Luck escrita por Eves


Capítulo 1
Parte I


Notas iniciais do capítulo

Olá, queridos e queridas do meu coração. Como vão vocês?

Finalmente surgiu aquela deliciosa inspiração para escrever uma nova Scorily e eu não podia perder a oportunidade, certo? Essa é uma daquelas minhas tentativas de escrever algo parecido com comédia romântica. Espero que dê certo hehe

Como eu já disse, resolvi dividir em duas partes, a primeira vou postar agora e a próxima mês que vem depois das festas de final de ano.

Eu espero que vocês gostem! :D



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Particularmente nunca me considerei uma pessoa azarada, mas tinha que concordar que as coisas estavam meio estranhas desde que acordei naquela manhã.

Justo no grande dia.

O dia da viagem do século!

Durante meses eu me programei, trabalhei e aguardei ansiosamente pela viagem para Londres. Na última semana nem mesmo conseguia dormir direito, e o primeiro pensamento que passou pela minha cabeça ao abrir os olhos foi: é hoje! Podia até sentir meu estômago revirando em expectativas e meu coração palpitando no peito. Minha primeira viagem internacional! E eu ainda iria sozinha para aproveitar cada um dos meus lugares preferidos da forma que quisesse. Era o maior sonho desde os meus 15 anos.

Mas, enquanto eu saltitava em direção ao banheiro, meu irmão mais velho, James, me avisou que o chuveiro quente havia queimado e quando tentei fazer meu café da manhã, as torradas ficaram tostadas, o café fraco e o leite azedou na geladeira. Nada disso, obviamente, foi suficiente para abalar a minha animação, nem mesmo quando o zíper da minha mala emperrou e o meu pó compacto caiu no chão do banheiro, se transformando em milhares de pedacinhos.

No caminho para o aeroporto quase não conseguia conter a minha agitação. Meus dedos batucavam incessantemente no vidro da janela do carro enquanto estávamos parados no sinal. Parecia que havia pegado todos os sinais vermelhos da pequena cidade do norte dos Estados Unidos. Até o momento, não era nada muito estranho. Pelo menos, não muito.

— Ei, querida — Harry, meu pai, chamou, desviando apenas por um segundo os olhos da estrada — Está se sentindo bem?

— Sim. É só nervosismo.

— Tem certeza que quer viajar hoje? Poderíamos adiar por alguns meses, quem sabe.

Olhei para ele, incrédula. Ele não estava dizendo isso.

— Sem chance, pai.

— Eu só acho que é um pouco cedo. — ele continuou com aquela voz irritante de sensatez. — Você acabou de fazer 18 e uma viagem internacional assim é…

— Conhecer Londres é o meu sonho. — interrompi-o, virando meu corpo de lado para explicar meu ponto pela quinquagésima vez. — Eu trabalhei o verão e a primavera inteiros, economizei cada centavo, planejei cada mínimo detalhe e finalmente estou realizando isso. Será que não poderia apenas ficar feliz por mim? Por favor...

Ele soltou um suspiro. Meus argumentos eram muito superiores aos dele.

— Eu estou, meu bem. Só estou sendo…

— Super protetor? — sugeri com uma pontinha de provocação.

— Um pai coruja. — ele sorriu e não pude evitar sorrir também.

Achei que chegaríamos atrasados no aeroporto por causa do trânsito incomum para o horário, mas só depois de atravessar o aeroporto correndo e chegar na plataforma, descobri que meu vôo estava atrasado em pelo menos duas horas. Aquela maré de azar esquisita já estava começando a me incomodar. Mas não o suficiente.

Meu pai não podia ficar esperando comigo, pois ainda precisava chegar no trabalho, então tivemos uma despedida bem melosa e sentimental com vários avisos sobre tráfico humano e homens mal intencionados e algo sobre londrinos safados e galanteadores que eu resolvi interromper antes que ficasse muito desconfortável. Quando ele finalmente foi embora, comecei a sentir o gostinho da saudade. A expectativa de ficar sozinha um mês inteiro em outro país era nova para uma garota que durante a vida inteira o máximo que dormiu fora de casa foi uma semana. Contudo, mandei logo embora pois não iria permitir ficar triste no melhor dia da minha vida.

Com tanto tempo livre sobrando, decidi sentar na cafeteria e pedir um café. O que se provou ser um erro. Só reparei o preço exorbitante da xícara depois de já ter feito o pedido e não iria passar pela vergonha de cancelar. Era a primeira lição da viagem: não comprar nada em aeroportos.

Enquanto bebericava meu café de ouro, refiz a lista de todos os lugares que eu pretendia visitar em Londres. Os museus, os pontos turísticos e os melhores cafés e livrarias da cidade. O único ponto ruim de estar viajando sozinha era ter que depender da boa vontade de estranhos para registrar as fotos, mas eu poderia lidar com isso.

Passei tanto tempo entretida nos meus planos que por pouco não acabei me atrasando para o embarque. Faltava apenas cinco minutos para fechar o portão quando olhei as horas no celular, soltei um gritinho, pulei da cadeira e saí correndo pelo aeroporto com todas as pessoas olhando a ruiva descontrolada.

Ofegante e descabelada, fui a última a passar pelo funcionário que conferia as passagens e que avisou, um tanto mal humorado, que estava quase fechando e que não perdi o vôo por muito pouco.

Dentro da aeronave, já acomodada na poltrona, fiquei torcendo para que algum gringo gato sentar-se ao meu lado, mas eu já deveria saber que a sorte não anda muito ao meu favor. Uma mulher se sentou com um bebê de colo, um pequeno serzinho lindo de cabelos encaracolados que não parava de chorar por nada no mundo.

Joguei minha cabeça para trás e fechei os olhos. A viagem seria longa.

Era bem verdade que eu havia feito poucas viagens de avião na vida, mas em nenhuma delas havia enfrentado tantas turbulências. A cada novo sacolejo da aeronave, o bebê chorava mais e mais alto. Dormir esteve fora de questão desde o momento em que decolamos. Ler o livro que eu trouxe na bolsa também não era uma opção. Tentei me concentrar em alguma das séries que ofereciam na pequena tela atrás da poltrona da frente, mas eu já havia assistido todos os episódios e não estava tão interessada.

Foram as duas horas mais longas da minha vida. Para a minha sorte, troquei de aeronave na conexão em Nova York e, se tudo desse certo, meu novo companheiro de viagem seria bem melhor.

É claro que eu não podia estar mais enganada.

Quando vi a senhora de cabelos grisalhos e rosto bondoso, fiquei imensamente feliz até descobrir que ela gostava de conversar. Gostava muito. Nos primeiros quarenta minutos foi interessante saber sobre o esposo falecido, o nome de todos os quatorze gatos que possuía e a vizinha fofoqueira com quem tinha uma rixa há mais de 25 anos. No entanto, em determinado momento eu já não aguentava mais ouvir sobre a longa vida dela e a vida dos filhos dela e dos netos dela. Estava preocupada em ter que ouvir também sobre os bisnetos. 

Quando ela finalmente fez uma pausa no interminável monólogo para lanchar, eu aproveitei para fingir que estava dormindo. O que funcionou bem pelas cinco horas seguintes — eu consegui dormir de verdade — mas, quando acordei, ainda faltavam seis horas para chegar ao destino e a mulher ainda tinha muito para me contar. A vida dela era cheio de casos mirabolantes e longos que daria um livro do tamanho de As Crônicas de Gelo.

No final das quase doze horas de voo, eu conhecia a vida inteira da Senhora Longbottom e sua grande família — tanto a de humanos quanto a de gatos. Ela pegou meu Facebook e disse que iria me enviar um convite de amizade assim que encontrasse sinal de internet. Não quis dizer para ela que fazia mais de um ano que abandonei a minha conta e só usava o Twitter agora. Nos despedimos no terminal para pegar as malas, pois a dela, uma pequena mala vermelha berrante, foi a primeira a aparecer.

Esperei a minha mala aparecer na esteira, mas os minutos passavam, todos pegavam suas bagagens e somente a minha não chegava. Inicialmente não me preocupei, só quando a esteira parou de girar e já não havia mais ninguém por perto que percebi que havia algo errado.

Procurei um funcionário para me explicar o que estava acontecendo. Ele me encaminhou a um setor que me enviou a outro local e fiquei correndo de lugar em lugar até descobrir o desastre: toda a minha bagagem foi extraviada.

Tentei não surtar, mas não era uma tarefa fácil ao saber que minha mala com todos os meus pertences, roupas, sapatos, calcinhas e tudo o que eu precisava para a viagem, por causa do erro de algum idiota, estava indo para a Austrália nesse exato momento.

I-NA-CRE-DI-TÁ-VEL!

Quais são as chances disso acontecer logo comigo na minha primeira viagem à Londres?

O representante da companhia aérea pediu mil desculpas e disse que resolveria o incidente o mais rápido possível e minha mala estaria em Londres em apenas alguns dias. Por mais que eu quisesse gritar, espernear e explodir toda a minha indignação e raiva, tentei agir como uma adulta decente e sensata e aceitei que teria que comprar algumas peças roupas novas até as minhas chegarem.

— O que de pior poderia me acontecer agora?

Talvez eu não devesse ter dito isso tão cedo. A lei de Murphy nunca falha. Tudo o que está ruim pode piorar. E muito.

Londres era magnífica!

Cresci em uma cidade pequena com tão pouco lugares atrativos que me sentia uma criança na fábrica de brinquedos do Papai Noel olhando pela janela do táxi. As luzes e os prédios me fascinavam. Estava tão empolgada com a mudança radical de cenário que decidi caminhar um pouco antes de ir para o hotel e pedi ao motorista que parasse o carro ali mesmo.

O ar noturno logo esfriou a ponta do meu nariz e o céu estava tão nublado que não se via nenhuma estrela. Eu não poderia estender minha caminhada por muito tempo, pois logo cairia uma chuva daquelas.

Não muito longe, foi golpeada por um cheiro delicioso e parei numa barraquinha de comida onde várias pessoas estavam reunidas ao redor. Mas não tive chance de descobrir qual guloseima vendia ali. Não entendi muito bem como tudo aconteceu. Talvez eu já estivesse sendo seguida há algum tempo ou fosse apenas uma turista distraída, no entanto, com uma incrível rapidez, alguém esbarrou correndo no meu ombro e levou a minha bolsa.

A minha bolsa com tudo dentro!

Meu coração perdeu uma batida e, antes que eu pudesse pensar duas vezes, estava correndo atrás do ladrão que se esquivava das pessoas como uma serpente enquanto eu esbarrava em todos no meu caminho. Eu sabia que não tinha a menor chance usando aquelas botas de salto médio, mas uma parte do meu cérebro simplesmente não conseguia aceitar. Dentro da bolsa estavam todos os meus documentos, dinheiro, cartões e a reserva do hotel com o endereço. Eu não aceitava perder tudo nas primeiras horas em Londres.

As pessoas me olhavam berrar e correr desesperada, mas ninguém fez nada para segurar o criminoso. Eu já estava perdendo-o de vista quando a chuva desabou sobre a minha cabeça para completar o cenário de catástrofe. O ladrãozinho de merda atravessou a avenida movimentada e finalmente desisti. Não havia sentido continuar. Eu mal conseguia respirar e havia entortado o pé duas vezes, deixando meu tornozelo dolorido.

Sem fôlego e desolada, apenas encarei-o sumir em uma esquina. A chuva caía forte escorrendo pelo meu rosto e encharcando todo o meu sobretudo de lã grossa como em um filme dramático ruim. Eu olhava sem ver, incrédula demais, as pessoas correndo para se abrigar do temporal, sem conseguir realmente assimilar o que havia acabado de acontecer.

Quando foi que eu me tornei uma azarada? Deveria haver um limite de azar por pessoa, certo? Não era possível que tudo aquilo estivesse acontecendo comigo em menos de 48 horas. Algum ser divino deveria estar me punido por algo, era única explicação que minha mente conseguia pensar. Mas o que eu fiz? Viajei sozinha quando meu pai não queria? Garotas de 18 anos fazem isso o tempo inteiro. Não, esse não poderia ser o motivo. Não devia ser. Jesus Cristo, viajar sozinha era algo completamente normal.

Sentei na calçada, sentindo-me derrotada e sem esperança. O que eu faria agora? Não conseguia me lembrar o endereço do hotel e a bateria do meu celular, que por sorte estava no bolso do meu sobretudo, morreu há horas e eu esqueci de colocar para carregar no avião. Genial.

Eu não queria chorar, queria enfrentar toda essa situação com força e determinação, mas me sentia fraca e congelando, em um país desconhecido sem nenhuma expectativa de encontrar um lugar para sequer passar a noite.

Talvez aquela viagem tenha sido um completo erro. Um sonho que se tornou pesadelo.

Eu devia parecer uma figura tão deprimente de dar pena ao ponto de um senhorzinho com guarda-chuva passar e me dar algumas moedas. Decidi que precisava tomar alguma providência. Não podia ficar encharcada na chuva a noite inteira me lamentando por algo que não podia mais mudar. Levantei-me do chão e me encaminhei para atravessar a rua.

Talvez eu pudesse encontrar um telefone público e usar as moedas que recebi. Seria difícil contar toda aquela história para o meu pai e provavelmente eu passaria os próximo dez anos sem sair do meu bairro, mas eu não tinha mais outra alternativa.

Por razões que não sei explicar, não prestei atenção ao sinal vermelho para pedestres e uma buzina soou tão alta em cima de mim que me assustei, tropecei nos meus próprios pés e caí na poça de água na sarjeta.

— Ai — gemi, infeliz e dolorida. E agora completamente suja de água fedorenta.

Por que Deus me odeia tanto? Por quê?!

Quando consegui me sentar, notei o farol de uma moto apontado para mim e, com os olhos semicerrados por causa da luz, só conseguia ver o contorno de um homem removendo o capacete e vindo na minha direção.

— Você está bem, moça? — de alguma forma, achei familiar a voz masculina carregada de sotaque londrino, mas ainda estava atordoada e não conseguia ver o seu rosto com nitidez.

— Fisicamente? Ótima. — respondi, aceitando a mão estendida para levantar. — Emocionalmente? Desabando.

Ele me ajudou a ficar em pé e, enquanto eu tentava tirar parte da sujeira da minha roupa sem obter sucesso, ele exclamou em tom de dúvida:

— Lily? Lily Potter?

Ergui meu rosto e finalmente olhei-o de verdade dessa vez. Demorei alguns segundos para reconhecê-lo, mas foi como um estalo na minha cabeça, arregalei os olhos e perdi o  fôlego, sem conseguir acreditar.

— Scorpius!

— O que aconteceu com você? Está parecendo…

— Um desastre completo. — completei, quase choramingando de humilhação.

— Eu iria dizer um rato molhado.

— Ei!

— Um rato bonitinho. — ele se defendeu abrindo um sorriso de lado.

Naquele momento, eu havia me esquecido de todo o passado e me agarrado ao único rosto familiar em toda aquela tragédia grega. Talvez ele fosse a minha única salvação.

Mas a minha história com Scorpius Malfoy era longa e não muito amigável. Há cinco anos ele fez intercâmbio para a escola em que eu estudava e se tornou um amigo inseparável de Albus, o meu irmão. Apesar disso, eu não era a sua fã número um, principalmente depois do que aconteceu no Natal daquele ano.

— Vamos sair do meio da rua antes que algum carro passe por cima de nós — Scorpius sugeriu e encostou a sua moto em um estacionamento rotativo.

Eu já estava cansada de repetir essa pergunta, mas, quais eram as chances de quase ser atropelada por Scorpius Malfoy no dia mais desastroso da minha vida? Londres eram imensa! Definitivamente era o dia mais esquisito que presenciei.

Mas eu não devia reclamar da minha pontinha de sorte. Sem ele eu ainda estaria sem rumo.

De qualquer forma, eu não estava pronta para perdoar Scorpius por tudo o que ele me fez passar no ano miserável em que ficou na minha cidade. Havia sido a pior época do meu colegial. Mas não havia nenhuma outra opção na minha frente. Agora eu tinha absoluta certeza de que Deus estava me castigando por todos os pecados que cometi nessa e em outras vidas.

— E então, o que você está fazendo em Londres? — Scorpius perguntou enquanto caminhávamos juntos com dois copos de papelão contendo o melhor e mais quente chocolate do mundo que ele pagou porque eu não tinha um tostão furado no bolso. A chuva havia se transformado em uma garoa tão fina que já não fazia diferença na minha roupa molhada.

— Era para ser minhas férias antes da faculdade.

— Verdade — ele bateu a mão na testa e sorriu debochado. — Esqueci que você é pirralha e está terminando o colegial agora.

Rolei os olhos, impaciente. Por que Deus havia me enviado a pior pessoa do mundo para me salvar? Ele até podia ter a aparência, mas estava longe de ser o meu príncipe encantado no cavalo branco. Estava mais para o próprio cavalo.

Decidi que iria ignorar as suas piadinhas.

— Mas desde que acordei tudo vem dando errado — continuei entre um gole e outro de chocolate. — O ápice foi terem levado minha bolsa com tudo dentro. Estou sem documentos ou dinheiro ou lugar para ficar.

— É realmente uma pena. — ele disse e ficou em silêncio, bebendo a sua porcaria de café expresso.

Encarei-o, piscando os olhos, esperando o convite que não veio. Será que ele não iria dizer “ei, pode ficar lá no meu apê como reparação pelos meses de merda que te fiz passar”?

— O quê? — ele perguntou, inocente, notando o meu olhar pasmo.

— Isso é sério?

— Do que você está falando?

— Quer saber? Esquece. Eu me viro sozinha.

Era um erro esperar ajuda dele. Definitivamente eu não precisava disso.

Virei as costas e caminhei na direção oposta, sem saber para onde ir, mas decidida a me afastar daquele babaca que continuava tão arrogante quanto eu me lembrava. Joguei o copo de chocolate com metade do conteúdo dentro de uma lixeira, tão furiosa e frustrada que já nem tinha mais vontade de beber.

— Ei, espera. Lily. — Scorpius chamou, mas o ignorei, então ele correu e parou na minha frente, bloqueando o caminho. — Era brincadeira.

— Dá licença? — pedi, com os dentes cerrados, tentando contorná-lo.

— Você continua tão explosiva quanto eu me lembro, sardenta.

— Não me chame assim.

Eu odiava aquele apelido. Odiava que todos começaram a me chamar assim a partir do instante que ele usou pela primeira vez como se Scorpius Malfoy fosse algum modelo divino a ser seguido.

— Você pode ficar no meu flat — ele me ignorou. — Pelo tempo que precisar.

— Já disse que me viro sozinha.

— Não seja orgulhosa. Não vou deixar a irmã de Albus perdida e desamparada nesta noite fria. Ah, aliás…

— O que diabos você está fazendo? — perguntei, olhando-o tirar a jaqueta preta de couro, sem entender.

— Seus lábios estão pálidos — ele disse e se aproximou para colocar a jaqueta em mim. Antes dele falar, eu não havia notado que estava, de fato, com frio. — Eu deveria ter feito isso antes, mas só percebi agora.

Arregalei os olhos e tentei afastá-lo. Eu não queria Scorpius tão perto de mim assim.

— Agradeço, mas realmente não precisa.

— Vai fazer ainda mais frio em cima da moto. — ele avisou e continuou insistindo em passar a maldita jaqueta pelos meus ombros.

— Não me lembro de ter concordado em ir com você.

— Isso não está em discussão.

— Concordo. — disse, jogando a jaqueta de volta pra ele. — Porque eu não vou subir em moto alguma.

— Pelo amor de Deus, mulher! Que outra opção você tem? Dormir na rua igual a uma sem teto?

Ele estava certo. Eu não tinha para onde ir, precisava da ajuda dele. Scorpius aproveitou o momento de vitória para finalmente conseguir passar a jaqueta sobre mim. Com um suspiro derrotado, acabei aceitando. Não havia mais nada a ser feito.

Eu só havia andado de moto uma vez na vida. E não havia gostado nada da sensação.

Motocicleta era definitivamente o veículo de transporte mais inseguro que existia. A cada curva ou ultrapassagem perigosa que Scorpius fazia — em uma velocidade acima do que eu acharia adequado —, eu sentia que meu estômago fosse sair pela garganta. Sentia-me completamente exposta e vulnerável à mercê de qualquer obstáculo que pudesse nos jogar ao chão e provocar uma morte sangrenta que sairia nos jornais.

— Muito apertado — Scorpius disse, virando seu rosto para o lado, a voz abafada pelo capacete que não compreendi até ele esclarecer. — Seus braços. Estou sem ar.

Afrouxei o aperto em sua cintura sentindo minhas bochechas corarem. Ele não poderia me culpar. Eram os reflexos involuntários causados pelo nervosismo tomando conta do meu corpo por causa da velocidade exagerada. Fechei os olhos, esperando que o que eu não pudesse ver não me mataria, mas assim era bem pior.

Mesmo sentindo minhas entranhas dando nó, eu também sentia várias outras coisas ao mesmo tempo. O vento frio quase cortante assolando minhas mãos expostas. Scorpius estava certo. Eu não iria aguentar passar por aquilo sem a jaqueta — que tinha, inclusive, um estranho cheiro de cigarros, balinhas de hortelã e perfume masculino caro. Não era de todo ruim. Também podia sentir o corpo dele tão perto do meu como nunca havia acontecido antes. Muitas garotas do meu antigo colégio dariam o dedo mindinho para estarem no meu lugar e, ironicamente, eu daria o dedo mindinho para estar em qualquer outro.

Depois de uma eternidade massacrante, finalmente chegamos a um prédio de mil andares onde a cobertura se perdia nas nuvens. Nunca iria encontrar um desses na minha cidade. Scorpius entrou na garagem subterrânea e estacionou ao lado de um conversível preto. Ao redor, só havia carro esporte que valia o triplo da minha casa.

— É a primeira vez que sobe em uma moto? — ele perguntou enquanto caminhávamos para o elevador.

— Pode-se dizer que sim. — dei de ombros. — Nunca andei com um motoqueiro louco que corta os carros como se estivesse em um jogo de GTA. Só para lembrar, você só tem uma vida.

— Apenas respire e tente não vomitar.

— Como eu faria isso? Meu estômago ficou lá atrás há quatro quadras.

Ele sorriu e apertou o botão do décimo andar. Ficamos em silêncio enquanto uma musiquinha ambiente irritante tocava no interior do elevador. Já era possível sentir a adrenalina da corrida se dissipar do meu corpo. Eu estava tão esgotada do terrível dia que mal conseguia me manter em pé enquanto os números dos andares se arrastavam de forma massacrante. Estava mantendo toda a minha concentração em não desmaiar de cansaço na frente de Scorpius que nem prestei atenção no comentário em que ele fez. Provavelmente alguma coisa sarcástica ou uma piadinha suja sem importância.

Quando Scorpius abriu a porta do apartamento, eu apenas me arrastei para dentro e, quando ele fechou, lembrei da voz do meu pai falando sobre londrinos galanteadores e malfeitores. Com a sorte que havia recaído sobre mim nas últimas horas, eu apenas torcia para que Scorpius fosse só um babaca arrogante inofensivo, e não um maníaco assassino. Já dizia o ditado: a gente nunca conhece uma pessoa até ela estar com uma faca em nosso pescoço. De qualquer forma, mantive meus olhos nas chaves em cima do balcão.

No momento em que as luzes foram acesas, tomei um susto com meu reflexo no espelho da parede onde eu havia parado. Não podia acreditar que minha aparência estivesse tão desastrosa daquele jeito. Eu estava um lixo.

— Eu não ia dizer nada, mas... — Scorpius comentou ao passar por mim, notando meu olhar de espanto.

— Cale a boca.

Ele seguiu sorrindo e passou por uma porta que deveria levar ao quarto.

— Vou encontrar roupas para você. — avisou lá de dentro. — Pode pendurar a jaqueta aí mesmo.

Minha mente disparou enquanto eu tirava a jaqueta para pendurar em um dos cabides ao lado da porta.

Roupas? Será que ele me daria alguma roupa de uma de suas namoradas? Com a fama que tinha, eu não duvidava que Scorpius pudesse ter uma ficante para cada dia da semana. Mas ele não teria coragem de me dar nada indecente, teria?

Minhas preocupações se tornaram ridículas quando ele apareceu com uma camisa verde, um short de dormir de pano e um par de meias masculinos. Tudo grande o suficiente para ficar mais do que comportada. Graças a Deus, ele parecia ao menos me respeitar. No fim das contas, era apenas um babaca arrogante inofensivo.

Scorpius me indicou onde ficava o banheiro e avisou que tinha toalhas na última gaveta da pia. Para o apartamento de um homem solteiro (pelo menos, eu supunha que fosse) estava tudo muito bem organizado e limpo.

O banho quente foi o bálsamo que meu corpo precisava. Eu poderia ficar embaixo daquela água relaxante por horas, mas imaginei que não seria adequado. Então, fiquei o máximo que podia, usando a maior variedade de sais de banho disponível, deixando a água levar pelo ralo toda a energia ruim que estava em mim.

Saí do boxe com o cabelo pingando e perfumado e me enrolei em uma toalha tão macia que parecia um pedaço de nuvem. Eu me sentia renovada.

Minhas roupas estavam imundas e precisavam ser lavadas, incluindo a calcinha, o que acabaria me deixando sem roupa íntima. Que droga. O que eu não daria para ter minha mala de volta? Vesti as roupas largas de Scorpius e ao menos o short não ficava caindo pois tinha um cordão para regular a cintura. Saí do banheiro apenas de meias e enxugando o cabelo na toalha, mas parei no meio do corredor na porta aberta do quarto.

Eu não queria ser bisbilhoteira, mas foi inevitável. Lá estava ele, de costas para mim, o cabelo loiro desarrumado e ligeiramente molhado, com o mesmo físico de atleta do ensino médio usando apenas uma cueca box preta, o torso musculoso nu e a parte da b… Repreendi o rumo dos meus pensamentos e segui andando até o balcão de mármore da cozinha estilo americana.

Estava chovendo forte outra vez. Eu podia ver através da janela na sala. Sentada no banco, me perguntei quando aquela noite infeliz chegaria ao fim e se o dia de amanhã traria algo de bom. Minhas férias dos sonhos estavam indo por água abaixo e eu não sabia o que fazer para salvar.

— Já terminou? — Scorpius saiu do quarto, usando calça moletom e passando uma camisa cinza sobre a cabeça. Por um segundo o seu abdômen ficou a mostra e tentei ignorar o motivo dele ser tão exibido.

— Meus banhos são rápidos. — disse e virei o rosto, desejando que minhas bochechas não estivessem coradas.

— Quer que eu prepare alguma coisa? Chocolate quente? Café? Chá?

— O que deu em você? — perguntei, achando absurdo aquele comportamento.

— Só quero que se sinta confortável.

— Pode parar — pulei do banco e apontei o dedo pra ele — Esse não é você!

Scorpius me encarou por um longo segundo, parecendo genuinamente surpreso.

— Você precisa de acompanhamento profissional, ruivinha.

Ótimo! Agora ele estava me acusando de ser desequilibrada. Eu sabia que não era uma boa ideia passar a noite no apartamento dele.

— Olha, o que aconteceu no colégio ficou para trás, certo? — ele disse, fazendo parecer que não havia sido nada demais. — Você mesma disse que já superou. Vamos apenas esquecer tudo. Só estou ajudando a irmã de um amigo que eu considero muito. Não tem nenhum joguinho dessa vez. Prometo.

Scorpius me encarava como se me desafiasse a esquecer. Eu não queria. Havia superado essa fase? Sim. Mas não queria esquecer.

— Tanto faz — cedi, cansada demais para tentar descobrir se havia alguma intenção de me sacanear outra vez.

— Vem — ele chamou — Vou te mostrar onde você vai dormir.

Segui Scorpius até o quarto onde havia apenas uma cama de casal. Antes que qualquer pensamento absurdo passasse pela minha cabeça, ele avisou:

— Vou dormir na sala. Até poderia te colocar no quarto de hóspedes se estivesse habitável.

Não soube o que responder. Scorpius estava se revelando ser uma pessoal muito legal comigo e meu julgamento com base no passado me impedia de reconhecer que era eu quem estava agindo de forma babaca o tempo todo.

Deitei embaixo das cobertas e ele se encaminhou para a porta, mas antes que apagasse a luz, eu o chamei:

— Ah, Scorpius… Obrigada. Por ceder a sua cama.

Ele sorriu outra vez e me perguntei quantas vezes havia dado aquele sorriso de lado exibindo sua perfeita covinha desde que nos encontramos. Mesmo que eu quisesse, jamais poderia afirmar que Scorpius Malfoy não era bonito acima da média.

Quando as luzes se apagaram e a porta se fechou, tentei não pensar muito nisso.

E, mesmo estando completamente exausta, minha mente insistia em reviver todos os acontecimentos bizarros daquela viagem. Será que havia chegado ao fim aquele momento azarado da minha vida?


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