Canção das rosas e do vento escrita por Ahelin


Capítulo 1
Vento e rosas


Notas iniciais do capítulo

Só queria dizer que essa foi a história mais triste que eu já escrevi que agora.
Eu amei cada letra.



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O vento morno que previa a chegada do outono acariciou suas orelhas, seu pescoço, seu nariz. Ahelin olhou à volta, em busca de alguma ninfa brincalhona que caminhasse entre as árvores, alguém que observasse o elfo em sua caminhada secreta, mas não havia ninguém.

Ele estava sozinho, justamente como desejava. Fechou com força os dedos em torno do objeto de madeira em sua mão, parcialmente escondido pela capa que oscilava contra o vento. Calculara mal a distância quando decidira ir caminhando, pois tomar um cavalo do estábulo real chamaria muita atenção, e agora tinha a respiração ofegante.

Com certeza, chamá-lo de elfo era uma ofensa a todos os outros seres que, diferentemente dele, representavam bem a raça.

Depois de quase uma hora de caminhada, viu-se exatamente onde pretendia. O lago à sua frente estendia-se até os limites da visão, ladeado por arbustos floridos e pedras cobertas de musgo. Em algum lugar atrás das árvores que emolduravam o horizonte, o sol projetava os últimos raios de luz antes do fim do verão.

O fim de sua liberdade.

Deixou-se cair de joelhos à margem da água e mergulhou os dedos ali, sentindo a leve ondulação provocada pelo vento. Fechou os olhos e, então, trouxe para perto do peito o objeto que carregava. Devagar, tocou a primeira corda, depois a segunda. Em instantes, estava dedilhando uma melodia suave na harpa, esperando ser ouvido.

— Achei que não fosse ver você hoje — comentou em voz baixa a criatura que emergia.

— Eu consegui escapar. — Ahelin sorriu. A música em seus dedos tornou-se triste. Ele deitou-se sobre o musgo da pedra, sem se importar com as roupas de tecido fino que estariam arruinadas na manhã seguinte, nem com as mechas de cabelo que foram mergulhadas na água conforme mãos molhadas as acariciavam.

— Por quanto tempo? — Os olhos de Eadry se encheram de esperança por um instante, e a sereia se viu imaginando um mundo em que ele fugia de sua vida, de sua família e de suas responsabilidades para ficar com ela.

Felizmente, o pensamento foi embora logo. Era absurdo o suficiente para nunca mais ser pensado.

— Algumas horas. Talvez uma noite. — Seu sorriso se tornou triste, e ele fechou os olhos outra vez. — Bom, hoje você dita o repertório. Diga as músicas, senhorita, minha harpa está a seu serviço.

O elfo sentou-se e fez menção de recomeçar a tocar, mas a sereia esticou o braço e segurou sua mão gentilmente.

— Acho que hoje eu só quero ouvir a sua voz.

— Você sabe que eu não canto. Um risinho melodioso escapou dos lábios dela.

— Eu sei. Mas você fala. — Em um impulso, ela estava sentada ao lado dele. — Me conte histórias do castelo.

A noite toda poderia ter passado assim, e os dois não teriam notado. Ahelin narrou pela milésima vez cada uma das brilhantes aventuras do príncipe elfo em seu habitat natural, todas as histórias que arrancavam risadas de Eadry até seus olhos se encherem de lágrimas.

Era uma vez um elfo que não sabia ser elfo. E, como se não bastasse, ele era ninguém menos do que o príncipe herdeiro. Um dia, governaria o reino feérico, o equilíbrio entre os cinco reinos estaria sob sua responsabilidade, e ele mal era capaz de lidar com fadas.

Quando criança, escapara por um fio da morte após uma cadeia de eventos desencadeada por um simples "obrigado" dirigido a uma minúscula sino-de-vento.

— Nunca se deve agradecer a uma fada com "obrigado" — pontuou ele, em tom didático. — Elas passam a acreditar que você deve um favor a elas. E, acredite, você não quer dever um favor a uma fada. É a regra número um dos feéricos.

Ela riu e assentiu. Parecia-lhe suficiente.

Era uma vez um elfo guerreiro que não conseguia acertar um alvo a dez metros de distância. Não suportava o peso de uma espada longa, não tinha agilidade o bastante para usar uma adaga.

Uma vez, quando criança, estava treinando sozinho na floresta, encontrou um orc amigável que lhe ofereceu um presente: um arco mágico. As flechas atiradas por ele nunca errariam seu alvo.

— Como um elfo educado, ele aceitou. — Ahelin sorriu e desenhou círculos na palma da mão de Eadry com as pontas dos dedos. — É a segunda regra dos feéricos, sabe? Nunca recuse um presente. Mas tem essa linha de aviso no rodapé que diz pra tomar cuidado com o presente depois de ganhá-lo. Realmente, as flechas atiradas pelo arco mágico nunca erravam seu alvo, mas acontece que havia um alvo predefinido.

— Deixe-me adivinhar — riu a sereia, como se não tivesse ouvido aquela mesma história milhares de vezes. — O alvo era o jovem príncipe dos elfos.

Ahelin aproximou os lábios do ouvido dela.

— Bem no coração — murmurou, ao mesmo tempo que puxava a mão dela e a aconchegava em seu peito. — Foi uma confusão enorme. A rainha ficou maluca quando os guardas trouxeram seu filho cheio de pequenas flechas fincadas no peitoral de couro. A sorte era que todas as armas dadas a ele eram sem ponta, porque, afinal, todos sabiam como era desastrado.

Ela apenas concordou com a cabeça. Já vira o desastre em pessoa diversas vezes.

Era uma vez um elfo aventureiro que não obedecia aos limites colocados por sua mãe. Ele pulava os muros do castelo e saía correndo pela floresta com sua espada pouco afiada, golpeava árvores e matava insetos. Certa vez, subiu numa grande pedra para conquistá-la, mas ao chegar ao topo algo rachou sob seus pés. Sem tempo para fugir, ele caiu de cara no que parecia ser uma casa de bonecos, com tudo em miniatura.

Ficou maravilhado por longos minutos até que um anão o espantasse a vassouradas, murmurando xingamentos na língua dos anciãos que arrepiariam os cabelos de qualquer um que conhecesse algumas sílabas. O garoto, falante fluente de todas as línguas dos cinco reinos e grande conhecedor de palavrões, deixou escapar ao velho algumas frases nada educadas. Só percebeu a gravidade do que tinha feito muito depois de abrir a boca.

— Aprenda, minha cara, você nunca deve insultar um feérico. — Ahelin se aproximou, em tom de confidência. — Ao menos não um ancião que saiba conjurar as magias antigas, pois o elfo travesso ficou doente na cama por três meses inteiros. Falar com respeito, esta é a regra número três. No fim, o anão só queria dar-lhe um susto, mas você conhece a rainha. Quase morreu de preocupação.

— Gostaria de poder conhecer a rainha — sorriu Eadry.

— Ela adoraria você.

Os dois sorriram diante da impossibilidade daquela simples ideia. Parecia mágico demais, uma magia à qual os dois não tinham acesso.

Era uma vez um elfo que fugiu das responsabilidades reais. Fugiu para tão longe que entrou nos limites das cinco florestas, onde todas as raças conviviam juntas. Uma ninfa, muito mais velha que as próprias árvores, deu a ele uma harpa de presente. Ele, que nada tinha aprendido com a regra número dois, aceitou-a e sentou-se à beira do lago para tocar. Ali, ele se apaixonou. Pela música, pelo vento, pela água e pela bela sereia que parou para ouvi-lo tocar.

Desde então, ele fugia do castelo sempre que podia, só para estar com a música e com ela.

— Embora ele nunca tenha dito, ele ainda a ama. — Ahelin, mesmo triste, exibia um curto sorriso. — Amou desde o minuto em que ela o encarou, aqueles grandes olhos encantados com a melodia da harpa.

— Ela podia estar encantada com a beleza do elfo — pontuou Eadry.

— Não. — Ahelin franziu o nariz. — Não foi beleza que a atraiu. Nem seu título; ela nem mesmo sabia que ele era um príncipe.

— E ela chorou quando descobriu. Chorou muito.

— Ela conhece a regra número quatro muito bem.

— Não desonrar as responsabilidades que lhe foram delegadas por nascimento. — A sereia respirou fundo, e uma lágrima solitária riscou o rosto de Ahelin.

Ambos sabiam o que aquele momento significava. As palavras não ditas, as confissões não feitas, os sentimentos não demonstrados.

— Como príncipe e único herdeiro da linhagem real da casa dos elfos, a única casa com acesso às magias antigas, ele precisa seguir suas responsabilidades. Tornar-se guerreiro e rei, honrar os deuses e a seu reino.

Ele chorou. Lágrimas que caíam inaudíveis, o peso do destino que os aguardava impulsionando-as para baixo.

— Só mais uma história — pediu Eadry. A esta altura, a lua já estava alta no céu, e logo não teriam mais tempo.

Ahelin assentiu. Limpou o rosto com a manga da capa e sentou-se ereto sobre a pedra que lhes servia de apoio, a postura adquirida após vinte outonos vivendo sob as regras do castelo mostrando toda a sua majestade. Já passava da meia-noite, certamente; seu vigésimo primeiro outono completo.

Era uma vez um elfo que se apaixonou. Caiu de amores tão perdidamente que, ao ir embora do último encontro que teria com sua amada, deixou para trás seu coração. Seria, porém, apenas um souvenir empoeirado a ser largado em uma estante qualquer. O que pode ser feito com um coração que já não se permite amar?

Ele, então, transformou o coração em objeto. Algo que ela pudesse ver, guardar, tocar e lembrar-se do amor que já tiveram. Mais do que isso: ele estampou o presente com a palavra mais poderosa e significativo que poderia ser entregue a um ser mágico.

Ahelin aproximou-se da sereia pela última vez. Havia um cheiro de chuva, de céu e de verão que ele nunca esqueceria. Beijou-a com cuidado, temendo que ela pudesse se dissolver em água, e respirou o perfume até que ele inundasse seus sentidos.

Puxou a mão dela e a colocou sobre a harpa talhada em madeira. Posicionou os dedos da sereia sobre a palavra gravada por ele mesmo, com uma pena afiada, em sua letra curvilínea.

— Ahelin — sussurrou ela, lendo com as pontas dos dedos, os lábios ainda tão próximos dos dele que se tocaram novamente ao dizê-lo.

— É o meu nome — sussurrou ele em resposta.

Estava ali, implícito. Era a quinta regra. Você nunca deve revelar seu nome de batismo a alguém a quem não poderia confiar sua vida. Nomes têm um poder que não pode ser compreendido por qualquer magia. São eternos. De todas as declarações de amor que Eadry poderia imaginar, esta era a mais verdadeira. O príncipe herdeiro dos elfos acabara de confiar a própria vida em suas mãos; com seu nome, ela poderia lançar sobre ele qualquer magia, e ele estaria indefeso. Nu, exposto, à mercê de todos os seus desejos mais profundos.

Cinco regras foram estabelecidas para manter o equilíbrio entre os povos feéricos. Ahelin desobedecera todas elas.

Então ela o beijou de novo, manifestando todo o desejo de uma vida inteira. A vida que seria obrigada a viver sem ele.

Quando se separaram, ela viu a si mesma segurando o rosto do elfo e o puxando em direção à água. Afundando, enquanto ele a olhava sem protestar, os braços em torno da cintura dela e os cabelos dos dois enroscando-se, os lábios a um centímetro de tocarem-se. Ela o levaria, eles ficariam juntos para sempre. Ela o levaria para o fundo, então ele seria só dela.

Mas Eadry não fez nada disso.

Não o fez, porque também o amava. E, amando-o, deixou que seguisse e se tornasse o rei que nascera para ser.

Quando ela abriu os olhos, Ahelin já havia partido. Tudo que restava dele era seu gosto doce e o pequeno instrumento de madeira, que a sereia guardaria como um tesouro para todo o sempre.


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