Fascinação escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 6
Ato 5: A faísca que deu início ao incêndio.


Notas iniciais do capítulo

Antes tarde do que nunca. :p
Façam uma boa leitura. ♥



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— Eu não entendo. Ele é um pouco estranho.

— Como assim, estranho? — Gael questionou. O mago estava em sua tenda, e por ser seu horário de descanso, havia retirado boa parte das camadas de tecido que usava sobre seu corpo. Os cabelos dele chegavam na altura dos ombros e pareciam um caos, despenteados e assimétricos, Salazar não sabia bem porque ele nunca parava para arrumá-los, talvez isso se deve-se ao grande chapéu esconder isso. Ou ele simplesmente não se importava com a própria aparência.

— Bem… — a criança olhou ao redor, como que para garantir que estavam sozinhos, e então voltou sua atenção para o companheiro. — Eu não sei mesmo explicar isso. Parece que em um minuto ele é muito negativo, mas no outro ele sorri como se nada de errado pudesse acontecer.

— Ah, isso? Acho que todos são assim. Alguns mudam seus pensamentos mais ou menos rápido que isso, e outros nem sequer demonstram.

Gael jogou o corpo para trás de maneira que conseguisse deitar no palco de sua tenda. Ele bocejou longamente, e quando Salazar pensou que tinha simplesmente abandonado o assunto, continuou.

— Acho que você tem essa impressão porque ambos são muito jovens. Você não está acostumado com pessoas da sua idade, portanto imagina que outras crianças podem ter a mesma visão de mundo que você tem.

O garoto fez uma careta.

— Não sei se é realmente assim. — houve uma pausa em que ele pensou em se deitar também, mas logo afastou a ideia. — Você acha que alguém pode gostar de tragédias, mesmo depois de ver uma com os próprios olhos? Digo… como isso acontece?

— Eu acredito que o trauma pode trabalhar de maneiras diferentes na cabeça das pessoas. Alguém que se queima, normalmente tem a tendência a evitar o fogo depois disso. Há um outro tipo de pessoa que simplesmente decide passar por cima disso e superar a experiência… e há o terceiro tipo…

Salazar, não pela primeira vez, questionou-se porque sempre havia fogo envolvido nesse tipo de conversa. Não tinha certeza se era por influência de sua mãe que isso acontecia, ou se era apenas coincidência. Ele tinha a impressão que o fogo parecia ser parte do seu destino. Não era algo que temia, mas por alguma razão, daquela vez, sentiu um certo desconforto com aquela alegoria. Sua pergunta seguinte saiu com certo receio.

— O que tem o terceiro tipo?

O mago não respondeu imediatamente. Na verdade, ele não parecia disposto a falar sobre aquilo, mas o semblante sério que estava fazendo acabou sendo dissolvido em um sorriso de pura preguiça. — Nada demais, são problemáticos, apenas. Eles podem querer fazer os outros sentirem dor para compensar a própria.

— Isso é horrível!

— Não me olhe com essa cara horrorizada, foi você quem perguntou. — ele suspirou. — Veja bem… você gosta de Tray, não é?

— Ele é estranho, mas eu gosto da companhia dele.

— Então, nesse caso, você deveria aproveitar enquanto ele está por perto. Ele não é um membro do Circo, então isso não vai durar.

Salazar não sabia o que fora dito para os outros artistas, ele apenas imaginava que toda a conversa entre sua mãe e Cyril não havia sido trazida a tona. Era de se esperar que a Mestra de Cerimônias guardasse os detalhes mais impactantes para si e achasse apenas que deveria repassar o básico aos outros: que Artemísia não conseguira encontrar pistas sobre a família de Tray e, portanto, iriam até a Capital do Sonhar para entregá-lo em mãos mais competentes. Essa decisão fora tomada há alguns dias, tanto que o circo já estava se movimentando, sendo guardado por Esdras. Apesar deles não sentirem que estavam sendo carregados, era uma verdade que estavam de certa forma presos dentro da Tenda Mestra até que fossem ancorados de novo, então não havia muitas coisas diferentes para se fazer.

Talvez fosse essa a razão que fizera Salazar ir até Gael, no fim das contas. Poderia ver os outros também, principalmente o elenco de teatro, afinal eles deveriam pensar em novas peças para a ocasião. O circo fora para a Capital outras vezes e, apesar de terem um bom rendimento enquanto estavam alocados lá, precisavam sempre levar algumas inovações quando retornavam.

Acabara escolhendo Gael. Ele falava coisas interessantes de vez em quando e parecia mais inclinado a ter uma conversa divertida quando necessário. Não fora esse o caso dessa vez, mas bem… fora Salazar que trouxera o assunto estranho para começo de conversa. Ainda assim, o mago continuava sendo alguém que ele gostava de visitar. Ele sucedera seu pai e, de alguma forma, o garoto sentia-se mais próximo dessa figura misteriosa quando falava com Gael.

— Você tem razão.

— Eu normalmente tenho, mas os outros não conseguem ver isso.

— Aham…

— Agora vá se divertir e deixe eu dormir um pouco.

— Tudo bem. Até mais. — Salazar acabou acatando aquele pedido, o mago parecia bastante cansado, embora ele não pudesse imaginar o porquê. Levantando-se da beirada do palco, o garoto saltou para o chão e acenou antes de deixar a tenda.

Tinha sido uma boa conversa, mas Salazar não sentia que suas dúvidas tinham sido sanadas. Na verdade, era como se tivesse ainda mais delas, embora precisasse que admitir que havia verdade nas palavras de Gael: Ele tinha de aproveitar o tempo que ainda possuía com Tray. Ainda assim, a razão por ter dito que o amigo era uma pessoa estranha – boa parte da impressão vindo de um debate anterior, que ocorrera com o próprio Tray – ainda permanecia em sua cabeça.

 

 

Eles estavam, por alguma razão, falando sobre os Pesadelos Ancestrais.

Não sabia porque haviam entrado no assunto, mas quando se dera conta, já estava ouvindo Tray dizer algo sobre eles. Salazar sabia que existiam, aquelas coisas abstratas e sem forma, indescritíveis. Mas os membros do circo não falavam sobre aquilo. A grande maioria dos habitantes do Reino dos Sonhos não os citavam, porque acreditavam que eles traziam azar. Sua mãe mencionava “má fortuna” sobre o assunto, com uma certeza que fazia-o se arrepiar dos pés a cabeça. E, se havia um ser que sabia sobre fortuna, esse ser era Artemísia.

O próprio termo “Pesadelos Ancestrais” era apenas uma maneira de pôr em palavras algo que era inenarrável. Eles apenas existiam, no Reino dos Pesadelos, sem puderem ser de fato vistos ou tocados. Desde a criação daquele mundo, eles existiam, esperavam e faziam sabe-se lá mais o que. Salazar não queria saber mais sobre eles, mas sua atenção acabara presa nas palavras de Tray. Sua curiosidade era algo que ainda não conseguia controlar totalmente.

— Há O Fim. — o garoto dissera, com certa tranquilidade na voz. — Ele representa os pesadelos da realidade que terminam com o fim do mundo, ou morte, ou coisas assim. Dizem que foi por causa dele que houve o primeiro Reinício. Porque os habitantes daqui começaram a sonhar com o Fim, e isso se refletiu no próprio mundo.

Tray dissera mais um pouco sobre outros: Queda, que estava ligado a fracassos e retrocessos, assim como com as próprias quedas; e Esquecimento, uma entidade que fazia os seres que o encontravam esquecerem-se disso e, as vezes, até mesmo de quem eram. Era assustador ouvir sobre aquilo, mas Salazar também queria saber mais. Então, ele fez uma pergunta, relacionada a algo que lera em um dos seus livros, sobre um Pesadelo Ancestral que podia assumir uma forma física.

— Ah, aquele? Aquele é…

 

Sua progressão de raciocínio, e de lembranças, foi interrompida por ninguém mais que a sua mãe. Artemísia havia saído dos aposentos de Cyril, então elas deveriam estar no meio de outro debate. Ele preferia pensar que não era nada sobre Tray. Meio que se sentia mal por saber que sua mãe não confiava nele, mesmo que as razões dela para fazê-lo fizessem sentido. Ela sendo preocupada e superprotetora como era, precisava duvidar de tudo e todos que fugissem ao padrão e que poderiam de alguma forma tornar-se perigosos para seu filho.

Salazar entendia isso, mas era algo que repudiava.

Ele sabia que sua mãe tendia a ser, muitas vezes, desatenciosa.

Ele a amava, mas esse lado dela era… difícil de se lidar.

— Oi, querido. Não está com Tray agora?

Ela perguntara, mesmo que fosse óbvio. Salazar apenas negou com a cabeça. Ele tinha a impressão de saber o que viria, antes mesmo da mãe abrir a boca para falar. Então, apenas esperou as palavras que sairiam.

— Bom. Eu gostaria mesmo de conversar algo com você. Venha comigo. — ela ofereceu sua mão. Delicada e macia, o garoto normalmente a pegava sem pensar duas vezes. Mas ele hesitou por um curto momento.

Se ele pegasse aquela mão, teria de ouvir o que ela tinha a dizer, e sabia que não gostaria. Salazar talvez houvesse de fato herdado algum sentimento premonitório de sua mãe, isso era bem possível. Como ela insistia que ele deveria seguir seus passos, a mulher saberia desse talento, ou ao menos imaginava que Salazar o tivesse. Não importava se sempre existira ali ou se só aparecera naquele momento.

Ele percebeu que, ao segurar aquela mão, as coisas mudariam. Mas, ele pegou-a mesmo assim. Porque Artemísia era sua mãe, e ela merecia o benefício da dúvida.

 

Aquele simples ato podia ser algo importante ou não, as coisas poderiam ter tomado esse rumo muito tempo antes. Fosse com a chegada de Tray, ainda antes disso, com Flamie se tornando parte do elenco principal… ou quando o antigo mago deixou o Circo para nunca mais retornar. Talvez o ponto de partida fosse o próprio nascimento de Salazar Greed.

Talvez as coisas já estivessem destinadas a acontecer desde sempre.

Mas a revolta veio desse momento específico. Do momento em que mãos foram dadas e uma pequena esperança nasceu, para ser sufocada logo depois.

E a revolta foi a razão primária de tudo o que se sucedeu.

Foi a faísca que deu início ao incêndio.


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Notas finais do capítulo

Hey, hey, Heeeeeeeey!!

O negócio vai começar a esquentar aqui, senhoras e senhores!
Estamos chegando na reta final, então se preparem para o Grande Show. Ou para a tragédia que está por vir...

Até a próxima, pessoal. ♥
Kisses kisses para todos vocês. ♥



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