Promise escrita por dracromalfoy


Capítulo 1
Capítulo Único.




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I.

Albus Potter tinha tantos problemas ocupando sua mente naquele momento que ele mal conseguia pensar direito. Não conseguia pensar em como ele precisava levantar-se da cama para começar a estudar para sua prova final de Jornalismo Audiovisual. Afinal, quem se importava com aquilo? Exceto seu pai que era extremamente exigente com suas notas, ninguém mais no universo se importava realmente com aquela matéria ou aquela maldita prova.

Não conseguia se mexer, seu corpo estava paralisado na cama macia do dormitório. Toda a Universidade tinha saído para as férias, alguns alunos ainda estavam transitando pelo campus, mas logo também iriam sair. Albus ainda ficaria ali por mais alguns dias, tinha levado bomba em duas matérias. Por sorte, recuperara sua nota em Libras depois de fazer um trabalho voluntário de setenta horas semanais. Ainda faltava o maldito Audiovisual, mas nem aquilo importava mais.

Albus não queria voltar para casa. Não queria colocar os pés na pequena cidade de Hogsmeade nunca mais, porém, a cada segundo que passava daquela quinta-feira, ele sentia que o momento de arrumar suas coisas e esperar pelo carro luxuoso dos Potter parar na frente do campus se aproximava. Ele não queria. Pensar em casa lembrava-o de muitas coisas, de muitas lembranças. Lembra-o de Lily, lembrava-o de uma infância feliz que não o pertencia mais. Lembrava-o de quem ele costumava ser. Ele não era mais aquela pessoa. Jamais seria novamente.

O garoto não tinha ninguém. Morava sozinho. Terceira porta à direita, quarto andar. Todos os dias, levantava pela manhã e tomava um banho quente, a água quase queimava a sua pele, que ficava vermelha logo depois do banho. Ele vestia uma calça jeans rasgada que já era comum para ele – não gostava daquela calça, do estilo dela, nem da forma como ela ficava folgada no seu corpo magricela, porém, fora a única que ele trouxera para a faculdade. Comprar outra significava sair do campus.

Para o café, ele comia barrinha de cereal, sabor chocolate suíço. Comprara, no início do semestre, caixas enormes cheias delas, para que durasse durante todo o período. Ia para a aula depois das oito, voltava para o dormitório por volta das quatro da tarde, pois passava da biblioteca depois da aula de Linguagem para poder escrever seus artigos semanais. Obrigações.

Voltava para o dormitório e ficava na cama, ouvindo algum álbum no celular e pensando. Os pensamentos eram de matar. Por dentro. Por fora. Eram de morrer.

Não jantava. Não como costumava fazer antes de ir para a faculdade. Antigamente, todo jantar era um banquete na casa dos Potter. Já agora, ele mal comia torradas que roubava no refeitório.

Ia dormir tarde todas as noites, passava a maior parte da noite lendo ou apenas continuava ouvindo música. Conhecera mais álbuns durante um semestre na faculdade do na sua vida toda. Gostava de música, de interpretar a letra e o significado por trás de cada história. Às vezes, pensava se eram realmente histórias reais, sentimentos reais. Aquilo tudo que a letra dizia, realmente acontecera? Albus jamais saberia, mas gostava de pensar que sim. Gostava de pensar que alguém compartilhava daquele sentimento que ele tanto se identificava.

Albus se levantou, espreguiçando-se com dificuldade. Sentou-se na cama e puxou o notebook para assistir um vídeo aula para a prova que faria na sexta. No final de semana, iria pra casa. Tinha que pelo menos tentar.

 

II.

Era sexta-feira, passara na prova de Audiovisual com nota seis. Era satisfatório para ele, significava que passara para o semestre seguinte. Provavelmente seu pai não iria gostar de saber que ele tirara uma nota que era apenas na média, mas aquilo não importava. Seu pai não iria gostar, mas não iria ficar tão bravo, Harry não era bravo, era apenas um pouco exigente.

Durante a manhã, dormiu. Apenas isso. Acordou duas horas da tarde sentindo sua barriga doer, precisava comer alguma coisa, por isso decidiu ir até o refeitório e ver o que tinha por lá. Apanhou sua identidade e sua carteira e sair do alojamento. Para seu azar, todo o refeitório estava vazio e não tinha nada para comer, nem mesmo sobras do dia anterior. Estressado com a sua situação, pegou um ônibus que transitava de frente para o campus e foi para a cafeteria que ficava alguns quarteirões dali. Gostava de ir lá, mas raramente criava coragem de sair do campus para ir a qualquer lugar. Fora ter que usar seu pouco dinheiro para comprar comida. Albus podia ligar para sua mãe para pedir dinheiro, mas isso significava conversar. Ele não queria lidar com sua mãe naquele momento, ou com ninguém. Exatamente por isso, ele ainda pensava como poderia ir para casa naquele final de semana e, ainda mais, passar as férias.

— Café preto, por favor, e dois muffins de banana. – Pediu, entregando duas notas de dez para o caixa, que anotou seu pedido e começou a prepará-lo.

Albus foi até a mesa perto da janela e sentou-se com seu fone de ouvido, guardando a carteira no bolso de trás da calça jeans.

Pensou, por um instante, se dois muffins seriam suficientes para que ele ficasse satisfeito durante toda à tarde. E à noite. Provavelmente sentiria fome muito antes disso, mas tentou parar de pensar naquilo pelo menos um pouco. Decidiria o que faria depois.

Talvez comprasse alguns muffins para comprar mais tarde, ou fizesse vitamina com o restante das frutas que ficara no frigobar da sala de recriação, caso ninguém tivesse comido. Albus torcia para que ainda houvesse alguma comida naquele lugar. Apesar de que frutas eram insuficientes para ele.

Comeu os muffins e tomou todo o café em questão de segundos, estava faminto. Não sabia que sentira tanta falta de comer algo real e calórico até finalmente fazê-lo.

Continuou ali por mais alguns minutos, encarando as pessoas que passavam na calçada da cafeteria, apenas para refletir, não as enxergava de verdade, apenas pensava. Era difícil pensar com coerência quando ainda não conseguira resolver o problema do final de semana. Talvez dissesse aos seus pais que precisaria fazer mais aulas durante aquela semana, para recompensar as faltas (mesmo que não tivesse faltado nenhum dia desde o começo do semestre, mas isso eles não precisariam saber).

Voltou para o alojamento quando já era quase três da tarde. Enquanto esperava o elevador, fez uma nota mental do que deveria fazer assim que chegasse ao quarto. Iria fazer uma mala pequena com suas poucas roupas boas (não queria que Ginny ralhasse com ele pelas roupas gastas), guardaria seus livros dentro do guarda-roupa, já que estavam todos espalhados em cima da outra cama que estava desocupada (Albus tivera um colega de quarto por apenas os seis primeiros meses do primeiro ano da faculdade) e, por fim, dormiria. Ou então assistiria alguma coisa na sala de televisão, do outro lado do alojamento. Ainda teria de decidir quanto a isso.

Foi para destrancar a porta, mas estava já estava aberta. Ficou aflito por alguns segundos, pensando quem poderia estar ali, não tinha ninguém no campus naquela semana.

Pelo menos, gostaria que não tivesse. Seu corpo congelou por completo, ele sabia que parecia um anormal parado de frente para a porta com a cara de quem acabara de ver um fantasma.

Bem, era quase isso.

Era Scorpius Malfoy.

III.

Malfoy estava mais alto, alguns centímetros, notou Albus. Parecia mais encorpado, não tão magricela quanto costumava ser, parecia mais saudável que dois Albus juntos. Usava uma calça jeans apertada, mas não tanto e um moletom com “break the sistem” bordado.

O loiro o encarou pela primeira vez. Primeira vez em meses. Seus olhos de uma cor que Albus sempre julgara serem cinza, seus cabelos loiros – quase brancos – caíam sobre a testa, desgrenhados.

— Albus. – Ele disse. O nome parecia estranho na sua voz, já fora familiar, anteriormente, mas agora parecia apenas um murmúrio estranho. – Pensei que já tivesse ido.

— Para onde eu iria? – perguntou Albus, sem emoção nenhuma na voz.

Ele entrou e fechou a porta com um dos pés, fazendo a madeira bater com força e fazer um barulho alto. Nada que ele não estivesse acostumado. Colocou seus pertences em cima de uma das escrivaninhas e foi em direção ao banheiro, lavar as mãos.

Fingia estar bem com a presença de Scorpius, mas seu coração palpitava. Sentia que poderia vomitar a qualquer momento, lavava as mãos porque as mesmas suavam muito, e tremiam.

— Para casa. – Scorpius respondeu, sentando-se na cama de Albus. Ele queria fazer o garoto se levantar dali, mas nada disse. – Pensei que já tivesse ido para casa.

— Eu moro aqui. – Albus preferiu, sem nem olhar para o rosto do outro. – É minha casa.

— É um campus, Albus. É um lugar temporário, não é sua casa. – Scorpius falava baixo, sua voz era quase um sussurro, quase inaudível. Nos segundos que Albus ousou encarar o garoto, o loiro olhava em volta, provavelmente reparando na bagunça. Ele não se preocupava em arrumar o quarto, a bagunça não o incomodava, mas naquele momento, sentiu-se desconfortável. – Como você vive nessa zona, Albus?

— Você não pode vir até minha casa e me dizer como viver nela. – Ralhou Albus, irritado com a intromissão do outro garoto. O que ele fazia ali, afinal?

— Não é a sua casa! – Scorpius gritou, levantando-se. Albus sentiu-se encolher-se diante daquilo, mas torceu para que ele não tivesse percebido. – Era para ser meu quarto também, Albus.

— Isso foi antes de você desaparecer.

— Foi antes de você surtar. – Rebateu, voltando a sentar-se sobre a cama de Albus. – Antes de você decidir que não me queria mais.

Albus ficou em silêncio, queria sair dali imediatamente. Antes, queria apenas ficar dentro do quarto e esquecer-se da sua casa, mas, naquele momento, tudo mudou. Queria sair do quarto, do alojamento, do campus. Queria sair de Nova York e ficar o mais longe possível de Scorpius. Não queria sentir.

— Te mandei mensagens durante o semestre todo, Albus. Tentei falar com você, tentei te ligar. Você desapareceu, não eu.

Ele tinha razão daquilo, embora Albus jamais fosse dizer aquilo em voz alta. Ele havia desaparecido, mas não fora por mal, não fora por pirraça. Apenas sentiu que deveria fazê-lo, apenas sentiu que precisava. Estava machucado, estava quebrado, não queria fazer o mesmo com Scorpius, não queria machucá-lo, quebrá-lo. Queria que ele continuasse inteiro, que ele continuasse tão incrível como sempre fora. Queria que Scorpius continuasse sendo Scorpius. Porém, olhando-o ali, sentado na cama desarrumada de Albus, com os cabelos bagunçados, ele não parecia o mesmo de meses antes. Era um completo desconhecido.

— Eu senti sua falta. – Confessou Malfoy, sem olhá-lo. Ele encarava as próprias mãos, sua voz era rouca e carregada de amargura. Albus sabia, sempre soube que o garoto sentira sua falta. – Eu tive medo que tivesse te perdido. – Ficou em silêncio. Albus não sabia o que responder, não sabia como dizer “você me perdeu. Não sou mais o mesmo”. Não queria dizer, mas era verdade. – Tenho medo que tenha te perdido.

Albus sentiu que deveria dizer alguma coisa, que deveria pedir desculpas ou se explicar, mas não o fez. Apenas começou a guardar toda a roupa da cama ao lado da sua. Scorpius foi em direção ao banheiro e, quando saiu, Albus já estava deitado com seu fone de ouvido.

Ele mandou uma mensagem para o pai avisando que não iria naquele final de semana, que precisava resolver mais algumas coisas na faculdade e, depois, adormeceu antes de ter uma resposta.

IV.

Não foi discutido sobre ficar ou não ficar. Não conversaram sobre o que seria feito em seguida, Scorpius não disse se iria embora ao outro dia ou no outro mês. Não disse nada, apenas se acomodou na cama ao lado e ali dormiu.

Albus levantou mais cedo do que o costume, queria tomar café antes que Scorpius acordasse, mas, aparentemente, o garoto já estava de pé há muito mais tempo. O loiro estava sentado na escrivaninha de frente para a cama, escrevendo alguma coisa num caderno de couro e de folhas amarelas. O mesmo caderno de sempre. Sobre a cama, havia um pote com ovos mexidos e bacon frito, Albus soube pelo cheiro que invadia o quarto.

— Te trouxe café da manhã. – Explicou Scorpius, sem parar o que estava fazendo.

Albus levantou-se da cama e sentou-se na outra, abrindo o pote. Sentia falta de comer ovos com bacon pela manhã, confessava para si mesmo que já estava cansado das mesmas barrinhas de cereais de sempre. Comeu em silêncio enquanto ouvia o farfalhar da caneta contra o papel. Scorpius estava atento ao que escrevia, não se falaram por nenhum momento, nem mesmo se olharam.

 O sábado passou tão lentamente que Albus sentia que tinham parado no tempo. O silêncio nunca fora tão terrível. Enquanto ele fingia ler um pdf da faculdade, Scorpius ficou o dia todo deitado na cama, de costas para Albus.

Ele não entendia. Scorpius voltara para o alojamento apenas para torturá-lo? Apenas para nem mesmo olhá-lo nos olhos? Qual era o sentido daquilo tudo?

Por tanto tempo, Scorpius fora o companheiro de Albus. Companheiro de classe no ensino médio, companheiro de festas, de estudos. Foram tudo um pro outro. Agora, pareciam desconhecidos. Como se tivessem acabado de se conhecer no dormitório que compartilhariam – e talvez nem isso.

— Me conte sobre seu curso. – Pediu Scorpius, sentado no chão entre as duas camas. Ele vestia um pijama preto que Albus sempre julgara ser ridículo.

Albus deu de ombros.

— É mais do mesmo.

Scorpius chacoalhou a cabeça, concordando. Ficaram nisso, sem dizer mais nada.

Albus se sentiu estranho, sempre conversaram sobre tudo, sobre qualquer assunto, qualquer coisa mesmo. E, de repente, não tinham mais nada para falar, mais nada para compartilhar. Albus queria que Scorpius fosse embora, que voltasse para o lugar de onde tinha vindo. De repente, ele queria poder ir pra casa.

V.

Albus não conseguiu dormir de forma alguma naquela noite. Estava frio, mas ele ainda suava. Ficava pensando em coisas que ele não podia mudar, olhava para Scorpius, deitado na cama ao lado, e sentia-se horrível. Ficar olhando o garoto dormir era quase assustador, mas ele não conseguia evitar. Sentia raiva. Tudo estava nos eixos antes dele aparecer, antes dele vir com aquele tipo de conversa perigosa que começava com “senti sua falta”.

Scorpius lembrava Albus de seu passado, de quem ele era antes, do que ele tinha antes. Ele sentiu falta do garoto durante tanto tempo, chegou a doer, chegou a corroê-lo por dentro. Naquele momento, ele não sentia nada. Nem saudade, nem amor, apenas nada.

VI.

— O que vamos comer hoje? – perguntou Scorpius, levantando da cama. Dormiram até quase depois do meio dia, o pouco tempo que Albus conseguiu dormir foi suficiente para que tivesse pesadelos. – Tem cozinha aqui?

— Quinto andar. – Albus respondeu, vestindo uma camiseta branca que estava larga no seu corpo, costumava ser justa, meses antes.

— Podemos ir ao mercado. – Scorpius sugeriu, encarando, talvez pela primeira vez, Albus. – Deve ter algum aqui perto. Compramos algumas coisas e podemos cozinhar, como antigamente.

Albus olhou o loiro e pensou em dizer “nada é como antigamente”, mas não quis soar mais amargurado do que já parecera. Apenas deu de ombros, mas sentiu-se incomodado logo em seguida. Ele não tinha dinheiro, estava totalmente duro. Tinha alguns dólares que haviam sobrado, mas era pouco, apenas o suficiente para o ônibus e talvez um café durante a semana.

— Tenho barrinha de cereal. – Ele disse, sentindo-se patético.

Scorpius riu.

— Prefiro comida de verdade. – Olhando para Albus, que nem mesmo sorrira, ele voltou a ficar sério. – Você está muito magro, Albus. Precisa comer.

— Eu como.

— Não, não come. – Scorpius aproximou-se mais de Albus, que deu um passo para trás. Tinha medo da proximidade, tinha medo de encarar Scorpius muito de perto, de olhar no cinza dos seus olhos. – Você tem caixas de barrinhas, ontem comeu o que eu trouxe pra você e depois não comeu mais nada o dia inteiro. Não tinha mais nada para comer aqui, Al.

Albus tremeu. Al. Lembrava-se de quantas vezes já fora chamado assim, apenas por Scorpius. Ninguém além dele. Automaticamente, sentiu-se culpado. Ele provavelmente também ficara sem comer o dia todo, porque, além de tudo, Albus ainda era um irresponsável.

— Você deveria sair pra comer, então. Eu estou bem. Tenho muita coisa pra fazer hoje.

— Não, você não tem. – Scorpius tocou levemente o braço de Albus, no intuito de puxá-lo quando o mesmo fez menção de dar as costas a ele. Albus puxou o braço com tudo, com quase agressividade. Ele olhava Scorpius como se tocá-lo fosse uma violação. – Albus, o que está acontecendo? – Ele não ousou responder, apenas afastou-se mais de Scorpius, sentindo sua respiração pesada e seu peito doer. Sentia-se em pânico. Um toque. — Não posso tocar você? Escute, vamos ao mercado, tudo bem? Vamos sair um pouco, comprar legumes, carne, podemos fazer aquele assado que você adora. Tem forno elétrico na cozinha daqui?

— Não tenho dinheiro! – Albus gritou. Suas mãos tremiam, seu corpo todo tremia. De raiva, de vergonha. – Você deveria ir embora.

— Seus pais não estão te mandando dinheiro? – Novamente, Albus não respondeu. Passava a mão nos fios cor de terra e suspirava. Queria que aquela conversa acabasse. – Albus, fale comigo. Sobre isso, sobre qualquer coisa. Apenas fale comigo.

— Eu não sei o que você espera que eu diga.

VI.

Scorpius convenceu Albus a acompanhá-lo até um minimercado que havia há algumas quadras dali. Foram andando, em pleno silêncio. Albus sentia-se terrível por ter agido daquela forma com o garoto, mas tudo fora de repente, ele não planejara que as coisas fossem sair do seu controle. Não esperava perder o controle.

Compraram muita coisa. Scorpius decidiu que fariam torta de maçã. Não era a coisa mais saudável do mundo e nem uma boa pedida para o almoço, mas lembrava dos velhos tempos. Pelo menos, Albus deduziu que essa fora o motivo da escolha. Astoria – mãe de Scorpius – sempre fazia aquela receita aos domingos, Albus costumava amar chegar à casa dos Malfoy para comer a torta. E Scorpius sabia fazê-la tão bem quanto a própria mãe.

Lembrar o passado não era uma boa opção, dava a Albus a impressão de mentira, de enganação. Como se enganassem a si mesmos. Não era possível que as coisas voltassem como era antes.

Subiram até o quinto andar com as sacolas e, como previsto, não havia ninguém na cozinha. Era um cômodo grande e havia várias bancadas, para várias pessoas poderem usar, mesmo que, durante o ano letivo, as coisas ficassem realmente desorganizadas devido ao excesso de pessoas.

Colocaram tudo sobre uma das bancadas do canto da cozinha. A bancada era relativamente grande, contendo uma pia e fogão embutido. Embaixo, havia o forno elétrico e um refrigerador pequeno, apenas para guardar potes pequenos. Scorpius começou com a massa, mexendo a farinha de trigo com precisão, enquanto Albus cortava as maçãs e as colocava para cozinhar no vapor.

— Podemos conversar? Enquanto cozinhamos?

— Acredito que sim. – Respondeu Albus, dando de ombros. Não sabia sobre o que falariam, sobre o que conversariam. Albus não sabia, na verdade, quem eram um pro outro. Eram amigos? Colegas?

— Não sei bem o que falar. – Scorpius riu, desconfortável. – Vai me dizer o que está acontecendo com você, Al?

— Não me chame assim... – Albus suspirou, voltando a descascar maçãs. – É... estranho.

— Por que? Sempre te chamei assim. – Quando Albus não respondeu, Scorpius deixou de olhá-lo e voltou sua atenção para o que fazia. Albus pôde perceber que ele estava chateado, estava magoado. – Eu sinto muito por tudo que aconteceu a você, por tudo que você e sua família passaram no ano passado. Eu queria poder ajudar, queria que você não tivesse me afastado da forma como fez. Eu... Pode parecer egoísta, talvez seja, mas eu queria estar ao seu lado, Albus. Queria que tivéssemos pelo menos a chance de tentar. Queria poder te ajudar a se curar.

Albus mordeu o lábio inferior, estava tentando não desabar. Não chorara nenhuma vez sozinho do quarto, pensando em tudo que acontecera. Não se deu ao luxo de sentir-se à vontade para chorar contra o travesseiro. A presença de Scorpius mexia com Albus. De muitas formas.

— Isso passou, Scorpius. Passou. – Encostou-se na bancada, esperando o garoto montar a maça para poderem fazer o creme do recheio. – Por que veio pra cá? Como saberia que eu estaria aqui?

— Eu imaginei que sim. Eu queria ligar para seu pai ou para sua mãe, para perguntar sobre você, mas não tive coragem. Então resolvi arriscar. – Houve uma pausa. Uma pausa infinita, tão longa. Fale mais, pensava Albus. Queria ouvir mais da voz de Scorpius. – Eu senti sua falta.

Albus não surtou dessa vez, nem se sentiu incomodado. Seu corpo relaxou, ele sentira falta de Scorpius durante tanto tempo, pensou que, por agora, isso já tinha passado. Porém, acabara de descobrir que não. Sentira falta de Scorpius, todos os dias. Todos os dias.

Scorpius largara a massa de lado, estavam de frente um pro outro, Albus permanecia de cabeça baixa, sem falar nada, sem encará-lo, mas sentia o olhar o loiro sobre si. Sentia-o esperando pela resposta, por qualquer coisa.

— Devíamos colocar canela na calda. – Disse, desviando o assunto.

— Vou embora no sábado. – Avisou Scorpius, sem olhar para Albus. Ele ainda escrevia no caderno de couro.

Era terça-feira, os dois quase não se falaram depois do ocorrido na cozinha. Conversaram apenas o necessário, o indispensável. Naquela situação, não havia situação nenhuma, na verdade. Eram dois desconhecidos dentro de um mesmo quarto tentando se conhecer.

Scorpius estava exausto daquilo, exausto de não poder falar tudo que sentia, se não poder ajudar Albus, que estava quebrado, sem condições de continuar. Ele sentia medo por Albus, medo de que ele nunca se recuperasse, de que ele nunca voltasse a ser a pessoa que era antes. O medo o corroia, ele queria poder ajudar, mas nada podia fazer sem a colaboração do outro.

Durante a noite, o silêncio ainda era constante, não trocaram mais nenhuma palavra. Comeram em silêncio algo que Scorpius comprara numa venda ali perto. Pastéis e alguns chocolates sortidos.

O refeitório estava sendo reformado, Albus descobrira mais tarde. Todos os alunos tinham ido para casa para as férias, exceto Albus. Seu pai ficara furioso, de início, apenas quando soube que Scorpius estava com ele, se acalmou. Porém, deu, também, um ultimato. Ele teria de voltar para casa assim que Malfoy fosse embora.

Albus conseguia ouvir Scorpius remexendo-se na cama o tempo todo, provavelmente sem conseguir dormir. Era incômodo demais, ainda mais quando pensava o que se passava na sua mente, o porquê de toda aquela agitação. Albus sentia-se responsável pela sua preocupação.

— Albus? – Scorpius chamou baixinho. Sua voz estava diferente, tão baixa e trêmula. Albus sentou-se na cama, encostando-se na cabeceira e encarando Scorpius no escuro. – Você... Você me ama?

Albus sentiu-se engasgar. Não esperava por aquela pergunta, não esperava por aquela conversa, não depois do que ocorrera, não depois de ser um grande idiota com Scorpius durante todos aqueles dias. Não sabia como ele ainda estava no alojamento, como ainda não tinha pegado suas coisas e abandonado Albus e todo o seu drama, toda sua dor.

— Eu... Eu... – Albus não conhecia dizer nada que não fosse aquilo, não conseguia nem mesmo olhar para Scorpius, mesmo no escuro. Depois de tudo, amor parecia algo tão forte, forte o suficiente para destruir, para quebrar.

O garoto levantou-se e foi em direção a Albus, ficando de frente para ele. No escuro, ele era como um anjo. Sua face era pálida, tão pálida quanto era possível imaginar. Sua boca estava vermelha, era o que mais se destacava no seu rosto, era o que Albus sempre gostara mais em Scorpius. Sua boca. Seu cabelo estava uma total bagunça, mas ainda era tão lindo.

— Porque eu ainda o amo. – Confessou, olhando no fundo dos olhos de Albus. Aquele era o olhar que faltara desde o início, desde o primeiro dia. – Nunca deixei de amar você, eu não tive tempo de tentar. – Scorpius fez menção de tocar o rosto de Albus, com cautela, provavelmente tinha medo de ser repreendido novamente, mas isso não aconteceu. Albus, por algum motivo, cedeu, fechando os olhos e sentindo a palma da mão de Scorpius tocar a sua bochecha que estava quente. – Não posso deixar que me afaste de novo.

Albus abriu os olhos novamente. Scorpius não pode deixar de notar o quão intenso era seu olhar, seus olhos verdes que se destacavam mesmo no escuro, mesmo com a meia luz que vinha da janela entreaberta. Era apaixonado pelo garoto, seu coração pertencia a ele.

Albus não pensava com clareza, não quando tinha Scorpius tão perto de si, olhando-o como se suplicasse me deixe ficar aqui. Ele levantou uma das mãos e segurou o rosto do garoto assim como ele segurava o seu. Em um segundo, suas bocas estavam coladas.

Não era um beijo comum, era um beijo de quem tinha saudade. Não se tratava de desejo – não inicialmente –, mas sim do sentimento que os dois reprimiam, o sentimento que impedira que ficassem juntos durante esse tempo todo. Medo.

Albus tinha medo, tinha pavor, não sabia do que, apenas tinha. Tinha tanta dor dentro dele, tanta coisa que não conseguia se livrar. Tudo aquilo fizera com que se afastasse de Scorpius, que sempre fora sua âncora.

Albus puxou Scorpius pelo braço, colocando-o em cima de si. Queria-o perto, o mais perto possível. Queria fundir-se a ele, torná-lo parte de si. Não queria que fosse embora nunca mais.

Scorpius queria mais de Albus, queria ter certeza de que o tinha ali, por isso beijou todo o seu rosto. Beijou sua bochecha, a ponta do seu nariz, sua testa, seu maxilar e suas pálpebras. Depois, afastou-se, olhando para seu rosto por completo. Lindo, pensou. Era maravilhoso, era seu Albus, o garoto que sempre amara.

Albus abriu os olhos, o verde do seu olhar cegando a pouca sanidade de Scorpius. Eram um do outro, pertenciam entre si.

— Eu nunca quis te deixar – sussurrou Albus, entre uma respiração falha e outra. – Eu nunca quis te deixar, Scorp.

— Me conte o que aconteceu, Albus. – Pediu ele, acariciando sua face. A sua voz era suave, baixa e carregada de afeto. Amava Albus, queria vê-lo bem. – Fale comigo sobre isso.

No mesmo momento, Albus chorou. As lágrimas caíam pelo seu rosto e ele não era capaz de nem mesmo tentar contê-las. Seu peito doía, sua garganta parecia estar fechada. Não queria chorar, mas precisava. Não queria contar a Scorpius, não queria contaminá-lo com a sua tristeza, mas precisava fazê-lo.

— Lily se foi. – Albus soluçou, abraçando Scorpius. Seu abraço era quente, era reconfortante. Era a primeira vez que falava aquilo em voz alta. Dez meses haviam se passado e aquela era a primeira vez. – Ela se foi para sempre, Scorp. Ela... Lily se foi.

Scorpius sabia daquilo, mas sabia, também, que Albus precisava falar. Precisava confessar a si mesmo.

Todos sabiam do que acontecera com a filha caçula de Harry e Ginny Potter. Lily Luna era doce, adorável. Ela tinha dezesseis anos quando tirou sua própria vida. Uma tragédia para toda a cidade, para todos que a conheciam. E Albus fora quem mais sofrera, era apaixonado pela irmã e, é claro, parecia impossível superar tudo aquilo. Era de cortar o coração de Scorpius saber que ele passara todos aqueles meses sozinhos, tentando superar a morte da pessoa que mais amara na vida.

Albus Potter fora para a faculdade meses depois de tudo que acontecera e, desde então, não voltara mais para casa. Não pisara mais em Hogsmeade e, sinceramente, não sabia se algum dia se sentiria pronto para voltar lá, mesmo sabendo que teria que fazê-lo, cedo ou tarde.

— Eu sinto tanto, Albus. – Disse Scorpius, beijando-o novamente. No rosto, no queixo, na testa. Em todo lugar. Enxugando suas lágrimas. – Queria poder tirar toda a dor que você sente, eu sinto muito mesmo. Por tudo.

A última vez que se falaram, fora uma semana depois do ocorrido. Albus se afastou depois disso, não queria ver Scorpius, nem ninguém. Não queria olhar para seu pai, sua mãe, seu irmão mais velho. Queria que tudo desaparecesse. Às vezes, Albus pensava que a solidão o havia curado. Pensava que, depois de ficar tanto tempo sozinho, sem falar com ninguém, apenas lendo textos para suas aulas e dizendo frases curtas para pedir seu almoço ou seu café, ele havia se curado. A solidão fizera com que ele esquecesse que havia pessoas para se importar. Ele achara. Porém, tudo parecia mais vazio. Ele era vazio, apenas um monte de carne e osso vagando pelo campus, pensando em quando iria poder se perdoar. Se perdoar por não ter sido um irmão melhor, por não ter notado que Lily precisava dele, precisava de alguém. Precisava de mais.

Albus se odiou por tantos meses, odiou sua vida, estar vivo, odiou-se por não ser corajoso o suficiente, por não ter a coragem de livrar-se do fardo de viver.

Agora, ele percebia que precisava seguir em frente e, mais ainda, precisava de ajuda para seguir em frente. Ele precisava de ajuda para que não fizesse, por exemplo, James Sirius passar pelo que ele passara, para que seu irmão não passasse por aquilo de novo. Para que seus pais não passassem, para que Scorpius não passasse por aquilo.

Ele precisava querer viver.

VII.

— Eu vou te ver na próxima semana. – Disse Scorpius, olhando-o preocupado. – Você vai ficar bem?

— Vou. – Albus respondeu, suspirando. Estavam na saída do campus, um táxi esperava por Scorpius.

— Você tem certeza? Eu posso ficar mais, se quiser. Se achar necessário. Eu não me importo, Al.

— Você precisa ir. Seu pai deve estar tendo um ataque dos nervos. Vou para Hogsmeade amanhã cedo.

Albus não se sentia pronto para ficar sozinho de novo. Depois de dias ao lado de Scorpius, ele não queria ficar sozinho. Porém, precisava. Tudo era questão de aprender a separar o querer do precisar. Ele precisava ficar sozinho, estabelecer-se mentalmente, Precisava se perdoar. Vá em frente, pensou. Lily iria querer aquilo.

— Meu pai pode esperar um pouco mais. Posso ir para Hogsmeade com você. Isso é ridículo, meus pais moram em Hogsmeade.

Os pais de Scorpius estavam passando as férias na Austrália, onde ele deveria estar, se não tivesse feito de tudo para ir atrás de Albus, logo que as aulas terminaram.

— Eu vou ficar bem. Vamos nos ver no fim das férias, quando você for para Hogsmeade.

— E depois vamos nos separar de novo, quando você vier para Nova York e eu for para Edimburgo. Quero ter certeza que vai ficar bem, Al.

— Eu vou ficar bem. Eu estou tentando, e vou conseguir. – Albus suspirou, abraçando Scorpius. Precisava tentar. — Nos vemos em Hogsmeade. Não vou mais fugir.

— Me prometa. – Pediu Scorpius, abraçando-o mais forte.

— Não. – Respondeu. – Vou prometer assim que nos vermos novamente.

Scorpius o encarou, sério.

— É sério. — Continuou Albus. – Até lá, tenho uma dívida com você. Vamos nos ver de novo e eu vou estar bem. Vou ficar bem.

Despediram-se em seguida, com lágrimas nos olhos. Albus voltou para o dormitório, onde comeu outra barrinha e depois outra e depois outra.

Não parou de comer enquanto não viu o fim da caixa, deitou-se na cama onde Scorpius dormira, tomara banho, deitara-se na cama onde o garoto dormira. Albus sentia-se pronto para tentar, mas incapaz de mover-se, incapaz de chegar lá.

Albus estava sozinho, não queria estar sozinho, não queria continuar sem Lily, sem sua irmãzinha. Não queria viver sem ela, não mais.

Mas ele precisava tentar, por Scorpius, pela dívida que tinha com ele.

— Prometo. – Sussurrou, segurando o choro.


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