Vermelho cor de Sangue escrita por Maddu Duarte


Capítulo 1
Capítulo 1 - O Mártir do Caos


Notas iniciais do capítulo

~ Parte 1 ~
"Do pó viemos, ao pó retornaremos. Este é o futuro da humanidade."


Olá!
Essa é minha primeira original no Nyah, espero que tenham uma ótima leitura. Qualquer erro gramatical podem informar nos comentários que será editado o mais breve possível.
Obrigada pela atenção.



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Ele se sente o mártir todas as vezes que observa a coroa perto de seus olhos, grudando em sua mente à medida que seu corpo se arrasta pela terra, a sujeira do vermelho é ocasionada pelos homens que já não mais enxerga ― já não mais existem. Para o rapaz, o mundo é apenas um lugar qualquer em que não faz questão de ficar, ao menos, de forma presente. Sente-se perdido ao visualizar as paredes cinzas de pedra e seu corpo pesa quando encosta a mão direita no peito esquerdo, a impulsionando para o outro lado de forma arisca. Quando o pé esquerdo toma a dianteira, o outro é jogado ao ar em forma de acompanhamento e seus braços são abertos de forma ríspida, quase como em uma dança. As palavras vibram ao serem proferidas, a magia que vaza de sua alma o obriga a fechar os olhos, uma lembrança rápida de que ainda é uma criança em meio a guerra.

Nada de bom pode acontecer em um campo de batalha.

Nada de bom pode acontecer em sua vida, concluiu há tempos.

Meishi Burokke, alto, claro, inútil. Qualquer um poderia pronunciar tais coisas, porém, é dele esse fardo. Um fardo invisível e escondido entre os luxos e os desejos. O corpo reto está frente de todos os outros que são mais velhos, mais experientes, mais fortes e, ao mesmo instante, menos capacitados.

Contudo, seria menos capacitado uma forma de dizer menos nobre? A resposta era clara e turva como as nuvens, e tal qual estas, também eram distantes. Não imaginava que fosse descobrir um dia, tinha o conhecimento que existia vida além das margens sujas e bagunçadas de Cyane, também havia uma longa floresta nas fronteiras, um recinto que não deveria ser tocado.

Apesar de todos os avisos, em seu tempo de infância ― se é que este existiu ―, se alegrava ao fugir de seu castelo e ir até a beira daquele espaço, vendo as feiticeiras com seus movimentos fluídos, tão semelhantes e, ao mesmo tempo, tão diferentes dos dele. O universo é um ciclo, seu pai o dissera. Elas criam, nós mantemos, os sábios explicaram quando o pegaram indagando demais sobre certos aspectos de seus costumes.

As respostas não apagaram sua natureza de chama, pelo contrário, ele era como um prédio prestes a implodir, segurando-se ao máximo para manter todos seguros quando o acidente acontecesse. Por um segundo, relembrou-se de uma velha servente dizer ao Rei:

Não pode manter em silêncio o que está destinado a gritar, majestade.

A feiticeira possuía cabelo verde e olhos rosa, uma aparência desconexa daquele universo. O príncipe não era bobo: aquele comentário estava interligado com sua existência, porém, justamente por ser esperto, fingiu não saber. A ignorância era uma benção, ela permitia que ele continuasse fugindo algumas vezes para ver os brotos crescendo ao longo das barreiras, para escutar os murmúrios e as lendas locais das regiões afastadas do centro, do palácio, da guerra. A ignorância sobre si só não o permitiu enxergar o que estava a sua frente: a forma como se direcionava a floresta de folhas amarelas, verdes e roxeadas, com a terra granulada e as maldições que as percorriam.

A ignorância era sua benção, mas ela escondia a curiosidade que passava por sua essência.

E, por isso, seria sua maldição.

Infelizmente, o devaneio o retirou da batalha, enfraquecendo a tropa. Um ataque, um simples segundo que gerou gritos de alguns comandantes. Você é um príncipe, quase escutou dizerem. Aja como tal! Por isso, se posicionou novamente e repetiu os passos, as palavras, a dança. Não ia deixar de ser punido por ser da realeza, pelo contrário, todos esperavam mais dele por ser desta. Era natural que os príncipes fossem bloqueadores por natureza, seres criados para apenas criar barreiras e observar de longe, impedindo que o inimigo avance. Cansativo, mas seguro. Importante, mas sem riscos. No campo vermelho, homens e mulheres lutam com espadas e bestas para atacar o que não entendem ser, as sombras nada mais são do que meras sombras. Esguias, rápidas, negras e sombrias. No campo de guerra, as pessoas lutavam e morriam por algo que não sabiam o que era, apenas por que alguém ― em algum momento ― definiu que deveriam de fazer isso. Repetiu as palavras ditas pela terceira vez, o corpo começava a suar e suas pernas tremiam, o pulso de seus companheiros começavam a sangrar pela marca imposta. Cada uma daquelas pessoas estava fazendo o seu melhor para voltarem vivas e destruírem o inimigo, inclusive ele.

A questão era: e os inimigos? O que eram?

Escutou o chefe da guarda, seu instrutor, reclamar quando abaixou seu ombro e esqueceu o movimento da mão esquerda. Pensou em responder, mas apenas guardou os resmungos sobre a tradição não ser importante naquele momento ― toda a encenação para um mero ataque cansava ainda mais seu corpo e o tirava tempo.

Respirou.

Vento, fumaça e areia adentraram em cada espaço aberto em seu corpo, inclusive nas cicatrizes que começavam a aparecer de sua mão diante de tantas barreiras criadas. O sangue azul começou a correr pelo braço, desejou que alguém o visse como algo além de um futuro apoio de coroa, como uma pessoa.

Não reclamou da dor, por mais que quisesse. Ao olhar para o lado, pulsos sangravam e seus homens começavam a cair. Nada daquilo estava planejado. Avistou a sua frente: sangue, sombras, pessoas, espadas.

Sua própria mão, coberta do líquido azul e a barreira semitransparente prestes a desaparecer pela sua falta de força.

E uma garota.

Talvez, tenha sido esse o seu fim. Porque o que viu não foi escuridão e pó. Foi uma criança, uma garota, com seu cabelo vermelho ardente e olhos tão amarelos que eram vistos da mais longa distância, instantaneamente, o príncipe parou ― alguns o olharam assustados, outros fingiram não perceber ― e soube que era tarde. O machado preencheu o crânio da menina e a deixou cair, quando piscou, apenas pó existia.

Um pó negro no lugar que um dia foi uma pessoa ― e isso o fez gritar, gritar alto, tão alto quanto ela deve ter gritado segundos antes. Os seus passos para trás não foram ignorados, a pequena não deveria ter mais de sete anos, as sombras começaram a se misturar em cores e formas, o tropeço no cadarço de seus sapatos fez com que chamasse atenção de alguns guardas que perguntaram o que estava acontecendo.

Não sabia explicar.

Não deveria haver uma criança naquele ambiente ― não deveria haver civis naquele ambiente.

Ignorando os machucados, levanta-se e se põe contra os corpos de alguns homens que tentam controla-lo e informa-lo sobre seus deveres reais ― enquanto reclamam que é isso que ocorre quando se manda pirralhos para cargos de adultos ―, demorou um pouco para se livrar dos braços fortes e observar a zona de guerra, dessa vez, mais clara que nunca.

São pessoas.

Mulheres.

Homens.

Crianças.

Não são sombras ― são pessoas.

Novamente, eleva seu corpo, dessa vez, deixando a ponta do pé equilibrar todas suas emoções conflitantes. Buoq'e, a palavra de extensão menor é direcionada a um dos civis que teria sua cabeça esmagada, a barreira criada impede a espada de atravessar e chama a atenção de todos para a alteza.

Mas já não importa o que está acontecendo, não importa o que vá acontecer, por alguns segundos, nada mais importa.

Não é mais um príncipe, ou um bloqueador, é um humano.

E seu dever é proteger a todos.

Quando pisca, é quase como se o mundo desmoronasse. Não há garotas ou corpos ou sangue, não dos inimigos, mas dos seus. Apenas sombras que devoram cada homem, cada lutador, que se aproxima dos bloqueadores.

É empurrado. Suas mãos ardem ao atingir ao chão, agora, estão sujas de areia e do líquido viscoso azul que determina sua família, todo seu poder apenas o enforca, um dos chefes de guerrilha entra em sua na frente com uma espécie de cajado e grita palavras que o mais novo não compreende. Uma imensa rajada de vento corta suas bochechas. O príncipe se indaga sobre o que fez, sobre o que viu.

As sombras não são reais.

Lembrem-se sempre de se manterem atentos ao real. Não caiam em falsos bloqueios ilusórios.

Aquelas palavras sempre foram como um legado, uma religião, mas e agora? E depois de ter visto tudo?

Jogou seu corpo para o lado, levantando pela última vez sua mão e, sem as cerimônias reais, gritando as palavras de grau maior. Não precisa enxergar para saber que estão mortos, confrontes ou sombras, bloqueadores ou curandeiros, estão todos mortos.

E, quando chegasse em casa e confrontasse seu pai, ele também seria um homem morto. Apesar do futuro certo, ainda escuta alguém chamá-lo diversas vezes e afirmar que está sangrando, com seu último suspiro, bate a mão no chão para afirmar que ainda está vivo. Suspira. Ainda se preocupam, o que significa que ninguém imagina ser sua culpa ― se imaginam, permanecem calado.

As sombras que habitam nas margens são perigosas. Mas o que são as sombras que habitam nas margens?

Quando se levanta, já apoiado por alguns curandeiros, enxerga o seu exército e as feridas que causou em cada uma daquelas pessoas. Pensa em pedir desculpa, mas um dos superiores nega com a cabeça. Ainda sente dor, mas duvida que seja da mesma intensidade do machado que atingiu a cabeça da desconhecida, o fracasso pesa, o desespero também.

Seus treinadores sempre o contaram mitos sobre as sombras, seres que criam barreiras ilusórias que cegam a população. Para que os soldados possam lutar, os bloqueadores as interceptam e criam campos de força evitando que a farsa se sobreponha a realidade. Seus treinadores disseram que ele era forte, estava pronto à batalha, a ser um líder.

Mas ali estava, aos quinze anos, fracassando. Para piorar, a memória daquele curto instante ainda era tangível: não estava preso a nada. Isso o assustava.

Naquele curto instante, não estava sendo prisioneiro de uma barreira, dizia com clareza pois conhecia o sentimento de viver em uma ― a angústia constante, o desconforto, a melancolia de não ser capaz de suportar aquela realidade e a sensação de que desvaecer em poucos segundos ―, nada do que conhecia se comparava aquele curto momento de liberdade.

E a liberdade é uma droga.

Olhou novamente ao seu redor, enquanto escutava os sons, tentava não tirar conclusões precipitadas do porquê do seu peito parecia tão pesado.

Conhecia bem uma barreira, desde criança fora treinado para criar e destruir seja qual fosse e também viveu nas que seu pai o impôs. Conhecia bem as barreiras, ou, pelo menos, achava que conhecesse. Sempre pensou que fosse capaz de tudo, no entanto, nunca havia estado fora de uma ― até aquele curto momento.

Agora que conhecia mais uma camada escondida entre os poderes dos bloqueios, não sentia força ou glamour. Não. Sentia medo. O vermelho sangue continuava a impregnar na sua visão e as visões de seus homens feridos não o ajudavam a melhorar.

Em um relapso, viu cabelos verdes em seu guarda real. Ao piscar, tudo que encontrava era o mesmo manto castanho escuro.

Por fim, já não lhe restava dúvida: escondiam algo dele e algo muito grave, por sinal ― mas afinal, o que seria?



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Notas finais do capítulo

Olá!
Eu espero que tenham gostado.
Essa história significa muito para mim e parece um sonho conseguir escrevê-la, além de publicar. Aos que apreciaram, por favor, deixem um favorito e comentem.
Fico grata desde já,
Obrigada!



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