Limits escrita por Lillac


Capítulo 3
. três


Notas iniciais do capítulo

FINALMENTE
Eu estava com saudade de escrever essa história. Com sorte, vou conseguir atualizar mais periodicamente. E, claro, peço desculpas pela demora absurda.
Nesse capítulo tem bastante informação sobre os personagens, coisas que virão a ser importantes depois.
Espero que gostem!



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— Droga, Jason... — Annabeth resmungou, pelo que pareceu a milésima vez — responde a droga do telefone...

Ela estava sentada no sofá gasto de almofadas desconfortáveis do apartamento dos Grace, a mesinha de café decrépita preenchida por uma imensidão de folhas rabiscadas, e guardanapos que ela havia usado para limpar o café derramado. O notebook antigo (e quase inútil, mas ela não arriscaria dizer isso para eles) jazia aberto, mas ela não conseguia mais encarar sua tela. As mãos estavam envoltas no celular, e a ansiedade fazia com que não conseguisse parar de mover as pernas.

Desde que se encontrara com Perseu Jackson e seu amigo misterioso nas proximidades do escapamento de água, ela não havia conseguido parar de pensar naquilo. Na verdade, ele e seus olhos agressivos sempre houveram sido uma agulha insistente no fundo de seus pensamentos, cutucando-a de tempos em tempos, como se ela estivesse deixando algo passar, perdendo algum detalhe importante que poderia fazer seu quebra-cabeças inteiros perder o sentido. Sempre soube que havia alguma coisa no sumiço repentino dele, mas...

O celular vibrou em sua mão. Mais rápido do que achava possível, ela o desbloqueou, apenas para encontrar uma mensagem do primo.

Mango

Ei, só para avisar que as contas do mês chegaram. O que você quer que eu faça?

Ela comprimiu os lábios, tensa. Havia partido de Nova Iorque tão rapidamente, no meio da noite, que mal tivera tempo de explicar aos colegas de apartamento o que estava acontecendo. Tudo precisara ser explanado através de uma longuíssima mensagem de texto que provavelmente fizera o mais novo dos Chase grunhir. Ela vacilou o olhar do celular para a mesinha de centro, e ponderou.

Foi mal, eu não acho que vou poder voltar tão cedo.

Ainda tenho muito para resolver aqui.

A resposta veio quase imediatamente:

Mango  

De boa. Mas e aí?

Ela respondeu que transferiria o dinheiro para a conta dele. Magnus não respondeu de pronto, então ela demorou-se na frase que se formava em sua cabeça. Por um lado, tudo o que ela queria era certificar-se de que Thalia estava bem e então voltar para casa (e para a faculdade). E, ainda assim....

Diz para a Sam que não precisa mais anotar as aulas pra mim.

Eu provavelmente não vou voltar nesse semestre.

Ela conseguia ver que o primo estava online, mas ele não respondeu. Annabeth quase conseguia pintar a exata expressão dele em sua cabeça. Magnus provavelmente estava segurando o celular com uma mão, sobrancelhas tão franzidas que o deixavam com aquela aparência assustadora, que só um garoto que já havia visto o pior que a vida nas ruas pode fazer com alguém, era capaz de conseguir.

Mango

Ok. Mas qualquer coisa me avisa.

É sério, Annabeth.

Ela bloqueou o celular e o jogou de volta no estofado, correndo as mãos pelos cabelos. Magnus não era um garoto emocional, ao menos não externamente. Mas ele se preocupava tanto com ela, que Annabeth sentia-se horrível só de fazê-lo apreensivo. Magnus sempre a protegia com aquela mesma fúria contida de Thalia, guardando o pequeno beco úmido no qual eles haviam conseguido abrigo, como uma loba protetora. Ela detestava deixar qualquer deles assim.

Mas agora ela sabia quem era Perseu Jackson. E também sabia o que o nome dele carregava.

E embora seguir com aquilo fosse quase o equivalente de colocar o próprio pescoço na guilhotina, ela sabia que era o único jeito de tirar Thalia daquele hospital. Suspirou, pensando, afetuosamente, em casa – casa, com Magnus e seus insuportáveis salgadinhos de queijo sendo mastigados tão altos que ela mal podia escutar a televisão, e em Sam, voltando do treino da aeronáutica com uma mochila impossivelmente pesada, o hijab por cima do cabelo certamente bagunçado, e um olhar de desconsolo quando notava que nem Magnus nem Annabeth haviam feito o jantar.

A única coisa que ela não queria era envolver Magnus naquilo. Mas uma sensação estridente em seu peito lhe dizia que mais cedo ou mais tarde ela veria o cabelo loiro do primo tingido de sangue novamente.

E então inclinou-se, deslizou a seta até a imagem e clicou. O artigo de jornal era de quase quatro anos atrás, mas o rosto de Jackson era inconfundível. Ele estava olhando para câmera por baixo dos cílios grossos, um rosto emburrando muito mais jovial e uma grande, muito grande, vermelhidão no lado direito da face, acompanhada de um corte feio na boca.

Jovem investigado de agredir o padrasto e assaltar posto de gasolina é preso em Brooklyn, sexta-feira. Os responsáveis ainda não se pronunciaram.

Annabeth sentia o estômago revirar-se com a manchete. Ela sabia muito bem de todos os rumores quanto à Percy, seu padrasto bêbado agressivo e sua pobre mãe. Sabia perfeitamente que aquela notícia não batia em nada com o garoto que havia conhecido.

Mas conseguia imaginar perfeitamente como o menino mal-encarado da fotografia de quatro anos atrás havia se tornado o rapaz de olhar gélido e aura capaz de assustar até um cara grande como Jason.

O celular dela apitou, e o coração de Annabeth quase saltou da boca.  

— Jason—      

— Parque. Agora.

—————

— Ei, garotas, sem brigas, OK? — Leo surgiu ao lado de Reyna, abanando as mãos. — Até porque sou eu quem vou ter que limpar depois.

Os olhos da garota à frente dela desviram por um único momento, e, quando ela falou, pareceu que o lugar todo ficou em silêncio.

— Não se mete, Leo.

— Sim senhora.

— Eu não vim brigar com você — Reyna levantou as mãos — eu só quero conversar.

Ela riu.

— Você veio conversar? As únicas conversas que acontecem aqui dentro são sobre propinas e um papo merda antes de uma transa — ela estreitou os olhos — acho que você bateu na porta errada.

Reyna lembrava-se muito especificamente de quando ela mesma havia colocado aquela porta lá. Mas manteve o comentário para si.

— Estou falando sério. Preciso de ajuda da Hylla.

— E não precisamos todos? Hylla não é uma casa de milagres garota.

Reyna mordeu a língua para não responder. Ela sabia muito bem que sua querida irmã não fazia nada sem um preço. Mas ela não era burra. Conseguia perceber o tom de admiração, quase reverência na voz da garota. Seja lá o que Hylla havia feito por ela, tinha funcionado.

Ela soava como uma religiosa com a fé transbordando. Com a única exceção de que a deusa dela era uma motoqueira que espancava pessoas.

— Eu posso provar que sou irmã dela — disse. — E também posso provar que não quero confusão. Só me deixa falar.

Não gostava de pisar em cima do próprio orgulho daquele modo, mas também sentia os olhares sobre as suas costas. Pipes estava no comando ali. Estava claro pelo modo como todas as capangas de Hylla – que se achavam disfarçadas – a observavam atentivamente. Para o azar delas, Reyna ainda tinha todos os seus rostos decorados.

Pipes a observou por um momento tenso. Por fim, gesticulou para um garota do lado.

— Leva esse estúpido lá para a calçada. Se ele não parar de vomitar pode bater até não ter mais nada para colocar para fora — comandou. E, para outra: você guarda a escadaria. Quero duas para subirem comigo e vigiarem a porta.

Ela foi obedecida prontamente, mas a velocidade na execução das ordens não impressionou Reyna. As garotas mais velhas a obedeciam de modo robótico, como se estivessem seguindo um protocolo ainda mais antigo. Ela soube naquele momento que estavam servindo Hylla. E que Hylla as havia colocado ali para protegerem Pipes.

Elas caminharam até uma porta lateral sob os olhares dos outros jogadores, bêbados e oportunistas. Uma guarda abriu passagem para eles e Piper fez com que Reyna caminhasse nas frente. Os degraus eram tão estreitos e escorregadios quanto ela se lembrava.

O corredor era ainda mais decrépito. Hylla nunca havia dado tanta atenção ao segundo andar quando ao térreo. Pipes a guiou até uma porta conhecida.

— Entra.

Reyna colocou, pela primeira vez em três anos, os pés no seu antigo quarto. Ele havia sido completamente destruído, sobrando pouco além das prateleiras e a mesinha de estudo. Os pôsteres arrancados e tapete provavelmente jogado da janela. Pipes deixou a porta aberta e as garotas esperaram do lado de fora.

Ela se inclinou na mesa atrás de si.

— Então?

— Pipes—

— Piper — ela corrigiu.

— Comandante Piper? — Reyna tentou.

— Só Piper — dessa vez, soou como uma ameaça — Hylla é a única verdadeira líder.

Ah. Ok.

— Certo, Piper. Eu quero saber porque a gangue da minha irmã está ajudando um grupo de—

— Não.

— Perdão?

— Você ainda não me provou que é a irmã dela.

Reyna olhou ao redor. Ela podia fazer um monólogo sobre aquele lugar, apontar exatamente onde cada peça de mobília havia estado, onde ela e Hylla dormiam, não abraçadas, mas não longe demais, quando os pesadelos eram ruins o suficiente para assustar até a mais velha. Havia certa sensação de segurança quando elas podiam sentir que a outra estava perto. Por tanto tempo, Reyna tivera em si essa estranha percepção de que, enquanto ela e a irmã estivessem juntas, nada poderia pará-las. Não quando elas já haviam passado por tanto, sobrevivido à tanto. E uma pequena parte dentro de si ainda lhe dizia que ela estivera certa.

Mas Reyna não queria fazer parte das forças de Hylla. Ou melhor, não queria estar por perto quando esse poder absoluto, que só emanava da garota quando ela estava furiosa, se espalhasse e consumisse tudo ao redor. Em parte, porque não sabia se seria forte o bastante para se afastar, se já houvesse ido longe demais.

Duvidava que Piper fosse acreditar nisso.

Pelo modo como a encarava, Reyna soube que Piper era um conjunto de camadas e mais camadas de personalidades. Queria dizer à si mesma que conseguia ver diretamente através da farsa, mas seria uma mentira colossal. Havia alguma coisa nela, alguma coisa escondida por trás do sorrisinho mesclado aos olhos duros que diziam a Reyna que a força de Piper não se encontrava nas mulheres armadas lá fora ou no taco que jazia encostado na mesinha.

Algo lhe dizia que Piper era o tipo de inimiga que a desfaria por parcelas, a destruiria sutilmente, tão, que Reyna talvez só notasse que não havia mais escapatória quando...

Ela abaixou a gola da camiseta até um pouco mais embaixo da clavícula. As sobrancelhas de Piper se ergueram, contemplativas, e Reyna não soube dizer se ela estava prestando atenção ao lugar certo. Ainda assim, disse:

— Quando ela tinha catorze anos, Julian começou a treinar a gente com armas brancas. Hylla era muito ruim, e ele começou a perceber que eu era muito melhor do que ela um dia poderia ser — as palavras pesavam em sua língua, como ácido, uma sensação pútrida se espalhando pelas pontas dos seus dedos — dia e noite, ele nos fazia afiar lâminas e arremessar facas, até que eu não mais conseguisse acertar nada além do centro do alvo. Mas as mãos dela sempre foram muito mais trêmulas... medrosas.

O olhar de Piper ficou furioso, mas Reyna não se deixou intimidar. Ela lembrava-se nitidamente do porão, das paredes com a tinta descascando e da extensa coleção de armas. Lembrava-se de como o sangue jorrava dos ferimentos nas mãos de Hylla quando ela errava, ferimentos que nunca tinham tempo o suficiente para sararem antes dela cometer algum erro de novo.

— Julian achava que Hylla era fraca porque ela se sentia segura — continuou. — Porque ela nunca machucava mais do que alguns dedos ou coisa assim. Então, um dia, ele nos colocou uma contra a outra. Eu... — ela respirou fundo — eu adorava ele. Idolatrava a forma como ele me olhava orgulhoso quando eu acertava. Como ele passava a mão na minha cabeça e me dizia o quão melhor do que ela eu era.

Piper pareceu ler o que vinha em seguida, mas não interrompeu. As mãos de Reyna se fecharam em torno do tecido até os nós ficarem brancos.

— E eu a odiava. Hylla era fraca e estúpida. Julian não precisava dela, não mais do que de mim. Então quando ele nos colocou uma contra a outra, eu avancei com raiva — ela levantou os olhos. — Quando eu terminei, minha irmã era um vulto contorcido encima de uma poça de sangue e Julian parecia mais orgulhoso do que nunca. Ele me pegou nos braços e me levantou, mas eu não consegui parar de olhar para Hylla.

“Um amigo dele apareceu um tempo depois. Ele não perguntou o que Julian estava fazendo com facas e, e... outras coisas. Só colocou uma maleta no chão e começou a costura-la ali mesmo. Ela perdeu tanto sangue que só acordou três dias depois. Eu estava... eu estava extasiada de tanta felicidade, porque Julian finalmente ia coloca-la de lado e focar em mim.

“Eu não a vi por uma semana. Julian deixava as refeições lá encima e eu treinava no porão, dia e noite, como sempre. Quando ela desceu as escadas pela primeira vez, apoiada em muletas, eu ri. Mas ela nem me olhou. Conversou baixinho com ele, enquanto eu atirava as facas nos alvos. Eu não me importei, porque Hylla não era mais uma ameaça”.

Reyna parou por um momento. Se fechasse os olhos, ainda conseguia sentir a dor. O desespero de sentir sua boca sendo preenchida por sangue, a visão ficando branca. A sensação de estar se afogando em si mesma. E a dor.

Quanta dor.

— Hylla me acertou atrás da cabeça com a muleta e eu caí com o rosto no chão. Ela quebrou o meu crânio com um só golpe, e eu quase perdi os sentidos. Quando me virou, eu mal senti, até a muleta afundar no meu estômago, da mesma forma que eu fizera com as facas nela. Eu não vi nada, até Julian me arrastar pelos ombros e puxar minha cabeça pelo cabelo, me forçando a olhar para ela.

Está vendo, Hylla? Ela conseguia ouvir a voz dele, um sussurro gélido na sua orelha, enquanto o mundo girava. Foi ela quem fez isso com você.

— Ele me segurou enquanto ela fazia isso aqui.

As cicatrizes haviam esmaecido, mas qualquer pessoa que olhasse com atenção podia distinguir as letras, as linhas finas na sua pele escura. H y l l a.

— Foi a primeira vez que ela acertou um golpe de verdade — Reyna riu baixinho — em mim.

Piper ficou em silêncio por um longo tempo. Reyna podia não se capaz de ler a garota (ainda), mas podia ver que ela estava pensando, pesando suas palavras.

— As cicatrizes que ela tem no abdome — ela disse, por fim. — Foi você.

— Exatamente.

Ela abriu a boca. Parecia querer perguntar mais. Conseguia pensar em que tipo de questionamentos ela tinha. As vidas das duas eram cheias de acontecimentos desastrosos e violentos que, colocados na ordem certa, haviam levado àquela mesma situação. Reyna conseguia imaginar que eram as mesmas perguntas que mordiam os pensamentos das outras subordinadas.

Mas se Hylla não falava sobre aquilo com elas, então Reyna não pretendia revirar suas lembranças.

— O que você quer, afinal?

Ela pensou em falar sobre Jason, mas seu coração afundou com a perspectiva. Ele não merecia nada daquilo. Não havia necessidade para que ele se envolvesse naquele mundo mórbido e cruel. Além disso...

Não conseguia parar de pensar na amiga loira deles. Como os olhos cinzas haviam observado Percy Jackson, como ela falava pausada, calculadamente. Ela podia só conhecer Annabeth há dois dias, mas sabia que que a garota seria um empecilho.

A resposta era não. Reyna não colocaria nenhum dos dois naquilo. Jason, porque ele era tão melhor do que tudo que ela já havia conhecido. Porque ele era a única coisa boa e gentil que já tocara nas mãos dela. Que já a olhara como se ela fosse mais do que a garota que quebrava ossos de homens adultos por dinheiro. Como mais do que a máquina de dor e violência que Hylla segurava consigo durante anos.

E Annabeth Chase porque ela tinha a trepidante intuição de que ela era um peixe carnívoro, esperando pelo primeiro cheio de sangue para avançar nela e a despedaçar.

— Preciso saber sobre o Tártaro — decidiu. — E como pagar uma dívida com eles.

Piper não sorriu. O que Reyna estranhou. Aquela era a ocasião perfeita para um sorriso cruel ou sarcástico. Ao invés disso, ela olhou para o chão.

— Não existem dividas no Tártaro. Só penas. Se você pisa lá dentro, é para sempre. Eles vão te torturar e te bater até tirar qualquer último resquício do que você lembra do mundo de fora.

Reyna engoliu em seco, lembrando-se vagamente dos olhos opacos de Percy. Do cuidado com o qual o garoto de cabelo escuro escolhera suas palavras.

— Está dizendo que ninguém consegue sair de lá?

Ela gesticulou de forma vaga.

— Alguém como a Hylla, talvez.

Reyna deu dois passos para frente, até estar perigosamente perto da garota. Ela imaginou que Piper iria chamar as guardas lá fora a qualquer momento.

— Eu sou muito pior do que ela — disse, friamente.

Piper a olhou nos olhos. Reyna nunca havia visto írises mudando de cor antes, e a visão a deixou meio tonta. De repente, o azul dos olhos da garota foi puxado para o centro, como um redemoinho, e elas escureceram até estarem completamente escuras.

— Eu tenho minhas dúvidas — respondeu. — Se você quer mesmo enfrentar o Tártaro precisa conhecer alguém lá dentro.

— Você quer dizer os lutadores? — a respiração dela estava espaça, por algum motivo.

— Não — Piper balançou a cabeça. — Eles não são mais do que cachorros em coleiras. Eu digo os apostadores. Quem faz o dinheiro rolar. O lugar... é praticamente controlado por duas apostadoras.

— Duas?

— Pra sua sorte, uma delas é minha irmã.

—————

Jason chutou o balanço com tanta força que as correntes quase quebraram do suporte. Sentada em um dos banquinhos do carrossel, Annabeth o observou em silêncio. Ele não queria estar com raiva. Sabia que não deveria estar. Porque aquilo era exatamente o que queriam. Mas...

— Você tem certeza? — grunhiu.

— Absoluta — ela acenou. — Percy foi enquadrado. Os registros noticiários não batem, desde as datas até a forma de agressão. Gabe era um asqueroso, mas não foi Percy quem o espancou.

— Está dizendo que eles colocaram a mãe dele em coma e depois caçaram o padrasto para colocar a culpa nele?

Annabeth encolheu os ombros.

Jason chutou o balanço de novo. Era ruim o suficiente que Thalia estivesse em perigo, rodeada por infiltrados no hospital. Mas se Annabeth estivesse certa – e ela sempre estava – aquilo significava que todos ao redor de Jason estavam em perigo.

— Mesmo que o nosso sistema judicial não seja a oitava maravilha do mundo — Annabeth continuou — quebrar uma garrafa de vidro na cabeça de uma pessoa e induzi-la à coma é bem grave. Se mesmo com depoimentos as pessoas não foram presas, é porque...

— Porque eles têm contatos dentro da polícia — Jason caiu sentado ao lado dela, esfregando as mãos nos jeans — sabe o que isso significa?

— Que nós precisamos procurar ajuda em outro lugar. Recorrer à um tribunal federal. Algo assim.

— Algo assim — Jason repetiu, incrédulo. — Sem querer ofender, mas como foi que o tribunal federal ajudou quando a sua tia morreu no incêndio e Magnus ficou órfão?

Ele viu a expressão de Annabeth desabar, e sentiu-se ridículo imediatamente. Ele sabia que por mais forte que sua amiga fosse, aquele ainda era um assunto delicado. Entretanto, foi justamente aquilo que o encheu de ainda maior determinação.

Ver Annabeth cabisbaixa, com as mãos reunidas no colo, o cabelo geralmente impecável bagunçado e o olhar rodeado por olheiras de preocupação o deixou indignado. Ele precisava manda-la de volta para Nova Iorque, e tirá-la do perigo antes que algo acontecesse com ela.

Antes que...

— Com licença? — uma voz chamou à sua direita.

Ele virou o rosto para ver um garoto parado de pé ao lado do carrossel, vestido em um moletom laranja e jeans rasgados nos joelhos. Ele estava sorrindo, e era bonito, com a pele cobreada e os olhos claros, o cabelo cor de areia bagunçado. Mas tinha uma enorme e grossa cicatriz cobrindo quase metade da face.

Do lado dele estava a garota mais bonita que Jason já vira na vida. Ele sentiu a respiração ficando pesada, o corpo quente, mesmo que metade do rosto dela estivesse escondido por uma exótica máscara hospitalar. Os olhos azuis dela tomaram o formato de meias-luas, e Jason soube que ela estava sorrindo por baixo do acessório, e, mesmo parcialmente fechados, não perderam a intensidade – Jason sentia como se estivesse sendo sugado para dentro de um buraco negro. Seu cabelo estendia-se em enormes arcos escuros, cascateando pelos ombros e costas, e ela vestia uma saia branca e um suéter azul marinho. Parecia exatamente o tipo de garota que não deveria estar em um parque vazio no meio da noite.

Jason saltou imediatamente quando viu a terceira figura, mas Annabeth puxou-o de volta, fincando as unhas em seu braço, ao mesmo tempo em que o garoto loiro deu um passo defensivo, colocando-se entre ele e a garota. Mas havia um sorriso singelo em seu rosto, como se ele houvesse gostado da reação de Jason.

— Opa, calma lá — ele riu, estendendo as mãos.

Mas Jason quase não conseguia ver através da própria fúria. O garoto com o cabelo preto sorriu para ele, rosto quase coberto pela sombra do capuz do moletom. Ele usava um tapa-olho, mas era possível distinguir as grossas linhas de uma cicatriz ramificada por baixo.

— O que você quer? — Jason cuspiu, entredentes.

— Vamos começar de novo. Eu sou Luke. Você me conhece como Maia, mas eu suponho que se vamos ser amigos, precisamos estar em um patamar de nomes verdadeiros, certo? — ele gesticulou animadamente para o lado — Ethan, mas ninguém o chama assim. Pode chama-lo do que quiser, ele não se importa. E essa é Afrodite — o sorriso dele ficou um pouco menos amigável, e Jason viu um afiar em seu olhar — infelizmente esse não é o nome dela, mas... minha amiga está sob outras circunstâncias.

Jason quis soca-lo ali mesmo, mas Annabeth o segurou mais forte e perguntou:

— Circunstâncias?

— Ela não luta — ele respondeu, com um charme estranho na voz. Jason se perguntou se ele falava assim com todos — bem, tecnicamente Ethan e eu também não lutamos mais. Nós só aparecemos por lá de vez em quando.

A voz de Annabeth ficou mais agressiva.

— Ela aposta — concluiu.

Luke ergueu a sobrancelha que não era cortada pela cicatriz.

— Um eufemismo — riu. — Você é o Jason — seu olhar deslizou até ele. — E você...?

Jason desvencilhou-se dela.

— Ninguém.

Não se metam com a Annabeth, ele pediu, mordendo a própria boca. Fiquem longe dela.

... por favor, fiquem longe dela.

— Annabeth — ela respondeu, confiante.

— Annabeth — Luke repetiu, contemplativo. Ele lançou um olhar cheio de significados para a garota ao lado dele, e de repente Jason não a achou tão atrativa assim. Não com a forma quase predatória que ela olhou para Annabeth — eu acredito que nós precisamos conversar sobre...

— A garota que eu arrebentei — Ethan o interrompeu, e Jason precisou ser segurado de novo.

Luke, mais uma vez, colocou-se entre ele e a garota. Dessa vez não parecia tão simpático. Ele acertou Ethan com uma cotovelada, mas não foi nada amigável. O garoto de cabelo preto praticamente ganiu, recuando, mas o sorriso de Luke não vacilou.

— Thalia Grace — ele corrigiu — precisamos falar sobre a sua irmã.

A garota falou pela primeira vez. A sua voz era quase como veludo, e Jason só não ficou completamente hipnotizado porque as palavras dela o acertaram como balas:

— E como você pode salvá-la — ela tombou a cabeça um pouco para o lado, e seus olhos brilharam de novo — com dinheiro o suficiente, claro.


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Notas finais do capítulo

E então? Espero que tenham gostado, comentários são sempre apreciados!



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