Truque do Destino escrita por Akiel


Capítulo 12
XI - Tempestade




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Truque do Destino

 

XI – Tempestade

 

Meus alunos mostram que o Destino pode ser desafiado, não sendo tão imutável quanto alguns acreditam que seja. O próprio Destino permite que Truques como Ileanna possam nascer e mesmo meus estudos, minhas ações não foram barradas e Caranthir nasceu. Minha Criança Dourada. Com eles, a Caçada se fortalece e meus objetivos se tornam cada vez mais próximos. Mesmo que, no final, eu acabe perdendo a ambos.

(Trecho do diário do Sábio Avallac’h)

 

Anos Atrás

Tir Ná Lia

O som da lâmina colidindo contra o metal do cajado ecoa pelo vasto jardim, atentos olhares acompanhando o embate com crescente interesse. Comentários são trocados em baixos tons de voz, elogios e análises acerca dos navegadores que provam sua habilidade no confronto. Dando impulso para trás, Ileanna afasta a espada e toma alguns passos de distância de Caranthir. Diante do movimento, um pretensioso sorriso nasce nos lábios finos do Aen Elle, os curtos fios do negro cabelo caindo suavemente sobre os olhos azuis. Retribuindo com um sorriso próprio, a Rosa de Auberon deixa o próprio poder penetrar a arma, dando à lâmina um tremulante brilho azulado. Como provocação, Caranthir faz o mesmo, o globo de cristal na ponta do cajado acendendo com uma forte luz branca de sombras azuladas.

O navegador é o primeiro a se mover, a rapidez aprendida o fazendo sumir por um momento, apenas para reaparecer no segundo seguinte ao lado direito da mais nova. Percebendo o movimento, Ileanna se vira rapidamente, a espada bloqueando o cajado que é abaixado e a magia explodindo em uma barreira que colide com a que é invocada por Caranthir. Para os espectadores, nobres entre os Aen Elle e soldados da Caçada Selvagem, é claro que os navegadores se encontram no mesmo nível de poder e habilidade, Tir Ná Lia ganhando muito ao tê-los como protetores. Contudo, em um canto do jardim, írises da cor do chumbo derretido observam o combate com questionadora curiosidade. O poder de Ileanna é conhecido pelo rei, mesmo a parte que permanece como um segredo escondido de todos, mas a força da magia de Caranthir é uma prazerosa surpresa, os elogios feitos por Avallac’h sobre o aluno se provando verdadeiros. Mas, em meio ao choque de poder e magia, Auberon não consegue deixar de questionar até onde Caranthir pode seguir Ileanna. Até que ponto o poder nascido no sangue pode seguir o poder originado de um truque do Destino?

Ao lado do soberano, Avallac’h observa o embate com clara satisfação nas írises aquamarines. Ileanna e Caranthir percorreram um longo caminho até chegarem aonde estão: navegadores da Caçada Selvagem, dois dos mais poderosos dos Cavaleiros Vermelhos. O claro olhar vê o momento em que Caranthir desvia da lâmina da Rosa, o corpo curvando para o lado e, por um segundo, as írises azuis encontram os olhos aquamarines e o Aen Saevherne vê a raiva que queima no mar de azul como uma intensa chama que desfaz o sorriso que dançava nos lábios de Avallac’h. Desde que descobriu sobre a própria origem, o respeito e a confiança do jovem navegador se tornaram ressentimento e ódio. Um pensamento invade a mente do poderoso feiticeiro, como uma lança que corta e revela uma face inesperada, mas interessante, da realidade. Nascido para recuperar um poder enfraquecido, Caranthir se rebela e se ressente. Roubada para recuperar o mesmo poder e para impedir o destino compartilhado por todos os mundos, Ileanna se ajoelha e jura lealdade.

Essa diferença seria originada apenas das personalidades distintas de ambos ou teria algo mais influenciando? Discretamente, as írises aquamarines são dirigidas ao soberano que permanece atento ao combate no jardim. Avallac’h sabe que nunca será capaz de inspirar a mesma lealdade que Auberon consegue conquistar com tanta facilidade. Seria esse o detalhe que entrelaça a diferença entre os navegadores, uma vez que a lealdade de Caranthir para com o rei não foi abalada, sendo Avallac’h o único destinatário de sua raiva? Respirando fundo, o claro olhar retorna para os alunos podendo ver o último golpe sendo dado por ambos ao mesmo tempo, a lâmina de Ileanna parando a milímetros da garganta de Caranthir e o cristal do cajado quase tocando o peito da feiticeira. Sob os aplausos da plateia, os navegadores sorriem e se cumprimentam com os braços direitos sendo cruzados sobre o peito. Mesmo que a confiança da Criança Dourada tenha sido perdida e a lealdade da Rosa pertença ao rei, a época do retorno do sangue da Gaivota está chegando junto com mais uma chance de alcançar o desejo do coração.

— Eles são poderosos. – o comentário, feito em um satisfeito tom de voz, retira o Aen Saevherne dos próprios pensamentos e atrai as írises aquamarines para um olhar da cor do mel.

— Eles são. – Avallac’h concorda, silenciosamente imaginando quais objetivos o outro conselheiro do rei vê nos jovens navegadores.

— Mas também intensos. – Ge’els continua, os braços sendo cruzados nas costas e a voz adquirindo um suave tom de reflexão – Quem sabe para qual lado o vento pode puxá-los? – uma sombra de provocação cai sobre as palavras e o sorriso do companheiro e Avallac’h questiona se Ge’els também pode ver a falta de lealdade que Ileanna e Caranthir parecem ter com relação ao professor.

Presente

Kaer Morhen

Dedos envoltos pela escura manopla envolvem o cabo da espada com mais firmeza do que o necessário, os músculos tensos com a ansiedade que precede a batalha. Sob a armadura, o coração do Lobo bate com toda força, seguindo o ritmo do pensamento que domina a mente, o desejo de proteger as filhas e mantê-las longe das garras da Caçada. Ecos do passado caem como as sombras de uma tempestade sobre o witcher, sussurros que recordam a perda de uma pequena feiticeira e a busca por uma inquieta andorinha. Írises douradas caem sobre a espada de prata, o design único que há muito serve os witchers da Escola do Lobo com lealdade e habilidade. Por um momento, Geralt sente o peso de todos os anos no Caminho, todo o treinamento passado e a experiência adquirida serão necessários para manter Ileanna e Ciri seguras. E, no silêncio que domina a fortaleza, o Lobo promete a si mesmo não falhar novamente.

O peso de um toque sobre o ombro esquerdo desperta o witcher dos próprios pensamentos e atrai o dourado olhar para a face do velho mestre. Nos olhos de Vesemir, Geralt encontra uma calma determinação que dá esperança para o coração. Sob a pressão dos dedos que pressionam contra a armadura, o witcher mais novo sente o eco da promessa de ajuda, de lutar lado a lado para manter aquelas que são importantes para ambos em segurança. Assentindo para o mais velho, o Lobo encontra os olhares dos amigos e, nos olhos de Eskel e Lambert, Geralt encontra a mesma promessa. Contudo, é um toque mais suave que realmente captura a atenção do witcher, um toque que vibra com magia e com a força dos relâmpagos. Sorrindo, o mais velho dos witchers deixa o Lobo sob os cuidados da feiticeira e se afasta com os outros alunos.

— Está tudo bem? – Geralt questiona, um leve franzido marcando a face e os olhos dourados observando as írises violetas da bela feiticeira, que brilham com a ansiedade e a preocupação que a batalha traz.

— Sim. – Yennefer responde, o toque seguindo pelo pescoço até o rosto do guerreiro – Eu, Keira e Triss ficaremos nas ameias, dando suporte para você e os outros witchers enquanto tentam barrá-los nos portões. – o olhar violeta é desviado por um momento para as duas jovens que permanecem na companhia de um Aen Saevherne – Ileanna e Ciri ficarão no pátio interno com Avallac’h.

— Eu não confio nele. – o witcher diz seguindo o olhar da amada, a voz ecoando a desconfiança que vem se intensificando desde o encontro com Inis.

— Eu também não confio. – as palavras e o toque da feiticeira capturam novamente a atenção das írises douradas para o olhar violeta – Mas o poder de Avallac’h será útil para mantê-las longe dos cavaleiros vermelhos.

Respirando fundo, Geralt assente, concordando com a amada. Abaixando o rosto, o witcher encosta a testa na da feiticeira, as mãos repousando gentilmente nas laterais do pescoço do Yennefer. Sob os dedos, o guerreiro sente o coração amado pulsando no mesmo ritmo da tempestade que se aproxima e, por um momento, há apenas eles sob a frágil paz que resiste dentro das paredes de Kaer Morhen.

Um pouco afastadas do witcher e da feiticeira, uma Rosa e uma Andorinha se preparam com o auxílio de um Aen Saevherne. Enquanto termina de fechar a armadura sobre o peito, Ciri arrisca um olhar para a companheira, vendo o corpo da jovem feiticeira coberto pela mesma negra armadura usada em um duelo. A armadura dos Cavaleiros Vermelhos. É então que Zireael percebe que, antes do desafio proposto, nunca havia visto Ileanna com a vestimenta da Caçada Selvagem. Mesmo durante o duelo travado, o significado carregado pela armadura não havia capturado a atenção da Andorinha. Mas agora, sob o tenso silêncio que conta os segundos até a batalha iniciar, Ciri pode ver a soldada que a feiticeira de olhos dourados era. Que ela ainda é. Diante da escura cor que cobre a armadura, a Andorinha percebe a verdadeira extensão do papel de Ileanna na corte de Auberon. Não apenas como um caminho de poder, de magia para atacar e conquistar, mas também para proteger e oferecer segurança para o reino, para o próprio rei. E mesmo que agora Ileanna seja um dos objetivos da Caçada, Ciri tem certeza de que, em alguma parte de si, a jovem feiticeira também estará lutando por Auberon.

— Nervosa? – a Andorinha questiona tentando limpar os pensamentos.

— Ansiosa. – Ileanna responde, um leve sorriso esticando os lábios vermelhos – E você?

— Também. – Ciri responde, as írises verdes insistindo em analisar a face da mais velha em busca da resposta a uma pergunta que assombra a mente desde os dias passados em Tir Ná Lia.

Por que você é tão leal a Auberon?

— Seus pensamentos são altos, Zireael. – os dedos cobertos pela negra manopla tocam a face da mais nova, afastando alguns fios acinzentados e surpreendendo a Andorinha – E seu olhar é claro e sincero.

Ciri tenta responder, mas nenhum som deixa os lábios finos. As palavras permanecem enroscadas na garganta, presas pelo brilho de certeza que as írises verdes encontram no dourado olhar da jovem feiticeira. Não há dúvida nos olhos de Ileanna – nenhum medo ou hesitação – apenas a certeza nascida do conhecimento do motivo por trás da luta. A Andorinha pode ver que não é apenas por sobrevivência que a mais velha luta, para não ser morta pelos cavaleiros vermelhos. Há mais. Há o desejo de conquistar justiça para um rei traído, de limpar o nome manchado por uma falsa acusação de traição, de seguir o caminho escolhido para si mesma. Por um momento, Ciri se recorda de uma conversa sob o amanhecer do mundo dos Aen Elle. A força e a confiança vistas em Ileanna naquele momento se encontram presentes uma vez mais. E, novamente, Zireael sente o desejo de experimentar essa certeza tão confiante, de saber sem dúvidas qual caminho se encontra adiante e qual é o objetivo a ser alcançado ao final dele.

— Não se preocupe, Zireael. – Ileanna diz, as írises douradas vendo cada emoção e pensamento que cruza a mente e o coração da mais nova – Quando essa batalha terminar, eu vou ajudá-la a encontrar o que busca.

Assentindo, Ciri não consegue impedir o sorriso que nasce nos lábios, o coração acalmando diante da firmeza da postura de Ileanna. Sem pensar, a Andorinha dá um passo à frente, os braços envolvendo a jovem feiticeira em um abraço que agradece sem compreender exatamente o motivo do agradecimento. O movimento pega a Rosa de surpresa, mas é logo retribuindo, ainda que de modo hesitante. Ileanna pode ver o questionamento e  o desejo nos olhos de Ciri tão claramente quanto anos atrás, mas sem a hesitação e o medo que antes os seguravam. Pouco a pouco, Zireael começa a dar passos em direção a construção do próprio caminho e da própria identidade, ganhando o controle do próprio poder e do passado que sempre a assombrou. Um pouco mais e a última vontade do rei poderá ser cumprida. Mas o sabor de uma missão quase em seu final não é doce, o gosto sendo amargo na boca da feiticeira com olhos de witcher.

Afastado apenas alguns passos, Avallac’h observa a breve conversa e o inesperado abraço com intrigada atenção. A cada dia que passa, a conexão entre Cirilla e Ileanna abandona as sombras e se revela com uma força cada vez maior. Não somente os poderes no sangue de ambas, que chamam um ao outro, se entrelaçando em uma dança que é apenas o sussurro a chamar a tempestade, mas também o laço de amizade e confiança cujas sementes foram observadas em Tir Ná Lia. Confiar em Ileanna foi algo que Ciri fez sem perceber, atraída pela aura de confiança sempre presente na Rosa de Auberon. Na feiticeira com olhos de witcher, Zireael viu o que poderia se tornar: poderosa, independente, confiante. Mas o Aen Saevherne sabe que o ponto central para a imagem de Ileanna vista por Ciri permaneceu sempre como um mistério para a Andorinha: a lealdade da jovem feiticeira para com Auberon.

Como Ciri foi atraída pelo que viu em Ileanna, a Rosa foi atraída pelo que encontrou no Rei dos Amieiros. Contudo, Avallac’h não se atreve a limitar a origem da lealdade de Ileanna apenas a isso, pois exatamente o que foi visto pelos olhos dourados no soberano é algo que apenas a jovem feiticeira pode responder. Mesmo ele, presente desde a chegada de Ileanna a Tir Ná Lia e em cada treinamento secreto, não pode afirmar conhecer por completo a relação mantida entre a Rosa e o Rei. E quais segredos e desejos essa relação guardava para a Andorinha. Entretanto, o que o Aen Saevherne vê agora não é muito diferente do que podia ser observado anos atrás. Ileanna ainda age e se posiciona como um farol para Cirilla, chamando, convidando... Para qual destino, Avallac’h pode apenas imaginar que foi uma escolha feita por Auberon. Ou, quem sabe, deixado aberto para que o próprio sangue do rei possa escolher. Para o poderoso feiticeiro parece que, assim como a filha, Auberon tem o poder de influenciar o presente daqueles que conheceu mesmo na forma de uma simples memória.

A calma atmosfera, contudo, é quebrada pelo ecoar de um golpe nos portões da fortaleza anunciando a chegada da Caçada Selvagem. Com um chamado de Vesemir, todos se encaminham para as posições a serem assumidas, mas o olhar violeta de uma feiticeira e o dourado olhar de um Lobo Branco são brevemente desviados para as jovens que pegam as espadas deixadas sobre a mesa. Por mais que confiem nas habilidades e no poder de Ciri e Ileanna – na experiência da mais velha como membro dos Cavaleiros Vermelhos –, Yennefer e Geralt não conseguem evitar que um momento de medo e dúvida invada a mente e acelere o coração. Respirando fundo, o witcher abaixa o rosto, os lábios quase tocando a orelha da bela feiticeira, as palavras sendo sussurradas com a força de uma promessa:

— Eu vou mantê-las seguras.

— Eu sei. – Yennefer responde, as írises violetas procurando pelo dourado olhar, o coração sabendo com toda força a verdade nas palavras do amado.

Portões de Kaer Morhen

Sob o elmo, írises azuis observam enquanto a pesada maça de Imlerith colide contra o portão da fortaleza. Por mais que a estratégia baseada na violência sem plano do companheiro possa ser uma fonte de frustração para o navegador, Caranthir decide por não contestar, a mente preferindo se focar nos alvos que se encontram dentro das paredes de pedra. Por mais que o desejo do rei resida na captura da Andorinha, são a Rosa e a Raposa que mantêm o interesse do poderoso navegador. Sob a pesada armadura, o cavaleiro vermelho sente o coração batendo com a curiosidade para rever a colega de treinamento e queimando com as memórias evocadas ao pensar no antigo professor. Respirando fundo, Caranthir deixa que o próprio poder se espalhe sob a pele até penetrar no cajado, fazendo com que o redondo cristal brilhe com uma luz azulada. Que o desejo do rei permita a chance de um fechamento para o passado que ainda assombra a mente.

O som da queda do pesado portão ecoa na silenciosa floresta e abafa a satisfeita risada que escapa dos lábios de Imlerith. Caranthir deixa que o companheiro penetre primeiro a fortaleza com os soldados, mantendo os próprios cavaleiros em espera por um momento. Deixe que Imlerith se divirta com a primeira linha de defesa que os witchers com certeza montaram, o navegador sabe que o desejo do coração se encontrará afastado do centro do confronto como uma raposa que apenas manipula as peças no tabuleiro sem nunca se revelar através de uma ação direta. E Caranthir tem quase certeza de que a Rosa e a Andorinha estarão com Avallac’h, o antigo professor não iria querer correr o risco de deixar as protegidas de Auberon no coração da batalha.

Do outro lado, os witchers observam a entrada da Caçada Selvagem, o frio trazido pelos cavaleiros sussurrando no ar até as ameias, onde as feiticeiras se encontram preparadas, magia e feiticeiros prontos na língua. Quatro pares de írises douradas observam o primeiro cavaleiro vermelho a cruzar a entrada de Kaer Morhen, a longa e pesada maça apoiada no ombro direito. Logo, outros soldados começam a aparecer, se posicionando ao longo das paredes que ladeiam os portões. Os witchers podem contar mais ou menos cinco dezenas de cavaleiros vermelhos. Vendo a linha de quatro guerreiros que se colocam no caminho, uma risada escapa por entre os lábios de Imlerith.

— Essa é a defesa que vocês prepararam? – o general questiona – Suas mortes serão rápidas e indolores, eu garanto.

— Sua estratégia é nos matar com conversa?! – Lambert questiona com a provocação clara e alta na voz.

Sob o elmo, um sorriso estica os lábios de Imlerith, a mente decidindo o primeiro alvo. Segurando a maça com as duas mãos, o cavaleiro vermelho se move rapidamente na direção de Lambert, mas o witcher, prevendo a resposta à provocação feita, dá um rápido impulso para trás, a pesada maça colidindo contra o chão. O ataque é a permissão que os soldados aguardavam e eles também começam a se movimentar. Dois se deslocam na direção de Geralt e Eskel, as espadas colidindo contra as lâminas dos witchers. Quando outros tentam aproveitar para atacar pelos lados, raios caem do céu os atingido de modo certeiro e servindo como alerta para os restantes. Aproveitando a distração causada pela defesa de Yennefer, Geralt e Eskel aproveitam para desviar as espadas dos cavaleiros, as próprias lâminas ultrapassando as negras armaduras e afundando nos peitos dos Aen Elle.

— Nós não somos tão fáceis de derrotar. – Vesemir diz, a própria espada cortando a garganta de um dos soldados da Caçada.

Com um movimento da mão, Imlerith para os soldados, a mente do cavaleiro percebendo que a luta não será tão simples quanto fora imaginado. Os witchers aproveitam a pausa para se reposicionarem, as posturas não abandonando a forma defensiva e as mãos segurando firmemente os cabos das espadas. Se deixando levar pelas aparências, Imlerith troca de alvo, a maça sendo usada para atacar Vesemir. Preparado, o experiente witcher desvia do ataque, uma rápida invocação do Igni criando uma barreira de fogo que obriga o general a parar. Os soldados, a exemplo de Imlerith, retomam o ataque contra os witchers. Entretanto, dessa vez, fogo e pedras acompanham os raios que oferecerem cobertura para os guerreiros, atingindo os soldados que conseguem escapar das lâminas dos witchers.

Do portão derrubado, Caranthir observa os soldados de Imlerith lutando contra os witchers e as feiticeiras, o atento olhar percebendo como a luta se mostra a distração necessária para perseguir os objetivos dessa caçada. Indicando para metade dos próprios soldados que ofereçam apoio para Imlerith, o navegador se concentra no interior da fortaleza, a mente procurando pelo poder conhecido, o frio que sempre envolveu a magia de Ileanna com mais intensidade do que qualquer tempestade causada pela Caçada Selvagem. Encontrando o eco da presença da antiga companheira de treinamento, Caranthir abre um portal para si e o que restou de seus soldados.

Pátio interno de Kaer Morhen

Sob os ecos do portão sendo derrubado, Ciri sente o coração acelerar no peito, a adrenalina e a ansiedade por lutar queimando sob a pele e fazendo impossível para a Andorinha permanecer parada. As írises da cor de esmeraldas procuram pelo Aen Saevherne o encontrando a poucos passos de distância, o cajado na mão e o olhar firme na direção do portão que separa o pátio interno da entrada de Kaer Morhen. Por um momento, Zireael sente o desejo de questionar, de pedir para ir aonde a batalha já se iniciou, mas a profunda concentração na face de Avallac’h mantém a voz presa na garganta. Inquieta, a Andorinha se volta para a feiticeira de olhos dourados, encontrando Ileanna com o pescoço inclinado para trás e os olhos fechados, a postura aparentemente relaxada sendo traída apenas pela firmeza com que Ileanna se mantém de pé, os dedos segurando o cabo da espada e as runas gravada na lâmina brilhando com uma luz azulada.

Contudo, os raios e o fogo invocados por Yennefer e Triss logo capturam a atenção da Andorinha, o coração batendo ainda mais rápido e mais forte, preocupado com a segurança daqueles que lutam para mantê-la segura. Ao lado de Ciri, Ileanna sente o frio trazido pela Caçada Selvagem, familiar e nostálgico, penetrando os pulmões e despertando os sussurros da tempestade que é guardada no sangue. Respirando fundo, a jovem feiticeira abre os olhos, as írises douradas observando a chuva de magia que cai sobre os cavaleiros vermelhos. Lembranças de um mundo coberto em branco, da neve sendo manchada com o próprio sangue, de dor e lágrimas despertam na mente da feiticeira com olhos de witcher e o coração bate com a ansiedade nascida da certeza do confronto. O fechamento desejado para o passado se encontra cada vez mais próximo, mas Ileanna não consegue impedir que uma pesada e fria sombra de tristeza caia sobre o coração.

Um alto estalar quebra a quietude do pátio, um portal se abrindo e revelando a chegada dos cavaleiros vermelhos. Caranthir é o primeiro a cruzar, o cristal do cajado parecendo refletir a luz que envolve a lâmina de Ileanna. Diante da chegada dos soldados da Caçada, Avallac’h e a jovem feiticeira se movimentam, assumindo posições ligeiramente a frente da Andorinha. Enquanto o resto dos soldados cruzam o portal, o oculto olhar azul observa a Rosa e a Raposa, percebendo a impassibilidade comum ao olhar aquamarine do Aen Saevherne e a força que brilha no dourado olhar de Ileanna. Quando o som do portal se fechando é ouvido, a feiticeira com olhos de witcher assente para o general recém-chegado.

Caranthir.

Anos Atrás

Tir Ná Lia

O som de objetos sendo derrubados e quebrando ao entrarem em contato com o chão e as paredes ecoa no laboratório, atraindo a atenção de írises aquamarines. Com passos lentos, o Aen Saevherne se aproxima da origem do barulho, encontrando frascos quebrados, os pedaços de vidro espalhados sobre o solo de pedra e se misturando aos livros e cadernos esparramados sem cuidado, abertos, fechados e até mesmo levemente rasgados. Imagens e anotações deixadas penduradas se encontram a uma brisa de despencarem no chão. Uma pontada de irritação nasce na mente do feiticeiro diante dos danos que decoram o local de trabalho e o claro olhar logo encontra o responsável. De costas e apoiado sobre uma das mesas, Caranthir continua no caminho da destruição, empurrando livros e folhas e tudo que possa encontrar pela frente.

Caranthir. – Avallac’h chama com imponência e autoridade, o forte tom de voz parando os movimentos do jovem navegador – O que significa tudo isso?

— Você deveria saber. – o cavaleiro vermelho responde virando o corpo para poder encarar o professor – Você me criou. – Raiva, mágoa e ressentimento ecoam na voz de Caranthir, os olhos azuis brilhando como uma tempestade tão fria quanto a sombra que cai sobre as palavras ditas.

Em um segundo, Avallac’h entende o motivo por trás das ações do aluno e o verdadeiro sentido do verbo usado. Respirando fundo, o Aen Saevherne abaixa o corpo, os dedos envolvendo a capa de um dos livros jogados e o arrumando. O poderoso feiticeiro sabia que, cedo ou tarde, esse momento chegaria e a verdade sobre o navegador seria descoberta. Deixando o livro sobre uma das mesas, o olhar aquamarine se volta para o tempestuoso navegador. Entretanto, a calma resignação que as írises azuis encontram nos olhos do professor apenas intensifica o fogo da raiva e da traição que queima no sangue. Lágrimas quentes escapam dos olhos do jovem Aen Elle sem poder para acalmar o coração que bate intensamente no peito.

— Você não vai dizer nada? – Caranthir questiona, a raiva sentida ecoando na voz que mal consegue escapar por entre os dentes cerrados.

— Eu não vou negar o que você já sabe ser verdade. – Avallac’h responde sem perder a firmeza ou a imponência da voz.

— Então me diga por quê! – a ordem é quase um grito no laboratório destruído, as írises azuis tremendo sob o peso da verdade descoberta.

— Porque precisamos preservar o poder que você possui. – o Aen Saevherne diz – O poder de manipular o tempo e o espaço, de navegar pelo Caminho dos Mundos. Eu manipulei seu nascimento, sim, mas somente para beneficiar nosso povo.

Apesar das palavras e da tentativa de aplacar a tempestade de raiva e mágoa do aluno, Avallac’h pode ver a sombra que nasce no claro olhar, densa com uma compreensão que não é completamente revelada. Em um segundo, a tempestade em Caranthir se transforma em uma verdadeira força da natureza, o magia do navegador escapando do controle e estralando no ar como os relâmpagos que anunciam a chegada da destruição.

— O poder dela.— o cavaleiro vermelho rebate e o simples pronome é o suficiente para fazer com que a postura do Aen Saevherne mude e se torne mais atenta e defensiva – A sombra dela. A memória dela. Você pode dizer o que quiser sobre querer ajudar nosso povo, mas é apenas com ela que você se importa. – Caranthir dá um passo à frente, os estalos de magia se tornando mais altos e frequentes. Os olhos azuis percebendo a chama de raiva que nasce nas írises aquamarines – Eu, Ileanna, a Andorinha que dizem que virá... Todos nós somos apenas ferramentas no seu caminho, no seu desejo obsessivo de preservar o que quer que tenha restado dela.

No momento em que a última palavra deixa os lábios finos do navegador, uma onda de energia colide contra Caranthir, o fazendo cambalear levemente para trás. Uma amarga risada escapa do cavaleiro vermelho e os olhos azuis se focam no olhar aquamarine. A sombra de raiva e ressentimento é clara na face de Avallac’h, assim como o fantasma de Lara que ainda assombra a mente e o coração do Aen Saevherne. Sorrindo, Caranthir retribui o ataque, a magia explodindo em um único estalar e empurrando Avallac’h e o afastando alguns passos. A mão direita do navegador é envolta em uma trêmula luz azulada que se intensifica a cada passo dado na direção do professor. Contudo, antes que o ataque seja realmente lançado, uma voz para o movimento do cavaleiro:

— Caranthir!

Desviando as írises azuis para a entrada do laboratório destruído, o navegador encontra o confuso e dourado olhar da Rosa de Auberon. A atenção de Ileanna passa do colega de treinamento e Caçada para o professor e retorna, um claro questionamento na face bela. Deixando a energia se desfazer entre os dedos, Caranthir retoma a caminhada, mas, dessa vez, passando direto pelo professor e seguindo para o ponto em que a jovem navegadora permanece observando a situação. Apenas algumas palavras deixam os lábios do Aen Elle, um claro aviso e uma afirmação de que a confiança e o respeito que um dia foram compartilhados, agora acabaram.

— Que o rei nunca descubra a verdade do seu coração, Avallac’h.

O silêncio permanece no laboratório após a partida de Caranthir, as írises douradas de Ileanna observando a destruição espalhada até retornarem para o feiticeiro que se mantém parado no mesmo ponto em que foi deixado, o olhar aquamarine caindo sobre um dos cadernos jogados abertos sobre o chão, as anotações sendo rapidamente reconhecidas. Nomes e datas, linhas que mostram os cruzamentos feitos para chegar até a Criança Dourada que agora se encontra envolta por uma tempestade de sombras e raiva.

— O que aconteceu? – Ileanna questiona, mas não obtém uma resposta.

A mente do Aen Saevherne se afasta dos pensamentos acerca do aluno, a atenção sendo focada na dor evocada pelas palavras de Caranthir. A rejeição sofrida anos atrás ainda ecoa dolorida no coração do poderoso feiticeiro, entrelaçada ao amor ainda sentido, cujas raízes se recusam a libertar a alma. A lembrança da face bela se transforma em um fantasma com o tempo, assombrando e perseguindo, queimando como o mais lento dos venenos. Tal é o amor guardado e procurado, que sabe que só poderá descansar quando os fragmentos do que foi perdido se tornarem cinzas na neve.

Presente

Kaer Morhen

A luta nos portões continua, intensificada pela chegada de mais cavaleiros vermelhos. Enquanto Lambert e Eskel tentam derrotar o maior número de soldados possível com a ajuda das feiticeiras, Geralt e Vesemir se concentram em Imlerith. Com um pouco de dificuldade, Geralt bloqueia a maça do general da Caçada, o peso da arma pressionando os braços do witcher e a lâmina da espada. Vesemir aproveita para atacar novamente com o Igni, mas, percebendo o intento do guerreiro mais velho, Imlerith se afasta de Geralt e, através das chamas, ataca com a maça, atingindo o peito de Vesemir, que é jogado contra o chão, quase atingindo o portão derrubado. Por um momento, a atenção do general é atraída para a entrada da fortaleza e, vendo-a vazia e sem sinal de Caranthir, Imlerith deduz que o navegador foi atrás do objetivo de ambos e uma risada ecoa em meio ao confronto.

— Sua tentativa é inútil, witcher. – o cavaleiro vermelho diz, voltando o claro e oculto olhar para Geralt – Caranthir irá conquistar a Rosa e a Andorinha e não há nada que você possa fazer para impedir.

Sentindo um gelado calafrio correr pela coluna com as palavras do general, o olhar do Lobo Branco é imediatamente atraído para a direção do pátio interno e os passos tentam seguir pelo mesmo caminho, mas o peso da maça contra as costas impede o intento do witcher, o levando direto para o chão. Quando a maça é novamente abaixada, uma espada impede que ela atinja novamente o Lobo. Írises douradas são erguidas procurando pela origem do bloqueio e encontram Lambert lutando para segurar o ataque de Imlerith. Se levantando com rapidez, Geralt coloca toda força em um Aard e consegue afastar o cavaleiro vermelho alguns passos. Olhando ao redor, o witcher percebe que a união das lâminas dos Lobos com a magia das feiticeiras conseguiu derrotar a maior parte dos soldados da Caçada. Com o coração batendo intensamente no peito, Geralt sabe que a luta tem que terminar logo, pois o witcher se recusa a permitir que Ileanna e Ciri caiam na mãos da Caçada Selvagem.

Enquanto isso, no pátio interno da fortaleza, com um movimento da mão, Caranthir indica que os soldados permaneçam em suas posições. Segurando o cajado firmemente com a mão direita, o navegador se aproxima lentamente, observando como as posturas da Raposa, da Rosa e da Andorinha se tornam mais defensivas, à espera de um ataque. E o general decide responder a essa espera. Com a rapidez dos mais poderosos entre os Cavaleiros Vermelhos, Caranthir ataca na direção de Ciri, mas antes que o cajado possa tocar na Andorinha, a espada de Ileanna e o cajado de Avallac’h o bloqueiam. Sorrindo sob o elmo, Caranthir se afasta alguns passos, a tensão estalando no ar e se misturando ao frio trazido pela Caçada Selvagem.

Você ainda protege Zireael. — Caranthir diz na língua dos Aen Elle, o oculto olhar azul sendo dirigido para a feiticeira com olhos de witcher – Você ainda obedece as ordens do nosso antigo rei.

Pelo menos, eu não sigo um traidor.— Ileanna responde, as írises douradas atentas aos movimentos do navegador.

Você tem certeza disso?

A direção da inclinação da cabeça que acompanha as palavras do navegador não deixam dúvidas acerca de quem ele se refere e Ileanna se encontra sem uma resposta para dar. Não é a lealdade de Avallac’h para com Auberon que Caranthir questiona e a feiticeira de olhos dourados sabe. É a obsessão com a Gaivota e até onde ela pode levar o Aen Saevherne. Ileanna conhece o coração do antigo companheiro de treinamento, um coração que nunca perdoou Avallac’h pelos experimentos que levaram ao seu nascimento. As írises douradas da jovem feiticeira procuram pelo olhar escondido nas sombras do elmo, mas mesmo sem ver os olhos azuis de Caranthir, a Rosa pode perceber que essa luta é mais do que o cumprimento de uma ordem dada. É um reencontro com o passado nunca esquecido e nunca perdoado.

Avallac’h compreende o sentido da pergunta feita e tem a certeza de que Ileanna também a entendeu. O que o Sábio fez que levou a criação de Caranthir e, mais tarde, ao ódio do antigo aluno, não é um segredo para a Rosa de Auberon, sendo um conhecimento que foi compartilhado pelo próprio navegador. Entretanto, o Aen Saevherne não pode ter a mesma certeza com relação aos pensamentos despertados na jovem feiticeira pelo verdadeiro sentido do questionamento. Tanto Ileanna quanto Caranthir nunca tiveram problemas em classificar abertamente como uma obsessão as memórias que Avallac’h guarda no coração – ambos conhecendo a história do passado quase tão bem quanto qualquer Aen Elle que tenha participado dela. E, por um momento, o Aen Saevherne questiona o quanto das próprias ações para preservar e recuperar o passado perdido podem ter influenciado para ganhar a desconfiança dos antigos alunos.

O ar estala com o frio e o poder da Caçada Selvagem, mas uma pesada e tensa tempestade parece envolver Ileanna, Avallac’h e o general dos Cavaleiros Vermelhos. E Ciri não consegue entender por quê. Durante a fuga da Caçada, o Aen Saevherne contou a Andorinha sobre como treinou Caranthir e Ileanna, mas esse passado compartilhado não parece ser o suficiente para explicar a tensão que entrelaça os três feiticeiros. Há algo mais, uma peça faltando no quebra-cabeça que Ciri não consegue encontrar. Por um momento, o verde olhar passa de Avallac’h para Ileanna, terminando no general da Caçada Selvagem e a lembrança de como o cavaleiro vermelho inclinou a cabeça parece juntar um pouco mais do quebra-cabeça na mente da Andorinha. Caranthir estava acusando Avallac’h de ser um traidor? Por quê? E o silêncio de Ileanna é o que mais pesa no coração de Ciri. Que tipo de traição o Aen Saevherne poderia ter cometido? Memórias de Tir Ná Lia despertam entre os pensamentos da Andorinha, se prendendo a um detalhe sempre presente. A desconfiança de Ileanna para com Avallac’h. Essa traição desconhecida a qual Caranthir se referia... É essa a origem, o motivo pelo qual a jovem feiticeira não confia no antigo professor?

Cansando da espera e do jogo de palavras, o poderoso navegador volta a atacar, mas, dessa vez, tendo Avallac’h como alvo. O cajado do general colide com o do Aen Saevherne, a magia em ambos explodindo como uma onda pelo pátio. Os soldados que acompanham Caranthir permanecem imóveis, sabendo melhor do que ir contra o comando do general. O navegador deixa que o próprio poder e o ódio que queima no sangue corram pelo cajado, pressionando contra o antigo professor. Avallac’h, por sua vez, começa a sentir o peso das consequências deixadas pelo Teste das Ervas. Por mais que consiga invocar o próprio poder contra Caranthir, a fraqueza ainda se infiltra na magia do feiticeiro. Ciri é a primeira a se mover para defender o Sábio, mas o navegador percebe o movimento da Andorinha e é rápido a se afastar de Avallac’h e bloquear a lâmina da Andorinha com o cajado.

Através da energia que envolve o cajado e brilha no cristal, Ciri consegue sentir o poder de Caranthir e a força do choque surpreende a Andorinha. Contra a própria espada, a herdeira da Gaivota sente um poder tão intenso quanto o de Ileanna e, por um momento, Ciri pode entender por que a feiticeira de olhos dourados e Avallac’h acharam que ela não estava pronta para enfrentar a Caçada. Enquanto o poder de Ileanna é como o chamado e o convite de uma tempestade, o de Caranthir é a imposição de uma. Feroz, intenso, impossível de ser negado. Mas a Andorinha não o sente por muito tempo, a espada de Ileanna se infiltrando no embate e afastando o cajado do navegador. Com um movimento do pulso, a feiticeira com olhos de witcher aproveita a abertura na defesa do navegador, a lâmina cruzando o peito do general e o poder que pulsa na azulada luz empurrando Caranthir poucos passos para trás.

Atentos, os soldados fazem menção de se colocarem na batalha. Contudo, o comandante os para uma vez mais, encontrando uma divertida nostalgia em enfrentar a Rosa de Auberon. Ajustando o toque que envolve o cajado, o navegador foca a atenção em Ciri e Ileanna, um pequeno sorriso esticando os lábios sob o elmo. Observando a postura do antigo aluno, Avallac’h vê a Criança Dourada que Caranthir poderia ter se tornado realmente, o poder que o fez um valioso aliado para Eredin. Afastando a fraqueza ainda sentida, o Aen Saevherne concentra o próprio poder, as mãos esquentando com o fogo que é invocado. As chamas são dirigidas ao general ao Caçada e, quando o navegador se vira para bloqueá-las, Ciri e Ileanna aproveitam para atacar. Com a mão direita segurando o cajado, Caranthir bloqueia as lâminas da Rosa e da Andorinha e, com a esquerda, invoca uma barreira para parar o fogo de Avallac’h.

Concentrando o próprio poder em ambas as mãos, Caranthir deixa que a magia exploda no pátio, apagando as chamas do Aen Saevherne e empurrando as jovens para o chão. Até mesmo os imóveis soldados sentem o eco da força do general. Vendo Ciri e Ileanna atordoadas pelo impacto contra o solo, o navegador volta a atenção para o antigo professor. Se apoiando no cajado, Avallac’h tenta recuperar o fôlego roubado pelo ataque do cavaleiro vermelho, mas os músculos insistem em tremer sob a pele e os pulmões queimam com a mesma intensidade das chamas que há pouco foram invocadas. Sob o pesado elmo, írises azuis observam a sombra que o antigo professor se tornou após a maldição de Eredin. Onde está a altivez sempre presente na postura do Aen Saevherne? O orgulho que nunca deixava as írises aquamarines? A poderosa Raposa quebrada por uma maldição.

A imagem não diminui o fogo do ódio que queima no sangue do poderoso navegador, o tornando, na verdade, mais intenso. Tantas mentiras e esquemas para preservar um passado que nunca poderá ser recuperado apenas para cair diante da própria criação. Um frio familiar começa a envolver o general em um sussurrante abraço, um que não é difícil para Caranthir reconhecer – a magia de Ileanna conhecida demais para ser confundida. Intensificando o toque sobre o cajado, o cristal brilha com mais força, a azulada luz quase uma estrela caída sob o céu nublado, o cavaleiro vermelho gira o corpo com rapidez, o gelo da Rosa de Auberon sendo quebrado e devolvido em uma onda de energia. Ajoelhando com o impacto do contra-ataque, Ileanna estica o braço na direção de Ciri indicando que não precisa da ajuda que é prontamente oferecida. Sob a pele, a tempestade murmura, arranhando veias e músculos em uma tentativa de ganhar liberdade, de proteger o farol que a guarda. Mas a jovem feiticeira luta para manter a mente em equilíbrio e o coração no comando, se negando a desistir do controle para a tempestade.

Tudo que foi preciso para você cair foi uma maldição. – Caranthir diz ainda usando o idioma dos Aen Elle, o oculto olhar se voltando para o antigo professor e o baixo do tom de voz colorido com o gelo da Caçada Selvagem.

Você caiu quando decidiu servir Eredin. — Avallac’h responde conseguindo se colocar de pé, as írises aquamarines procurando pelo conhecido olhar escondido nas sombras do pesado elmo.

Ele é o Rei e deseja a Rosa e a Andorinha.— o navegador rebate, a mão que não segura o cajado começando a brilhar com uma energia quase tão intensa quando a que ilumina o cristal na ponta da arma – Mas você... Seu destino é meu para decidir.

Nas palavras e na postura do antigo aluno, Avallac’h encontra o reflexo de anos atrás, quando a verdade foi descoberta e um confronto foi inevitável. O perdão de Caranthir é algo que o Aen Saevherne sabe que nunca conquistará, mas que também nunca pedirá. Não há arrependimento no coração do Sábio, das decisões feitas para recuperar e preservar o que foi perdido. Por um momento, as írises aquamarines são desviadas para a Rosa e a Andorinha. A confusão sentida por Ciri é fácil de ver, o verde olhar pulando do Aen Saevherne para o navegador sem descanso em uma tentativa de encontrar um modo de atacar e proteger. O dourado olhar de Ileanna, por sua vez, é diferente. Há compreensão nos olhos da Rosa de Auberon, não apenas do ódio de Caranthir, mas também dos motivos que o originaram. Ambos conhecem o coração do antigo professor, as razões por trás das ações, mas ainda assim um responde com violência enquanto a outra com silêncio. Voltando a atenção para o cavaleiro vermelho, Avallac’h vê a magia que envolve os dedos do navegador se fortalecer, o ataque sendo rápido e pesando com todo ressentimento que é carregado pelos antigos alunos.

Na entrada da fortaleza, Geralt usa um dos raios de Yennefer como defesa contra o ataque de Imlerith. Poucos soldados restam para apoiar o general e a paciência do witcher corre para o final, acelerada pela preocupação com as filhas contra Caranthir. O Lobo Branco vê dois soldados colidirem com a parede de pedra pelo poder de Keira, o som atraindo a atenção do cavaleiro vermelho e dando a Geralt a abertura necessária para usar o Aard e mexer com o equilíbrio de Imlerith. Antes que o cavaleiro possa se recuperar, o witcher aproveita para atacar, a lâmina colidindo contra o pesado elmo e o quebrando contra a face do general. Raios e fogo cuidam dos soldados remanescentes e o elmo do general cai no chão, retirado com a raiva do orgulho ferido. Írises da cor do âmbar se focam nos witchers que se posicionam ao redor do general da Caçada e uma fraca risada escapa por entre os lábios feridos pela quebra do elmo.

— Lutem o quanto quiserem, a Rosa e a Andorinha não escaparão do Rei.

As palavras são como combustível e um convite para o Lobo Branco, que é o primeiro a atacar. Imlerith bloqueia a lâmina com facilidade com a maça, mas Eskel e Lambert aproveitam para usarem o Igni nas costas do cavaleiro vermelho. Virando o corpo para desviar das chamas, o general não vê a aproximação de Vesemir, a lâmina do veterano witcher ultrapassando a armadura na lateral de Imlerith. O ataque atrai a atenção do cavaleiro vermelho para o mais velho dos witchers, mas Vesemir foi um bom mestre e os mais novos aproveitam para afundarem as espadas através da negra armadura, as lâminas cortando das costas até o peito do general da Caçada Selvagem. Sentindo o gosto de sangue na língua, Imlerith cai ajoelhado sobre o solo, os witchers retirando as espadas e deixando a escura armadura ser manchada pela trilha vermelha. Ainda rindo com escárnio, Imlerith levanta o rosto, o olhar de âmbar se voltando para o veterano witcher e o Lobo Branco que se coloca ao lado de Vesemir.

— O Rei terá o poder da Andorinha. – sangue acompanha as palavras do cavaleiro vermelho, mas não o suficiente para esconder a provocação que ainda colore a voz – E a traidora irá morrer.

Com uma última e fraca risada, Imlerith cai morto no chão em meio aos outros soldados derrotados. E, por mais que tente, Geralt não consegue negar o efeito que as palavras do cavaleiro vermelho causam no coração. Preocupação e medo brigam na mente do witcher, assombrados pela memória das perdas causadas pela Caçada Selvagem. O som da aproximação das feiticeiras captura a atenção do Lobo Branco, as írises douradas passando rapidamente por Keira e Triss e parando na feiticeira de olhos violetas. Vendo Yennefer assentir, confirmando o final da luta, Geralt retribui o movimento, mas a mente logo retorna para as palavras do general derrotado e o dourado olhar se volta para a direção do pátio interno da fortaleza. Contudo, quando o primeiro passo é dado em direção às filhas, o witcher sente o chão tremer e o final de uma onda de poder alcançar a entrada de Kaer Morhen. Nenhum dos witchers ou das feiticeiras precisa de um chamado para seguir rapidamente em direção a origem da energia.

Por um momento, Ciri apenas pisca diante da imagem que observa. A Andorinha se recorda de ter visto Caranthir avançar na direção de Avallac’h, o poder do navegador pronto para ser direcionado contra o Aen Saevherne, mas então... Ileanna se moveu rápido demais para Ciri acompanhar, se colocando na frente do enfraquecido feiticeiro e invocando uma barreira para bloquear o poder do cavaleiro vermelho. O impacto das magias dos navegadores é como uma contínua explosão no pátio que faz o chão tremer e o ar congelar. Enquanto Ileanna mantém a barreira ativa, Caranthir insiste no ataque, o próprio poder se impondo contra a magia da Rosa em uma tentativa de quebrar o bloqueio invocado. Atrás da feiticeira com olhos de witcher, Avallac’h observa a defesa ofertada com um misto de surpresa pelo movimento e orgulho pela demonstração de poder que os antigos alunos expressam no acirrado duelo.

É para esse impasse que os witchers e as feiticeiras chegam, ignorados pelos soldados que permanecem sob o peso da ordem de não interferência dada pelo general. Assombro pode ser visto nas faces de Keira e Triss, que testemunharam esse nível de demonstração de poder apenas por parte dos mais antigos e poderosos feiticeiros. Por um momento, as írises castanhas de Triss são dirigidas para Yennefer. Para alguém tão jovem como Ileanna mostrar um poder tão intenso, a natureza como um Truque do Destino realmente a presenteia com um dom para a magia. As írises violetas da poderosa feiticeira não deixam de brilhar com orgulho pelo controle e força mostrados pela filha, mas o atento olhar não falha em notar que tal ação é feita com o objetivo de proteger o Aen Saevherne. Para os witchers, o choque das magias é inesperado, a magia pura que estala no ar fazendo os medalhões tremerem sem controle nos pescoços. Geralt é o primeiro a se movimentar, mas no primeiro passo na direção dos navegadores, o witcher é parado pelo toque da feiticeira com olhos violetas. Ao ganhar a atenção das írises douradas, Yennefer vê o mudo questionamento do amado, assim como a intensa vontade de lutar e proteger as filhas.

— Se você se aproximar demais, só irá se machucar. – a bela feiticeira responde a silenciosa pergunta – Somente eles podem quebrar a ligação.

Contrariado, o witcher assente e volta o passo dado, o dourado olhar caindo sobre o Aen Saevherne que é protegido pela barreira de Ileanna e Geralt percebe a ironia de que era para Avallac’h proteger Ciri e Ileanna e não o contrário. O Sábio retribui o olhar do Lobo Branco e algo nas írises aquamarines inquieta o coração do witcher. Há o brilho de um segredo no olhar de Avallac’h, de um pensamento que é mantido em silêncio, mas que Geralt tem certeza que envolve tanto a feiticeira com olhos de witcher quanto o general com quem duela.

Por quê?­— Caranthir questiona, quebrando o silêncio e surpreendendo os witchers e as feiticeiras que não conseguem compreender as palavras ditas – Por que você o protege?! Para ele, nós não somos mais do que peças em um tabuleiro, ferramentas para servir aos objetivos dele!

— Vá embora, Caranthir. — Ileanna responde, os sussurros da tempestade sob a pele se tornando mais intensos e insistentes com o esforço necessário para manter a barreira. As írises douradas notam os recém-chegados antes de serem novamente focadas no poderoso navegador – Imlerith foi derrotado. Pegue seus soldados e vá embora.

Por um momento, o oculto olhar azul é desviado para os witchers e as feiticeiras, encontrando a confirmação da derrota de Imlerith e dos outros soldados. A atenção do navegador retorna para a jovem feiticeira e, nos olhos dourados, Caranthir vê a continuação do pedido que foi vocalizado. As írises azuis são desviadas para o Aen Saevherne, o coração batendo com a vontade de continuar, de quebrar a barreira de Ileanna e arrancar o coração de Avallac’h, mas o general percebe que a vantagem terminou e, com um frustrado grunhido, afasta a mão, a energia que envolvia os dedos se apagando. O movimento do navegador coloca um fim a explosão contínua de energia e o ar no pátio se torna mais leve, ainda que continue gelado. Respirando fundo, Ileanna abaixa os braços, a barreira se desfazendo em um sussurro de magia.

Dando um passo para trás, Caranthir apoia o cajado no chão, a luz do cristal tremulando por um momento antes que dois portais apareçam no pátio interno e, com um movimento da mão livre, o general indica que os soldados se retirem. Sem uma palavra, o navegador se vira na direção dos portais, mas o movimento apenas oculta a retirada do punhal escondido no cinto da armadura. Com a rapidez dos cavaleiros vermelhos, Caranthir retorna para direção abandonada, a lâmina ultrapassando  a armadura e afundando no ombro da feiticeira de olhos dourados. A rapidez e o peso do movimento fazem com que os navegadores passem pelo Aen Saevherne e colidam contra a parede oposta. Geralt e Ciri são os primeiros a reagir, mas um movimento da mão de Caranthir que ainda segura o cajado manda uma onda de energia que empurra o Lobo Branco e a Andorinha contra o chão. Uma barreira mágica se ergue do solo, bloqueando os navegadores dos ataques das feiticeiras. Para Yennefer, a imagem de Ileanna nas mãos de Caranthir é como um reflexo da memória de dezesseis anos atrás, quando outro cavaleiro vermelho manteve a filha presa sob seu toque e o coração da bela feiticeira dói com medo.

Dentro da área da barreira, o pesado elmo se desfaz e revela a face do jovem navegador, os curtos fios negros caindo sobre os olhos azuis em um escura cortina que é balançada pelo frio soprar do vento. Olhando nos olhos do antigo companheiro, Ileanna vê o ódio que queima em Caranthir por Avallac’h, o machucado feito na alma do cavaleiro vermelho pela descoberta da própria origem nunca tendo sido cicatrizado. A jovem feiticeira vê a recusa de seguir qualquer caminho que envolvesse o Aen Saevherne que levou o navegador diretamente para Eredin, o atual rei mais do que satisfeito em alimentar a sede por violência nascida da dor e do ódio de Caranthir. Nas írises douradas, o poderoso navegador encontra a familiar força e decisão, a antiga lealdade para com Auberon que ainda queima em sombras nos olhos da Rosa. E a mesma desconfiança com relação ao antigo professor. Apesar da proteção oferecida, a Raposa não possui a confiança de Ileanna.

Cuidado com quem decide seguir, Rosa de Auberon.— Caranthir sussurra para a antiga companheira, a lâmina sendo retirada sem que as írises azuis sejam desviadas do dourado olhar – Você não sabe para qual caminho pode acabar sendo guiada.

Eu digo o mesmo para você, Caranthir.— Ileanna responde, a dor do ferimento alimentando os sussurros da tempestade até que o frio sob a pele exploda em gelo, quebrando a barreira levantada e se transformando em geladas estacas que só não atingem o general graças aos rápidos reflexos do navegador.

Por um momento, írises azuis e douradas permanecem conectadas, o peso do passado sendo sentido no vento frio que domina o pátio. Com um pequeno sorriso, Caranthir se vira na direção dos portais, passando silenciosamente por um e, então, ambos se fecham em um alto estalar. Com a partida do navegador, Ileanna deixa que o corpo caia ajoelhado sobre o chão, o ferimento queimando em geladas chamas que continuam a chamar a tempestade no sangue. Yennefer é a primeira a se aproximar da jovem feiticeira, as mãos sendo colocadas sobre o ombro da filha e um feitiço de cura sendo rapidamente murmurado. Ciri também se aproxima, se ajoelhando ao lado da Rosa e segurando uma das mãos que tremem sob o esforço de controlar a geada. O toque atrai a atenção das írises douradas e, nos olhos da mais velha, a Andorinha vê mais claramente a tempestade que vive em Ileanna, como um poder mantido em correntes que grita e implora por liberdade.

— Respire. – Avallac’h diz, o olhar aquamarine caindo sobre a jovem feiticeira ajoelhada e conquistando a atenção dos olhos de witcher – Você sabe que consegue controlar.

Ileanna apenas assente, os dedos retribuindo o toque da Andorinha e a mente buscando pela memória de olhos da cor do chumbo derretido serenos sob a luz da lua. Ouvindo as palavras do Aen Saevherne, Yennefer procura pelo olhar de Geralt, mas a poderosa feiticeira encontra o Lobo Branco, assim como todos os outros, focado na parede atrás da filha ferida. Seguindo o olhar do amado, as írises violetas encontram a parede decorada com linhas de gelo, como uma branca árvore desenhada sobre as pedras. Cada linha, em seu entrelaçado caminho, leva direto para a feiticeira ajoelhada e Yennefer não consegue deixar de questionar exatamente qual é a natureza e o limite do poder de Ileanna.

Anos Atrás

Tir Ná Lia

A lua cheia brilha intensamente no céu, as estrelas espalhadas pelo escuro firmamento como pequenas lâmpadas a decorarem a capital. Em uma das sacadas do Palácio da Lua, um jovem soldado permanece em silenciosa contemplação, os olhos azuis observando o horizonte, a cidade que começa a adormecer. A mente queima com a verdade descoberta, os pensamentos voando como pássaros selvagens cujas asas ditam o ritmo do bater do coração. O mesmo coração que sangra com o conhecimento de que foi criado. Não pela Natureza ou Destino, mas por um feiticeiro que persegue um passado que nunca irá retornar, alguém que o negou e agora não passa de uma memória, um fantasma. Írises azuis são elevadas ao céu, à lua que brilha como um sol frio, e a mente borbulha com os questionamentos que a assombram. Quanto do caminho até agora percorrido foi planejado por ele? Quanto do que o soldado é foi influenciado pelas intenções dele? O coração dói e a mente nega continuar por qualquer trilha que seja marcada pelos objetivos de Avallac’h.

O som de passos se aproximando quebra o silêncio, mas Caranthir não se move, a dona do calmo caminhar sendo imediatamente reconhecida. O claro olhar é novamente dirigido para o horizonte, logo encontrando o distante brilho da Caçada Selvagem retornando ao lar. O silêncio se estende por longos minutos sob a brisa da primavera, acompanhando a jovem feiticeira que se coloca ao lado do navegador.

— Sinto muito. – Ileanna diz, arrancando uma amarga risada dos lábios do companheiro.

— Não sinta. – Caranthir responde, as írises azuis sendo dirigidas para a bela feiticeira – Eu me recuso a deixar que isso me defina. – percebendo o questionamento que nasce nos olhos dourados, o navegador continua – Não é o mesmo com você? Você não permite que a sua natureza como um Truque do Destino a defina. Eu não vou deixar que a minha como uma criação de Avallac’h me defina também.

Sem mais nenhuma palavra, o navegador dá as costas para a feiticeira, os passos ecoando no silencioso aposento e seguindo em direção à saída. Írises douradas são elevadas ao céu, observando o brilho da lua se mesclar ao das estrelas, o vento da primavera se tornando lentamente frio como o inverno.

Presente

Tir Ná Lia

Os últimos raios do sol se espalham pela cidade, pintando as casas em uma mescla de laranja e vermelho que logo é seguida pelo azul e roxo da noite. No jardim do Palácio do Despertar, o vice-rei caminha lentamente em meio ao jardim de rosas – mantido em memória do antigo rei –, os pensamentos voltados para uma rosa perdida em outro mundo. A lembrança de Auberon permanece forte na mente de Ge’els, as palavras sobre Ileanna ecoando como um sussurro que tenta indicar, direcionar um caminho a ser seguido. Írises da cor do mel observam os primeiros toque da noite caírem sobre as pétalas vermelhas quase em uma suave carícia, a imagem despertando lembranças de uma rosa que sempre caminhava no jardim sob a sombra de um rei. Abaixando um pouco o tronco, o vice-rei deixa que os dedos deslizem pelo caule de uma das flores, a pele sendo levemente arranhada pelos espinhos.

A rosa que se encontra no jardim dos witchers também possui espinhos. Diferentes, mais frios e profundos, que assumem a forma de uma tempestade capaz de congelar metade de uma cidade sob o peso da dor. O caule é quebrado e a rosa cai sobre os dedos do vice-rei. Erguendo o corpo, Ge’els deixa que os olhos sigam as linhas que compõem as pétalas da cor do sangue enquanto a mente revisita os pensamentos despertados pela lembrança do antigo soberano. Uma rosa de gelo foi recebida como um recado, um lembrete de um segredo compartilhado. Por que não responder com uma rosa também? Uma rosa do jardim para o qual o rei acreditava que Ileanna sempre retornaria. Com a decisão feita, o vice-rei retoma a caminhada, o som das poderosas quedas d’água se tornando cada vez mais próximo, mas não alto o suficiente para abafar as vozes dos cavaleiros vermelhos que conversam sob a voz das águas.

Parando sob as sombras das árvores, Ge’els observa os soldados, as armaduras abandonadas em favor de roupas mais confortáveis. O negro tecido destaca o louro cabelo de Andir e o azulado e acinzentado olhar que acompanha o inquieto caminhar do capitão vestido com a cor das esmeraldas. O verde contrasta com o castanho cabelo de Vridhiel, compartilhando o tom e a luz das írises sob a lua. Um pouco afastado, Faolin permanece com o olhar voltado para as sussurrantes quedas d’água, a roupa dividindo a cor das írises azuis e destacando os claros fios do curto cabelo. Nos cavaleiros vermelhos, o vice-rei vê exemplos de poder, habilidade, lealdade, todas as forças dos Aen Elle. Tudo que Eredin ignora sobre o próprio povo, focado demais na própria ambição. E, assim, eles são oferecidos a outro. Para Ge’els. Para a Rosa. Entre os dedos, o vice-rei sente o leve peso da flor colhida. As vozes e as presenças dos soldados dará mais peso a resposta oferecida. Deixando as sombras das árvores, o regente dos Aen Elle permite que sua presença seja percebida pelos soldados, que imediatamente se colocam de joelhos, os braços direitos cruzados sobre o peito.

— Senhor. – o capitão diz em cumprimento, o verde olhar se mantendo abaixado.

— Eu quero que vocês entreguem um recado para mim. – o vice-rei diz, a autoritária voz se sobrepondo ao murmúrio das quedas d’água e atraindo a atenção dos soldados.

— Uma mensagem, senhor? – Andir questiona – Para quem?

— Para Ileanna. – Ge’els responde, a rosa sendo colocada sobre a mão de Vridhiel – Digam a ela: “Seu jardim aguarda seu retorno, Rosa de Auberon”

As írises verdes do capitão são dirigidas para a rosa entregue, os dedos sentindo a maciez das pétalas vermelhas, mas a mente do cavaleiro vermelho insiste em se focar no fato de que poderá ver Ileanna novamente, que o vice-rei a convida para retornar a Tir Ná Lia. Esperança bate no coração de Vridhiel, esperança de que ainda há uma chance de tudo isso não terminar na morte da Rosa de Auberon. Distraído com a bela flor, o capitão não percebe os olhares que recebe dos navegadores, tanto Andir quanto Faolin percebendo claramente o caminho tomado pelos pensamentos do comandante. Írises da cor do mel também veem as cores que pintam a face do jovem capitão, o segredo que  o coração tentou manter por tão tempo sendo revelado no carinho com que as pétalas da rosa são acariciadas. E, nesse momento, Ge’els sabe que, não importa quais jogadas sejam feitas, Vridhiel sempre estará do lado de Ileanna.

Kaer Morhen

A calmaria após a tempestade da batalha envolve a silenciosa fortaleza, a magia usada tendo chamado a chuva para cair sobre as pedras e lavar o sangue deixado pelos soldados derrotados. Os corpos foram queimados e então o descanso foi buscado por todos aqueles que lutaram. Ainda receosos, os witchers arrumaram o grande salão de modo que se transformasse em um dormitório para todos, a memória de uma batalha surpresa em que uma pequena feiticeira foi roubada despertada pelo combate recém enfrentado. A lareira permanece acesa, iluminando as faces dos witchers e feiticeiras que dormem sob o sussurro da chuva. Entretanto, em um ponto onde a luz das chamas encontra dificuldade para alcançar, uma feiticeira permanece acordada, a cabeça apoiada no peito de um witcher de cabelos brancos e as írises violetas observando o lento bailar do fogo na lareira.

— Não consegue dormir? – Geralt questiona sem abrir os olhos, o braço apoiado sobre as costas da feiticeira sendo erguido e os dedos deslizando lentamente pelos ondulados fios negros – Ileanna está bem, você cuidou do ferimento.

— Eu sei. – Yennefer responde, percebendo o leve tom provocativo que pinta as últimas palavras – É o poder dela que me preocupa, Geralt.

— Por causa do gelo que ela usou contra Caranthir? – o witcher pergunta, o dourado olhar sendo revelado, e a voz sendo coberta pelo manto da seriedade  – Ou por causa do gelo que permaneceu na parede?

— Ambos. E mais. – a feiticeira reponde, a cabeça sendo levantada e uma das mãos seguindo para o rosto do witcher, os dedos seguindo os contornos da face do amado – O modo como ela ficou, tremendo, como se estivesse tentando conter o próprio poder. A maneira como Avallac’h a instruía, para respirar e se concentrar... Geralt, isso é como se ensinam feiticeiras inexperientes, ainda assustadas com o próprio poder. Mas Ileanna é tudo, menos inexperiente.

— Você acha que há algo mais. – o witcher diz sem afastar a mão do longo cabelo da feiticeira – Algo que Ileanna não nos contou, mas que Avallac’h sabe.

— Sim. – um profundo suspiro escapa por entre os lábios de Yennefer – Acho que Nenneke estava errada e Ileanna é muito mais do que simplesmente sensível a magia.

Geralt percebe o peso que as palavras possuem no coração da poderosa feiticeira, a incompreensão acerca da natureza do poder de Ileanna despertando medos antigos, os mesmos temores que, anos atrás, levaram a decisão de criar a filha dentro das paredes de Kaer Morhen. Apenas para terem o receio de que outros caçariam Ileanna por sua natureza como Truque do Destino confirmado com a chegada da Caçada Selvagem. Respirando fundo, o witcher deixa que o toque deslize até atingir a bochecha da bela feiticeira, os dedos acariciando a pele macia e criando uma trilha até o pescoço, onde encontram apoio o suficiente para puxarem a amada para um beijo lento e cheio de carinho. No toque, o Lobo Branco tenta acalmar o coração de Yennefer e o próprio, que bate com as mesmas sombras que pesam no peito da feiticeira.

— Ela irá nos contar. – Geralt sussurra contra os lábios da amada, as írises douradas procurando pelo intenso olhar violeta – Quando estiver pronta.

A força que colore as palavras ditas faz com que um sorriso estique os lábios da poderosa feiticeira, Yennefer reconhecendo a mesma confiança oferecida quando era Geralt que estava inseguro com a falta de memórias de Ileanna. Ainda sorrindo, a bela feiticeira volta a deitar com a cabeça no peito do amado, o toque do witcher se entrelaçando aos longos fios negros. Um beijo é deixado sobre o ondulado cabelo, o perfume de lilás e groselha se infiltrando nos sentidos do Lobo Branco e acalmando o coração com mais facilidade do que qualquer feitiço.

— Durma, Yen. – Geralt diz, as pálpebras já se fechando sobre as írises douradas.

— Irá proteger Ciri e Ileanna dormindo, witcher? – a feiticeira questiona com provocação, o olhar violeta sendo fechado sob o som do bater do coração do amado.

— Protegerei vocês três. – o witcher responde com certeza e simplicidade, os braços aumentando a intensidade do toque que envolve a amada e fazendo com que o sorriso nos lábios de Yennefer apenas aumente.

Do outro lado do salão, uma Andorinha permanece acordada, o verde olhar observando as ataduras que envolvem o ombro de uma jovem feiticeira. Na mente de Ciri, a lembrança das palavras ditas pelo cavaleiro vermelho que causou o ferimento ecoa com o entendimento da fala, a língua dos Aen Elle conhecida para a Andorinha. A raiva na voz de Caranthir, o ódio com que o general atacava Avallac’h e o acusava. Ciri não consegue compreender como o navegador pode odiar o Aen Saevherne tanto, o que Avallac’h pode ter feito para conquistar tanta raiva e ressentimento. Um suspiro escapa por entre os lábios finos, o murmúrio da chuva servindo apenas para aumentar a voz das lembranças.

— Seus pensamentos são altos, Zireael. – Ileanna diz, fazendo a mais nova rir ao recordar as mesmas palavras sendo ditas antes da batalha. Respirando fundo, a feiticeira vira o rosto na direção da Andorinha, os olhos se abrindo e revelando as atentas írises douradas – Diga.

— O que Caranthir quis dizer? – percebendo o questionamento que nasce nos olhos da mais velha, Ciri continua – Quando ele questionou por que você estava protegendo Avallac’h. Por que ele diz que vocês são peças no tabuleiro dele?

Por um momento, a Andorinha vê a sombra que nasce no olhar de witcher sem possuir conexão com as chamas que dançam na lareira. A percepção faz com que Ciri tenha a certeza de que há algo no passado compartilhado por Avallac’h com Ileanna e Caranthir que permanece desconhecido, mas ainda pesado na mente da jovem feiticeira.

— A imagem que você tem de Avallac’h é bem diferente da que eu e Caranthir temos, Zireael. – a feiticeira de olhos dourados responde em um baixo tom de voz colorido com uma leve hesitação, a mente ainda indecisa sobre até onde ir com a Andorinha com relação a Avallac’h.

— Ele me ajudou, me treinou... – Ciri começa, tentando entender o significado por trás das palavras da mais velha.

— Assim como a mim e a Caranthir. – Ileanna interrompe – E, com o tempo, nós percebemos que o caminho que ele traçava para nós não era em prol de Tir Ná Lia, dos Aen Elle ou do rei, mas dos objetivos dele.

— Eu não consigo ver isso. – a Andorinha diz, as lembranças de Avallac’h, da ajuda e proteção oferecidas, não encaixando com a imagem pintada pelas palavras da jovem feiticeira.

— Você irá, com o tempo.

A voz da feiticeira de olhos douradas, baixa e confiante, faz com que um tremor domine o coração da mais nova. Sob a calma presente no olhar de Ileanna, Ciri sente a insegurança que nasce das palavras da mais velha. Avallac’h poderia ter são egoísta quanto a feiticeira com olhos de witcher descreve? E se sim, quais seriam os objetivos do feiticeiro? O que ele esperava alcançar com Ileanna e Caranthir? E que objetivo ele poderia querer realizar com Ciri? Sentindo o coração bater inquieto no peito e o sangue gelar com a dúvida que nasce na mente, a Andorinha decide continuar a questionar, mesmo não gostando das sensações despertadas pelas palavras de Ileanna.

— Por que Caranthir odeia Avallac’h tanto?

— Caranthir foi criado por Avallac’h. – a feiticeira com olhos de witcher responde, percebendo as perguntas que permanecem em silêncio nas írises verdes – No sentido de que ele é o produto de experiências e cruzamentos genéticos que Avallac’h conduziu durante muito tempo. Isso fez dele uma “Criança Dourada”.

— Experimentos? – Ciri questiona, surpresa com a escolha de palavra e não querendo acreditar que Avallac’h poderia ir por tal caminho.

— Sim. – Ileanna responde – Para preservar a habilidade de manipular o tempo e o espaço, para manter os Aen Elle com um poderoso navegador. Mas, quando descobriu, Caranthir acreditou que o objetivo de Avallac’h era preservar o poder de Lara, a habilidade dela que enriquecia o poder dos Aen Elle e, assim, manter uma parte dela viva.

— E você concorda com ele. – a Andorinha diz, dando voz ao que é visto nas írises douradas.

— Não há nada em nenhum mundo mais importante para Avallac’h do que Lara. – vendo a tensão que nasce na Andorinha, a jovem feiticeira continua – Há muito tempo atrás, Avallac’h iria casar com Lara, mas ela se apaixonou por Cregennan e o escolheu ao invés de Avallac’h. – um suspiro escapa por entre os lábios vermelhos da jovem feiticeira – Acredito que ele nunca a perdoou, mas também nunca deixou de amá-la.

— E Caranthir não queria fazer parte disso. – Ciri diz, o peso dos questionamentos despertados e do passado de Avallac’h acelerando o coração e a mente.

— Quem iria? – Ileanna questiona, vendo o efeito que a conversa exerce sobre a Andorinha, mas sabendo que a mais nova precisa saber tudo que é dito – Caranthir se ressentiu do que foi feito para criá-lo, da própria natureza e isso alimentou o ódio que ele carrega por Avallac’h. – a feiticeira de olhos dourados faz uma pausa, as írises observando atentamente o verde olhar – Você entende, Zireael? Existem coisas que carregamos que estão além da nossa escolha, mas como elas irão nos influenciar é nossa decisão.

— Como ser um Truque do Destino? – a Andorinha rebate com um pouco de provocação colorindo a voz.

— Ou ter o sangue de Lara Dorren. – a feiticeira responde sem hesitar – Seu passado, seu sangue são seus. A influência que eles terão sobre você também é sua escolha. – respirando fundo, Ileanna deixa que uma das mãos caia sobre a face da Andorinha, os dedos afastando alguns fios acinzentados das írises verdes e o atento olhar percebendo a tempestade que começa a ganhar força na mente da mais nova, o peso da verdade e da escolha do próprio caminho  – Mas isso é algo que você irá decidir depois. Agora, durma, Zireael.

A feiticeira afasta a mão e as pálpebras se fecham sobre os olhos dourados. Logo, a jovem feiticeira se encontra respirando com o ritmo da chuva. Entretanto, o sono não vem de maneira fácil para Ciri, a mente agitada com questões sobre o presente e o passado.


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Notas finais do capítulo

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