Candy Vibe escrita por Joana Emília


Capítulo 1
Capítulo Único




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— Eu já falei pra me soltar! - Gritei pisando com o salto no pé do segurança da esquerda.
Ele só fez uma careta de dor, e os dois continuaram me arrastando até a porta do prédio.

— Vega, para de escândalo. Sai logo daqui antes que o resto de dignidade que ainda lhe resta se esgote - Jonas falou calmo de uma distância segura de mim, enquanto alisava aquele cabelo de chapinha.


— Não é justo! Você, sua bicha mal-amada! Não pode me jogar na rua assim! - minhas cordas vocais pareciam que iam explodir - Eu sou sua melhor modelo! Sou a mais gostosa lembra?

Ele deu de ombros evidenciado sua indiferença, o que fez o cabelo negro cair de volta no rosto.
— Ah.. Com certeza você é muito linda. Mas queremos uma modelo... como posso dizer? Viva. - os seguranças me jogaram com tudo na calçada e ficaram bloqueando a entrada - Olhe no espelho Vega! Você está se matando aos poucos...


— Eu posso melhorar, me dá um tempo - respondi me levantando e diminuindo a voz para um tom arrastado.


— Não dá querida! Você sabe... Precisamos de alguém agora. Paris é daqui a uma semana.

— E em que droga de mundo você vai achar outro modelo em menos de 24 horas? - Voltei a gritar

— Já encontrou - disse uma voz conhecida - Vai embora Vega.


Trinquei os dentes de raiva quando vi Hanah, aquela megera.

— Sua.. - arranquei os saltos e joguei um por um na direção dela por cima dos seguranças, pelo menos eu tinha uma boa mira, o sangue escorreu da testa dela pingando no chão - Você me paga! Você me enganou! A culpa é sua. Ruiva de farmácia!


— Chega! - Jonas gritou pela primeira vez no meio da confusão, aquela voz fina e horrível fez doer meus ouvidos - Vai embora Vega... Mais tarde alguém leva suas coisas no seu apartamento e um guincho leva seu carro.


— Eu vou embora a pé? - ele não respondeu, deu as costas e foi amparar a minha melhor amiga que sangrava - Tudo bem! Ótimo! Boa sorte com uma modelo com a cara estragada! Vai pro i...

— Cala boca Vega! - Hanah me interrompeu - Volta para o puteiro de onde você nunca devia ter saído.

 

Grunhi de raiva. Estava tremendo de ódio.

Pensei em correr desenfreada e segurá-la pelo cabelo ruivo.

Ela me encarava por cima dos ombros dos seguranças, enquanto Jonas a acudia.

Prendi a respiração e disse sem som.

Vai se arrepender

Virei de costas teatralmente e não parei para ouvir os gritos dela em resposta. Ela nunca aguentava quando eu era a última a falar.

 

O chão estava quente e eu descalça, andando na calçada entre as duas pistas movimentadas, a praia estava lotada em um dos lados. O sol estava cegante e as palmeiras balançavam loucamente.

 

Alguns carros que passavam por mim buzinavam.

 

Idiotas” - Pensei

 

Cheguei a uma faixa de pedestre e atravessei para a praia nas pontas dos pés.

 

Levei um buzinaço quando pisei na calçada. E não me aguentei, fiz um gesto obsceno para o motorista.

Olhei em volta a procura de um ponto de táxi ou entrada de metrô, eu não sabia me virar sem carro, estava completamente perdida, sem celular e sem a bolsa. Além de estar com o cabelo despenteado e com a roupa amassada.

As pessoas olhavam para mim, mas não consegui identificar o tipo de olhar. Talvez me reconhecessem das capas de revistas.

 

“Qual é Vega? Você é uma modelo perfeita” - Resmunguei mentalmente.

Mantive a cabeça erguida e abaixei um pouco o short.

Quando encontrei um ponto de táxi havia um estacionado, parecia prestes a sair, então corri.

Os pés ardendo.

— Ei! Espere!

O motorista sorriu e abriu a porta para que eu entrasse. Foi aí que minha ficha caiu, eu deveria ter lembrado.

Bati na testa.

— Minha carteira… droga.

Tentei ao máximo explicar o ocorrido para o homem barbudo, mas ele não quis saber.

Um velho vermelho como um camarão que estava passando próximo estufou o peito sem camisa e piscou para mim.

— Menina solta a porta, eu preciso ir! - O motorista estava começando a ficar nervoso.

Me desesperei.

— Por favor! Eu já falei que quando chegar eu pago.

— Você não tem nem sapato garota!

Joguei o cabelo e olhei de esguelha para o motorista. O que ele achava que eu era? Quando eu ia começar a gritar, alguém chamou meu nome.  

— Vega? Scarlet Vega?

Virei na hora, era um garoto, ele estava com uma prancha debaixo do braço e rodeado de amigos.

Acenei minimamente, eu não estava com tempo para dar autógrafos.

O que foi um erro porque precisei soltar a porta, e o taxista arrancou com o carro de porta aberta e tudo. Quase caí no acostamento com a arrancada.

Os garotos surtaram, e vieram até mim.

Perguntaram se eu estava bem e depois começaram uma onda de perguntas.

Um deles me ofereceu o chinelo, mas recusei gentilmente.

— Tudo bem... Mas obrigado.

— O que houve com o táxi?

Não podia contar da humilhação que passei para um fã.

— Ham.. Eu... eu fui assaltada e não pude pagar.

Os cinco começaram a falar juntos e embolados. Xingaram o assaltante que não existia, o taxista, e tentaram me consolar.

Aquilo me fez aliviar um pouco da raiva contida em mim. Eu tinha fãs, gente que me amava.

Sem trocar mais palavras eles juntaram algum dinheiro e me ofereceram.

Dei meu número de telefone para os cinco e insisti que me ligassem. Eu iria retribuir com toda certeza. Além disso, alguns deles eram maiores de 18 e sarados.

 

Finalmente entrei no elevador do prédio. Depois de pegar um táxi, e ter uma briga feia com porteiro por ter deixado o pessoal do Jonas levar minhas coisas do camarim em caixas para cima.

Minha cobertura quase não tinha divisões, a sala era junto com o quarto e com a cozinha que era junto com a piscina. Só o banheiro era realmente separado daquilo tudo.
Suspirei encostada na porta do elevador olhando para aquele lugar enorme. Só não era vazio e solitário porque tinha todos os enfeites que você imaginar pelas paredes e até pelo teto.  Sem contar as minhas próprias fotos e os espelhos espalhados por todo lado. Pode parecer narcisista, mas... bem, eu sou. O que é melhor que ver meus lindos olhos castanhos em todo lugar?

Chutei algumas caixas que estavam na passagem e deixei a porta fechar. Outra coisa que eu não entendo é porque sou a única que não tem portas! Qualquer um que tenha o cartão chave do elevador entra no meu apartamento.


Por isso que dei uma ajudinha para o síndico perder o dele.
Tirei a blusa suada e joguei em cima das almofadas.


— Nossa! - anunciou Edgar se sentando no sofá com um imenso e lindo sorriso no rosto - Tão mais bonita do que nas fotos.

 

O cabelo castanho dele estava em todas as direções possíveis.

Suspirei.

— Você acabou de dizer que não sou fotogênica? Meu trabalho é sair bonita em fotos e você acabou de dizer que não sirvo pra isso?


Ele tentou argumentar, mas eu o interrompi


— Não importa! Eu achei que tinha mandado você ir embora. Eu realmente achei que você já tinha ido.


— Decidi ficar.


Me aproximei dele e o puxei pela camisa. Minhas mãos tocaram o peitoral dele e quase vacilei.  

— Decidi que vai embora!

 

O arrastei e apertei o botão do elevador repetidas vezes.


— Vega, quantas vezes eu tenho que pedir desculpas?


A porta do elevador abriu e eu o empurrei para dentro.


— Desculpa é só uma palavra.


A porta fechou e percebi que estava chorando quando senti o gosto salgado das gotas. Esfreguei as costas das mãos nos olhos, mas não foi o suficiente, as lágrimas não paravam de vir, agora acompanhadas de soluços fortes. Escorreguei pela parede até o piso branco e fiquei encolhida tentando fazer parar.

 

“Qual é o meu problema?”

 

—Vega! Tenho a solução.

 

Hanah sacudia um saquinho de comprimidos na mão e ostentava um sorriso amigável de costas para as luzes na passarela.

 

“Amigável uma ova! Se eu tivesse dito não…”

 

Tudo tinha uma cor mais viva, eu estava sem saltos, acho que os tinha esquecido pelo corredor. Abri a porta do camarim, Edgar estava sentado no sofá sem camisa, tão lindo, não, não, ele não estava sozinho. Hanah pulou assustada do colo dele e me encarou, os meus cachos balançando na frente dos meus olhos, molhei os lábios com a língua, a expressão dela mudou de medo para deboche em segundos.

— Ela tá drogada.

 

 

“E a culpa é de quem?”

 

Soltei um grito agudo e embolei os dedos no cabelo. Com a respiração entrecortada levantei e me arrastei até o sofá, onde fiquei até o choro involuntário e as lembranças pararem.

 

Já estava escuro quando finalmente sentei no sofá. Despenteada, mas de banho tomado, com um pote de salada de frutas enlatada na mão, mas a minha paz e tranquilidade durou pouco. Enquanto na TV Connor agarrava Oliver, o interfone tocou. Estiquei o braço formulando uma lista mental de pessoas que poderiam ser.

— Hum.. oi?

— Senhorita Vega. Eu…

— Charles! Se você interfonou para se desculpar, obrigado e tchau.

— Não! Scarlet. Calma. Tem um visitante. - Suspirei e senti um frio na barriga.

— Edgar está proibido de subir. - Decretei.

— Não. Quer dizer. Sim. Tudo bem, mas não é ele.

Esperei

— É Jonas. Posso autorizá-lo a subir?

Fiquei em silêncio pensando, talvez por tempo de mais.

— Scarlet? A senhorita está aí?

— Sim. Hum. Sim. Ele sobe.

 

Bati o aparelho no gancho e me concentrei na colher.

O que ele estaria vindo fazer aqui?

Pedir perdão? Implorar para que eu voltasse?

 

Ouvi o “plim” do elevador, eu não deveria demorar ou ele desceria de novo.

Mesmo assim, andei devagar até as portas e apertei o botão. Nem bem as portas começaram a abrir, eu já estava andando de volta para o sofá.

— Não guardou suas coisas? - A voz de Jonas, agora repulsiva para mim, chegou aos meus ouvidos.

 

Me virei e o encarei empurrar algumas caixas para fora do caminho.

 

— O que parece? - perguntei irônica

 

Ele não respondeu e olhou em volta. Uma maleta pendia ao lado do corpo. Sempre acompanhando o terninho colorido.

 

— O que você veio fazer aqui?

— Eu… - ele arregalou os olhos quando viu a lata vazia em cima da mesinha de centro - Isso é conserva? Vega! O açúcar que…

— Pode ir parando! - o impedi de continuar o discurso sobre saúde - Você não controla mais minha alimentação, se lembra? - ele engoliu seco e eu continuei - Ou já esqueceu? Porque eu não esqueci. Ser jogada a força…

— Não era para ter sido daquele jeito! - Ele começou a falar antes mesmo que eu pudesse terminar - Você não é nem um pouco fácil!

— Agora a culpa é minha? - A raiva já estava evidente na minha voz. 

— Óbvio que é! - ele percebeu o erro que cometeu e se apressou em adicionar - Desculpa, mas temos que conversar.

Não adiantou. Apontei para o elevador sem dizer nada com medo de falar e não conseguir me segurar.

— Vega. Preciso falar com você!

— Vai me dar meu lugar de volta?

 

Ele desviou o olhar.

— Não.

— Então não ligo para o que você precisa! - gritei. - Vá embora!

 

Pronto, não aguentei por muito tempo.

Ele recuou um pouco e levantou a maleta.

— Você tem que assinar a quebra do contrato.

 

Levei um tempo para entender.

— Quebra de contrato? - agarrei a primeira coisa que vi na minha frente, que no caso era a latinha, e lancei na direção dele - Eu não quebrei contrato nenhum! Idiota!

 

Ele tentou me acalmar, mas foi em vão.

— Sai daqui Jonas!

— Scarlet. Por favor.

— Sai! - gritei com todas as minhas forças.

Furioso ele apertou o botão do elevador e esperou, não ousou falar mais nada enquanto esperava. O que foi até inteligente. Então finalmente ele saiu.

Preciso de uma distração.

Sai disparada em direção ao banheiro e escancarei a porta. Me deparei com uma banheira e mais espelhos. Vi de relance o loiro em todos eles. Tinha uma toalha molhada em cima da privada e a água pingava vagarosamente do chuveiro. Aquele merdinha nunca aprende a arrumar a própria bagunça. Deixei aquilo de lado e corri até o armário embaixo da pia, caindo de joelhos, empurrei pacotes de sabonete e rolos de papel higiênico até encontrar uma grande lata de água sanitária. A contemplei tremendo por alguns segundos. Me levantei e desenrasquei a lata mais leve do que deveria. Virei todo o conteúdo na bancada. Quatro pacotinhos idênticos caíram, um deles rolou para dentro da pia. E foi exatamente ele que eu peguei.

Estava ciente do meu reflexo no espelho, mas nem me dei ao trabalho de olhar. Meu foco estava todo direcionado aos comprimidos azuis que agora dançavam na minha palma da mão trêmula.

No primeiro contato com a língua eles esfarelaram. O gosto não era doce, muito menos agradável. Mas não era o agora que importava, e sim, o daqui a meia hora. Me encarei no espelho finalmente, agora que já havia cuidado do estímulo, ia cuidar da aparência.

 

Não me dei ao trabalho de guardar a ecstasy no lugar, afinal o apartamento é meu. Joguei água com abundância no rosto e enxuguei. Eu não precisava de muito para ficar bonita. Passei um pouco de batom rosa e espalhei blush nas bochechas. Agora minha aparência estava um pouco melhor, exceto pelo cabelo! Liguei o secador e passei com auxílio de uma escova até conseguir um bom efeito.

 

Demorou um pouco, mas finalmente estava pronto. Tinha corrido até o closet e vestido um vestido de zíper rosa. Aquilo parecia um tubo, então corri de volta e coloquei uma saia básica azul e uma blusa branca que praticamente cobria a saia. Joguei um cordão simples por cima e sai procurando meu salto preferido pela cobertura. Foi quando eu lembrei que tinha deixado um deles cravado na testa de Hanah. Ri comigo mesma. Aquela falsa bem que mereceu.

 

Com a chave do carro na mão e com a bolsa praticamente vazia na outra, tentei passar despercebida pela recepção, mas, Charles parecia ter um “sensor Scarlet”.

— Senhorita Vega! - Ele levantou de trás do balcão e correu para abrir a porta de vidro que dava para a garagem.

Puxa saco!

— Obrigado. - Sorri deixando de lado nossa briga recente e o beijei na bochecha vagarosamente - Até mais Charles.

 

Ele não era velho, deveria ter a minha idade, aquele cabelo encaracolado o fazia parecer com um bebê anjinho ruivo. Porém irritante e idiota. Nada é perfeito.

 

Apertei a chave e o meu Audi brilhou os faróis. Eu amava aquele carro. O azul dele estava tão mais vivo que dá última vez que o vi hoje de manhã. Entrei e me sentei, minhas mãos foram direto para o rádio, meus dedos estavam trabalhando sozinhos, agitados. David Guetta soou nas caixas de som, acho que era ele. Talvez fosse Avicci. Mas naquele momento eu não estava ligando. Queria sentir o motor do meu bebê fazendo barulho. Queria sentir o vento nos cabelos e a adrenalina. Então acelerei para fora da garagem. Chequei a hora no painel, 11pm, as ruas ainda estavam movimentadas, não dava para fazer muito. Mas dava para fazer.

 

Abaixei o guarda sol e um pacote de chicletes caiu no meu colo. Com uma das mãos no volante, tentei abrir a caixinha e despejei alguns na boca. Uma mulher agora gritava algo que talvez pensasse ser música no rádio. Do lado de fora as coisas passavam rápido, árvores, prédios, casas, luzes. Principalmente luzes, que agrediam meus olhos de todas as direções.

Pensei no meu belo par de óculos Gucci que deixei na cabeceira da cama.

 

Acelerei um pouco quando tive espaço, então cansei de seguir essa linha de formigas e comecei a ultrapassar todos os carros possíveis. Aquele caminho eu já tinha percorrido tanto nesses últimos meses que era praticamente automático chegar lá. Alguns metros a frente o sinal fechou. Nada de carros no caminho. Sorri comigo mesma e pisei no acelerador. O carro só foi ganhando velocidade. Aquela sensação de estar deixando a alma para trás me preencheu por completo.

 

Com os dois pés, apertei o freio de uma vez e parei exatamente em cima da faixa de pedestre com um solavanco forte. Comecei a gargalhar aquilo era tão bom. Baixei todos os vidros do carro e o teto solar, para sentir uma sensação maior. Percebi que o sinal estava verde quando um carro buzinou atrás impaciente. Eu ri mais ainda, o meu fôlego sumindo e voltando. Arranquei com o carro e as buzinas finalmente pararam. Não precisei rodar muito. Logo na próxima esquina o armazém enorme se projetava. Mais luzes. Pisquei algumas vezes e assimilei a enorme placa: Sunshine

Fiz a curva fechada e estacionei em cima da calçada da balada. A fila estava rodando o quarteirão. Sai do carro e pendurei a bolsa no ombro. Os saltos fazendo barulho na calçada e pessoas cochichando por ter estacionado em local indevido. Sorri para alguns adolescentes da fila que me reconheceram e continuei caminhando até a entrada.

— Vega! - sorri radiante e passei os braços em volta do enorme segurança - Como vai garota?

— Não podia estar melhor - Me afastei

 

Um grupo de garotas que seriam as próximas a entrar apontaram frenéticas na minha direção. Uma delas tinha um cabelo tão colorido quanto a bandeira gay.

— Santana já está aí dentro tem um tempo - a voz grossa de Theo chegou aos meus ouvidos me tirando do devaneio - Vega?

— Aah. Sim. Obrigado Theo.

Estiquei o braço e ele colocou uma pulseira verde fluorescente no meu pequeno pulso. Então deitei a cabeça para o lado e ele, após tirar meu cabelo com cuidado, carimbou a bala vermelha em meu pescoço.

— Passe VIP! - Anunciei, talvez para mim mesma. Seus olhos claros brilharam quando me curvei e o beijei na bochecha demoradamente então entrei pela porta aveludada.

 

Pandemônio não descrevia aquilo. A música fazia as paredes de espuma e meu coração reverberarem no mesmo ritmo. Tenho certeza que o ar condicionado estava ligado, mas gotas de suor podiam ser vistas escorrendo delicadas quase em todas as pessoas. Luzes literalmente rodavam, iam e vinham de todas as direções. Pessoas se beijavam, se arrastavam e se enroscavam umas nas outras. Aparências desde homens altos e fortes vestidos de blusinhas sem alça até mulheres baixas e gordinhas vestidas com grife. Qual é? Eu reconheço as marcas de vestidos com as quais já desfilei.

 

Se é possível minha animação praticamente triplicou. Não sabia, e não queria saber que música estava tocando, mas cantei a plenos pulmões. Sacudi e dancei com qualquer um que passasse na minha frente.

 

Uma mão apoiou em meu ombro, me virei e um moreno mais baixo que eu, talvez por culpa do salto, sorria travesso.

— Sozinha?

 

Olhei em volta sem parar de dançar

— Não - Gargalhei e fiz um gesto para mostrar todas aquelas pessoas

 

Ele deu um sorriso torto que me enlouqueceu e revirou os olhos.

— Vou reformular para você então, gata… - ele abriu a boca para continuar a frase e eu enfiei minha mão para tapar-la.

— Sim.

 

Ele piscou os olhos castanhos lindamente confuso e empurrou minha mão devagar.

— Sim?

— Estou sozinha— Sorri para ele, talvez porque o queria ou, o que era mais provável, porque estava sorrindo por qualquer coisa.

 

Deixei que se aproximasse e dançasse comigo, o que em menos de dois minutos já tinha virado um beijo desesperado. Ele sussurrou alguma coisa no meu ouvido que não entendi e então ele viu o passe VIP no meu pescoço.

— Camarote?

 

Dei de ombros

— Quer subir?

 

A expressão dele mudou de curioso para pidão.

— Poderíamos?

 

Gargalhei e o arrastei pelo braço.

— Eu posso qualquer coisa aqui.

 

Quando chegamos a escada, a luz ali era mais forte, percebi que talvez ele não fosse tão gato assim. Mas quem se importa? Bill e Ítalo, os seguranças da parte de cima abriram passagem para mim sem nem checar meu carimbo.

— Scar! - Santana gritou quando passei pela porta - Onde você se meteu?

— Estava dançando com esse carinha aqui - apontei para o rapaz de cabelo ondulado. Talvez ele me lembrasse meu porteiro.

— Lá embaixo? - A cara de nojo de Santana merecia um Oscar.



Aqui em cima a música tocava mais baixa, poucas pessoas dançavam, a maioria estava se agarrando ou bebendo e olhando o povo embaixo pelo vidro, eles pareciam se divertir mais que os que estão aqui em cima.

— Sim. Eu pre…

— Calma. - o meu companheiro me interrompeu - Scar de Scarlet? Scarlet Vega?

Santana engoliu uma risada.

— Sim docinho. - zombou - Você está segurando a mão da Scarlet Vega.

Ele imediatamente soltou minha mão.

— Posso…?

— Tirar uma foto? - arrisquei

Ele balançou a cabeça freneticamente

— Quantas você quiser - puxei ele para perto de mim e o beijei.

 

Na saída da Sunshine, Santana me pediu uma carona, o que significava bebedeira no carro com mais dois rapazes, teto solar aberto e música no último volume.

 

— Mais rápido! - Ela gritava

 

Estava em pé entre o banco do motorista e do carona com o corpo praticamente todo para fora do teto solar com um dos homens a segurando pela coxa. Me atrapalhava um pouco a dirigir, mas fazer o que? Era bom sentir que alguém amava o que eu fazia. Direção perigosa. Eu ri e acelerei, a rua estava deserta o que me possibilitava fazer mais coisas. Joguei o carro na contramão fazendo todos no carro penderem para um lado. Então joguei de volta na faixa certa.

 

—Um sinal! - Ela gritou e apontou. - Faz de novo! Faz de novo! - O cabelo preto voando junto com o meu para todas as direções.

 

Pisei no acelerador. O carro ganhou uma velocidade absurda.

Aquela sensação me preencheu.

Apertei o freio o mais rápido que consegui e parei. A parada foi tão brusca que não consegui segurar o volante direito e derrapei um pouco antes de parar totalmente.

As pessoas no carro foram a loucura. Gritos preencheram minha mente.

Eu era amada.

Era boa no que fazia.

Eu estava na passarela.

Todos os flashes em cima de mim.

Respirei fundo e olhei em volta, cada um deles exibia um sorriso, talvez não mais lunático que o meu, mas quase.

Nada podia me parar, então acelerei de novo em direção a outro sinal.

— I’m love with your body! - Cantei para ser ouvida através do vento.

Santana saiu do teto solar e sentou do meu lado para mudar a música. Reclamando do meu mau gosto.

— Ed Sheeran não é mau gosto! - Soltei uma mão do volante para impedi-la de tocar no rádio.

— Scar! Freia!

 

Demorei um pouco para entender, foram os segundos que mais demoraram a passar na minha vida, o olhar assustado no rosto de Santana me alertou de que não era brincadeira, quando olhei de volta para frente percebi que a faixa de pedestre não estava vazia, todo mundo no carro prendendo a respiração, joguei o volante e pisei no freio ao mesmo tempo…e tudo escureceu.

 

Abri os olhos devagar, e então os fechei de volta involuntariamente. Era luz de mais, vindo de todas as direções, esmagando, ardendo, cegando meus olhos. Inspirei e quase não consegui expirar, meu corpo inteiro doía, cada músculo, cada curva. Ouvi um barulho de cadeira arrastando e então algo caiu no meu colo. Soltei um gemido de dor e fui forçada a abrir os olhos, o que gerou piscadelas aceleradas, Jonas me olhava de cima, não parecia nem um pouco feliz, mandíbula travada e as mãos na cintura.

 

Ele ficou me encarando, queria gritar para que ele não o fizesse, mas minha garganta não estava respondendo. Desviei o olhar para as cortinas que balançavam na janela, atingindo alguns equipamentos médicos, olhei para ele de volta, hospital. Eu estava em um hospital.

— E mais uma vez Vega está na capa…

 

Olhei para o meu colo, onde uma revista repousava, a peguei com dificuldade, era muito evidente do que se tratava. Uma lágrima caiu dos meus olhos, e outras foram descendo. A foto era do meu carro, se é que ele ainda podia ser chamado disso, estava tão contorcido, encaixado de um jeito estranho em uma vitrine de uma floricultura, três ambulâncias estavam estacionadas, e em volta, uma enorme multidão. Mais lágrimas... Muitas lágrimas. Sem barulho. Apenas lágrimas. A manchete dizia “Scarlet Vega se envolve em acidente de carro, após sair de balada, e atropela um inocente.”  Aquelas palavras me deram um soco.

— “Atropela um inocente…” - Repeti sentindo o gosto amargo daquela frase. Jonas tirou a revista das minhas mãos.

— Ei… fizeram um teste de doping em você - começou ele suavemente - E já estão sabendo da sua demissão… Vega, a imprensa vai cair matando.

 

E essas foram as palavras que alguém precisa ouvir quando se está se corroendo de culpa e medo numa cama de hospital.   

— E você vai tirar o seu da reta… - Adivinhei

 

Ele me olhou com pena.

— Desculpe.

 

Virei o rosto, ele não merecia ver minhas lágrimas, e nem deveria ver o quão eu estava vulnerável naquele instante.

— Sai. - Pedi baixinho.

 

Ele se mexeu desconfortável

 

— Sabe que eu tenho que fazer isso. Preciso contar o motivo de você não ir a Paris…

 

— Sai! - Implorei. Aquilo o fez se calar, eu não imploro.

 

Ouvi o barulho do sapato contra o chão, então a porta bateu. Observei com mais atenção o quarto em que me encontrava, a cadeira bege ao lado da cama, a pequena televisão pendurada na parede e o papel de parede cinza. Nenhuma decoração. Avistei um controle ao lado da minha perna e me estiquei pra pega-lo. A dor física foi suportável. O puxei para mais perto e apertei o botão de ligar. Meu braço está enfaixado do pulso até o cotovelo, e pelo que estou sentindo minha cabeça também, fora o abdômen.

 

Pensei em Santana e nos caras que estavam comigo no carro.

 

Um homem bem vestido anunciava um perfume no comercial, continuei olhando e observando até finalmente passar o que eu queria, mas temia, ver.

 

De acordo com dados fornecidos, podemos afirmar que a modelo, Scarlet Vega, da Ranking Enterprise estava sob efeitos de drogas quando o acidente aconteceu, sua companheira de passarela, Santana Haiz, também estava no carro, com namorado e amigo. Scarlet foi levada para o Saint Mus junto com os outros e passa bem, sofreu…

 

Passa bem? Sempre ouvi isso quando assistia ao noticiário, “ Fulano levou um tiro, mas passa bem”, como eles sabem que estou passando bem? Ninguém em um hospital está passando bem.

 

Voltei minha atenção novamente para a TV.

 

[...] A vítima se encontra no mesmo hospital...

Não sei se me senti aliviada com aquilo.

 

“[...] foi despedida ontem mesmo, ao que tudo indica, o motivo foram as drogas…”

 

A porta do quarto se abriu e a pessoa bateu ao mesmo tempo que entrava. O reconheci antes mesmo de o ver completamente.

Me sentei na cama o mais rápido que consegui. O quarto todo rodou.

— Vega - Senti as mãos fortes de Edgar segurarem meus ombros - Você não pode fazer esforço. - ele me deitou devagar e acariciou minha bochecha.

 

Cravei os olhos nos dele. Azuis como o céu. Meu céu. Pisquei com força. Não mais meu céu.

  

— Tira as mãos de mim antes que eu te chute. - Pedi, mesmo talvez desejando o contrário.

 

O toque dele estava tão gelado. Minha ameaça não surtiu efeito algum, ele apenas continuou me olhando e movendo o polegar contra meus lábios. Talvez eu deitada nessa cama, toda enfaixada, não transmita medo algum a alguém.  

 

— Não quero… - ele finalmente disse - Não quero parar de te tocar nunca...

 

Alguma coisa gritou dentro de mim, um alarme, “não deixe que se aproxime”, de novo não.

Meu rosto fez um movimento involuntário contra a mão dele, pedindo mais carinho.

 

— Enjoou de tocar ela? - Arqueei as sobrancelhas provocando

 

As mãos dele voaram para longe, que bom saber que ainda sou eu, que ainda consigo atingir as pessoas, atingir ele.

 

— Eu já pedi desculpas - eu ia o interromper, mas ele continuou falando - Eu sei que desculpa é só uma palavra para você, mas eu realmente… realmente sinto muito.

 

Não faz isso...  Não seja o Edgar pelo qual me apaixonei…. É mais fácil brigar com ele quando ele é aquele que me traiu.

— Vai embora daqui. - Ordenei

— Achei que você tinha morrido… As fotos do acidente são horríveis, achei que.. Que tinha te perdido.

 

Gargalhei desdenhosa. Ou pelo menos tentei. Era difícil quando se estava sentido dor até nas bochechas.

 

— E se arrependeu de ter me colocado um par de chifres? - ele suspirou, o atingi novamente - Sai daqui Edgar… Antes que eu comece a gritar.

 

A porta do quarto abriu e a voz que eu ouvi me fez tremer de raiva.

 

— Meu amor…. Ela está acordada?

 

Hanah tinha completa certeza de que eu estava acordada, a frase dela foi detalhadamente pensada para me agredir. E deu certo. Se eu tinha alguma dúvida de que eu a odiava, foi por água abaixo.

— Meu amor… - repeti encarando bem Edgar - Seu amor te fez uma pergunta.

 

O medo que passou diante dos olhos dele assustou a mim mesma.

— Vega…

— Ops… - Hanah se aproximou mais - Acho que ela está acordada - As mãos dela foram parar em volta dos ombros dele.

 

Surtei.

 

Levantei com toda a força que eu tinha e me joguei em direção a ela. Fui impedida por braços fortes. A dor que eu senti me fez cair de novo como pedra, na cama. Mas meu ódio estava queimando mais que os machucados.

 

— Vai se ferrar! Sai da porra do quarto! - gritei

 

— Me faz sair - pediu rindo.

 

Edgar estava me segurando, as mãos afundadas nos meus ombros. Com a força que eu estava fazendo para levantar e a força que ele estava fazendo para me manter deitada, eu tinha certeza de que iam ficar marcas.

 

— Me solta! Vou arrancar cada fio de cabelo dessa peste.

— Vega. Calma. - Ele estava desesperado. Era visível.

— Solta ela amor. Quero ver se ela consegue encostar um dedo em mim. - provocou

 

Gruni alto.

 

Pessoas invadiram o quarto, acho que foram os médicos para ver o que estava acontecendo, mas a essa altura minha visão já estava borrada de dor. Só parei de tentar bater nela quando apaguei.  

 

Depois de um tempo, as enfermeiras estavam fazendo rondas no meu quarto mais vezes que o necessário, tanto para evitar que eu gritasse com alguma outra visita, quanto para pedir áudios e autógrafos. Eu tinha certeza que algumas delas iriam vazar os áudios para imprensa, mas não estava ligando muito, minha situação não podia ficar pior, podia? Uma delas colocou uma bandeja de comida em meu colo e sorriu delicada.

— Você se incomodaria de gravar um áudio para o meu sobrinho? Ele é maluco por você.

— Claro que não. - Tentei sorrir o máximo possível.

— O nome dele é Simon! - Anunciou me entregando o celular.

 

Gravei um áudio para Simon.

 

Ela me agradeceu imensamente e saiu, me deixando sozinha com a papa horrível de brócolis.

Quando terminei de comer, outra enfermeira veio buscar meu lixo, implorei a ela que me deixasse ver quem atropelei, chorei pelo número do quarto, até que consegui.

 

Pedi que me levasse até lá. No meio do caminho ela me contou que ele estava estabilizado, e que minha amiga Santana ia ter alta. Fiquei aliviada por eles, até ver a porta do quarto onde ele se encontrava.

 

Minhas pernas tremiam por conta da dor, e agora por conta do medo.

 

Bati algumas vezes e esperei que abrissem. Uma mulher loira e baixinha abriu a porta e me olhou de cima a baixo.

— Como tem coragem de vir aqui? - perguntou amarga

 

Percebi que não se tratava de uma mulher baixinha, e sim de uma adolescente. Não respondi.

— Na TV só falam na “Meiga Vega” que se perdeu nas drogas. E do meu pai? Por que não tem matéria sobre ele? Ele é a vítima!

 

Por incrível que pareça, não senti vontade de gritar para ela que eu não comandava o que as pessoas falam ou deixam de falar de mim. Olhei por cima do ombro dela, para o homem deitado na cama. Ele não estava despedaçado, nem sangrando, nem com as tripas para fora, nem um único membro enfaixado, nada do que minha mente culpada ficou imaginando. Mas ainda assim, ele estava lá, deitado, e a culpa era minha.

 

A garota seguiu o meu olhar e deixou os ombros caírem cansada.

— Ele não acordou? - Perguntei com medo da resposta. Voltei toda a minha atenção para ela.

 

— Em coma.

 

Aquelas duas palavras me tiraram o fôlego, lutei com todos os meus princípios e soltei um “Desculpe-me” apressado. Eu tinha que sair dali. Me virei para correr, usei as paredes e as coisas por todo o caminho para me manter em pé. Comecei a chorar desenfreadamente e perdi o rumo, eu não consegui mais pensar em andar, simplesmente cai no meio do corredor e fiquei soluçando e engasgando.

 

Eu estava com ódio de mim mesma por ser tão estúpida, por conseguir me deixar levar pela maldita traficantezinha de merda, por ser imprudente com meu carro, meu lindo carro, que agora estava destruído, e tinha destruído uma vida, talvez mais que uma, com certeza a vida daquela garota, ninguém merece ver o pai naquele estado, provavelmente um trabalhador, um homem bom, um pai carinhoso e que agora está nessa situação porque uma irresponsável tinha feito besteira. Eu merecia estar naquele estado.

 

A dor emocional superou minha dor física, um frio estranho estava correndo por todo o meu corpo, de dentro para fora. O barulho do carro se chocando contra a loja invadiu minha mente, o meu próprio grito misturado com o de todos no carro. Senti mãos me segurando, tentei empurrá-las. Gritei e senti o salgado das lágrimas, eu queria me afogar nelas, tudo para apagar aqueles flashes, apagar o que eu tinha feito, apagar o que Edgar tinha feito. Apertei as mãos contra a cabeça, puxei, girei, gritei.

 

As mãos vieram de novo e me seguraram, dessa vez eram mais, muitas mais. Senti meu corpo saindo do chão. Gritei. Chutei. Eu só queria chorar, voltar no tempo. Não ir a lugar algum. Aquele frio estava me incomodando de mais.

 

Gritei mais.

 

“Em coma.” Ouvi alguém repetir no meu ouvido.

 

Só queria que isso acabasse.

 

Movi minha cabeça com força para frente, e apaguei.

 

  ~3 meses depois~



Tinha acabado de colocar o pote vazio de picles em cima da mesinha de centro quando Jonas entrou no meu quarto, se é que aquilo pode ser chamado de quarto. Nada de enfeites, nada de cor, nada de distrações, nada de nada. Ele me examinou com cuidado.

 

— Quando vai sair daqui? - Perguntou vindo se sentar ao meu lado na cama. - Esse lugar me dá arrepios.

 

— Duas semanas. - Respondi evitando olhar para ele, enquanto ele avaliava o estrago na minha testa.

 

Logo após surtar no hospital, e acertar a cabeça em uma quina qualquer, fui mandada direto para essa casa de repouso, sem direito a visitas nos primeiro 2 meses. Nada de televisão e muito menos internet ou celular, porém as notícias importantes chegavam a mim. Agora depois desse tempo todo, eu estava vendo alguém que não estava com o uniforme daquele lugar, ou da polícia.

— Vai ficar cicatriz? - Perguntou temeroso

 

Meu corpo é minha imagem, então era essa a pergunta que fazia para todos os médicos que vinham falar comigo, mas graças a Deus eu sempre ouvia a mesma resposta.

 

— Não. Nenhuma. - esfreguei a testa - Essa aqui também vai sumir como as outras.

 

Ele riu e encarou meu tórax enfaixado.

 

— Aquele volante fez um belo estrago.

 

— Sim… O que veio fazer aqui Jonas? Por que está me avaliando como se eu ainda fosse sua modelo?

— Tenho uma coisa para você. - A voz dele estava cautelosa. O que me deixou agitada. Consertei a coluna e peguei das mãos dele uma revista.  “Ranking Enterprise é o problema?

 

Arregalei os olhos para aquele título na capa e comecei a ler e procurar por mais detalhes. Fui atingida por várias informações…

 

Outras modelos viciadas”, “Hanah Asher é presa por tráfico de drogas internacional”, “Temos algum problema com essa agência?”, “Agora sabemos onde nossa querida Scar comprava”.

 

Eu acho que não deveria sorrir por causa daquilo, mas meu sorriso estava lá. E isso me assustava.

 

— Você tem três meses para consertar isso!

 

Me virei para ele surpresa.

— Como assim?

— O próximo desfile, no Brasil. Se lembra? - assenti e ele prosseguiu - Se os patrocinadores não desistirem da gente. Queremos você como principal.

— Eu tenho meu lugar de volta? – Arrisquei

 

Ele deu de ombros e tocou o cabelo.

— Você sempre foi minha preferida mesmo. Hanah me dava nos nervos.

 

Eu ri do tremelique que ele deu ao falar isso. Estava ciente de que ele só queria que a preferida do público limpasse a barra dele. Mesmo que estivesse sendo usada, se eu tinha uma chance de começar de novo, não ia jogar fora.



~ 1 ano depois ~



Muitas mãos se levantaram. Apontei para uma delas, e a pergunta que já estava na ponta da língua veio tão rápido, que quase não pude processar.

 

— Scarlet, como você descreveria a sua experiência com Hanah Asher?

 

Tirei o cabelo da frente do rosto e me ajeitei desconfortável na cadeira. Tinham tantos olhos focados em mim, fora as câmeras e os celulares. Queria soltar todo o meu ódio daquela mulher ali mesmo, na coletiva de imprensa, porém, Jonas havia preparado cada resposta.

 

“Achamos sua forma de se expressar muito agressiva.” - Ele sempre dizia

 

Preparei a fisionomia e soltei a resposta.

— Decepcionante. Ela é uma ótima pessoa, que se perdeu nesse mundo ruim. Não a culpo pelas coisas que me aconteceram - Forcei um sorriso - Talvez ela tenha me feito crescer. Odeio o fato de que minha melhor amiga me mostrou e mostrou a nossas outras companheiras, um caminho tão obscuro pelo qual seguimos.

 

Mais mãos se levantaram. Escolhi uma a esmo.

 

— Você pode se dizer “curada das drogas”?

 

Gelei, eu sabia que sim, todos sabiam que sim, mas as vezes eu duvidava de mim, só que não podia dizer aquilo, as pessoas não iriam entender, iriam me atacar, mais e mais. Recorri a resposta pronta de Jonas.

 

— Eu estou livre delas. Tive essa experiência com a MDMA, e garanto que nunca mais quero ter, nem com essa droga, nem com qualquer outra. Minha vida poderia… - respirei fundo - Eu estraguei vidas de inocentes. Cheguei ao fundo do poço, mas sai de lá com toda minha força de vontade e toda a ajuda da Ranking Enterprise e principalmente dos meus fans.

 

Dei permissão a mais um para fazer a próxima pergunta.

 

— Porque o público deveria te dar uma segunda chance? - Encarei bem a mulher de terninho cinza. Ela percebeu meu olhar de indignação e acrescentou -  Hanah não forçou você a dirigir drogada e atropelar inocentes. O que eu estou vendo é que a Ranking Enterprise está tentando jogar a culpa do declínio em cima da modelo que teve o final mais difícil de reverter, e estão usando você, que saiu do “fundo do poço”, suas palavras, como um…

 

Levantei da cadeira e bati as duas mãos na mesa. Um silêncio reinou.

Jonas começou a sacudir os braços loucamente do final da sala, pedindo minha atenção. Porém aquela mulherzinha tinha toda ela.

 

— Como um o que?! - Pela primeira vez naquele dia lotado de entrevistas e passarelas era eu falando - Não pedi segunda chance, não disse que sou vítima. Você tem alguma ideia do que é estar viciada? Você consegue imaginar a dor e a culpa por ter atropelado alguém? Não! Não consegue. Sabe porque? Porque você acha que é simples, que é uma escolha. - Ri de desdenha - Não acordo e simplesmente decido que nunca mais vou usar… não é fácil.. não..

 

— Então está dizendo que não está curada?

 

O ódio dentro de mim estava fazendo minha respiração ficar muito acelerada.

Jonas sacudia as mãos desesperado mandando eu seguir o roteiro.

 

— Curada, curada, aí meu Deus! Parem de usar a palavra curada! Minha vida virou um esporte radical! Estou na corda bamba o tempo todo. - a raiva fluía pelas minhas veias - O ecstasy roubou tudo de mim, minha motivação, meus sonhos, meus amigos, minha carreira, quase levou minha beleza e além disso tudo, minha sanidade. Todo santo dia eu fico com medo do meu futuro, temendo pela minha saúde. - estremeci - Os pesadelos o tempo todo me assombrando… Se com, curada, você quer dizer, sem usar! Ótimo! Estou curada! Mas pra você, se sentir no escuro, sozinha, sem ar, e ter tremores antes de dormir é estar curada?

— Está dizendo que pode ter uma recaída?

— Minha mão vai ter uma recaída na sua cara! - O burburinho ganhou uma proporção maior, a expressão  da mulher era de puro prazer, isso era combustível pro meu ódio. Percebi o jogo dela, mas não estava conseguindo sair dele. -  Escuta aqui… Tenho um caminho com muitos obstáculos, mas estou driblando eles, porque sou uma das sortudas, “a que teve um final fácil de reverter”. - Minha voz transbordava ironia.

— Sem mais perguntas…

— Ótimo!

 

Soltei a mão da mesa e joguei todo meu peso na cadeira. Joanas me olhava curioso, talvez decepcionado. Uma quantidade enorme de mãos estavam levantadas, sacudindo, implorando. Respirei fundo. Fechei os olhos. Esperei alguém mandar eu sair dali porque tinha feito merda. Mas acho que era meu castigo. Lidar com esses repórteres famintos.

 

—Você, de blusa verde! Pode perguntar.

— Então não quer a segunda chance do público?

— Que se dane a segunda chance. Quero ficar livre disso. E só.

— Então porque está aqui, agora? - Foi outra pessoa que perguntou.

— Porque isso faz parte da minha vida! Isso é tudo que eu sei fazer. Desfilar. Não dar entrevista, mas acho que vocês perceberam. - Sorri um pouco.

 

O clima de tensão sumiu do nada.

 

— Sim Scar, percebemos, mas já pensou em se dar uma segunda chance?

 

As palavras dela me atingiram em cheio, uma lágrima reprimida a muito tempo escorreu pelo meu rosto.


— Vou pensar… eu juro que vou pensar, pelos meus fans e… talvez por mim?


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Notas finais do capítulo

Comentem por favor. Isso me deixa muito animada para escrever outras coisa.



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