Coração Vazio - JDD escrita por Leonardo Alexandre, Hastings


Capítulo 1
One do Leo - Coração Vazio


Notas iniciais do capítulo

Título: Coração Vazio
Mínimo - Máximo de Palavras: 1749 - 3473
Palavra Obrigatória: medo
Música: youth - troye sivan
Tema: um garoto que foge de casa por rejeição dos pais
Personagens (1 - 4): Bruna Carvalho, Lucas Fernandes,Yuri Fernandes, Marcos Tavares



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Lucas abriu a porta de casa o mais vagarosamente possível. Se conseguisse subir as escadas sem ser ouvido, poderia deixar o violão em seu quarto e descer para jantar como se não tivesse feito nada de errado. Até porque, em sua concepção, não havia feito.

Porém, assim que botou o primeiro pé no chão da sala, ouviu o pigarro de Jorge, que o esperava com ambas as mãos dentro dos bolsos da calça jeans azul surrada e uma expressão de poucos amigos.

Tentando disfarçar com um sorriso amarelo, Lucas disse. — Oi pai.

— Onde diabos você estava, moleque? — Jorge perguntou com um tom rude, expondo sua raiva mal contida.

— No curso, ué. — Respondeu, esforçando-se ao máximo para não tremer diante do olhar acusador que lhe era dirigido. — É por causa do violão? Eu só levei pra relaxar no ônibus com a galera. Sei que o senhor não gosta, mas...

— Ah, é mesmo? — Interrompeu-o, cruzando os braços e encarando-o com um sorriso irônico. — Por que eu saí mais cedo do trabalho hoje e fui te buscar no curso. Seu o Yuri tava lá e me contou que você não dá as caras em uma aula faz bem uns quatro meses.

Lucas não sabia se sentia pavor por ter sido pego ou aliviado por seu primo ser horrível com números e ter reduzido dois meses de suas faltas.

— Pai, eu...

— Cala a boca, seu merdinha! — Jorge exclamou alto o bastante para as veias de seu pescoço saltarem. — Acha que eu te criei pra isso? Pra ser a porra de um hippie?

— Olha, não é bem assim, tá bom? — Lucas também se alterou, mas tentava se conter para não acabar apanhando. — Só não quero estudar essa baboseira. Minha vocação tá bem aqui no meu ombro. Eu quero ser músico.

— E mendigo, né? — Zombou irritado. — Você vai voltar pro caralho do curso, estudar e ser alguém na vida.

— Pra que? Se eu posso me dedicar ao que realmente sou bom? — Retorquiu já sem paciência, gesticulando de maneira exagerada com as mãos. — O terceirão acaba daqui poucos meses, minhas notas até que estão tranquilas. Agora eu quero focar na minha música.

— Focar na música é meu pau!

Quando Jorge avançou com sangue nos olhos, Lucas achou que iria apanhar até o dia seguinte, porém foi muito pior do que isso. Seu pai arrancou o violão de seu ombro, tirou da capa com violência e começou a golpeá-lo contra o chão frio de cerâmica. De novo e de novo até deixá-lo completamente despedaçado.

O garoto estava tão atônito que não conseguia sequer reagir, apenas observava a cena com os lábios trêmulos e os olhos marejados. Seu coração tão fragmentado quanto seu velho companheiro de aventuras melódicas.

— O senhor não tinha o direito. — Murmurou com a voz falhando, chorosa.

— Tinha. Eu comprei essa merda pra você passar o tempo, não pra jogar a caralha da sua vida no lixo! — Jorge gritou exasperado. — Agora sobe e vai estudar. E se prepara porque depois eu vou querer a prestação de contas de cada centavo que eu achei que tava pagando no seu cursinho.

Lucas correu escadarias à cima sem enxergar nada, quanto mais lágrimas limpava, mais pareciam surgir. Depois de anos sendo ridicularizado em festas de natal por não ser outro dos muitos machistas da família, nunca se sentindo bem na própria casa e se sentindo inseguro na presença de seu pai, agora tinha sido a gota d’água. Aquele violão era seu melhor amigo desde os nove anos, o único ponto que o mantinha são no desconforto absoluto de não se encaixar no meio onde nasceu; e agora não tinha nada.

 Mesmo estando ciente do quão idiota e mimado pareceria se fugisse por algo tão “bobo”, ele sabia que essa era apenas a última gota d’água em um copo que sempre estivera a ponto de transbordar e continuar morando ali seria morrer diariamente.

(...)

A coceira na perna de Lucas por conta do jeans sujo demais se tornava mais incômoda a cada segundo, porém ele não movia um músculo sequer enquanto observava o movimento de uma pequena lanchonete em frente a uma das maiores praças da cidade.

Aquele era o tipo de lugar em que muitas vezes os clientes não comiam todo o lanche, apenas levantavam e iam embora deixando as sobras ali mesmo para um funcionário recolher, isso somado ao fato de grande parte das mesas estarem dispostas ao ar livre tornava possível pegar algo para comer sem ser notado se fosse bem rápido. Já fizera isso outras vezes, porém essa não parecia ser sua noite de sorte já que uma das garçonetes simplesmente não parava de observá-lo, atrapalhando todo seu plano perfeito.

Ou seria garçom? Lucas não saberia dizer, pois de alguns ângulos parecia uma garota com seios muito pequenos, já em outros, um rapaz de cabelo muito comprido.

Isso era irrelevante. A certeza que tinha era que o tempo estava correndo, logo a hora da lanchonete fechar chegaria e se não conseguisse escapar daquele olhar constante, acabaria somando mais um aos dois dias que já estava sem comer.

Mal sabia que os pensamentos na mente da garçonete eram o extremo oposto.

Ela conhecia bem aquela expressão, já vira diversas vezes no rosto de sua namorada e também de seus dois melhores amigos. Não fazia tanto tempo, por isso ainda era muito nítido em sua mente e podia percebê-la naquele garoto maltrapilho. Era fome. A verdadeira fome.

Os últimos clientes aproveitavam seus lanches enquanto os funcionários começavam a se preparar para fechar, porém a garçonete não aguentou e disse para o chapeiro.

— Zeca, prepara um X-Egg e põe na minha conta, por favor.

— Tá beleza. — O rapaz respondeu com sua voz rouca e mansa, sem mirá-la.

Depois que o sanduíche ficou pronto, ela também pegou uma garrafa pet qualquer que ali havia, lavou e encheu com água gelada, colocou-a em uma sacola junto com o menor e mais barato refrigerante disposto da lanchonete e foi até o garoto de rua, bem devagar e sempre o olhando nos olhos, para não assustá-lo.

— Isso é pra ti. — Murmurou estendendo a sacola para ele.

— S-sério? — Lucas indagou surpreso. — Mas... Por quê?

Assim que as palavras deixaram sua boca, ele passou a se sentir um completo imbecil. “Aceita, idiota, tu não come há dois dias.” Pensou.

— Você não é rato, é gente. — Luísa respondeu com um sorriso empático. — Ninguém no mundo merece viver de resto de comida. Já vi isso bem de perto e me dói não poder ajudar mais gente. Te ajudar hoje deixa meu coração mais leve, mas eu não te recomendo ficar aqui. Outros funcionários de lanchonete nessa área lidam com os moradores de rua de um jeito bem mais rude do que eu to lidando, tá bom? Agora pega.

— Pode deixar. — Sorriu pegando a sacola com as mãos trêmulas. — Obrigado. Muito obrigado mesmo. Serião, valeu de coração.

— Por nada. Se eu pudesse, faria muito mais. — Murmurou ainda sorrindo. — Agora tenho que ir pra não arrumar confusão.

— Espera. — Pediu, em tom meio tímido. — Qual o seu nome?

— É Luísa. — Ela respondeu, em seguida voltando rápido para dentro da lanchonete para ajudar a fechá-la.

— Prazer, Luísa. Eu sou o Lucas. — O garoto não falou alto demais para não colocar sua bem feitora em encrenca, porém foi o bastante para que ser ouvido.

Luísa não queria ter ouvido. Saber o nome dele o tornava mais real, assim como todo o sofrimento pelo qual passara e ainda passaria.

Durante todo o caminho de volta para seu apartamento, a imagem daquele garoto não lhe saia da cabeça. O cabelo sem corte, a barba e as roupas de aparência muito suja, os olhos sem brilho e a expressão de desespero por um pedaço de sanduíche que algum estranho não aguentou comer.

Logo que atravessou a porta pode ver Bianca sentada no colchão de casal que dividiam e no colchão ao lado Eduardo e Pedro, e assim que eles olharam de volta souberam que havia algo errado, alguma coisa a estava incomodando.

— Minha nenenzinha linda, o que aconteceu? — Bi foi a primeira a se levantar, indo até sua namorada para segurar sua mão.

— Mexeram com você no trabalho, Lu? — P era o mais protetor, então conhecia bem as fraquezas de todos ali, por isso sabia que um dos principais jeitos de afetar Luísa era pondo sua identidade em dúvida ou pior, deslegitimando-a.

— Não do jeito que tu pensa. Pode relaxar. — Respondeu seu amigo enquanto puxava Bianca para um abraço suave. — Eu vi um garoto hoje. Isso mexeu comigo.

— Quer que eu faça um achocolatado morninho pra você se acalmar um pouco? — Du ofereceu com um sorriso de canto. — Então pode contar tudo pra gente, tá?

— Aceito, migo. — Lu sorriu de volta, porém seu olhar não acompanhou.

Minutos depois, Pedro havia colocado um colchão sobre o outro, desdobrado a mesa e colocado as cadeiras ao redor, onde todos se acomodaram. Luísa ficou em silêncio até que sua caneca estivesse pela metade.

— Não quero que se preocupem comigo, tá bom? — Pediu, bebendo mais um gole de achocolatado antes de prosseguir. — Mas sabem que não gosto de mentir e preciso dizer que aquele garoto me abalou pra caramba. Foi como rever qualquer um de vocês no tempo da barraca, só que dez vezes pior. Ele deve ter mais ou menos a nossa idade e parece nem ter ninguém pra apoiá-lo como nós sempre tivemos uns aos outros. Olhar nos olhos dele foi como colocar meu coração em um recipiente gelado de metal do tamanho de uma caixa de fósforos.

— Oh, meu amorzinho. — Bianca imediatamente afastou sua cadeira para ficar mais perto e poder abraçá-la. — Logo você que tem o maior coração do mundo.

 — A gente super entende, Lu. — Eduardo estendeu a mão por cima da mesa e apertou de leve a dela. — Eu sempre tive muito dó de sem teto, mas depois de passar aquele tempo morando na rua, essa sensação ficou muito pior. Ainda mais porque a gente tinha a barraca, você levava comida quando podia, estar os três juntos nos deixava menos vulneráveis à sofrer qualquer violência. Sozinho deve ser uma barra bem mais pesada de segurar.

— Sim. Muito. — Luísa largou a asa da caneca para enterrar os dedos no cabelo. — O Lucas parecia não fazer a barba há semanas e estava suja, as roupas pareciam imundas...

— Como sabe o nome do boy? — Pedro perguntou com as sobrancelhas franzidas.

— Ele me disse depois que eu o ajudei. — Murmurou, sorrindo como se sentisse culpa. — Sei que a gente evita pegar dinheiro adiantado ou fazer conta nos nossos trabalhos sem ser emergência, mas eu não aguentei ficar parada só olhando o desespero do Lucas esperando um cliente deixar resto na mesa. Simplesmente não deu. Então comprei um sanduíche baratinho e uma garrafinha de refri e dei pra ele junto com um pouco de água gelada.

— Lu, não usa esse tom como se alguém aqui fosse ficar chateado por isso. — Eduardo pediu, fazendo um carinho de leve com o polegar no dorso da mão de sua amiga. — Você fez uma coisa muito boa. A gente tá conseguindo manter as contas bem organizadas e cumprir os nossos planos, não vai nos fazer falta. E mesmo que fizesse, tenho certeza que pro tal do Lucas ia fazer bem mais. Tu tens é que ficar feliz, você não vai consertar o mundo ajudando só mais um morador de rua, mas fez o que pode e aposto que pra ele foi grande coisa.

— Isso é verdade. Que orgulho. Que mulherão da porra. — Bianca disse tentando ser teatralmente enfática sem falar alto demais, pois as paredes do prédio eram muito finas e já passava da meia-noite. — Eu te amo, meu amor!

Finalmente Luísa deu uma risada sincera, que logo foi acompanhada por todos ali. No fundo, seu coração continuava apertado e com um peso a mais, pois a imagem de Lucas ainda estava fixa em sua mente e era bem provável que ficasse lá por semanas, mas era maravilhoso ter amigos tão fofos e compreensivos e uma namorada boba piadista com quem podia sempre contar para conversar e desabafar.

*(...)*

Algumas semanas se passaram, Lucas não aparecera mais perto da lanchonete e Luísa não estava mais pensando tanto nele. Porém as coisas mudariam naquele dia, que de início parecia ser como qualquer outro.

Era o dia de folga de Bianca, então Luísa a deixou dormir duas horas a mais antes de acordá-la com beijos por todo o rosto.

— Nossa. Não tem imagem mais maravilhosa no mundo pra se ver logo de manhã. — Bi murmurou sorrindo antes de se sentar e esticar bem os braços para os lados e para cima.

— Eu discordo. — Disse Lu com um sorrisinho de canto. — Acordo do seu lado todo dia e é simplesmente sensacional.

— Eu sou uma visão sensacional mesmo. E você é maravilhosa, meu amorzinho. Não precisamos competir. — Respondeu fazendo sua namorada rir.

— Aceito seus termos. Agora vai tomar um banho e escovar os dentes pra gente tomar o café da manhã juntinhas.

— Sim senhora. — Replicou batendo continência antes de levantar.

Um dos motivos de Bianca adorar tanto seus dias de folga era poder tomar não apenas um banho, mas O Banho. Com direito a lavar o cabelo, ensaboar cada pedacinho de seu corpo, poder cantar e não se preocupar com mais duas pessoas tendo que usar o único e minúsculo banheiro do apartamento antes de ir trabalhar.

Luísa gostava de ouvir a cantoria vinda do banheiro enquanto arrumava o que havia para arrumar no pequeno apartamento e organizava a mesa de café da manhã. Não que Bi cantasse bem, longe disso, mas aquilo era um lembrete de que elas teriam o restante do dia inteiro para ficar juntas.

— Ah, Lu. — Bianca reclamou ao sair do banheiro, já vestida, e ver tudo em ordem. — Já falei que não precisa arrumar, eu faço isso depois de tomar banho.

— Você fala como se desse trabalho. — Luísa riu e indicou a cadeira a sua frente. — Vem cá. O que quer fazer depois de tomar café?

— Ah, sei lá... — Respondeu se sentando e colocando leite e café em sua caneca. — O niver do Du é daqui duas semanas, podemos sair pra comprar o presente dele. Depois a gente volta e transa o resto do dia.

— Amor, é tu que tá de folga hoje. Eu vou ter que trabalhar de noite e tu me deixa off de energia, bebê. — Murmurou virando um pouco o rosto para disfarçar sua vermelhidão.

— Você sabe que ser a versão brasileira de Garçonete Zumbi vale a pena depois do que eu faço, amor. — Sorriu com malícia, deixando sua namorada ainda mais corada.

— Então... — Luísa pigarreou e mudou de assunto. — Não tem lugar onde esconder o presente aqui. A gente deve mesmo comprar tão antes?

Bianca riu enquanto passava manteiga em um pão. — É só pedir pra Dona Amélia lá do 312 pra guardar. Tu sabe que ela é louca pelo Du.

— Pois num é? — Exclamou de olhos bem abertos. — Parece até que é neto dela.

— Então pronto. Temos nosso cronograma de hoje.

oOo

As duas garotas andavam pela calçada rindo e conversando quando, de repente, Luísa parou, olhando chocada para o outro lado da rua.

— Amor! — Exclamou segurando o braço de sua namorada. — É ele! É o Lucas!

— O guri do x-ovo? — Bianca perguntou surpresa.

— Sim! Vamos lá falar com ele. — Luísa não a esperou concordar, apenas a puxou até o garoto de rua.

Depois de algum tempo de falando com Lucas, Bi entendeu a vontade de Lu de ajudá-lo. Ele falava como alguém que já acreditou em seus sonhos, mas agora carregava um coração vazio, um olhar vago e um fardo de desesperança e medo do futuro.

Agora ela também queria fazer algo por ele, mas ainda não sabia o que, então pediu para que ele as encontrasse na lanchonete onde Luísa trabalhava perto do horário de fechar. Pretendia levar Eduardo e Pedro para conhecê-lo e se ambos sentissem a mesma empatia pelo rapaz poderiam decidir juntos como ajudá-lo.

Os dois também acabaram sentindo certa necessidade de cuidar de Lucas. Não que tivessem muitas condições para fazê-lo, porém o ajudariam como podiam.

(...)

Alguns meses se passaram. Lucas tinha momentos péssimos e momentos bons. Todos os bons, ou pelo menos a esmagadora maioria deles, eram proporcionados pelo quarteto maravilhoso. O afeto entre eles se tornava cada vez mais mútuo e forte, bastante verdadeiro.

Porém, somente naquele dia, em que milagrosamente Bianca, Eduardo, Luísa e Pedro conseguiram encaixar suas folgas e puderam sair para um piquenique à tarde (ao qual também informaram Lucas para que ele também fosse), a dúvida surgiu na cabeça de alguém.

— Eu acho que você nunca chegou a falar pra gente. — Começou Du, pensando em um jeito de não parecer indelicado. — Porque foi expulso de casa?

— Verdade. — Concordou Lu, parando um instante de dedilhar suavemente as cordas de seu violão para mirar o garoto de rua. — Já faz um tempão que estamos convivendo e esse assunto nunca veio à tona. Mas, olha, a gente tá falando isso longe de querer te pressionar, tá bom? Se for delicado pra ti falar sobre isso, não se sinta obrigado só porque estamos curiosos.

— Não fui expulso. — Lucas admitiu enquanto desenhava círculos imaginários em sua calça extremamente surrada.  — Pra ser sincero, eu fugi de casa.

— O que? — Os quatro exclamaram surpresos. — Por quê?

— O meu pai. Minha família como um todo, na verdade. Tanta ignorância que chegou a um ponto insuportável. — Respondeu com um suspiro triste. — Desde que eu era pequeno ouvia coisas como “menino não pode chorar, meninas não devem ficar subindo em árvores ou correndo pelas ruas, menino tem que pegar todas as menininhas ou é viado, mulher assim é pra casar o resto é pra comer, mimimi, blablabá” e mais um monte de babaquice machista. Cara, eu já cheguei a apanhar do meu pai só por me oferecer pra ajudar a minha mãe a lavar louça. Eu tentei engolir e só continuar me focando em ser um cara diferente daqueles otários da minha família, mas quando meu pai quebrou o meu violão, eu soube que não dava pra morar lá e ser eu mesmo ao mesmo tempo.

Só ao parar de falar o garoto percebeu que era mais um desabafo do que um relato.

— Te entendo. — Disse Luísa lembrando-se de quando finalmente pode sair de casa e morar com a pequenina coleção de malucos que chamava de amigos e namorada. — Entendo muito bem. Se eu fosse a pessoa que meu pai tentou me criar pra ser, eu seria um cara muito escroto. Quando a Bi foi expulsa de casa por ter sido pega comigo, ele ficou tão feliz. Lembro até hoje das palavras nojentas depois de descobrir que eu gostava de mulher. “Sabia que tinha criado um macho de verdade, não um viadinho. Ainda é espertão o meu moleque. Se fingindo de boiola pra poder ver as amiguinhas peladas e jogar as iscas. Esse é o meu filhão”. Depois disso cada mísero segundo morando lá era uma morte extremamente dolorosa.

— Que cara nojento. — Replicou Lucas.

— Só é. — Outra vez, os quatro falaram em uníssono.

— Bom, como nós fomos expulsos, não tivemos opção além de aprender a nos virar. — Começou Pedro. — Se não fosse pela ajuda da Lu, talvez a gente ainda estivesse na rua. Essa é uma coisa muito difícil pra se passar, nem imagino como é quando se está sozinho. Com isso em mente, fico curioso. Você nunca pensou em voltar pra sua casa?

— Conhecendo bem o meu pai, tenho quase certeza de que quando decidisse sair, não poderia voltar mais. — Respondeu com um sorriso de canto. — Mas, olha só, eu não sou tão burro quanto parece. Eu sabia que morar na rua seria uma droga, o meu plano era conseguir falar com o meu tio Marcos pra me mudar pra casa dele.

— Eu pensei que sua família como um todo era escrota. — Disse Eduardo com o cenho franzido em confusão. — Sem querer ofender.

— Não ofende, eles são mesmo. — Lucas riu. — Menos o tio Marcos e a Bruna, esposa dele. Os dois evitavam ir às festas da família, por motivos óbvios, mas eu adorava quando iam. O titio mostrava o jeito certo de se criar um filho, sempre mandando meu priminho Jonas lavar o próprio prato depois de comer e falando pra respeitar as meninas quando meu pai tentava empurrar umas conversas machistas pro menino. Sem falar da Bruna, que é muito porra louca e espalhafatosa, deixava as chatas das minhas tias conservadoras cobrindo a boca com as mãos, super escandalizadas. Além de que ela ganha muito bem e sempre incentivou minhas primas a estudar mais que aprender a fazer coisas pros futuros maridos. Então, é claro, sempre fui um fã de carteirinha deles dois.

— Ué. Então porque eles não quiseram te ajudar? — Perguntou Pedro, cada vez mais envolvido na história.

— Não é isso, eu nem consegui falar com eles. — Disse Lucas em tom de lamento. — No natal do ano retrasado, o tio Marcos veio ceiar na casa da minha avó. Foi uma das ocasiões em que ele deu uma lição de como ser um ser humano decente enquanto meu pai mostrava o ogro que era. Depois de tomar cerveja demais, ele começou a falar as asneiras dele e meu tio, bem mais educadamente do que eu conseguiria, falou que se pensava assim séculos atrás. Acabou que eles saíram no braço, entrou mais tios e uns primos no meio, minha avó passou mal, quase enfartou. Depois, o meu tio voltou com a mulher dele pra cidade onde eles moram e todo mundo daqui bloqueou ele em todas as redes sociais e vice-versa. Eu entrei nesse bolo de bloqueados sem ter nada a ver com a confusão, a qual eu estava do lado dele, inclusive. Tentei criar até um facebook novo pra adicionar eles, mas tem muitos, muitos, Marcos Tavares e Brunas Carvalhos, não consegui achar eles a tempo. Meu dinheiro acabou e sem meu violão, eu mal consigo grana pra comer.

— Nossa, que barra. — Eduardo pôs a mão sobre o peito, impactado.

— Eu não consigo acreditar que você foi o único que ficou do lado do seu tio! — Bianca exclamou indignada.

— Talvez nem tenha sido, mas se eu não tive coragem pra me meter, outra pessoa que concordasse comigo também não teria dito nada, provavelmente. — Lucas comentou, dando de ombros. — Sabe, toda vez que eu penso naquele dia desde que to morando na rua me acho um grande idiota. Se pelo menos eu tivesse tido peito pra assumir uma posição, o tio Marcos ia saber que não precisava ter cortado contato comigo e a gente podia tá conversando há muito tempo sobre a minha vontade de sair daquele inferno que era a minha casa. Quem sabe ele mesmo não tivesse me chamado pra morar lá?

— Ah, Lucas, não adianta tu ficar se martirizando por isso agora. — Murmurou Pedro, tentando sorrir de um jeito reconfortante. — Já passou, o foco tem que ser daqui pra frente.

— Pensar no passado ou no futuro tanto faz pra mim. — Ele respondeu, percebendo que estava chorando ao sentir as lágrimas molhando suas bochechas. — Nenhum dos dois me trás algum sentimento bom.

Luísa desviou o olhar para baixo, a fim de evitar chorar também. Só então lembrou que havia um violão em seu colo e logo teve uma ideia. — Lucas. Será que tocar uma musiquinha pra gente não te faria se sentir um pouco melhor?

— Eu posso mesmo? — Um sorriso surgiu de imediato iluminando o rosto do garoto.

— Claro. Pega. — Respondeu sorrindo de volta enquanto estendia o instrumento.

A emoção de sentir outra vez a madeira de um vilão em contatos com suas mãos foi tão boa que Lucas nem sequer saberia como descrever. Colocá-lo na posição certa e dedilhar suavemente as cordas foi ainda melhor, tanto que ele precisou fechar os olhos para aproveitar a deliciosa sensação antes de começar a cantar.

— What if, what if we run away? What if, what if we left today? What if we said goodbye to safe and sound? And what if, what if we're hard to find? What if, what if we lost our minds? What if we let them fall behind and they're never found?

Quando a voz de Lucas se juntou a melodia de Youth do Troye Sivan, todos os outros quatro ficaram de queixo caído. Sim, o garoto tinha uma voz bem bonita quando falava, mas cantando chegava a um nível acima. Ao mesmo tempo em que ele conseguia soar delicado e suave, havia muita intensidade emocional sendo transmitida ali.

Luísa foi a que ficou mais impressionada, pois desde que era pré-adolescente estudava música e por isso podia notar com mais clareza como Lucas tinha uma técnica impecável, além de bastante talento.

A tarde seguiu repleta de músicas até que o azul do céu começasse a ser tingido pelos lindos tons vermelhos e alaranjados do crepúsculo, indicando que teriam que deixar o garoto sozinho nas ruas de novo.

O sorriso de Lucas nunca esteve tão grande e verdadeiro desde que se conheceram, mas, embora ainda estivesse lá com sinceridade, diminuiu consideravelmente assim que seus bem feitores o encararam daquele jeito tão conhecido, um olhar que se despedia com muito pesar antes de dizerem adeus. O pesar vinha de ambos os lados pelo mesmo motivo: nenhum deles sabia como aquela noite seria para ele.

(...)

Durante as semanas que se seguiram, Luísa foi a integrante do quarteto que mais teve contato com Lucas por ser a única que trabalhava a noite e tinha o dia inteiro livre para fazer o que quisesse. Nesse período de tempo, eles conversaram bastante e ficou bem claro o quanto o garoto estava preocupado com a aproximação cada vez mais iminente do inverno, que era realmente uma época terrível para aqueles que moravam na rua.

Isso, junto a vários outros motivos que acumulara com o tempo, foi a causa para Luísa convocar aquela reunião “formal” no apartamento em sua noite de folga.

— (...) e pra concluir, da primeira vez que ajudei o Lucas, o Du disse que mesmo que o dinheiro daquele sanduíche fosse fazer falta, com certeza não seria tanto quanto faria pra ele. Continua sendo o mesmo conceito, só que... Um nível acima. — Luísa terminou seu discurso e olhou para todos ao redor da mesa dobrável.

— Bem... — Disse Pedro depois de alguns segundos analisando a ideia. — Acredito que seria pelo menos dois ou três níveis acima de um sanduíche, Lu.

— É, eu sei. E também vai ser um atraso pra gente. — Respondeu com um suspiro. — Mas acho que isso é o certo a fazer.

— Acho que é uma decisão imprudente, ainda mais porque nós não temos nenhuma garantia de que vai dar tudo certo. — Eduardo se pronunciou. — Mesmo assim, concordo com a Lu. É o certo a se fazer, temos condição de ajudar e depois podemos lidar com o atraso. Já lidamos com coisas piores e estamos muito bem agora.

— Bi, qual a sua opinião? — Pedro ainda estava ponderando, então queria ouvir todos.

— Só consigo pensar no quanto eu ia querer ter alguém pra fazer isso por mim se fosse comigo. Como alguém que já morou na rua também, meu coração é fraco pra essas coisas. — Disse Bianca com um tom bem mais sério do que de costume. — Por mim, a gente ajuda.

— Você tem razão, se fosse eu também ia estar implorando aos céus por algo assim e seria errado não ajudarmos tendo condições razoáveis. — Pedro finalmente se deixou vencer por aquele argumento e concordou com o grupo. — Então por quatro votos a zero, nós vamos fazer isso.

Luísa abriu um grande sorriso e começou a explicar os detalhes do que deveriam fazer e que quanto mais rápido melhor.

(...)

Com bastante esforço Bianca, Eduardo, Luísa e Pedro conseguiram outra vez combinar seus dias de folga para poder encontrar Lucas. Essa, por outro lado, não foi uma tarefa difícil já que depois de tanto tempo de convivência, Lu já sabia as praças e ruas pelas quais o garoto tinha costume de andar durante o dia.

Assim que o acharam, se aproximaram devagar e o cumprimentaram.

— Oi, galera. — Lucas respondeu sorrindo. — Nossa. Ver quatro juntos. Que raro.

— Pois é, né? Mas dessa vez é por sua causa. — Disse Du retribuindo o sorriso.

— Sério? Por quê? — Questionou franzindo de leve o cenho.

— Lucas, você tem certeza que se conseguir chegar na casa do seu tio, ele vai te ouvir e te abrigar? — Pedro perguntou sério.

— Tenho noventa e nove por cento que sim e o um por cento restante é um talvez. — Disse com a expressão ainda mais confusa. — Por quê?

— Ainda bem porque nós já compramos uma passagem pra você. — Bi respondeu em tom alegre.

— Eu ouvi direito? — Lucas arregalou os olhos, embasbacado, quando todos os quatro acenaram em afirmação. — Mas... Como? Vocês tem condição pra isso?

— Nós estamos economizando dinheiro há um bom tempo. — Disse Pedro sorrindo de lado. — Não que a gente tenha conseguido juntar lá muito dinheiro porque nossos salários não são lá essas coisas, mas aos pouquinhos estamos levantando nossa graninha. O plano é algum dia ter o bastante pra poder comprar uma casinha. Só que isso ainda vai demorar vários anos e agora você tá precisando disso bem mais do que a gente.

— Eu... Eu nem sei o que dizer. — Murmurou Lucas com os olhos começando a brilhar em lágrimas. — Palavras não parecem o suficiente. Cara... Vocês... Cara...

— Para, você não precisa dizer nada. Fizemos isso de coração. — Luísa o interrompeu. — Só que ninguém te deixaria entrar em um ônibus pra outra cidade desse jeito. Precisamos te deixar limpo, cortar o seu cabelo, trocar suas roupas e tudo isso antes das sete e meia da noite que é quando o seu ônibus sai. Vem, a gente vai te levar até o nosso apartamento e você toma um banho lá.

Os cinco seguiram caminhando até o condomínio. O prédio de cinco andares não era particularmente bonito pelo lado de fora, entretanto seu interior a partir do hall de entrada já passava a forte sensação de segurança e aconchego.

Lucas observou ao entrar que o apartamento era muito pequeno para quatro pessoas. Não havia nenhuma cama e um dos colchões no qual seus amigos dormiam estava sobre o outro para que houvesse espaço para uma mesa branca de dobrar, existia apenas uma cômoda com quatro gavetas encostada a uma das paredes, em cima dela repousavam quatro mochilas de aparência velha, porém bem cuidadas, e ao lado havia alguns pares de sapato organizados lado a lado. A cozinha não era separada por uma parede ou bancada americana, apenas tinha o piso alguns centímetros mais baixo do que o restante do apartamento, nela havia um fogão pequeno de quatro bocas na cor preta, uma pia de mármore com uma pequena bancada onde louças estavam empilhadas pela falta de um lugar para guarda-las e uma geladeira conservada embora evidentemente de segunda mão.

Foi ali que ele entendeu de fato o quanto aquele quarteto maravilhoso queria ajudá-lo. Não eram nem de longe uma família rica e mesmo assim estavam sacrificando seus planos por um garoto de rua, praticamente um estranho. Lucas se encheu mais ainda de gratidão, tanto que chegava a transbordar por seus olhos em formato de lágrimas. Ele enxugou as bochechas antes que alguém visse e jurou para si mesmo naquele momento que um dia iria retribuir.

— Pega. — Disse Pedro lhe oferecendo uma toalha verde.

— Não fica acanhado quando for usar shampoo e condicionador. — Murmurou Bianca sorrindo. — Eu já morei na rua, sei que a vontade que dá é de fazer os frascos de chuveiro na primeira chance de tomar um banho de verdade.

— Tem uma sacola pendurada lá no banheiro que tem barbeadores novos. Pode ficar a vontade. — Completou Eduardo.

— Obrigado. — Respondeu mesclando o olhar entre todos os quatro e se esforçando ao máximo para não chorar mais. — É sério. Muito obrigado mesmo.

Depois que Lucas tomou banho, Du emprestou uma bermuda e uma camiseta limpa para irem até uma loja ali perto. Como Eduardo era muito mais alto e magro, e Pedro era baixo demais, nenhum dos dois pode dar uma calça jeans para ele usar no ônibus, então tiveram que comprar uma nova e aproveitaram para comprar uma camiseta do tamanho certo. A próxima parada foi uma barbearia e Lucas teve finalmente seu topetinho de volta. Por último, foram ao apartamento outra vez para lanchar e seguiram para a rodoviária.

Saíram ainda bastante adiantados, por isso Luísa levou seu violão e os cinco sentaram em círculo na grama da praça que ficava bem na frente. Ela tocava uma música, Lucas tocava outra e assim mataram o restante do tempo até que chegou a hora.

Depois de levantar a bater a terra de sua calça novinha, Lucas estendeu o violão para devolvê-lo a sua dona.

— Não. — Disse Lu depois de olhar para o instrumento por alguns segundos. — Você... Você pode ficar com ele.

— Você não pode estar falando sério. — Respondeu rindo em incredulidade.

— Eu to. — Replicou com firmeza. — Por favor, fica.

— Luísa, vocês me compraram uma passagem e roupas, pagaram um corte de cabelo decente. — Listou sentindo lágrimas se acumularem nos cantos de seus olhos de novo. — Nem de longe você ainda me deve alguma coisa.

— Não faço por dever. — Murmurou suavemente. — Além do mais, dependendo do tempo que levar pra você encontrar o seu tio, isso pode ser a diferença entre você ter ou não uma refeição.

— Leva, Lucas. — Bianca, Eduardo e Pedro disseram ao mesmo tempo.

Perdendo a luta conta o choro, Lucas os puxou para um abraço coletivo e disse. — Eu amo muito todos vocês.

— A gente também te ama. — Responderam apertando-o por alguns segundo antes de o acompanharem até o ônibus.

— Sei que nas circunstâncias que nos conhecemos não é muito apropriado dizer isso, mas eu vou sentir sua falta. — Murmurou Luísa, os olhos mais úmidos que de costume.

— Bobagem. Sabe que vou morrer de saudade de você também, Lu. — Lucas sorriu embora sua voz fosse de choro. — De todos vocês. A gente ainda vai se ver de novo, prometo.

— Vamos sim. — Disse Du também aos prantos.

— Até mais, cara. — Sussurrou P se esforçando para não cair em lágrimas também.

— Boa viagem e, por favor, se cuida. — Pediu Bi já de bochechas molhadas.

Lucas os abraçou uma última vez e entrou no ônibus. Luísa se jogou nos braços de sua namorada e ficou ali por alguns minutos até conseguir parar de chorar.

— Acha que a gente vai mesmo ver ele de novo? — Questionou enquanto enxugava o rosto com a barra da camisa.

Quando Pedro percebeu pela expressão de Bianca que ela não conseguiria responder, ele mesmo o fez. — Provável que não, mas tomara que sim.

(...)

Mais de dois anos já haviam se passado, o quarteto aprendera a se acostumar com sua rotina sem Lucas novamente. Claro que sempre havia um momento ou outro em que ele vinha à mente, era inevitável, porém só o que restava era torcer para que o garoto estivesse bem.

Porém, naquele dia em especial, houve uma estranha coincidência, talvez fosse uma pegadinha do universo com um feliz casal de namoradas.

Bianca, que agora não era mais uma caixa e sim uma fiscal de supermercado, estava de folga e usou esse tempo para passear com Luísa, que continuava sendo garçonete, embora estivesse trabalhando em uma pizzaria depois que a lanchonete onde trabalhava fechou. Dali a poucos dias seria o aniversário de Pedro, por isso tinham ido ao centro comercial e, naquele momento, voltavam para seu apartamento andando pela mesma rua onde encontraram Lucas anos antes.

No meio do caminho havia um pequeno grupo de estudantes sentados no banco de uma parada de ônibus ouvindo música em uma caixinha de som por bluetooth.

— Não pode ser. — Disse Bianca ao chegar perto o bastante para reconhecer a voz.

— Não pode. Mas acho que é. — Respondeu Luísa também compartilhando o mesmo pensamento.

— Com licença. — Bi chamou a atenção de uma das meninas do grupinho. — De quem é essa música?

— Como assim você não o conhece? — A desconhecida replicou arregalando os olhos como se estivesse pessoalmente ofendida,

— Não liga pra essa estranha. — Outra garota murmurou rindo. — É que ela é louca de apaixonada por ele. Mas, na moral, me surpreende vocês não conhecerem o Lucas Tavares. Ele é, tipo assim, o novo fenômeno do memento.

— Caramba, é ele mesmo! — Exclamou Luísa começando a chorar de emoção. — Ele conseguiu! Nosso garoto conseguiu viver da música.

— Do que vocês estão falando? — A menina fanática perguntou de cenho franzido.

— A gente conheceu o Lucas há alguns anos. — Bianca respondeu com um sorriso de orelha a orelha. — A Lu deu um violão pra ele não desistir da música.

— Ah, fala sério. — Uma terceira estudante desdenhou.

— É sério. — Luísa reforçou.

— Tem um vídeo no youtube que ele fala de um negócio assim, mas essa guria deve só ter assistido. Eu duvido muito que tenha sido essa daí que fez isso de verdade. — A fanática também as desacreditou, porém nem Bi nem Lu estavam se importando com isso, nada tiraria delas a alegria de saber que Lucas não tinha apenas conseguido ficar bem, mas também viver daquilo que amava fazer.

(...)

Sete meses se passaram. Depois de descobrir que seu amigo virara um grande músico de sucesso, Luísa fez questão de comprar um radinho de pilha para ouvi-lo quando tocasse na rádio. Através desse aparelhinho que os quatro ficaram sabendo que depois da pausa de dois meses, Lucas voltaria a fazer shows e o primeiro seria em sua cidade natal. Esse foi um novo motivo para ter uma reunião e uma votação, na qual decidiram que comprariam ingressos assim que começassem as vendas antecipadas dali a uma semana, pois não poderiam perder a chance de prestigiar alguém tão importante para eles.

Naquele dia tanto Bianca quanto Pedro estavam de folga, Luísa só iria trabalhar a noite como sempre e Eduardo não precisava voltar para a fábrica onde trabalhava depois do almoço, pois aos domingos ela só ficava aberta até meio dia. Por isso todos estavam no apartamento às 15h27min quando a campainha tocou.

— Vocês estão esperando alguém? — Murmurou Luísa indo abrir a porta com o cenho franzido, já que não recebiam muitas visitas, principalmente aos domingos.

— Eu não. — Os três disseram em uníssono.

Quando Lu puxou a maçaneta, revelou a figura de um sorridente Lucas Tavares parado do outro lado do batente, e quatro bocas se abriram em surpresa dentro do apartamento.

— Por acaso, vocês tem planos pra essa tarde? — Pela primeira o Homem, não mais o garoto, perguntou para seus antigos amigos.

— Na-na-não. — Bi foi a primeira a conseguir pronunciar alguma coisa, mesmo ainda estando em choque.

— Ótimo. — Lucas aumentou ainda mais o sorriso. — Porque eu quero levar vocês a um lugar. Se quiserem me acompanhar, é claro.

— Po-pode nos dar... Um minuto pra trocar de roupa? — Dessa vez foi Lu quem falou.

— À vontade. Espero no fim do corredor. — Respondeu ainda animado, virando-se e indo para perto da escada.

— Isso aconteceu mesmo? — Du questionou assim que sua amiga fechou a porta.

— Sim. — Luísa sorriu de orelha a orelha. — Vamos trocar de roupa pra sair com um cara que não vemos há anos e que por acaso também é o cara que tá bombando nas rádios e em downloads de internet.

Depois de uns três segundos a ficha realmente caiu e todos os quatro começaram a se arrumar. Por morar tanto tempo em um lugar tão pequeno, já estavam acostumados a mudar de roupa na frente um do outro sem nenhum pingo de vergonha. Assim logo estavam prontos e puderam seguir pelo corredor e descer as escadas com Lucas.

— Como você veio justo no dia em que estamos todos em casa? — Pedro perguntou confuso na metade do caminho para o térreo.

— Não foi fácil, acredite. — Respondeu rindo. — Quero fazer isso desde que começou a minha pausa de shows. Pedi pro seu porteiro mandar uma mensagem pra mim quando todos estivessem aqui ao mesmo tempo. Ele se lembrava de mim, então aceitou de bom grado. Bom, por isso e porque autografei uns pôsteres e tirei pelo menos uma dúzia de selfie’s com as filhas dele. Enfim... Juro que nunca na minha vida inteira passei tanto tempo olhando pro celular esperando mensagem de alguém. E olha que já tive muitas crush’s. Finalmente hoje chegou a informação de que eu poderia vir que todos vocês estavam em casa. Por sorte eu tinha onde ficar aqui na cidade e não demorei a chegar.

Assim que Lucas acabou de falar, já estavam saindo das escadas para recepção, então ele acenou para o porteiro antes de saírem. Em frente à entrada no prédio, um motorista elegante descruzou os braços e se desencostou de um grande carro preto para abrir a porta para o patrão e seus convidados.

Quando já estavam acomodados, Du perguntou. — Pra onde vai nos levar?

— Eduardo, Eduardo. — Lucas o repreendeu em tom de diversão enquanto pegava as vendas que deixara guardadas no porta-luvas e se virava entregar aos amigos. — Você não vai querer estragar a surpresa.

— Ah, Lucas. — Os quatro reclamaram em uníssimo.

— Qual é, gente? — Ele disse rindo. — Vai valer a pena, eu juro.

— Tá bom. — P murmurou pegando as vendas e distribuindo para os outros.

— E é pra colocar direitinho, hein? Sem espiar. — Pediu ao mesmo tempo em que se aprumava no banco da frente para colocar o sinto de segurança. — Pé na tábua, Carlos.

— Sim senhor, patrão. — O motorista ligou o carro, que exalava cheiro de novo, e deu a partida.

Foram cinco paradas em sinal vermelho e pouco mais de vinte minutos de viagem até que o quarteto vendado ouviu um som de portão elétrico sendo aberto e por fim o automóvel parou pela última vez.

Carlos os ajudou a descer e os colocou de pé um ao lado do outro. Eles ainda tentaram reconhecer cheiro ou som, mas nada lhes vinha à mente.

— Quero que vocês vejam ao mesmo tempo, então esperem eu contar três e tirem a venda. — A voz de Lucas escorria empolgação. — Prontos? Um, dois, três e já.

Bianca, Eduardo, Luísa e Pedro finalmente puxaram os tecidos, deixando-os repousar em suas testas. Demorou apenas um instante para seus olhos acostumarem de novo com a luz e focarem na casa lilás com a porta e as janelas brancas. Na varanda havia uma mesinha bonita e delicada na cor branca que fazia conjunto com quatro poltronas feitas do mesmo material, aparentando ser muito confortáveis. O lugar onde estavam pisando era um caminho de pedras que passava por um encantador jardim cheio de flores coloridas, pequenas árvores e até mesmo um laguinho.

— Pera aí. — Lu murmurou embasbacada. — I-isso... É o que eu to pen...

— Sim, é de vocês. — Lucas disse mal se contendo de tanta felicidade enquanto tirava os quatro controles do portão elétrico do bolso de sua calça jeans e os colocava nas mãos de cada um. — Venham conhecer sua nova casa.

Nenhum deles conseguia pensar em nada para falar, então apenas o seguiram.

O primeiro cômodo era a sala de estar onde havia um grande sofá em formado de “L” que começava ao lado da porta e ia até quase o fim da outra parede, no meio do cômodo tinha uma mesinha de centro de madeira clara, da mesma cor que o raque onde repousava uma TV Smart de pelo menos 50 polegadas e alguns porta-retratos ainda vazios que combinavam bem com o restante da decoração. Depois vinha a sala de jantar, onde havia uma mesa elegante com o tampo de vidro apoiado uma bela base em madeira cor de tabaco e seis cadeiras de estofado cinza. Só uma bancada americana de mármore a separava da cozinha com armários pré-moldados, uma geladeira enorme em aço inox e um grande fogão de cinco bocas e duas grades no forno. Ainda havia dois quartos bem grandes também inteiramente mobiliados, um escritório equipado com um notebook para cada um e até mesmo impressora para caso eles tivessem interesse em voltar a estudar, três banheiros e uma área de serviço.

— Caramba, essa casa é sensacional! — Exclamou Du com lágrimas nos olhos ao fim do pequeno tour pelo lado de dentro.

— Ah, e vocês ainda nem viram o melhor. — Lucas destrancou a porta da cozinha que dava para da parte de trás da casa. — Eu ainda me lembro das conversas com a Lu e do sonho que ela tinha em ter uma casa com...

— Eu não acredito! — Luísa quase gritou enquanto corria para fora para ver depois da varanda, do outro lado de uma cerca branca, uma piscina grande ao lado de uma área coberta em que havia uma churrasqueira, uma bancada de mármore, uma pia, uma sala para materiais de limpeza e um pequeno banheiro.

— Sabia que ela ia se amarrar. — O cantor riu observando a empolgação quase infantil de sua amiga.

— Eu amei, amei, amei, amei, amei. — Ela voltou na mesma velocidade em que foi e pulou em cima de Lucas em um abraço que só não o derrubou porque Eduardo estava perto o bastante para segurar os dois.

— Todos nós amamos. — Disse Bianca rindo e chorando ao mesmo tempo. — Além de ser maravilhosa, essa casa não poderia ter vindo em hora melhor.

— Com certeza. — Luísa e Pedro concordaram.

— É mesmo? Por quê? — Lucas franziu o cenho, curioso.

Luísa foi até Bianca e a abraçou por trás, repousando as mãos em sua barriga. — Nós estamos grávidas.

— Uou! Serião? — Replicou agora de olhos arregalados.

— Sim. Fiz o teste há duas semanas. — Bi sorriu ao responder e beijou a bochecha de Lu antes de concluir. — Pelas minhas contas, já devo estar entrando no quarto mês.

— Opa! Meus parabéns às mamães. — Lucas também abriu um sorriso. — Então acho que meu outro presente também vai ser bem útil.

— Outro?! — Os quatro exclamaram ao mesmo tempo.

— Sim. — Murmurou alegre. — Carlos! Carlos o outro presente! Carlos!

— Opa, patrão. — Respondeu o motorista depois de vir correndo da varanda da frente com as chaves do carro cujo chaveiro tinha o formado de um laço vermelho. — Aqui está.

— Não brinca. — Disse Eduardo.

— É de vocês também. — Lucas confirmou o óbvio.

— Nossa. — As mãos de Du tremiam ao pegar a chave. — Já faz tanto tempo que não encosto num volante que nem sei se ainda sei dirigir.

— Tranquilo. Se for precisar de um tempinho pra pegar as manhas, posso emprestar o Carlos algumas semanas. — Ofereceu rindo. — Ah, e mais uma última coisa.

— Pra que isso? — Pedro questionou ao ver o bolinho de dinheiro que seu amigo tirou do bolso interno da jaqueta.

— São 1762 reais e 50 centavos. — Lucas respondeu. — To devolvendo o que gastaram comigo três anos atrás.

Luísa soltou uma gargalhada longa e com muita vontade. — Lucas, você acabou de dar uma fucking casa e um fucking carro pra gente. Acha mesmo que nos deve alguma coisa.

— Ah, Luísa. — O cantor suspirou e sorriu de lado. — Isso... Isso aqui é só uma casa. Vocês me deram uma coisa muito mais importante ao comprar aquela passagem. Uma coisa que vocês quatro teriam até morando na rua desde que estivessem juntos. Um lar.


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Notas finais do capítulo

Sim, eu perdi e perdi feio por mais de 4000 palavras, mas valeu a pena. Se tivesse focado só no Lucas podia ter ficado dentro do limite, mas eu amei trazer esses personagens.
Sei que eles explica um pouco a história deles no enredo dessa one, mas caso queira entender melhor o que aconteceu, leia isso aqui: https://fanfiction.com.br/historia/725757/O_Jogo_do_Desafio_Duplo_-_Anna_Leoa/capitulo/2/
Ah! E, só pra esclarecer, o Lucas não ficou rico por causa da música. Lembram quando ele fala que a mulher do tio dele é rica? Ela trabalha com ações e ensinou umas coisas pro Lucas. Ele conseguiu um pouco de dinheiro tocando em bares e vendendo demos, investiu e conseguiu fazer grana o bastante pra investir na carreira, aí ganhou um bom dinheiro e continuou investindo.
xoxo
Atenciosamente, Leo Guedes.



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