Witchland escrita por Phantom Lord


Capítulo 2
II. A Bruxa do Vale




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 Wilburna estivera esquadrinhando o céu desde o início da noite.

   Em algum lugar do vale, abaixo da grande colina onde – mal sabia ela – um grande castelo estava para ser erguido, a mulher clamava em silêncio para que a deusa Minerva a protegesse dos inimigos. E este era seu crime. A condenação a rodeava desde que os boatos haviam começado.

  Cruzes cobertas de líquen ornamentavam as entradas da minúscula aldeia onde vivia. O estandarte cristão tremulava sob os ventos lúgubres que vinham assombrando a Bretanha nos últimos tempos, como se nenhum deus pudesse estar contente. O monastério era um prédio cinza e triste, onde os freis meditavam melancolicamente e desejavam fazer disto um exemplo para todos os aldeões.

   E naqueles mesmos tempos, os deuses romanos já haviam sido destronados. O cristianismo crescia em toda a parte e isto era sinônimo de perigo para gente como Wilburna.  

 Em suas orações silenciosas ela lamentou não poder cremar alguma de suas oferendas à deusa e desejou que ela a perdoasse. Naquela noite, porém, Minerva parecia ignorar as lamúrias e medos de sua serva.

 

    Frei Rickard era um homem temente à seu deus. E também era um homem de muitos princípios. A fé dava-lhe forças para suportar todos os dias a terrível tarefa de trabalhar nas cozinhas do monastério. Não era nem um pouco agradável cozinhar para um monte de sacerdotes rabugentos que viviam o acusando de roubar comida das despensas.

   Durante as tardes, Rickard orava e agradecia pelo pão e depois, quando a lua e as estrelas despontavam nas noites de prata, ele ia se deitar. Quase nunca era capaz de dormir, pois os roncos de seus companheiros eram como uma folia de guerra. Nessas noites, ele ia para o campanário do monastério, onde ficava o sino. E lá, ele descobriu um segredo

  Wilburna estava sempre lá embaixo. Um pontinho no horizonte, ela observava as estrelas nos jardins da grande fazenda da aldeia. Rickard já a vira antes; era uma bela mulher (Deus o perdoe por pensamentos tão pecaminosos), de cabelos vermelhos e hábitos estranhos.

   Nas primeiras vezes em que a vira, pareceu-lhe que ela estava rogando a Deus. Mas Rickard não poderia ignorar os fatos. Ninguém fazia orações tão tarde da noite. Ela percebeu-o no campanário, mais de uma vez, e parecia realmente incomodada depois disso. Numa noite, Rickard arrastou os passos através das portas do fundo da cozinha do monastério e foi visitá-la.

 Era loucura, ele sabia, mas uma loucura que viria a conquistar uma valorosa amizade. Wilburna confiou nele (e não era severa e rabugenta...e afinal, era uma mulher tão bonita. Óh, Deus me perdoe por estes pensamentos pecaminosos.) e desde então, havia entre eles uma fidelidade sólida. Ele lhe contava sua entediante rotina no monastério e ela lhe contava coisas muito curiosas.

 Um dia, ela mostrou-lhe um graveto.

  _ Isto é sagrado para o meu povo._ ela lhe disse num tom misterioso.

 A ele parecia só um galho seco, comprido e feio, como os dedos de Frei Aumund.

 Ela agitou o graveto e algo aconteceu. Rickard viu uma planta desabrochar no jardim onde antes só existia uma relva lisa. Aquilo apavorou-o e maravilhou-o. Desde então, aquele era o limite; ele descobriu que a amava, mas que seus encantos eram algo que o assustava. E reconhecendo isto, Wilburna não usou mais aquele graveto diante dele.

  Nas últimas semanas antes da fatídica noite em que ela clamava – sem resposta – pela ajuda de Minerva, Rickard a havia alertado.

 _ Eles desconfiam de você._ murmurou ele tão depressa que ela precisou de um instante para compreender o que ele dizia._ Sabem da sua...do seu...

 Aquilo inflamou-a antes que ele encontrasse a palavra que procurava.

 _ Eles quem?

 _ Todos eles._ e ele acenou rapidamente para o monastério._ E o senhor da fazenda, Aemus.

 Frei Tolthony apareceu ali perto com um balde cheio de trigo que trazia da fazenda. Ele viu Rickard e Wilburna e observou-os com uma desconfiança maliciosa. Rickard parecia ter se esquecido subitamente de que era amigo de Wilburna, pois esquivou-se dela como se jamais a tivesse visto e caminhou com as pernas gorduchas até sumir de vista.

 Os dias se passavam e em nenhum deles frei Rickard desceu de seu campanário para conversar com Wilburna. Ela sentia-se solitária e infeliz. Os olhares tortos se tornaram mais frequentes. As pessoas murmuravam. Os freis a amaldiçoavam em silêncio.

Na manhã anterior, ela vira Rickard. Ela encarou-o e ele sequer sustentou o olhar. Se descobrirem que ele é meu amigo eles o odiariam ainda mais. Ela podia compreender o medo dele, mas não queria estar sozinha.

 Voltou a vê-lo somente naquela noite em que entoava suas orações como um hino.

 Põe sobre mim o teu olho, põe a minha frente o teu escudo e...

  Foi interrompida pela aparição grosseira de uma criatura que ofegava. Era grande e robusto como um urso, mas não tinha garras. Sob o tecido escuro do manto, frei Rickard meio que falava, meio que choramingava.

 _ Estão vindo_ ele lamuriou._, estão vindo.

 

 

   O luar era o expectador dos terríveis momentos que se seguiram. Um punhado de freis entraram na fazenda, dourando a noite com archotes inflamados. Outros vinham com eles; gente comum que estivera trabalhando na fazenda com Wilburna.

 Ela sabia o que estava por vir. Lamentou-se por ter de deixar para trás a varinha e fugiu o mais depressa que pôde. A expressão apavorada e ferida de Rickard lampejava diante de seus olhos. Antes que pudesse perceber, eles estavam lá. Os homens com os archotes bloqueavam seu caminho. Estavam alinhados na estrada e tinham os olhos iluminados pelo fogo. Olhos brilhantes e cheios de ódio.

  Nada do que fizeram depois teria agradado a deus algum.


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