Roots - Capítulo XXIII

Não havia como negar que, após os acontecimentos daquela noite, o relacionamento de Ilka e Tom mudou drasticamente. 

Riddle parecia bem mais afetuoso, isso era inegável, porém a garota descobriu mais alguns traços da personalidade dele que não eram muito agradáveis. Já sabia que seu noivo era possessivo, mas ele vinha se mostrando cada vez mais ciumento quando descobriu que a loira vinha trocando cartas com Leonard Sprout durante os seus três meses de férias.

Não havia nada nas cartas que a comprometesse, é claro, inclusive deu permissão a Tom para lê-las, mas isso não impediu que ele ficasse de cara amarrada o dia inteiro após descobrir, afinal, ele tinha deixado bem claro que não gostava do rapaz.

Passaram a dormir no mesmo quarto todos os dias, e Ilka temia que sua tia talvez fosse se incomodar, a chamar de devassa ou algo relacionado. Mas a verdade é que, durante a última semana, os dois vinham passando o dia inteiro fora, então mal encontravam com a velha Bagshot, mesmo que estivessem vivendo sob o mesmo teto.

Passavam o dia fora procurando por um lugar para morar. Tinham de procurar. Tom já não possuía mais idade para continuar no orfanato, e também não pretendia continuar por lá, e Ilka sentia-se como uma sanguessuga, aproveitando-se da casa de sua tia. 

Como agora eram noivos, faziam questão de procurar um lugar que servisse de moradia para os dois após a formatura em Hogwarts, que aconteceria naquele ano, logo após os seus NIEMs.

No dia seguinte ao casamento de Emma, viajaram juntos até Nurmengard, onde Ilka verificou se a estadia de seu pai estava segura e de acordo com suas expectativas. 

Era uma noite em um castelo luxuoso? Definitivamente não. Mas sem dúvidas era muito melhor que Azkaban, e isso fazia com que a garota se sentisse um pouco menos mal em ter traído a confiança de seu próprio pai.

Não conversou muito com ele, pois tinha medo de um comportamento agressivo, visto que tudo ainda estava muito recente e Gellert não tinha a fama de ser o mais compreensivo.

Também não foi difícil descobrir onde Grindelwald guardava itens que ele considerava preciosos. Não havia dinheiro ou adornos de ouro. Diamantes ou qualquer outra coisa do tipo, mas sim muitos itens que Ilka suspeitava de serem amaldiçoados, que pareciam antigos ou até mesmo colecionáveis.

— Ótimo, nada que possa ser vendido em um mercado mais aceitável, tudo provavelmente pertencia a bruxos excêntricos, que colecionavam objetos esquisitos – reclamou, enquanto levantava e exibia uma espécie de cálice antigo.

Tom observou a garota e se aproximou, tomando o objeto de sua mão e observando-o de perto.

— Está aqui por algum motivo, não? Deve valer algo em outro tipo de mercado – tentou consolar, enquanto guardava a taça em sua bolsa, que estava vazia.

Ambos usavam bolsas praticamente idênticas, que estavam ali exatamente por aquele intuito: guardar o máximo de itens preciosos que seriam vendidos depois, para que pudessem usar o dinheiro para investir em uma moradia.

— A maioria dos itens aqui é amaldiçoado, sem sombra de dúvidas. Eles emanam aquela energia pesada e esquisita, sabe?

— Nunca senti algo do tipo, principalmente do jeito que você descreve. Pela aparência eu diria que valem algo na travessa do tranco, mas não consigo identificar se é amaldiçoado ou não da maneira como você descreve – admitiu Tom.

— Travessa do tranco? Onde fica isso?

— Não conhece a travessa do tranco? – perguntou, olhando surpreso para Ilka, e ao notar em sua expressão confusa, percebeu que ela falava sério, então ele se lembrou – Perdão, as vezes eu esqueço que você não passou tantos anos em Hogwarts como eu, realmente não tinha como você saber o que é e onde fica a travessa do tranco. É como se fosse uma extensão do beco diagonal, onde compramos os nossos materiais, é famoso por ser habitado por bruxos muitas vezes suspeitos. Existem algumas lojas lá conhecidas pelo mercado clandestino, provavelmente compram e vendem objetos como os que achamos aqui.

Tom não tinha certeza se alguém na travessa do tranco realmente compraria os itens, mas no fim, os dois acabaram dando sorte, já que Riddle conseguira negociar todos os itens em uma só loja por um preço no mínimo razoável. Que, inclusive, seria o suficiente para se manterem certo tempo em um apartamento não tão grande em Londres.

Passaram alguns dias procurando, até que finalmente acharam um lugar razoável, uma casa geminada em um bairro trouxa, próximo ao Largo Grimmauld, onde Ilka e Tom sabiam que os Black possuíam uma casa há décadas. 

Não era um lugar ruim, ficava bem localizado e a quantidade de cômodos perfeita para os dois, não sendo tão grande.

Mudaram-se ainda na última semana de férias. O lugar ainda não possuía muitos móveis, já que não podiam gastar o dinheiro que não tinham, mas eles também não fizeram questão de investir muito, já que passariam um ano inteiro fora, estudando em Hogwarts. Quando finalmente saíssem de lá, provavelmente estariam empregados e poderiam investir o quanto quisessem de seus salários em móveis de verdade, já que morariam ali finalmente.

E, bem, o retorno para Hogwarts foi como o esperado.Com um clima ameno e alunos ansiosos para suas provas, afinal, aquele era o ano. 

O que decidiria tudo sobre o futuro de todos os estudantes da turma de Ilka.

Durante os primeiros meses, Emma pareceu muito calada, o que causou certa preocupação à Grindelwald. Tom estava mais colado em Ilka que nunca. Walburga não conversava muito com ela, mantinha-se limitada à panelinha dos Blacks. E Sprout, por mais que tentasse manter contato, não conseguia, já que Riddle estava quase sempre em sua companhia agora.

A única aula que tinham em comum, e que era livre de Tom, era a mais avançada de transfiguração, pois era requisito no NIEMs na carreira que ambos queriam. Um não sabia das ambições do outro, mas sabiam que provavelmente era concorrido.

Ilka sempre se sentava junto de Leonard nessa aula, visto que era o único momento em que podiam se sentar próximos e conversar. Dumbledore não se importava muito, já que os dois pareciam se ajudar e dedicavam-se bastante à matéria.

— Demorou para chegar – reclamou a garota, assim que viu o seu amigo tomando o lugar ao seu lado.

— Perdão, minha irmã me prendeu por certo tempo nas estufas, acredita que ela já é ajudante da professora? Não chegou nem em seus NOMs ainda e já ajuda professores... Isso é o que chamo de dedicação – Leo explicou-se, arrumando seus materiais sobre a mesa.

Leonard havia mudado bastante durante as férias. 

Continuava não muito alto, sendo quase da altura de Ilka, e seus cabelos estavam mais compridos, quase alcançando-lhe os ombros. Uma barba rala também começava a aparecer em seu queixo, e ele definitivamente havia ganhado alguns quilos de massa muscular durante os três meses que passaram fora de Hogwarts.

— Peguei isso para você, para não perder o hábito – revelou ele, tirando uma flor de sua bolsa. 

Sprout tinha mania de levar a ela uma flor em todas as aulas de transfiguração, e somente nela, é claro. Não era besta e não queria arrumar problemas com Riddle fazendo aquilo em outros momentos.

— Obrigada – agradeceu Ilka, aceitando a flor, que desta vez tinha pétalas rosas e parecia bastante frágil e delicada – Qual o nome desta?

— É uma malva-rosa. Acho que essa em particular combina muito com você, ela carrega como significado a ambição.

Cada vez que recebia uma flor diferente a garota se interessava em saber o seu nome e significado, pois sentia que era ótimo aprender coisas novas com outras pessoas, por mais simples que fossem.

— Leo... Acho que nunca perguntei, mas para o que você vai aplicar nos NIEMs? Acho que todas as matérias mais avançadas que eu pego você também está pegando – perguntou Ilka ao amigo, enquanto o professor Dumbledore anotava algo no quadro relacionado a transfiguração transubstancial.

— Vou tentar uma vaga para auror. Parece que uma turma nova vai abrir esse ano, para treinamento sabe, com um auror que ainda não está há tanto tempo no ministério, parece que ele quer formar um novo time de aurores e muitas pessoas estão com receio por ele ser novo, mas eu decidi tentar. Por quê? Estava com medo de que eu talvez fosse ser competição para você?

— Acredite Leo, ninguém aqui seria competição para mim, não importa o que eu tente aplicar. Só estava curiosa mesmo, acho que nunca conversamos sobre.

— Ui, senhorita empoderada, perdão – brincou o Sprout, com a mão em seu peito, fazendo drama – Perguntou para o que eu aplicaria, mas não disse nada sobre você. O que pretende fazer após a formatura?

— Vou tentar ser desfazedora de feitiços, Gringotes contrata um número bem limitado por ano, quem sabe eu tenho a chance.

— Caçadora de aventuras, vai sair em busca pelo mundo procurando por bens valiosos para o banco. Achei emocionante, pensei que você fazia mais o tipo que ficava atrás de uma mesa no ministério mandando e desmandando.

— Mas que bela imagem você tem de mim – criticou Ilka.

— Perdão, mas é o que eu pensava. Pense comigo, você sempre está por aí, com um livro em mãos. Ou então está na biblioteca, parece na maioria das vezes concentrada em seus estudos, não imaginei que você preferiria sair pelo mundo procurando “tesouros” nos piores lugares possíveis.

— Às vezes a gente se cansa de fazer sempre o mesmo e quer um pouco de variedade.

Continuaram conversando e de vez em quando paravam, para que pudessem fazer anotações do conteúdo da aula. Ao final, o professor Dumbledore liberou a turma, mas pediu para que os dois permanecessem, pois queria falar com eles. O assunto não era muito diferente do qual conversaram durante a aula, mas não tinha como abordar outro tópico, aquele ano inteiro girava em torno dos NIEMs para os alunos do sétimo ano.

Professor Dumbledore se tornava cada vez mais grisalho, e sua barba crescia mais a cada dia. Ilka acreditava que começava a descuidar de sua aparência devido ao estresse, afinal, não deveria ser fácil ser o bruxo mais poderoso do século, como fora considerado por alguns jornais e até mesmo pelo ministério. Afinal, Alvo havia derrotado o bruxo das trevas mais poderoso dos últimos anos, o que liderou mais movimentos e converteu mais bruxos.

— Senhor Sprout, senhorita Grindelwald, sentem-se por favor – cumprimentou o professor e fez sinal para que os dois se acomodassem nas cadeiras que havia acabado de puxar para próximo de sua mesa, enquanto se sentava em sua própria cadeira – Vi que os dois andam se dedicando bastante em minha aula, e venho recebendo elogio de vocês por parte de outros professores também. Por isso, gostaria de usar minha atual influência para ajudá-los em suas carreiras pós Hogwarts.

O professor então puxou uma gaveta debaixo de sua mesa, retirando dela uma folha nova de pergaminho, uma longa pena de cor azulada e um tinteiro pela metade, tampado por uma grossa e manchada rolha.

— O NIEM se aproxima, e acredito que os dois irão bem, mas gostaria de escrever uma carta de indicação, para ajudar-lhes a conseguir vagas boas. Senhor Sprout eu já sei que quer se candidatar a auror, e irei escrever a Alastor, que é um conhecido. E você, Ilka? Está pegando as mesmas matérias de Leonard, certo? Vai tentar para auror também? – perguntou o professor, com seus novos óculos ovais deslizando sobre a ponte do nariz, enquanto os encarava por cima das lentes – Apesar de novo na carreira, Alastor é bastante talentoso e confio bastante nele como auror.

— Na verdade, somente Leo planeja candidatar-se a auror. Quero tentar ser desfazedora de feitiços, professor – pronunciou-se Ilka, sentindo-se lisonjeada pela proposta de Dumbledore.

 Não era sempre que um bruxo tão poderoso e reconhecido como o vice-diretor oferecia-lhe a oportunidade de uma carta de recomendação.

— Devo confessar que não tenho muito contato com os duendes de Gringotes, mas vou tentar mesmo assim, quem sabe não consigo algo para você? Um teste e treinamento além dos NIEMs, seria bom – disse o professor enquanto deslizava a ponta de sua pena pelo pergaminho – Espero que ajude, e que mesmo após Hogwarts vocês não cortem relações com este pobre professor. Está cada dia mais difícil fazer amigos no mundo bruxo – Alvo pronunciou, trocando um olhar cúmplice com Ilka.

Logo, ele entregou suas cartas de recomendação aos alunos, cada uma lacrada em um envelope com cera. Ilka e Leo então partiram, saindo pela porta, Sprout ainda confuso com a última fala do professor antes de sua despedida.

— O que Dumbledore quis dizer com “está difícil fazer amigos no mundo bruxo”? – perguntou ele, virando-se para a colega.

— Acho que a prisão de meu pai não foi o suficiente, Leo. Os tempos estão mudando e tornando-se cada dia mais sombrios. Temos de nos manter fiéis aos nossos amigos.

— Quer dizer que agora o professor nos considera amigos dele?

— Talvez, não sei. Está cada dia mais difícil confiar em uma amizade, e como o próprio Dumbledore disse, está difícil fazer amigos no mundo bruxo nos dias de hoje – disse Ilka, finalmente fitando-o de volta – Boa noite Leo, fique bem.