, mas permitia que eles ficassem no quintal para ver os fogos sem estar no meio da multidão.

— Bati. — Rafael anunciou, sorrindo. — De novo.

— Ah, vocês devem estar roubando! — Tulio acusou com uma risada — Não é possível!

— É sim. Você é muito ruim nesse jogo, Tulio. Aceitar dói menos. — Hector deu de ombros, rindo junto com o amigo e o marido. Julieta olhou o relógio, se levantando ao ver as horas.

— Faltam cinco minutos, pessoal! — anunciou, tanto para os homens ao seu lado quanto para as crianças. Pôs uma mão em sua barriga protetoramente ao andar para o jardim e dar a mão para Mia segurar. Os adultos se juntaram no jardim, Alex e Felipe alguns metros distantes, e esperaram em uma conversa confortável de amigos de longa data.

Quatro minutos.

— Que bom que ficamos amigos cinco anos atrás, hein? — Hector piscou para Tulio, que riu.

— Também acho. Especialmente porque nossos filhos não se desgrudaram mais.

— Que venham outros cinco anos. — Rafael sorriu, dando a mão ao marido. Tinha custado um pouco para aceitar que Santiago não era mais aquela pessoa horrorosa, mas agora, cinco anos depois, ele lhe era um amigo inigualável. Horas discutindo futebol faziam isso com as pessoas.

Dois minutos.

— Obrigada por fazerem desse ano uma festa cada vez que nos encontramos, meninos. — Julieta agradeceu ao casal, que sorriu.

— Obrigado por ouvir nossas reclamações sempre, Julie. — Rafael piscou para a mulher negra, fazendo-a rir.

Um minuto.

— Tia, descreve pra mim os fogos? — Mia pediu, encostando-se em Julieta como que para se firmar.

— Claro que sim, minha flor. — ela afagou os cabelos da garotinha, então se juntou aos outros na contagem — Dez, nove, oito, sete, seis, cinco, quatro, três, dois, um!

Os fogos explodiram na noite escura, e Julieta se abaixou para desejar a Amélia um feliz Ano Novo e contar-lhe detalhe por detalhe cada cor e formato dos fogos. Rafael beijou Hector longamente, desejando um feliz Ano Novo antes de ambos abraçarem Tulio.

— Feliz Ano Novo! — ele desejou, e então abriu um sorriso de lado ao olhar para o canto de seu jardim. — Ei, olhem aquilo ali.

Os três homens olharam na direção apontada, para verem Alex e Felipe se beijarem, o primeiro com as mãos nas costas do outro, puxando-o para perto. O rapaz de cabelos loiros brincava com os fios negros do outro, a outra mão em sua nuca.

— Você me deve cinquenta euros, cariño. — Rafael anunciou, feliz, e Hector riu.

— Te pago em casa. — piscou, tirando o celular do bolso para tirar uma foto do mais novo casal, as construções atrás deles iluminadas pelos fogos de fim de ano e as flores do jardim aos seus pés terminando de compor a imagem. — Feliz Ano Novo, casalzinho!

Os dois se separaram abruptamente, as bochechas vermelhas ao notarem os pais rindo enquanto batiam palmas. Abriram sorrisos constrangidos e soltaram as mãos que se esqueceram de estar segurando para desejar feliz Ano Novo aos mais velhos.

— Quem diria, hein? — Tulio brincou quando o filho se afastou para falar com a mãe. — Meu menino, seu menino…

— Cinco anos atrás, eu diria que o universo estaria pregando uma peça comigo. — Hector riu.

— Ainda bem que você me tirou naquele amigo secreto.

— Ainda bem mesmo. — foi Felipe quem respondeu, arrancando risadas dos dois.


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