Chasing Cars escrita por Luna Lovegood


Capítulo 1
Capítulo único - God's test


Notas iniciais do capítulo

Hello! Apareci com essa pequena one, queria escrever algo diferente para variar.

Eu preciso que abram as mentes e o coração antes de ler essa história, fiquem atentos aos pequenos detalhes, leiam devagar e sem pressa, ok?! Ela pode parecer uma história comum a primeira vista, mas há muito mais além das palavras que lemos.

Sim, tem drama (o nome dá fic já deixa isso na cara). Está nos avisos, então se não é seu estilo, apenas não leia.

A quem gosta de acompanhamento musical sugiro escutarem nessa ordem: For the first time (the script, ou na versão do Boyce avenue) e Chasing Cars (sleeping at last). Vocês vão perceber a hora de mudar a música

É isso! Enjoy!



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She's all laid up in bed with a broken heart

While I'm drinking jack all alone in my local bar

And we don't know how, how we got into this mad situation

Only doing things out of frustration

Trying to make it work but man these times are hard

 

She needs me now but I can't seem to find the time

I got a new job now in the unemployment line

And we don't know how

How we got into this mess is it a God's test

Someone help us cause we're doing our best

Trying to make it work but man these times are hard

(For the First Time - The Script)

Oliver Queen

Eu caminhava vagarosamente pela rua mal iluminada. Estava a poucos quarteirões do meu apartamento, mas eu não queria voltar para casa. Não ainda. Não quando eu me sentia daquele jeito. Um fracasso. Enfiei minhas mãos dentro do bolso evitando um pouco do frio daquela noite úmida que deixavam as pontas dos meus dedos gelados, chutei uma lata de cerveja amassada a minha frente contra um muro, apenas para descontar um pouco da minha frustração, um gato de pelagem preta escondido atrás de uma lixeira se assustou e atravessou correndo a minha frente.

Ótimo! – resmunguei para ninguém. Era justo o que eu precisava: mais azar na minha vida. Já tinha sido mais um dia de merda, apenas para coroar aquela semana de merda. E esse ainda tinha conseguido ser muito mais merda do que os outros.

Eu passei todo aquele maldito dia em busca de um emprego, batendo na porta de algumas empresas, indo de entrevista para entrevista e recebendo sempre o mesmo resultado. As pessoas olhavam para o meu nome no currículo, e então para o meu rosto e novamente para a folha de papel, como se não acreditassem no que lessem ou vissem a sua frente. E então me encaravam com a boca aberta e olhos petrificados durante toda a entrevista. Oh não, eles não estavam impressionados com meu diploma em administração ou minha pós-graduação em finanças, eu sequer acreditava que tinham lido mais do que meu nome em letras garrafais no alto da folha. O olhar delas dizia outra coisa: Por que um Queen procuraria por emprego?

No fim, depois de poucas perguntas, elas apenas sorriam e acenavam com a cabeça dizendo que entrariam em contato.

Mas elas nunca ligavam de volta.

Exceto por hoje.

Eu fiquei tão ansioso quando vi a ligação, a mulher - Helena Bertinelli – que me ligou me fazendo derramar em minha camisa branca o café que bebia, tentei o melhor que pude para me livrar da mancha, e voltei correndo para a pequena agência de turismo da qual ela era dona. Mas longe do que eu esperava, ela não me ofereceu a vaga de emprego que eu tanto queria. Ela me convidou para sair, muito mais movida pela curiosidade que meu nome despertava do que um interesse real. Provavelmente esperaria que eu a buscasse em meu carro esportivo e a levasse para a boate mais cara e badalada da cidade.

Eu não era assim. Não mais.

Não há um longo tempo.

Sorri, ao imaginar a cara dela se soubesse que eu não mais morava em uma mansão na área mais cara da cidade, mas em um pequeno apartamento alugado próximo ao Glades, ou ainda que eu havia voltado para casa em pé dentro de um ônibus lotado, e que mal tinha uns trocados no bolso.

Meu sorriso desapareceu, e fui assolado pela vergonha que seria voltar para casa outra vez, e assumir que ninguém queria me contratar por que eu era um Queen. O sobrenome que tantas vezes me abriu portas, hoje era a razão para vê-las se fechar.

Ainda da rua avistei o meu prédio, e percebi que no sétimo andar, a luz de uma das janelas ainda estava acesa. Ela estava esperando por mim, querendo, como sempre, saber tudo sobre o meu dia. Ela iria acariciar meus cabelos enquanto me abraçava, e então sorrir amorosamente para mim, dizendo que amanhã seria um novo dia.

Com novas possibilidades, portas que poderiam ser abertas apenas se eu batesse.

Mas eu estava cansado de bater nas portas.

Cansado de vê-las sempre se fecharem na minha cara.

E mais cansado ainda de escutar a esperança em sua voz, aquela crença absoluta e incontestável na minha capacidade, quando eu mesmo não via o que ela via.

E embora eu estivesse cansado disso, contrariamente tudo em mim ansiava por ser recebido por seu sorriso e carinho, mesmo que eu não os merecesse, eu os queria para mim, pois eram a única parte boa do meu dia.

Parei naquela esquina, esperando o semáforo mudar de cor, mesmo que não houvesse carro algum na rua, eu usava aquele tempo pensando em como iria encará-la e como esconder aquela sensação de ser um pedaço de merda incapaz de conseguir um emprego. Seria inútil, ela veria através de mim.

Ela sempre via.

O semáforo mudou de cor, permitindo minha passagem, mas não o fiz.

O mesmo gato preto passou a minha frente, fazendo-me dar um passo para trás num sobressalto. Olhei para a direção em que ele foi e pela primeira vez vi o letreiro luminoso “Diggle’s Bar” cintilando em tons de vermelho e amarelo na fachada da frente da pequena construção que ficava na esquina. Ele não estava ali antes. Na verdade, ele nunca estivera ali, eu me lembrava de passar todas as manhãs e noites a caminho do ponto de ônibus e de nunca ter visto sequer um movimento naquele lugar. Sempre pensei que fosse uma dessas construções abandonadas.

Mas eu não me importava.

O letreiro ainda piscava, chamando-me.

Eu apenas assumi que precisava disso.

Girei meus pés mudando de direção e indo até o estabelecimento cuja porta nunca tinha visto aberta antes. Entrei com a esperança de que quando eu saísse de lá, eu pudesse deixar minha frustração para trás. Eu pudesse me sentir menos merda do que me sentia.

Pouco provável, uma vez que o gato me seguiu para dentro.

Apenas marcando-me com seu azar.

***

Bati o copo quase vazio no balcão com mais raiva do que deveria, fazendo o som reverberar pelo recinto. O gato, que estava deitado preguiçosamente aos meus pés se sobressaltando e soltando um miado contrariado, me fazendo sorrir com certa perversão.

Agora eu me sentia um pouco vingado.

O dono do bar que ajeitava as mesmas bebidas no armário a poucos passos de mim, por sua vez, me lançou um olhar mais atento. Mas não me importei por receber seu olhar meio carrancudo. Eu era o seu único cliente e eu estava pagando, ou pelo menos acho que iria se o trocado que eu tinha no bolso desse para pagar a conta.

Levei a mão ao bolso retirando a carteira, pousando-a sobre o balcão e a abrindo discretamente. Bufei ao ver as parcas notas amontoadas ali.

Eu estava quebrado.

Peguei a nota menor e a coloquei sobre o balcão, revirando os bolsos e jogando algumas moedas para complementar o valor.

Eu, Oliver Queen, estava quebrado.

Eu ri com o quão ridículo aquilo soava em meus ouvidos. Um Queen quebrado? Um Queen contando moedas para pagar uma bebida ruim em um fodido boteco de esquina, em um bairro duvidoso? Era como o começo de uma piada ruim “Um Queen entra no bar e...” Quando esta se tornou a minha vida? Quando eu deixei de frequentar as melhores baladas, e pagar tudo com o meu cartão de crédito ilimitado?

Eu sabia bem quando.

Meu coração afundou em vergonha por sentir falta daquele dinheiro sujo. Do dinheiro que tinha vindo de tanta coisa ilegal, o dinheiro que bancou minha boa vida e com o qual Robert Queen construiu seu império. O dinheiro que ele escolheu levar, quando fugiu com sua amante para não ser preso por sonegação de impostos e deixou sua família na merda.

Mas nem mesmo isso me impediu de redigir uma mensagem de texto para ele, aceitando o emprego que ele me oferecera meses atrás. Um emprego que seria pago com seu dinheiro sujo, para que eu fizesse seus negócios ainda mais sujos aqui em Starling.

Mas dinheiro era dinheiro, certo?

— Ei, amigo! Tudo bem por aí? – a voz do homem me despertou, e sabiamente me impediu de enviar a mensagem.  Ele sorriu simpático para mim enquanto fingia limpar o balcão.  Sim, fingia porque o bar estava tão vazio que ninguém além de mim sujava o maldito lugar. – Eu sou John Diggle, se quiser conversar sou todo ouvidos. – ergui uma das sobrancelhas enquanto o encarava.

Ótimo, eu não devia ter subestimado o maldito gato preto e o azar que ele me trazia. Não bastava o dia de merda, eu tinha ganhado um terapeuta de bar que queria apenas ouvir mais sobre a merda que era a minha vida.

— Para eu estar num bar qualquer em plena quarta-feira e ganhando seu sorriso simpático, deve estar tudo maravilhoso. – sorri sarcástico antes de virar o  restante da bebida, mas o barman não pareceu se importar com minha atitude hostil e ele apenas sorriu, de modo enigmático para mim quando eu fiz sinal para que torna-se a enchê-lo. – Obviamente tudo na minha vida está uma merda, eu não acho um maldito emprego, tenho pilhas de contas a pagar se acumulando, e estou gastando meu dinheiro da semana para beber essa bebida ruim que você ousa chamar de whisky, sem ofensas. – falei, levando-o o copo, agora cheio até a boca, sentindo o gosto amargo descer por minha garganta, mas estranhamente, o álcool já não me trazia o alívio esperado. Eu sequer me sentia embriagado.

— Não me senti ofendido. – o homem sorriu simpático – Mas já que não estamos nos ofendendo mutuamente, você não me parece o tipo de cara que precisa de um bar em uma quarta-feira.

— Eu não sou, ou eu não era. – Seus olhos escuros me fitaram com atenção e percebi, tardiamente, que estava usando seus serviços de terapeuta. – Mas sabe aquela sensação de sempre tentar fazer o seu melhor, de se esforçar, e mesmo assim sua vida continuar sem nada de bom? – desabafei com mais fúria do que pretendia, meu braço arqueando-se para o lado e batendo no copo fazendo-o cair, espatifando-se ao chão.

Por um momento só houve o barulho dos cacos de vidro estilhaçando e reverberando pelo cômodo, em seguida veio um miado de quem estava incomodado, vi o gato se afastar enquanto chiava com desgosto, evitando molhar-se com o resto da bebida que escorria pelo chão. Num ato reflexivo e muito tardio, desci do banco e me abaixei ao chão, os dedos tocando o vidro frio.

— Deixe aí, está quebrado e não tem mais conserto, apenas irá machucá-lo se tentar fazer alguma coisa. Uma vez que algo se quebra, é impossível recuperar. - me ergui ao escutar a voz do homem ali, ao meu lado. Suas palavras sobre o copo quebrado causando uma estranha comoção dentro de mim, algo que não compreendi naquele momento.

— Eu sinto muito, eu irei pagar um novo. – me adiantei erguendo-me, já levando a mão a carteira e retirando minha última nota de lá. Estiquei-a na direção de Diggle.

— Deixe disso, não é algo que tenha algum valor. – ele recusou-se a receber dando de ombros, e tornei a enfiar o dinheiro no bolso. Eu iria precisar dele. – E eu ainda estou curioso, tem mesmo certeza de que não há nada bom na sua vida? – questionou-me, o olhar indo direto para a aliança dourada que reluzia na mão que a pouco eu esticara na sua direção.

— Apenas um algo bom. – concedi com um vislumbre de sorriso, suspirando ao pensar na parte que ainda não estava fodida, mas que em breve, se eu continuasse assim, estaria também - Mas por quanto tempo? Por quanto tempo até ela desistir da merda de pessoa que eu sou? Eu não consigo sequer encontrar um emprego ou ainda pagar pelo... – balancei a minha cabeça, ainda nenhum pouco pronto para falar mais.

— Talvez esse único algo bom, seja tudo o que você precisa agora. – suas palavras tocaram-me – Talvez esse algo bom, veja quem você é realmente e não quem você acha que é. Talvez esse algo bom seja a sua força. Tudo o que precisa. – ele apoiou a mão em meu ombro, seus olhos tão escuros quanto a noite - Vá para casa, volte para o seu algo bom, se você olhar com atenção, talvez descubra que ele é, até mesmo, maravilhoso. – assenti, aquela conversa estava fazendo minha cabeça dar voltas. Empurrei as notas e moedas para o ele, que recusou prontamente - Dessa vez é por conta da casa.

— Você irá falir desse jeito, mandando embora o seu único freguês e ainda não o deixando pagar pela bebida consumida ou pelo que foi quebrado. – falei, mas coloquei o dinheiro de volta no bolso e dei meia volta indo para a saída, sendo seguido como uma sombra pelo gato, que relava minhas pernas.

— Não se preocupe. – escutei-o me dizer enquanto eu saía, podia quase ouvir o sorriso em sua voz - Se o bar não der certo, eu posso ganhar a vida como terapeuta. O que me deixa com um último conselho: A vida é muito curta para perdermos tempo lamentando o que não temos, aprecie o que tem, aprecie o seu algo bom, Oliver.

Como ele sabia meu nome?

— É um conselho sábio. – assenti, fechando a porta ao sair e atravessando a rua sem me dar ao trabalho de olhar para os dois lados. – Mas não é certo. – pensei em voz alta – Do que me adianta ter um algo bom, se tudo o que dou a ela é decepção? Se sou incapaz de lhe dar tudo o que ela merece?

Novamente me vi olhando para a janela do nosso pequeno apartamento. Que sequer era nosso de verdade. Pensei no quão cansada ela voltava do trabalho todas as noites, pensei em como todo final de mês nos sentávamos à mesa e calculávamos as contas, cortando o que teríamos que deixaríamos de pagar para não atrasarmos ainda mais o aluguel.

Eu queria lhe dar mais.

Ela merecia mais.

Uma boa casa com uma piscina aquecida para ser usada durante todas as estações e muitos quartos para todos os filhos que iríamos ter. Com uma sala grande o suficiente para que eu pudesse dançar com ela em meus braços rodopiando pelo lugar, apenas porque senti vontade de fazê-lo.

Queria mostrar-lhe o mundo.

Essa era a vida que lhe prometi quando a pedi em casamento. Uma vida feliz, cheia de amor e que nada jamais lhe faltaria.

Mas não era a vida que eu estava lhe dando.

Eu quebrei minhas promessas a ela.

Num rompante de frustração, tirei o celular do bolso e enviei a mensagem que escrevi mais cedo ao pai, mesmo me sentindo vazio por dentro ao fazê-lo. Eu não tinha certeza se a oferta ainda estava de pé, eu sequer sabia se aquele ainda era seu número. Mas eu precisava tentar, essa podia ser a única chance de dar a minha esposa tudo o que ela merecia de mim.

***

— Não. – neguei mais autoritariamente, pegando o gato com as duas mãos e o afastando da porta do apartamento. Não preciso dizer que perdi meu tempo, o bichano que me seguiu teimosamente o caminho todo até meu prédio, simplesmente passou por minhas pernas voltando a se sentar em frente a porta, miando e arranhando-a dessa vez. Cocei a cabeça sem saber o que fazer, me abaixei ao chão e o encarei. Ser firme não tinha adiantado nada, talvez fosse a hora de explicar as coisas. - Você precisa parar de miar desse jeito, e eu não vou fazer suas vontades só porque você me olha com esses grandes olhos azuis. Existe apenas um par de olhos azuis que me tem nas mãos e não é o seu. – expliquei com um pequeno sorriso - Eu vou trazer uma tigela de leite se você se comportar. – o subornei, mas o gato seguia apenas me olhando - Ok, o lance é o seguinte: Você precisa de um banho antes se quer conhecê-la. - ele apenas lambeu a patinha me encarando – Não esse tipo de banho... Provavelmente um veterinário também, mesmo que eu ache que você tenha tido um dono anterior – olhei mais atentamente para a fina coleira azul que só agora eu via em seu pescoço quase se afundando em seu pelo negro e espesso - Mas por que diabos eu estou falando com um gato? E ainda fazendo um acordo com ele? – balancei a cabeça ao me levantar, abrindo a porta em seguida e impedindo com o pé que o bichano me seguisse para dentro.

Como eu já tinha notado da rua, a luz da sala ainda estava acesa. Me senti culpado ao ver que Felicity estava aninhada em meio as almofadas do sofá, ela tinha adormecido ali enquanto me esperava. Senti uma culpa ainda maior me corroer por dentro quando olhei para a mesa de centro, perfeitamente arrumada, com pratos e taças e também velas. Havia um pequeno vaso com uma grande flor amarela e solitária no meio. Inspirei profundamente sentindo no ar o cheiro de frango a cacciatore, minha comida favorita que vinha da pequena cozinha.

Ela fizera algo especial para mim, porque sabia como eu me sentiria ao chegar em casa. Feliz ou chateado, não importava, Felicity estava pronta para comemorar comigo, ou apenas me abraçar e me dar conforto, se este fosse o caso. E o que eu fizera por ela? Ficara em um bar porque não queria encarar a decepção em seus olhos, mesmo sabendo que haveria mais esperança neles do que decepção.

Eu era um merda.

Sentei-me a ponta do sofá, ajeitando sua cabeça sobre meu colo meus dedos deslizando em seus cabelos macios num carinho singelo. Era estranho que eu me sentisse melhor apenas por estar perto dela? Eu podia sentir o peso em meus ombros se tornar menor, aquela parte de mim, com raiva, aos poucos, ia desaparecendo e eu podia relaxar e respirar um pouco, sem sentir meu peito sendo apertado por todas as sensações ruins.

Porque quando eu estava com ela, só haviam sensações boas.

— Isso é gostoso. – Felicity ronronou, girando em meu colo. Seus olhos se abrindo aos poucos enquanto um sorriso preguiçoso se espalhava por seu rosto. Vê-la sorrir tinha um estranho poder sobre mim, fazia meu pobre coração se alegrar. E as vezes até mesmo acreditar que eu não precisava de mais nada nessa vida além de ter seu sorriso para mim.

— Me desculpe por chegar tarde. – as palavras saíram. O motivo do porquê eu ter me atrasado voltando a superfície, entristecendo-me um pouco.

— Está desculpado. – ela se ergueu, sentando-se ao meu lado, suas mãos arrastando-se por meu torso e o envolvendo, em contra partida coloquei meu braço sobre seus ombros atraindo-a para meu aconchego. Suspirei longamente a apertando em meu corpo, amando a sensação de conforto que apenas ela me trazia. - Me desculpe por adormecer. – revirei meus olhos para ela, que ainda sorria adoravelmente. – Teve alguma sorte? – apenas balancei a cabeça, sentindo o nó na minha garganta se formar.

— Não quero falar sobre isso. – me adiantei ficando tenso, não queria ter que reviver aquele dia de merda contando para Felicity.

— Está tudo bem. – senti suas mãos acariciando meu peito suavemente, enquanto seu sorriso amoroso acariciava meu coração - Você está em casa agora.

Eu estava em casa.

Eu me sentia feliz em nossa casa, mesmo que não fosse mais do que um apartamento pequeno. Eu estava com ela. Era a única parte do meu dia que não era uma merda. Levei meus dedos a superfície da pele suave de seu rosto, tracejando delicadamente seus contornos. Como, ainda perdendo tudo, eu ainda consegui tê-la? Uma sensação estranha fez meu estômago se agitar. E se eu a perdesse também? Não sobreviveria. Não pensei a seguir, apenas agi, deixando o medo de não a ter mais em minha vida me dominar.

Meu corpo se curvou sobre o dela, minhas mãos prenderam-se em seu pescoço a atraindo para mim. Nossos lábios se tocaram com familiaridade, a maciez da carne dela movendo-se contra minha enquanto eu exigia muito mais naquele beijo. Mais do que Felicity era consciente de que me dava. O gosto de sua boca anestesiava-me, varrendo todos os medos e preocupações. Seu beijo fazia-me inteiro e completamente feliz, e eu precisava mais dessa felicidade.

Eu precisava do seu beijo para viver.

Mais do que isso eu precisava dela para sobreviver às adversidades, para preencher minha vida e dar a ela algum sentido, um motivo. Sem Felicity meu mundo pareceria pálido, como em um filme antigo sem cor ou sons.

Sem ela meu coração não bateria mais rápido.

Sem ela não havia sentimentos.

Sem ela, eu não tinha um coração.

A empurrei para trás, meu corpo deitando-se sobre o dela no sofá. Minhas mãos se apressaram por suas curvas, encontrando rapidamente o caminho para debaixo de suas roupas. Exigi muito mais do seu beijo, roubando sua respiração, seu gosto. Exigi do seu corpo também, minhas mãos sendo cada vez mais atrevidas em meus toques afastando roupas na ânsia de sentir a sua pele. Eu sabia que estava indo rápido demais, mas não podia me controlar.

Porque a percepção do quanto minha vida era vazia sem ela, me assustava. Então tudo o que conseguia pensar era em tê-la.

Felicity suavizou o beijo, me dizendo, com sua boca que não precisávamos ir com pressa. Mas eu não a escutei, apertando meu corpo contra o dela, minha boca descendo por seu pescoço sem nenhum cuidado. Eu precisava senti-la. Sentir que eu ainda a tinha para mim.

— Oliver? – chamou-me numa voz entrecortada. Suas mãos empurrando meu peitoral com toda sua força e me obrigando a me afastar.  Assim o fiz, sentando-me longe, na extremidade do sofá e controlando a respiração enquanto evitava olhar para ela que ajeitava sua roupa. - O que há de errado? – A preocupação em sua voz trouxe claridade para meus pensamentos.

— O que há de errado em um homem querendo fazer amor com sua esposa? – Revidei, mais ácido do que pretendia, erguendo-me do sofá e afastando-me do seu toque.

— Nada. - ela se ergueu também, seu tom era conciliatório - Exceto quando este homem chega em casa, não quer conversar sobre o seu dia com ela, e ainda andou bebendo. – Como ela sabia? - Não negue, senti o gosto de álcool na sua boca. – Antecipou antes que eu pudesse negar.

Me senti mal, culpado. Quando eu comecei a esconder coisas de Felicity? A lembrança da mensagem enviada ao meu pai rodopiou em minha mente, e eu apenas a afastei ignorando meu momento de fraqueza.

— Foi apenas um drink, e antes que pergunte eu não paguei por ele. – Lhe devolvi sabendo que não deveria. Felicity não havia me acusado de nada.

— Não é com o dinheiro que estou me preocupando, Oliver – ela seguia me olhando atentamente, eu queria fugir das perguntas em seus olhos. Por isso apenas me afastei, dando um passo para trás e me sentando a poltrona. Pensei que um pouco de distância talvez pudesse diminuir o poder de seus olhos em mim.

Ledo engano.

— Deveria, porque ele é nosso maior problema. – continuei a conversa num tom mal-humorado, dessa vez aumentando a distância com palavras e ações.

— Não é. – Felicity balançou a cabeça, se aproximando e sentando-se no encosto de braço da poltrona. Eu fui tolo de achar que alguns passos e palavras rudes a fariam desistir de mim. Felicity não era assim. - Não fique assim, por favor. Eu odeio te ver assim – acariciou minhas costas. - Nem tudo é ruim, as vezes quando a vida fecha uma porta é porque...

— Está abrindo uma janela? – não segurei o sarcasmo.

— Não, é porque está reservando algo ainda mais especial para nós dois. Significa apenas que nossos olhos estão olhando na direção errada. – respondeu sem se abalar.  – Precisa olhar para a direção certa, querido. Às vezes sequer há uma porta bloqueando o seu caminho. - Seu pequeno sorriso quase me convencendo disso.

Quase.

Eu sabia que não era assim que funcionava.

— Felicity, é lindo que você acredite nisso, amor. -  ganhei um olhar afiado quando comecei com meu tom condescendente - Mas a vida não é um romance desses que você tanto gosta de ler com um final feliz, eu não tenho emprego, minha mãe mora num hospital, e eu não tenho mais dinheiro para bancar o tratamento caro dela, porque meu pai fez o favor de fugir com a amante levando todo o dinheiro com ele. – apertei as mãos em punho, a raiva por toda aquela injustiça fazendo meu sangue ferver. - Minha irmã se mudou para o outro lado do país com o pai dela, porque eu não tinha como sustentá-la também, não quando a única pessoa trabalhando aqui é você. – Deixei a coisa toda jorrar.

Havia um certo alívio em colocar tudo para fora.

— Eu disse que Thea poderia morar conosco, eu não me incomodaria, eu amo a sua irmã também – Suspirei. Como eu fui ter a sorte de encontrar essa mulher na minha vida? Eu não a merecia.

— Mas eu me incomodaria de ter mais uma boca para alimentar, não há nada de bom na nossa situação. – fechei meus olhos para não ver a reação de Felicity ao meu pragmatismo. E também para não me permitir iludir com a esperança que seu olhar me transmitia.

Fiquei surpreso pelo silêncio que se seguiu.

Pela ausência de seu toque confortador, de suas palavras cheias de amor. Abri meus olhos, apenas para ver Felicity de pé me olhando atentamente.

— Nada de bom? – o tom magoado em sua voz me alertou, fazendo-me sentar mais ereto – Então, o ex-bilionário Oliver Queen descobre que dinheiro é a coisa mais importante no mundo... Eu nem sei porque estou surpresa. Dinheiro é capaz de comprar tudo, porque não vai correndo para o seu pai, ele provavelmente ainda tem o dinheiro que roubou, talvez esse dinheiro possa lhe comprar uma nova esposa!

— Felicity! – me ergui imediatamente minha mão agarrando a dela. Assustado com o seu rompante, mas ainda mais assustado que ela realmente pensasse isso sobre mim. Que eu pudesse, de alguma maneira desejar trocar a vida que tinha com ela, por qualquer outra coisa.

Você está pedindo ajuda ao seu pai. Não é quase isso?

Minha consciência se manifestou, mas fiz o favor de empurrá-la bem fundo.

— Felicity, o quê? – ela soltou seu braço do meu aperto, os cruzando por sobre o peito. Seu olhar dizia que não seria inteligente me aproximar dela agora.

Eu mereci aquela.

Estava sendo um idiota com ela.

— Felicity, eu...

— Sinto muito por ser um idiota? Por quando tudo o que você tentou foi me oferecer carinho e apoio numa situação difícil? Por banalizar o nosso casamento porque se sente emasculado por não ser um maldito macho provedor?

— Algo assim. – encarei meus pés.

— Eu sei o quanto de dinheiro você estava acostumado a ter, era tanto que nunca passou pela sua cabeça se preocupar com o preço de algo tão banal quanto um aluguel, ou uma conta de luz. Mas eu sei também, que desde o primeiro momento em que estivemos juntos, você nunca o viu como a coisa mais importante da sua vida. E agora... – ela balançou a cabeça, e o que vi em seus olhos doeu mais do que qualquer outra coisa: decepção - Apenas não é o Oliver pelo qual eu me apaixonei. Onde está o Oliver que era feliz com um encontro em que apenas andávamos pelo parque conversando por horas? Que se deitava sobre a grama comigo, fechava os olhos e esquecia o resto do mundo?  – eu assenti, sabendo que ela estava certa - Eu sei que são tempos difíceis, eu sei que pode parecer idiota, mas é assim tão fácil para você fechar os olhos para o que temos de bom agora?

— Eu só queria... – O que dizer a ela? Que eu apenas queria que não fosse tão difícil ser o homem que ela merece? Não ser capaz de tirar o fardo dos seus ombros e apenas mimá-la? Até mesmo para mim isso soava errado.

— O que foi isso? – a atenção de Felicity foi desviada para um barulho que eu conhecia bem.

— Não é nada. -  resmunguei desejando poder ignorar e voltar para a nossa conversa.

— É sim. – Felicity caminhou até a porta tentando olhar pelo olho mágico.

— É um gato. – respondi, sabendo que ela não deixaria isso em paz – Ele me seguiu, apenas deixe-o aí fora, uma hora ele terá que se cansar e ir embora.

— Mas o coitado deve estar com fome. – ela abriu a porta e se abaixou, sorrindo para o que lhe esperava ali fora. Ótimo, até mesmo o gato ganhava seus sorrisos e eu ganhava seu olhar zangado. Felicity voltou acariciando o bichano em seu colo.

Traidor. – sussurrei para o bichano que parecia não se importar comigo.

— Você quer um pouco de leite?  Ou prefere uma suculenta lata de sardinha? – ela perguntou levando o gato para a cozinha consigo, eu a segui apoiando o corpo de lado na entrada, apenas observando. O que mais poderia fazer? Tudo o que eu dizia ou fazia parecia ser a coisa errada naquele dia. - Eu vou te dar os dois e você escolhe o seu favorito, o que acha? - eu ri, aparentemente eu não era o único que falava com gatos. Ela derramou o restante da garrafa de leite em uma tigela - E se você se comportar, talvez até mesmo fiquemos com você.  – Ah não. - Iria gostar disso, não é mesmo? Fazer parte da família... oh, você já tem um nome... – ela disse distraindo-se com o pingente em sua coleira. – Se sua outra família não estiver procurando por você, o que acha de ser nosso? – O gato simplesmente lambeu sua mão como se concordasse.

— Felicity... Não podemos ter um gato. – a interrompi.

— Por que não? – seus olhos deixaram o gato que bebia seu leite tranquilamente e me encararam diretamente, eu fraquejei diante de seu poder.

— Nós somos apenas dois, e mal conseguimos. – havia mágoa em seu olhar. Eu só queria parar de magoa-la a todo o tempo, mas eu precisava ser racional. - Gatos tem gastos, teremos que levar ao veterinário, vacinas e comida... – Comecei a explicar percebendo que algo estava errado. Por que ela parecia querer chorar com minhas palavras? – Felicity... – tentei me aproximar, mas Felicity apenas pegou o gato em seu colo e deu a volta por mim.

— Se se sente assim sobre um gato, imagino qual seria a sua reação se fosse um bebê. O que diria se eu dissesse: Oliver estou grávida? – As palavras me deixaram imóvel por um momento, eu não consegui dizer ou pensar nada. Eu sabia que era apenas uma suposição. Mas ainda assim a ideia de um bebê com Felicity era capaz de abalar meu mundo inteiro. - Você diria que não podemos ficar com ele? Que bebês tem gastos? Que teríamos que alimentar e levar ao médico? – Ela estava com raiva. Como eu deixei esse dia desandar desse jeito?

— Por Deus, Felicity, não é o que estou dizendo.  - me apressei até ela parando a poucos passos, odiando a distância que seu olhar nos impunha, mas respeitando o espaço que ela queria - Eu amaria cada aspecto de ter um bebê com você... Desde fazer um bebê, a vê-lo crescer dentro de você, eu amaria fazer planos e pensar em nomes, eu mesmo iria querer montar o berço, mesmo que eu nunca tenha feito nada disso na minha vida. Iria amar até mesmo brigar com você sobre a cor que iriamos pintar o quarto dele ou dela, só para no final fazer a sua vontade... - sorri apenas imaginando. Meu coração inflou já abrindo espaço para o pequeno ser que sequer existia, mas que eu estava pronto para amar. Felicity pareceu feliz também, mais iluminada - Mas agora não é o momento certo para começar uma família, - eu precisava ser racional, por mais que estivesse mais do que pronto para pular com ela naquele sonho de sermos pais, não poderíamos fazer até que eu conseguisse dinheiro. - pode imaginar como seguraríamos as pontas com um bebê a caminho? Eu não quero que nada falte para um filho nosso. – segurei sua mão forte na minha - E infelizmente amor não coloca comida na mesa, não paga o aluguel, ou a conta de luz...

Ela soltou minha mão num puxão.

Ela estava se afastando.

A luz em seus olhos se apagando novamente.

— Mas pelo menos não deixa o coração da gente tão frio. - Uma lágrima solitária marcou seu rosto. - ou pelo menos não deixava.

Felicity passou por mim indo para o nosso quarto e fechando a porta atrás de si.

***

Em três anos de casamento aquela era a primeira vez que eu dormia no sofá. Nós tínhamos discutido várias vezes, como toda relação saudável e normal nós discordávamos por coisas tolas, porém nada que um abraço e um me desculpe não consertasse. Mas nada assim. Nunca assim. Eu jamais vi nela aquele olhar triste e desapontado, eu nunca tinha feito uma lágrima feita de tristeza e decepção descer por seu rosto, e eu me odiava mais do que tudo por ter feito isso. Principalmente porque sabia que um me desculpe e um abraço não consertaria as coisas.

Eu me senti ainda pior ao acordar aquela manhã, ao sentir o cheiro fresco do café da manhã vindo da cozinha. Não importava que estivéssemos brigados, ela ainda assim sempre tentava fazer eu me sentir bem. Mesmo quando eu não merecia. Me ergui para me servir, eu não havia bebido tanto noite passada, mas eu me sentia como se estivesse com ressaca. Uma ressaca feita unicamente de palavras que desejaria tomar de volta. Encontrei perto da garrafa de café uma folha com meu nome rabiscado.

“Oliver,

Espero que uma noite no sofá tenha clareado um pouco sua mente. Eu odeio brigar com você, e odeio ainda mais dormir longe de você. Mas senti que ontem precisávamos de espaço para respirar ou acabaríamos dizendo ou fazendo coisas que nos machucariam ainda mais.

E amar não deveria nos machucar.

Mas às vezes ele faz.

Você não faz ideia do quanto eu fico triste por você não ser capaz de ver o homem que vejo quando olho para você. Eu olho para você e tudo o que vejo é amor, alguém que mesmo com todos os problemas e adversidades que teve, persistiu. Não deixe que um momento ruim mude você.

Eu sei que as vezes pode parecer que temos pouco. Mas a vida não é sobre o quanto possuímos, mas sobre o quanto de nós somos capazes de doar para os outros.

E há coisas que dinheiro jamais será capaz de comprar.

Conversamos quando eu voltar, apenas levei o nosso gato ao veterinário...

Eu tive que parar para rir, ela havia sublinhado a palavra nosso duas vezes. Era óbvio que eu havia perdido aquela batalha, mas eu já não me importava. Se ela gostava do gato e ele a fazia feliz, bem então eu teria que aceitá-lo em nossa vida. Simples assim. Voltei a pequena carta que agora estava cheia de observações.

Ps.: Ainda amo você, mesmo que seja um idiota cego às vezes.

Ps.: (2) O gato fica.

Ps.: (3) Precisamos pensar em nomes.”

Franzi o cenho. Ela queria nomes para o gato? Mas eu pensei que ele já tivesse um, ela tinha dito que havia um na coleira dele noite passada... Certo? Não importa. Ela queria um novo nome, nós lhe daríamos um novo nome. Embora bola de pelos traidora soasse bem para mim.

Eu também sabia, que aquela carta era o jeito dela dizer que entendia o quão frustrado eu estava, mas que mesmo assim ainda tinha fé em mim.

Ela sempre tinha fé em mim.

Talvez fosse a hora de eu começar a ter um pouco disso também.

Me forcei a deixar aquele sentimento estranho entrar em mim. Eu sempre fui um homem pragmático, um cético que via tudo preto no branco. E mesmo assim Felicity salpicara algumas cores na minha vida...

Eu precisava me desculpar com ela, não como um modo de consertar as coisas. Eu sabia que Felicity não se importaria com um “me desculpe” dito da boca para fora. Eram ações que realmente faziam a diferença com ela.

Um novo dia.

Uma nova convicção.

Eu seria melhor para ela hoje do que fui ontem. E amanhã muito melhor do que fui hoje. Olhei para a aliança em meu dedo anelar esquerdo e sorri, lembrando-me das promessas que fizemos no dia que nos comprometemos um com o outro. “Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, por todos os dias da nossa vida até que a morte nos separe”.

Por sorte eu teriam muitos dias com ela pela frente. Muitos dias para amá-la e para me desculpar. Muitos dias para permitir que ela pintasse meu mundo sem cor, colocasse sorrisos em meus lábios retos.

Peguei o verso de sua pequena carta e rabisquei uma resposta colocando todo o meu coração nela, dobrando-a e colocando dentro do meu bolso. Eu entregaria a ela quando voltasse para a nossa casa. Seria a primeira parte do meu pedido de desculpas.

Ajeitei a casa, até mesmo separei uma tigela de leite para o nosso novo morador. Mas deixei os cobertores dobrados ainda sobre o sofá, um lembrete de que eu ainda não havia conquistado meu lugar de volta.

Encarei o relógio, tentando não me sentir nervoso com o horário. Felicity ainda não havia retornado, e eu teria pouco tempo com ela antes dela ter que sair para o trabalho.

Escutei batidas pesadas a porta e imediatamente me senti estranho, com o estômago embrulhado como se sentisse que algo não estava certo. Ela teria esquecido as chaves?

— Senhor Queen? – fiquei tenso no instante em que abri a porta e vi um jovem policial ali.

— Sim, sou eu. – respondi, um pouco hesitante - Algo de errado? Meu pai...? – Não completei, pensando se a sujeira do meu pai havia chegado até mim.

— O senhor é o marido de Felicity Smoak? – eu não esperava por isso. Imediatamente fiquei em pânico, milhares de possibilidades passando por minha cabeça, fazendo-me respirar com dificuldade.

— O que está acontecendo? Minha mulher está aí? Ela está bem? – o pânico saiu de mim, meu coração batendo tão dolorosamente rápido.

— Sua esposa sofreu um acidente. – não consegui reagir, suas palavras mecânicas fluíam de sua boca para o meu ouvido. Eu entendia o significado, mas de alguma forma meu corpo inteiro recusava-se a entendê-las – Ela tentou pegar um gato que atravessou a rua quando um carro... – forcei-me a focar no policial a minha frente, perdendo suas últimas palavras.

Felicity precisava de mim.

— Ele está em qual hospital? – perguntei, desnorteado. Mãos batendo em meus bolsos, buscando freneticamente por minha carteira e chaves da casa. Ela precisava de mim ao seu lado. Na saúde e na doença.

— Ela não...

— Ela está bem e não precisou ir à um hospital, certo? – testei, meu coração implorando por uma afirmativa. Mas o homem a minha frente apenas balançou a cabeça.

— Eu sinto muito, senhor Queen. – dei um passo para trás.

— Sente? Pelo o quê? – eu não entendia.

— Ela está...

— Não se atreva a terminar essa frase! – Eu gritei com fúria, porém tarde demais.

—...morta.

Não.

Até que a morte nos separe.

Não.

Não.

Eu jamais aceitaria me separar dela.

— Não diga isso outra vez. – eu voltei a gritar, ou tentei. Não sei ao certo. As palavras rugiam pela boca e as lágrimas caiam ao mesmo tempo, meu corpo inteiro tremia em protesto aquelas palavras. Elas não podiam ser reais. - Retire o que disse agora! Ela não pode, ela não está... Ela estava aqui esta manhã! Ela fez o café! Ela... – me deixei cair sobre o sofá, o mesmo em que dormi aquela noite. Eu nem mesmo pude abraça-la durante a noite. —  eu nem mesmo disse que a amo. Eu nem a vi. Ela se foi sem... Eu nem disse que a amo.

E ela nunca saberia.

Nunca saberia o quanto era importante para mim. Nunca saberia que eu era um idiota ingrato, que havia descontado as próprias frustrações nela. Nunca saberia que no mundo de caos e conflitos, ela era a única que mantinha meus pés fincados no chão. A única certeza que sempre tive, numa vida repleta de opções.

Desde o dia que a conheci, meu coração foi dela.

— Senhor, eu...

— Sente muito. – Completei friamente - Entendi. -  atravessei a sala fechando a porta na cara do homem, mesmo que ele tivesse mais a dizer. Eu esperava que de alguma forma pudesse deixar as palavras dele do lado de fora. Ignorá-las. Fingir que não eram reais... Mas uma vez dita, aquelas palavras entraram em meu coração, espalhando-se por ele e me corroendo por dentro como um câncer.

Escorreguei pela porta.

Meu corpo havia perdido a vontade de ficar de pé. Meu coração batia descompassado e apressado, a cada nova batida torturava-se com a ideia de que aquela que o fazia querer continuar a bater simplesmente já não mais existia.

Peguei a carta que trazia em meu bolso e a desdobrei, me pus a relê-la cuidadosamente. Lágrimas salpicavam o papel e a apertei forte contra meu peito. Tentando segurar o último resquício do seu amor.

Ps.: Ainda amo você.

— Eu te amo também. – respondi ao pedaço de papel, já que jamais poderia dizer a Felicity outra vez. Jamais veria o beicinho irritado de seus lábios se transformar naquele sorriso amplo e feliz, como fazia sempre que dizia aquelas três palavras, jamais olharia no fundo dos seus olhos e me sentiria em paz novamente.

Fechei meus olhos desejando morrer também, mas o bip do meu celular me fez tirá-lo do bolso, para checar a mensagem. Um riso amargo deixou meus lábios ao ver a mensagem do meu pai junto com a notificação do meu novo saldo bancário, e logo o riso se misturou as lágrimas transformando-se em um lamento agoniado.

— Parabéns, Oliver. – disse a mim mesmo, me felicitando por conseguir aquilo que tanto queria. - Você é rico outra vez.

***

Despertar foi como sair debaixo da água depois de se afogar, lutando por ar. Lutando contra as luzes claras que se demoraram para juntar as silhuetas disformes e formar as imagens. O som de algo sendo estilhaçado explodindo em meu ouvido. Meu coração, talvez?

Alguém falou comigo, sua voz como uma força incomum puxando meu corpo e o forçando a ficar ereto, e então girar o tronco para trás em sua direção. Meu cotovelo esbarrando em algo no processo.

— Essa foi por pouco. – o homem ergueu o copo nas mãos, me fazendo piscar compulsivamente para o objeto. Ele pegara o copo que derrubei, antes que se espatifasse ao chão e ainda, sem que derramasse nenhuma gota do líquido. - Você sequer bebeu, mas já parece bêbado.

Pisquei olhando ao meu redor, assimilando o lugar. Eu estava num bar?

Eu não me sentia bêbado de nenhuma forma, mas me sentia entorpecido. Como se todos meus sentimentos tivessem sido tirados de mim, e recolocados de volta, mas nenhum deles soubesse exatamente para onde ir.

— O que está acontecendo? – Meus olhos focalizaram-se no homem negro a minha frente. Eu o reconhecia vagamente, mas não o conhecia. Mais como se meu reconhecimento viesse de um sonho ou lembrança antiga demais para meu cérebro fazer a conexão. Tentei puxar minhas memórias mais recentes, lembrar de como eu vim parar aqui e entender o que estava acontecendo e porque minha mente não funcionava direito.

— Você quase derrubou o copo. É uma sorte que eu tenha bons reflexos. Uma vez que algo se quebra é.... – começou a explicar.

— ... Impossível recuperar. – completei automaticamente, a frase aparecendo em minha mente com uma estranha familiaridade.

— Exato. Eu odeio lidar com coisas quebradas. – ele sorriu, colocando o copo de volta em cima do balcão fazendo meus olhos voltarem para o líquido âmbar que aparentemente eu estava bebendo – Quando algo está quebrado e não tem mais conserto...

— ...Apenas irá machucá-lo se tentar fazer alguma. – Completei novamente, dessa vez ganhando um sorriso misterioso do homem.

— Que sorte que este copo vai ter uma segunda chance. Não seria incrível se elas existissem em nossas vidas também? Quantas coisas não impediríamos de serem quebradas?

— Quem é você? – franzi o cenho.

— Quem eu sou? – ele riu descontraidamente apoiando o corpo contra o balcão enquanto olhava para mim. - Oliver, você acabou de entrar no meu bar pela primeira vez, trazendo esse gato com você. Eu deveria estar perguntando, quem é você!

— Você sabe meu nome. – acusei, meus olhos o seguiram desconfiados enquanto dava a volta no balcão e começava a limpar a superfície já limpa dele.

— Eu tenho muito trabalho a fazer e você parece estar no meio de uma crise existencial – comentou de um modo profissional e distante, que por alguma razão eu não acreditava que combinava com ele. - Mas fique à vontade para pedir mais bebidas.

— Você não deveria se oferecer para ser meu ouvinte? – Perguntei.

— E eu tenho cara de terapeuta? – retrucou dando-me as costas, afastando-se com a desculpa de checar sua prateleira de bebidas mais atrás. – Tente seu gato, ele parece um bom ouvinte.

Olhei para baixo, encarando com curiosidade o bichano de pelagem preta deitado sobre meu pé, parecendo dormir. Eu tinha um gato agora? Voltei meus olhos para a bebida a minha frente. Chamando-me para ela.

Engraçado. Bastou deslizar o líquido âmbar pela garganta que me senti diferente. Como se todos os sentimentos confusos começassem a voltar para o seu lugar. Me lembrei de sair novamente aquele dia, com esperança de dessa vez conseguir um emprego. E logo veio a frustração por tentar e tentar, e jamais consegui. A sensação de fracasso logo se apoderou de mim, provavelmente essa última liderou meus passos até o estranho bar.

Oh, e claro. Como poderia me esquecer de que cruzei com um maldito gato preto, que agora seguia-me com seu azar?

Mas algo vital estava sendo esquecido.

Eu não sabia o que era.

Apenas meu coração sabia, mas se recusava a compartilhar.

— Você está bem? – a pergunta me pegou desprevenido, novamente o homem aparecia do nada. Elevei ambas as mãos ao centro do peito, sentindo batidas erráticas e agoniada, tentando decifrar a razão por detrás do comportamento incomum do meu coração.

Bem?

Não estava.

Algo estava errado.

Algo deixava meu coração dolorido e eu já não me lembrava o que era.

— Eu tive uma sensação ruim, é isso. – tentei minimizar dando de ombros, mas o homem me avaliou com uma seriedade que deixou ainda mais preocupado.

— Sabe o que dizem sobre sensações ruins? – Por que seus olhos escuros pareciam querer me dizer mais? - São presságios.

— Presságios? – repeti.

— Avisos de que algo está prestes a acontecer. – Meu coração palpitou concordando, como se pudesse sentir o que iria acontecer e o quão ruim seria. – Maus agouros. Seja cuidadoso, Oliver. Principalmente com o que é realmente importante para você.

O que era realmente importante para mim?

No momento? Conseguir um emprego. Dinheiro. Ou qualquer coisa que pudesse me fizesse melhorar de vida.

Procure seu pai.

Foi apenas um suspiro de uma ideia, mas o suficiente para me fazer redigir uma mensagem para ele.

— Obrigado, eu acho. – me ergui, tirando o dinheiro do bolso e o deixando o dinheiro sobre o balcão. O homem apenas assentiu, puxando o dinheiro para si, sem mais nada dizer. E eu deixei aquele estranho bar com um gato me seguindo e a sensação de que tudo havia acontecido da maneira errada. Eu até mesmo parei a porta, por alguma razão esperando um conselho do homem que já havia se recusado a ser meu terapeuta.

Nada fazia sentido.

Novamente me vi olhando para o meu prédio.

Para aquela luz acesa no sétimo andar, e pela primeira vez naquele dia estranho, eu senti algo bom crescer dentro de mim. Me lembrando das palavras do homem do bar... Seja cuidadoso com o que realmente é importante para você.

Não sei porque cogitei outra resposta se a única existente era Felicity.

Eu briguei com o maldito gato antes de entrar, o forçando a ficar do lado de fora. Eu procurei pela a mulher que eu amava, ansioso para que ela pudesse destruir a frustração e a sensação de fracasso, com seus beijos e carinhos. Eu ainda não sei em que momento consegui estragar tudo. Mas tinha certeza que meu ceticismo e a fé inabalável dela estavam relacionados.

Não importava mais.

Deitei no sofá encarando o teto e remoendo cada detalhe da nossa discussão, com uma estranha sensação de deja vu. Como se tudo isso já tivesse acontecido antes. Eu quero dizer, é claro que já discutimos por causa da falta de dinheiro. Mas dessa vez era diferente, como se tudo tivesse ocorrido antes, cada palavra, gesto e ato, já tinha acontecido antes daquela mesma exata maneira.

E mais, havia mais a acontecer, e eu já sabia como seria.

Apenas não me lembrava.

Fechei meus olhos, esperando que uma noite de sono fizesse tudo fazer sentido na manhã seguinte.

***

Imagine acordar em uma manhã com o pensamento de que aquele vai ser mais um dia banal. Mais um dia em que você irá fazer as mesmas coisas que fez no dia anterior. Levantar. Tomar seu café. Ir para o trabalho ou escola. Ou no meu caso, mais um dia na batalha árdua de procurar um emprego. Rotina. Todos estamos presos nela de alguma forma, nos acostumamos. E reclamamos, porque queremos ter mais dessa vida. Queremos mudanças. E não queremos esperar o tempo certo. Por que não podemos simplesmente largar tudo e viver aquela vida de sonhos? Oh, certo. Dinheiro. Então trabalhamos e estudamos, sempre com esse objetivo em mente. Ganhar dinheiro para finalmente um dia ter aquela vida que tanto queremos.

Mas então, em uma certa manhã você caminha até a janela da sua casa como faz todas as manhãs, apenas para encarar o céu e decidir se precisará de um guarda-chuva. Mas o céu não está mais azul. Está vermelho sangue. O mundo não é mais o mesmo. Tudo o que você conhece. Tudo o que ama foi destruído e simplesmente não existe mais.

Mas você está lá.

E o dinheiro também.

Você perdeu tempo esperando para ser feliz um dia. Quando tudo o que deveria ter feito era viver o agora. E ser feliz agora.

Olhei para cima com raiva. Ironicamente o céu estava limpo num tom de azul que era ao mesmo tempo suave e brilhante, lembrando-me exatamente dos olhos dela quando estava feliz. Se existe um Deus, por que ele gostava tanto de me punir?

— Filho, tem certeza de que não quer voltar conosco? Todos já partiram. – O suave toque sobre meus ombros me fez voltar os olhos para a terra. Literalmente encarei o chão terroso sob meus pés, não sentia vontade de ver mais ninguém. Balancei a cabeça respondendo a pergunta da minha mãe, não confiava muito em mim mesmo para falar alguma coisa ou olhar no rosto das pessoas. Mas então, seus braços desceram por meu corpo apertando ao redor do abdômen, sua cabeça se apoiando em minhas costas. Suspirei, me permitindo ter seu abraço por um tempo longo.

Eu sabia que minha mãe queria me consolar, mas eu não queria consolo agora. Eu queria a única coisa que ninguém poderia me dar.

Eu queria Felicity.

— Eu apenas preciso de um momento a sós, com ela, mãe. – consegui dizer, entre palavras falhadas e uma voz que nem parecia a minha. - Preciso encontrar uma forma de dizer adeus.

— Eu entendo.

Minha mãe me soltou. Não vi seu rosto, porque só me atrevi a olhar para trás depois que tive a certeza de que ela estava longe o suficiente. Então observei ela partir atravessando os portões do cemitério, sendo apoiada por minha irmã. Thea havia voltado para o enterro, e eu sequer me dei um segundo para apreciar o quanto minha irmã havia crescido nesse último ano longe de mim.

Eu havia perdido a capacidade de sentir qualquer coisa, que não a ausência dela.

Deixei o choro contido finalmente sair.

Não era bonito.

Era amargurado.

Raivoso.

Triste.

Desesperado.

Todos os tipos de sentimentos ruins que Felicity teria odiado ver em mim. Todos os tipos de sentimentos ruins que apenas ela teria sido capaz de destruir com apenas um sorriso.

— Eu perdi seu sorriso. – lamentei, deitando-me de lado sobre o concreto de seu túmulo, numa tentativa estúpida de estar mais perto dela. – Em meu último instante com você, eu a fiz chorar. Queria ter tido tempo para consertar as coisas... Mas acho que quando algo se quebra, é impossível recuperar. – funguei ao repetir a frase, as palavras agora saiam menos trêmulas, mas não menos emocionadas. O choro compulsivo havia passado, agora só haviam lágrimas e mais lágrimas, descendo de meus olhos como se fossem uma represa cheia demais e que precisava transbordar. - Meu pai me ofereceu dinheiro para pagar por flores mais bonitas. – comentei ao esticar meu braço e retirar uma pequena flor branca do único buquê que havia ali, girando o talo entre meus dedos. – Eu também fiquei surpreso por ele se dar ao trabalho de fingir ter alguma compaixão. Mas não se preocupe, eu não aceitei nada dele. Nem mesmo o estúpido emprego que eu tinha pedido na noite anterior. – arfei, balançando a cabeça ao me lembrar que Felicity não sabia que eu fizera aquilo, fechei os olhos sentindo vergonha. - Me desculpe por esconder isso de você, eu sabia que você odiava o dinheiro dele, mas eu estava desesperado e frustrado o suficiente para ver como a solução dos nossos problemas. E eu sinto muito por ter pensado que dinheiro era importante para você. Você é melhor do que isso. – Eu queria ter sido melhor que isso também. - Eu comprei as mesmas flores que usou no seu buquê de noiva... Copos de leite. – um pequeno riso abafado saiu de meus lábios. – Eu não fazia ideia de que esse era o nome, ele me faz lembrar do nosso gato.

— Então ele é nosso? – abri meus olhos, apenas para me certificar de que havia imaginado a voz. Mas não. Ela estava ali. Deitada ao meu lado, tão linda como sempre, com a cabeça apoiada sobre uma das mãos e olhos azuis da cor do céu, me encarando.

— Você está morta. – consegui dizer para a visão. A dor da sua ausência era tanta que eu havia enlouquecido de vez? Ou era um milagre?

— Estou. – a confirmação apenas arrancou mais uma parte de mim, uma parte que por um segundo se atreveu a ter esperanças.

— Mas você está aqui.

— Estou. – ela sorriu ao dizer novamente. E quis odiá-la por me dar seu sorriso mais uma vez. Quis odiá-la por estar aqui. E ainda mais por não ser real.

Mas esta era Felicity.

Nada dentro de mim era capaz de odiá-la.

— Por que está aqui? – Vai ficar? Por favor fique. Se tudo o que posso ter é sua impressão, um fantasma, eu o aceito!

— Eu queria apenas me deitar ao seu lado uma última vez. – ela respondeu - Esquecer o mundo por um instante. – Eu queria me deitar ao lado dela para sempre. – Obrigada pelas flores, são minhas favoritas. – Felicity esticou a mão, os dedos deslizando por minha mão até chegar ao caule da flor que ela puxou para si. Eu teria ficado absorvido por sua reação tão natural em inspirar o perfume da flor, se não fosse por seu toque tão fugaz, mais parecendo uma brisa da primavera do que um toque de uma pessoa real. - Estou contente que tenha recusado o dinheiro do seu pai, ele não traria nada de bom para as nossas vidas.

— Eu sei. Gostaria de ter percebido antes que a vida não é sobre o quanto possuímos, mas sobre o quanto de nós somos capazes de doar para os outros. – ela sorriu contente com o meu aprendizado, ainda que tardio. - E tudo o que sou, eu dei a você. – confessei e pela primeira vez vi seu sorriso vacilar. - Foi embora com você, amor. – Estiquei o braço tentando tocar o seu rosto, mas foi como tocar o ar.

A expressão de Felicity entristeceu.

Ela não estava ali realmente.

— Nós tínhamos tudo, Oliver, por que não era o suficiente? – sua pergunta foi feita num suspiro fraco.

— Não era apenas suficiente, amor. – disse com urgência - Era vital. Era tudo o que eu precisava. Nosso amor alimentava minha alma e meu coração. Eu daria qualquer coisa, tudo o que tenho, tudo o que sou, apenas para ter você de volta. - lamentei - Mas eu era um cego, como você disse.

— Não cego. – ela meneou a cabeça discordando de mim, a mão elevando-se e novamente senti a brisa suave quando a mão pousou em meu rosto - Apenas olhando para o lado errado.

— Eu me sentia tão... Incapaz. Sempre lutando e jamais alcançando. – parecia uma vida diferente agora, eu sequer queria lutar porque sabia que não havia o que alcançar. – Não percebi que tudo o que eu precisava eu já tinha.

— Por que não me disse tudo isso quando eu estava viva?

— Me desculpe. – era tudo o que eu podia dizer. - Eu escrevi uma carta a você, no verso do seu bilhete, explicando como eu me sentia.

— Queria ter lido.

— Eu queria que tivesse. – olhei em seus olhos, se essa era a última vez que eu os veria, queria me perder neles. - Ao menos saberia o quanto eu amo você, o quanto essas três palavras parecem pequenas e banais perto do quanto eu amo você. – Amo, no presente.

— Eu sempre soube, Oliver. – seus olhos sequer piscaram com sua afirmação - Amor era a única coisa que você era incapaz de esconder. É por isso que sempre tive tanta fé em você, alguém com tanto amor assim, merecia muito mais dessa vida.

— Mas tudo o que eu queria da vida foi tirado de mim. – lamentei, sem segurar as lágrimas.

—  Tudo bem, meu amor. – sua mão capturou uma das lágrimas com o polegar, e seu corpo se aproximou do meu. Eu não podia tocá-la, mas podia sentir seu calor. - Vai ficar tudo bem.

Mas suas palavras eram vazias, assim como a sua existência.

***

Acordei com lágrimas quentes manchando o meu rosto.

O coração destroçado. Um grito agoniado preso, formando um bolor incomodo na garganta.

Pulei do sofá derrubando o lençol e os travesseiros no chão, tropeçando em qualquer coisa que estava em meu caminho enquanto eu andava desnorteado e com meu corpo tremendo até a porta do nosso quarto, que estava entreaberta.

— Felicity! – inocentemente chamei seu nome esperando que ela simplesmente materializasse no meio do quarto vazio. Mas ela não estava ali. Não estava em nenhuma parte do apartamento.

Eu sentia sua ausência.

Muito pior do que isso. Eu me lembrava de como seria perdê-la. Eu me lembrava perfeitamente de que em alguns minutos haveria um policial batendo a porta me dizendo que ela estava morta. Me lembrava de destruir o apartamento lançando todas as nossas coisas contra a parede. E de chorar até os olhos arderem. De me obrigar a me erguer, quando tudo o que eu queria era ficar deitado na cama inalando o último resquício do seu cheiro. Me lembrava do seu enterro tão perfeitamente. De conversar com o fantasma dela sobre seu túmulo.

Não era um sonho qualquer. Sonhos não são tão discerníveis e detalhados, sonhos não cravam impressões tão fortemente na alma da gente. E eu me lembrava da dor. Sentia-a tão persistente em mim como se tivesse acontecido apenas ontem. E de fato, de alguma forma, aconteceu.

Vai acontecer novamente?

Ainda há tempo.

Corri os olhos pela cozinha procurando por algum indício dela. Notando que dessa vez não havia um bilhete próximo a garrafa de café. Eu tinha ferrado tudo ainda mais? Que dessa vez nem mesmo um pedacinho do seu amor eu teria como lembrança?

— Eu não vou perdê-la! Não dessa vez!

Não troquei de roupa, e não calcei os sapatos também porque não os achei, e eu tinha pressa. Pressa para impedir meu mundo de desabar. Pressa para salvar todos os nossos sonhos. Desci as escadas do prédio antigo correndo e pulando os degraus e corri ainda mais até chegar a rua. Para que lado ela seguiu?

— Direita ou esquerda? Merda. – eu tinha consciência de que parecia um louco. Com minhas roupas amassadas, sem sapatos e ainda com ambas as mãos em meus cabelos puxando-os em pura frustração. – Uma ajudinha aí em cima pelo menos? – gritei para o céu.

Olhei para a esquerda, mas nada aconteceu.

Olhei para a direita.

E para a minha completa surpresa vi o homem do bar, acenando com a mão do outro lado da rua.

O mesmo homem que uma vez me dera tantos conselhos sobre ter algo bom na vida e na outra vez impedira um copo de ser quebrado, dizendo algo sobre segundas chances. Como seria bom tê-las na vida real.

Quantas coisas não impediríamos de serem quebradas? – repeti sua fala, com o coração na boca.  Era isso, certo? Eu poderia impedir meu mundo de ser quebrado?  Procurei por confirmação nos olhos escuros do outro lado, mas o homem simplesmente desapareceu. Isso era loucura, mas eu não estava a fim de destrinchar seu papel naquilo, apenas corri para a direção que ele me apontara, em direção ao parque. Corri como se minha vida dependesse disso. Porque no fim, ela dependia.

E então eu a vi.

Ainda longe demais, mas perto o suficiente para fazer meu coração reagir.

Andando pelo parque falando com o gato em seu colo, como se sua vida não estivesse prestes a ruir. Como ela poderia saber? Como poderia ter a mínima ideia de que todos os seus sonhos e planos para o futuro jamais seriam cumpridos? Que ela jamais teria um futuro? E então aconteceu, antes que eu pudesse prever, o maldito gato pulara do colo dela. Meu coração se transformou em pedra de gelo e todo o ar que havia em mim desapareceu. Meu corpo reagindo antecipadamente ao que aconteceria.

Eu iria vê-la morrer?

Seria assim dessa vez?

A mera ideia incendiou algo em mim. Me fez correr ainda mais rápido em sua direção, mesmo que a distância fosse grande. Mesmo que eu jamais a alcançasse. Eu não iria perdê-la sem lutar. O inferno congelaria antes que eu permitisse que ela fosse tirada de mim outra vez.

Me tornei inconsciente de qualquer coisa a não ser ela. De chegar até ela.

Não acreditei no momento em que meus braços contornaram seu corpo puxando-a para mim. Envolvendo-a num abraço protetor do qual jamais permitiria que ela saísse. Senti meu coração quente e palpitante, o gelo provocado pelo medo derretendo-se e sendo substituído pelo calor do alívio de tê-la a salvo. Comigo. Exalei contra seus cabelos beijando-os várias vezes, e respirando seu cheiro, tudo ao mesmo tempo.

— Oliver! – Felicity exclamou num tom de protesto, o som da sua voz abafada contra meu peito, me fez sorrir, feliz por algo tão tolo quanto ouvir meu nome em sua voz doce. Liberei-a um pouco, apenas um pouco porque em minha ânsia de protegê-la eu estava apertando-a demais. Movi ambas as minhas mãos para seu rosto, segurando-o com cuidado e carinho.

Eu estava vendo seu rosto mais uma vez.

Seu lindo rosto.

Minha última visão dela não seria daquela maldita lágrima que provoquei descendo por sua bochecha, ou a visão inconsistente de um fantasma deitado ao meu lado sobre seu túmulo. Eu veria seu lido rosto todos os dias. Por um longo, longo tempo. Eu me asseguraria disso.

— Você está bem. – murmurei sorrindo, ainda incrédulo de que havia conseguido. - Você está bem. Está em meus braços. Você está viva. – eu precisei dizer as palavras em voz alta para que minha mente assimilasse que era real, mas apenas quando eu estava acariciando as bochechas rosadas com meus polegares, sentindo-a viva sob meus dedos é que comecei a relaxar.

Eu não sei se algum dia seria capaz de parar de tocá-la.

Ou olhá-la.

Certamente nunca pararia de amá-la.

— E você está descalço. – sua colocação me fez rir, encarando meus próprios pés.

— Eu estou. – concordei, aliviado por não ter perdido tempo procurando por sapatos.

— Por que está descalço, Oliver? – Felicity franziu o cenho, olhando-me adoravelmente. Ela era completamente alheia ao tormento que tinha sido para mim os próximos minutos que nunca aconteceram.

— Para chegar a tempo. – suas sobrancelhas se uniram e seu queixo se ergueu, lábios ligeiramente apertados em um leve biquinho. Eu quase perdi essa expressão.— Eu pensei que tivesse perdido você, amor. – Expliquei dentro de um suspiro triste, lembrando-me de como tinha machucado.

— Como poderia? Eu saí apenas por alguns minutos... Eu não iria embora depois de uma briga, Oliver. Nosso casamento significa mais para mim. – Ela não compreendia. Como poderia.

— O gato. – comecei sem ter certeza de como explicar meu tormento - Ele iria atravessar a rua na frente de um carro e você iria estupidamente tentar salvá-lo. – não consegui esconder raiva pelo o que aconteceria. Os olhos dela perderam-se em mim por um minuto completo, eu sabia que ela conseguia me ler perfeitamente, ler o quão desolado eu fiquei por quase perdê-la. Ela viu a verdade dos meus sentimentos e talvez por isso não tenha questionado o absurdo das minhas palavras.

— Tommy jamais faria isso. – ela disse calmamente, sua mão se colocando sobre a minha que ainda estava em seu rosto, tirando-a de lá enquanto as entrelaçava. Eu gostava de ficar assim. - Quem? – perguntei confuso com o nome.

— Tommy. – Felicity inclinou a cabeça ligeiramente para o lado. Acompanhei seu movimento apenas para ver o gato ali, deitado sob a sombra de uma árvore, lambendo as patinhas como se não tivesse nada mais importante para fazer. - É o nome que está na coleira dele. Adorável, não? – Sorri. Não era adorável, Tommy era o nome de um bastardo.

Traidor.

— Na verdade, Tommy fugiu assim que chegamos ao veterinário e eu o estou perseguindo há dez minutos. – Travei. Ela esteve em perigo durante todo esse tempo? - ele não atravessou a rua com o sinal aberto nenhuma vez. – ressaltou - Engraçado como ele me trouxe até aqui, nesse parque, direto para você e não para um carro em movimento. – Ela falou calmamente, então me permiti respirar.

— Então ficarei agradecido à bola de pelos traidora. – olhei para ele novamente, que miou para mim como se dissesse “de nada” -  Dessa vez.

— Eu acho que eventualmente vocês vão se dar bem. - Felicity comentou, apertando minha mão um pouco mais na dela. Sorri. Eu me acostumaria com Tommy.  Eventualmente. Mas não iria admitir isso.

— Podemos parar um minuto e conversarmos? – pedi. Me lembrando de todas as coisas que eu precisava dizer a Felicity. Coisas que escondi. Coisas que disse a ela, porque estava frustrado e com raiva e que não eram o que eu realmente pensava.

— Quer se sentar? Não me parece muito bem. – Eu não me parecia bem? Ela tinha que ver meu estado quando a perdi.

— Eu estou ótimo. – afirmei - Não quero me sentar. – Eu precisava dela mais perto de mim. Sorri ao encarar Tommy preguiçosamente deitado. - Deite-se aqui comigo. – Pedi, sem esperar por uma resposta. Deitei meu corpo sobre a grama, debaixo da mesma árvore em que Tommy estava, e puxei seu corpo para junto do meu. Mãos unidas sobre meu peitoral, sua cabeça repousando em meu braço de um jeito que, se ficássemos nessa posição por muito tempo, logo o deixaria dormente. Mas eu não me importava.

Respirei fundo, apreciando a sensação de ter seu corpo quente junto ao meu. De poder tocá-la. Sentir seu cheiro. Sorri agradecido por de alguma forma ainda tê-la para mim.

—  Isso é bom. – Felicity cortou o silêncio.

— Nós dois juntos, é sempre bom. – apertei mais sua mão, e ajeitei meu corpo de modo que pudesse olhar nos seus olhos enquanto me confessava - Às vezes eu acho que é a única parte da minha vida que é boa. Noite passada eu estava frustrado, me sentindo um pedaço de merda e um peso na sua vida, porque novamente eu não consegui um emprego, e eu estava tão esperançoso. Eu parei em um bar que nunca tinha visto antes, porque queria esquecer meus problemas. – um bar que eu suspeitava não estaria  mais lá - Eu sinto muito ter descontado em você.

— Eu entendo. – seus dedos brincavam com os meus, e seu rosto não expressava nada além de compreensão.

— Não entende. Eu quase mandei uma mensagem ao meu pai ontem. – senti Felicity ficar tensa, uma faísca de algo menos nobre dançando em seus olhos – Eu iria aceitar qualquer serviço que ele tivesse para mim em troca de dinheiro. – ela abaixou os olhos, impedindo-me de vê-los - Eu sinto muito, muito mesmo por colocar dinheiro acima de tudo. – Terminei, envergonhado e esperando a sentença de Felicity.

Sua sentença veio em forma de um sorriso doce, que eu definitivamente não merecia.

— Não é verdade, eu sei que não pensa assim realmente. – Ela simplesmente discordou de mim - Eu li a sua carta.

— Que carta?

— Eu acordei, ainda chateada com você. Exausta de discutir sobre dinheiro de novo e de novo e então eu vi a sua carta. – Franzi o cenho, eu não havia escrito para ela. Não nessa vida. Numa outra... Mas como? — Você estava dormindo no sofá com ela em suas mãos. – Felicity retirou a mesma carta do bolso de trás da sua calça e balançou a minha frente. - E antes que diga alguma coisa, eu vi meu nome no papel e você sabe o quanto eu sou curiosa. – Eu ri, eu conhecia minha garota bem o suficiente para isso. – Leia-a para mim. – pediu.

Eu não reagi de imediato.

Aquela era uma carta escrita por mim. Com todos os meus sentimentos. E Felicity pedia para revela-los em voz alta. Mas eu precisava fazê-lo. Peguei a carta que ela oferecia e a ergui acima de nossos rostos, para que nós dois pudéssemos acompanhar a leitura.

Felicity,

Eu pensei em começar me desculpando por tudo o que eu disse ontem à noite, e então eu me explicaria. Mas a verdade é que desculpas e explicações são falhas e pequenas perto do quanto eu sinto muito, principalmente por ter feito você chorar, quando tudo o que você faz para mim é colocar sorrisos em meus lábios. Você me conhece, você sempre viu através de mim. Conhece minha frustração, meus defeitos e sabe o como é difícil não ser capaz de fazer mais na nossa situação... E ainda assim você me ama.

Tem me amado durante todo esse tempo. Como você ainda me ama?

Eu nunca entendi. Mas hoje eu percebo que quando você me olha, me olha com olhos de quem ama. Vê além dos meus defeitos, enxerga meu coração. Seu amor por mim vê a pessoa que eu posso ser ao seu lado, apenas se eu me permitir deixar antigas partes de mim irem embora, partes que já não pertencem a este Oliver, não depois que amei você.

Minha vida sempre foi fácil. E dinheiro sempre comprou tudo, resolveu tudo. Ao seu lado eu percebi o quão vazio isso é. Sim, dinheiro é necessário para pagar as contas. E eu me sinto a pior pessoa do mundo por saber que todo o peso está sobre seus ombros. Eu fui educado acreditando que é o papel do marido prover à mulher, é arcaico, mas eu gostaria de pelo menos poder fazer algo ao invés de me sentir tão impotente. Entretanto, faz parte de mim, eu quero fazê-la feliz, quero cuidar de você e não vê-la se matar de tanto trabalhar e se preocupar sozinha. Eu quero parte desse fardo também.

Mas você está certa.

Dinheiro não enche nossos corações de vida, não coloca risos em nossas vidas e embora possa comprar uma cama king size, ele não abraça a gente no meio de uma noite fria.

A vida realmente não é sobre o quanto possuímos, mas sobre o quanto de nós somos capazes de doar para os outros.

E eu estou me doando inteiramente a você.

Por favor, me aceite.

— A partir de agora nada fez muito sentido. – Felicity me interrompeu encarando-me com olhos interrogativos, apontando o indicador para a folha de papel em minhas mãos.  – Veja, você riscou alguma coisa aqui e então continuou a escrever com uma caneta diferente. – notei que ela intencionalmente deixou de mencionar a parte das lágrimas que mancharam o papel - Como se fosse um outro momento.

Um outro eu.

Felicity me olhava como se esperasse que eu explicasse o que havia mudado. Eu não podia simplesmente dizer, que a primeira parte tinha sido escrita por um eu que queria apenas se desculpar e a outra... Depois que esse mesmo eu tinha a perdido.

Volte para mim, amor.

Apenas volte para mim e me permita envelhecer com você. Me permita a chance de ver seu sorriso mais uma vez e mais outra, todas as manhãs e todas as tardes, e também as noites. Me deixe cumprir cada um daqueles votos que fizemos no dia em que nos casamos. Na saúde e na doença. Na riqueza e na pobreza. Me deixe abraça-la apertado. Arrastar os móveis de lugar e apenas dançar com você pela sala.

Essa casa é tão pequena, mas sem você ela parece gigante e cheia de espaços vazios. Vazios de amor. De vida.

Me deixe amá-la.

Por favor, me deixe sentir seu amor novamente.

Apenas volte.

— Uau. – consegui dizer após limpar a garganta - Depois dessa carta eu acho que você deveria me perdoar e voltar para mim. – brinquei me distraindo com a barra da camiseta dela, um modo de disfarçar o quanto eu estava surpreso por meus próprios sentimentos após perdê-la. Intensos. Desesperados. Crus.

Eu queria sumir com essa parte da carta.

Não queria me lembrar de como era.

— Eu já te perdoei, e nunca cogitei ir embora. – ela tomou a carta das minhas mãos, pegando-a para si. Eu sabia que em outro momento, Felicity me confrontaria sobre isso novamente, mas não hoje. - Eu conheço você, e mesmo que algumas vezes eu fique triste com as suas escolhas, eu jamais o deixaria. Eu amo você o suficiente para perceber que às vezes você é como um cachorro perseguindo um carro.

— Eu não sei se gosto dessa analogia. – fiz minha melhor cara de ofendido, e Felicity apenas riu.

— É a natureza dos cachorros, Oliver. – Começou a me explicar, e eu não conseguia parar de sorrir para ela, mesmo que tenha me chamado de cachorro. Seu riso era algo único demais para não causar uma reação maravilhada em mim. - Eles correm desesperados tentando finalmente alcançar o carro. – Houve uma pausa antes de Felicity erguer ligeiramente a cabeça e me olhar com seriedade - Mas o que eles realmente fariam se pegassem um?

O que um cachorro faria com um carro?

— Eu acho que entendi. – respondi - Está dizendo que eu sou o cachorro e você é o carro? Porque eu sei exatamente o que fazer com você. –  E num único movimento puxei seu corpo para cima do meu, rindo do pequeno gritinho surpreso que deixou seus lábios. Aproveitei-me de seus lábios entreabertos e pressionei minha boca ali. Começando pela extremidade, e então sugando lentamente o lábio inferior, minhas mãos deslizaram por suas costas até a cintura pressionando seu corpo mais contra o meu assim que minha língua adentrou buscando a sua e apimentando o beijo.  Beijá-la dessa vez, foi menos sobre mim como havia sido da última vez e mais sobre nós. Mais sobre reconhecer e agradecer o que tínhamos, mais sobre o amor.

Nos ergui da grama nos sentando e ajeitando Felicity sobre meu colo, sem interromper o beijo. Quando nossos lábios se separaram, apenas porque... bem, estávamos em um parque público e as coisas não podiam ficar tão quentes assim. Nos limitamos a pequenos beijos e por fim, toquei com o polegar seus lábios quentes e macios, olhei para Felicity com olhos inocentes antes de lançar minha pergunta. - Fiz direito, amor?

Ela gargalhou fazendo meu corpo sacudir junto ao dela por causa da nossa proximidade. Deus! Obrigado por me permitir ter isso!

— Você realmente sabe o que fazer comigo. – seu sorriso pequeno e as bochechas coradas, me fizeram querer beijá-la novamente – Mas não é sobre isso que eu estou falando. – Retirei uma madeixa de cabelo do seu rosto, e prestei atenção nela. Ela parecia tão empenhada em me fazer entender porque eu era um cachorro. Era fofo.

— Certo, eu sou um cachorro perseguindo carros.

—  Estou apenas dizendo que não precisa perseguir a ilusão de um sonho, algo que você sequer precisa ou quer de verdade. – explicou com simplicidade e tudo fez sentido para mim.

— Como o dinheiro. – Ela apenas assentiu.

— O que quer perseguir agora, Oliver? – pisquei sem saber como responder - Me conte seus sonhos e vamos persegui-los juntos. – ela se ofereceu.

Eu só conseguia pensar em um sonho.

— Eu quero você. – respondi com todo meu coração, ficando contente que, pela forma que Felicity suspirou, esse parecia ser o sonho dela também. – Quero nossa casa, pequena ou grande. Não importa. E quero Thea conosco, sei que no momento não é possível, mas um dia eu a quero lá. Quero minha mãe saudável como antes. –  dessa vez senti sua mão apertar a minha, me lembrando de que estávamos juntos nisso.

— Faremos isso. – afirmou com a convicção de quem estaria comigo em cada passo que eu desse.

— E me desculpe pelo que disse ontem. – engoli em seco, tentando encontrar uma forma de pegar de volta algumas palavras horríveis que tinha dito - Eu quero bebês com você, amor. - acariciei seu rosto esperando que ele demonstrasse o mesmo encanto que o meu com esse sonho - Eu quero desesperadamente ter um bebê com você, e que ele tenha seu lindo sorriso e olhos, e principalmente seu coração. E ele será querido e amado, o momento que vier. Hoje. Amanhã. Em um ano. – falei com certa ansiedade.

Para minha decepção,  Felicity permaneceu estranhamente calada e desviou o olhar de mim, mordendo nervosamente o lábio inferior. Antecipando-me de que algo estava fora do lugar.

— Precisa pensar em outro sonho. - Ela disse finalmente.

— Não sonha em ter filhos comigo? – meu coração falhou uma batida, esperando por uma resposta antes de decidir voltar a bater ou parar de vez. A mão de Felicity alcançou a minha que ainda estava em seu rosto, arrastando-a para outro lugar.

— Esse sonho já é real, amor. – ela pousou suavemente nossas mãos juntas sobre sua barriga. E me olhou.

— Então vamos vivê-lo.


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Notas finais do capítulo

Então galerinha... Eu tentei deixar tudo o mais claro possível, mas muito dessa fanfic foi feito para ficar subentendido. Explicar ou esmiuçar demais os acontecimentos, acabaria fazendo com que ela perdesse parte do seu encanto.

Se ficou alguma dúvida, eu sugiro que volte e leia o título desse capítulo. Que diga-se de passagem, serve de explicação para os acontecimentos.

Nem tudo precisa ser entendido, porém tudo precisa ser sentido.

Espero que tenham gostado.

Até a próxima!



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