Depois que Miguel teve alta, sua cama precisou ser levada para o andar de baixo da casa. Por causa do transplante recente era essencial que ele não fizesse muito esforço. Os pais acharam melhor que o filho não subisse a escada por algum tempo.

Billy agora passa a maior parte do dia na sala, velando pela recuperação do seu rei menino, olhando-o com muito carinho, sempre a postos e atento a cada movimento por mais sútil que seja.

Miguel ainda não pode correr com o melhor amigo, mas, mesmo em repouso, arremessa a bolinha vermelha pela janela diante da cama e o vira-lata corre em polvorosa rumo ao quintal para conquistá-la. E sempre volta, claro.

[...]

Com o passar das semanas e sob efeito de forte medicação, o coração novo de Miguel aceita o seu novo dono de vez. De volta ao seu antigo quarto, o menino pula na cama enquanto Billy late para ele do tapete a fim de ganhar a bolinha em sua mão.

Envoltos por uma aura de pura felicidade, eles brincam não só com ela, mas de correr por todo o andar superior, espalhando outros brinquedos pelo corredor. Miguel chega a se esconder atrás de um cobertor para atiçar a curiosidade do animal. Entre uma estripulia e outra, acabam derrubando algumas coisas pelo caminho, como alguns livros e enfeites sobre o aparador.

No andar de baixo, o homem e a mulher assistem a um concerto pela televisão. Estão abraçados no sofá. Os desentendimentos e gritos que um dia trocaram ficaram para trás. O martírio do filho acabou por uni-los definitivamente.

Quando um novo estrondo — parece que alguém derrubou um vaso — chega até ali, a mãe de Miguel pondera:

— Eles vão destruir a casa.

O marido ri e sugere:

— Vamos tirá-los daqui antes que essa tragédia aconteça.

[...]

O casal leva filho e o leal amigo da família para passear no parque ali perto e assistem aos dois se divertindo em mais uma brincadeira. Miguel joga a bolinha vermelha para Billy que, claro, corre e abocanha a alegria no ar com um salto.

A cena se repete enquanto o tempo passa. A bolinha muda porque agora é outra. Ainda é vermelha e macia, mas está tinindo de nova. O menino está crescendo. O cachorro, envelhecendo.

Novamente, nesse mesmo parque, a bolinha é lançada. O vira-lata que a pega agora tem onze anos. Pode ser considerado um cão idoso, não tem a mesma agilidade, mas ainda adora brincar com seu amado dono. Miguel está com dezoito anos. Ele chegou à fase adulta.

O rapaz não sabe disso agora, mas um dia, irá espalhar parte das cinzas de Billy ali. A segunda parte vai repousar pelo quintal da casa, onde passou sua infância feliz ao lado do amigo. A terceira vai encontrar o jardim do hospital, onde ele enfrentou a morte no passado e contou com o amor vigilante de Billy a cada segundo. Será uma última homenagem ao cachorro por tê-lo esperado pacientemente. E também por ter alegrado outras crianças através de zooterapia, nos anos que se seguiram a alta do seu dono.

Não se preocupem. Billy e Miguel ainda têm muito tempo até essa inevitável despedida acontecer. Um tempo que será muito feliz e que, mesmo quando chegar ao fim, terá sido eterno. Porque assim é o amor que o rei e seu leal companheiro sentem. Essa tarde no parque é apenas uma de muitas que já passaram juntos e de muitas que ainda virão.

Mais uma vez, o rapaz joga a bolinha para o amigo de quatro patas. Já perdeu as contas de quantas o cachorro teve ao longo dos anos. Todas foram muito especiais para Billy e o fizeram sorrir do jeito canino de sorrir.

Quando ele volta para Miguel com ela na boca, o rapaz também se pega sorrindo. Uma certeza ronda seus pensamentos agora. A vida é muito boa.

Billy sente que ela é mesmo.