Escrito no Gelo escrita por Nat Oliver


Capítulo 3
Capitulo 2




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          ─ Isso é ridículo. ─ Charlie murmurou em frustração.

          A morena estava na sala de estar de seu apartamento espaçoso, sentada em seu sofá confortável, usando uma calça jeans básica e uma camiseta de mangas compridas branca, com os braços cruzados na frente do corpo, enquanto fuzilava com o olhar os causadores de seu desespero.

          Seu notebook preto da Samsung, (aquele equipamento do diabo) que estava aberto sobre a mesinha de centro a sua frente, e o programa Word 2013, que parecia zombar dela com o cursor piscando inutilmente na tela em branco.

          Ah, ela se lembrava com nostalgia da época em que as palavras fluíam dela com facilidade. Ela se lembrava que quando ela escrevera seu primeiro livro da série do "O Lince de Prata" ela conseguia escrever dois, até três capítulos grandes em uma única tarde. Hoje em dia... bem... a musa da escrita havia lhe dito um belo e sonoro "Foda-se" e lhe deixado na mão.

          Charlie já tinha ouvido falar de Bloqueio de Escritor antes, e sempre havia achado que os escritores estavam com frescura quando eles reclamavam da dificuldade, da incapacidade de colocar suas ideias no papel. Charlie não fazia ideia do quão difícil realmente era, até a primeira vez que ela passou literalmente cinco horas olhando para a tela em branco de seu computador, suas mãos inertes sobre o teclado, formigando para escrever palavras que simplesmente não estavam lá. E não apenas isso. A sensação de que ela estava falhando em executar algo que ela amava fazer lhe causava uma ansiedade angustiante.

          Bloqueio de Escritor era uma coisa terrível.

          E o momento não podia ser pior. Já faziam dois dias desde seu encontro com Cameron naquele restaurante e o sutil, porém evidente, choque de realidade que ele havia lhe dado ainda estava fresco em sua mente: Ela tinha um contrato e um prazo a cumprir, prazo esse que estava se esvaindo.

          Depois do almoço de negócios com Cameron, Charlie havia voltado para seu apartamento no subúrbio de San Francisco, sem conseguir pensar em outra coisa senão nas palavras do Agente Literário:

          "Todos estão esperando um épico arrebatador... lançamento em Julho... um contrato maior..."

          Charlie sabia que Cameron tinha as melhores das intenções, que ele se preocupava e queria que ela tivesse o sucesso que merecia... isso também significava que as vezes ele ficava muito em cima dela, cobrando, exigindo. Ela entendia isso, de verdade, afinal esse era o trabalho dele, mas as vezes ela sentia que tudo isso era muita cobrança por algo que era para ser divertido.

          E não ajudava em nada seu pequeno problema, diga-se de passagem.

          Com mais um suspiro frustrado, Charlie se inclinou para frente, esticou o braço e pegou a enorme xícara de café que estava na mesinha de centro ao lado do notebook e com tristeza viu que ela estava vazia.

          ─ Café. Café é a resposta. Eu penso melhor depois que eu bebo café. ─ Ela disse para si mesma, mas sabia que era mentira. Um litro de café depois e o Word continuava em branco.

          Claro que não era tão fácil assim.

          Miau.

          Charlie ouviu um miado quebrar o silêncio daquele apartamento e em seguida sentiu seu gato Frodo (Sim, Frodo. O que ela podia fazer? Ela amava Tolkien) pular no sofá onde ela estava. O felino era branco com algumas manchas castanhas em seu focinho, olhos azuis brilhantes e bem peludo, um Ragdoll de dois anos que ela havia resgatado das ruas. Frodo se aproximou de Charlie ronronando e procedeu em esfregar sua cabeça no cotovelo dela, demandando atenção e fazendo a escritora sorrir, e por um momento, a frustração que a estava devorando pareceu aliviar um pouco.

 

          ─ Oi, meu lindo. ─ ela disse colocando sua xícara de café de volta na mesinha de centro e abraçando o gato de pelagem fofa. ─ Você tem alguma ideia para me ajudar? ─ Ela perguntou de brincadeira, fazendo um gesto para o notebook na mesinha. Frodo olhou para o computador, então olhou para sua dona com seus grandes olhos azuis e miou com uma expressão muito séria e intrigada em seu rostinho felino, fazendo Charlie sorrir outra vez. ─ Ótimo conselho, Frodo, ajudou muito. ─ ela disse irônica, fazendo carinho no queixo do gato. ─ Sabe o que é que eu preciso? Isso mesmo. Mais café.

          A morena deu mais um abraço em seu amigo felino e levantou-se do sofá, caminhando na direção da cozinha para preparar mais uma garrafa de café. Ela estava colocando a água para ferver quando o som da campainha quebrou o silêncio daquele apartamento, deixando-a intrigada, pois poucas pessoas a visitavam em seu apartamento.

          Charlie se dirigiu até a porta e a abriu, quase caindo para trás ao sentir o impacto de uma garotinha loira de sete anos que havia se jogado contra ela para abraça-la com toda a força.

          ─ Oi , tia Charlie! ─ a menina disse sorridente, olhando para a morena com seus olhos verdes brilhantes cheios de admiração.

          ─ Hannah, que saudade, meu amor! ─ Charlie disse ajoelhando-se e abraçando a menina fortemente, então afastou-se um pouco para olhar direito para sua sobrinha e afilhada.

          A garota usava um casaco rosa e uma touca de lã branca na cabeça, cobrindo boa parte de seu cabelo loiro. A menina sorria e Charlie podia ver a falta de um ou dois dentinhos de leite que haviam caído nessas últimas semanas em que elas não haviam se visto. Era sua impressão ou a menina também estava um pouco mais alta?

          ─ Nossa, você está crescendo tão rápido. ─ Charlie ponderou com certa nostalgia. Em pensar que ela havia segurado Hannah em seus braços quando ela era apenas uma recém-nascida...

          ─ Sou a mais alta da minha classe! ─ Hannah disse orgulhosamente.

          ─ Igual ao seu pai, aquele poste ambulante. Falando nisso, cadê ele?

          ─ Ficou para trás, não consegue me acompanhar. ─ Hannah disse em tom vitorioso e então sussurrou como se fosse um segredo ─ Mamãe diz que ele está ficando velho. ─ e Charlie não pôde evitar de cair na gargalhada.

          ─ Eu ouvi isso! ─ elas ouviram uma voz masculina dizer, e quando Charlie olhou para o corredor, ela viu um homem alto e magro de cabelos e olhos castanhos se aproximando através do corredor até a porta do apartamento. ─ É uma falta de respeito. ─ ele disse em tom de brincadeira, colocando uma mão no ombro da criança afetuosamente.

          Josh e Charlie não se pareciam muito fisicamente (Josh se parecia mais com seu pai, e Charlie era a imagem escrita de sua mãe) mas era evidente que eram irmãos e isso se via mais em seus trejeitos e pequenos detalhes, algo inevitável em irmãos tão unidos quanto eles. Josh era um ano mais velho e havia sido aquele tipo de irmão super protetor. Ele ainda era, mas agora ele tinha uma esposa e uma filha para dividir seu instinto protetor.

          E por isso, Charlie era muito agradecida á Erica, sua cunhada.

          ─ Posso brincar com o Frodo? ­─ Hannah perguntou de repente com um sorriso esperançoso, como se só tivesse lembrado agora da existência do gato.

          ─ Claro. ─ Charlie disse afastando-se para dar espaço para a garotinha entrar propriamente no apartamento.

          ─ Pode brincar com ele, mas tome cuidado e não o aperte! Arranhado de unha de gato dói para ca... caramba. ─ Josh disse, evitando de dizer o palavrão no ultimo segundo, Hannah no entanto ignorou o pai, que suspirou exasperado ao ver a filha correr apartamento a dentro em busca do gato.

          ─ Estou fazendo café, quer um pouco? ─ Charlie ofereceu com um sorriso.

          ─ E quando é que eu recuso café? ─ Josh respondeu e entrou no apartamento, abraçando a irmã antes de tirar seu casaco azul escuro, revelando uma camisa xadrez de flanela da mesma cor por baixo.

          Charlie pegou o casaco das mãos de Josh e o perdurou em um gancho na parede, caminhando na direção da cozinha logo em seguida. O apartamento de Charlie era amplo e em conceito aberto, onde a sala de estar e a cozinha se misturavam em um único ambiente bonito e moderno, dividido apenas por um balcão, e de onde estavam podiam ver Hannah brincando com Frodo no sofá da sala.

          ─ Desculpe a visita surpresa. ─ Josh disse ao sentar-se em um dos bancos junto ao balcão enquanto Charlie colocava a chaleira de água para ferver novamente. ─ Erica nos expulsou de casa. ─ Ele disse com ar abatido.

          ─ Dia de faxina? ─ Charlie riu.

          ─ Ela é paranóica. ─ Ele respondeu indignado. ─ Disse que iria cortar meus pés fora se eu pisasse com minhas botas sujas no chão que ela havia acabado de limpar.

          ─ Ela está certíssima. ─ Charlie disse, pegando três xicaras grandes do armário em cima da pia. Ela se aproximou da geladeira e abriu, retirando de lá uma garrafa branca. ─ Leite?

          ─ Jamais. ─ Josh respondeu sem esconder a cara de nojo. Ele odiava leite. Charlie deu de ombros e procedeu em encher uma das xícaras com leite para Hannah. ─ Então eu e Hannah fomos ao parque, enrolamos um pouco...

          ─ Comemos cachorro-quente! ─ Hannah acrescentou orgulhosamente de onde ela estava na sala.

          ─ Sim, e como seu apartamento era perto ela insistiu em vir visitar a tia preferida. Espero não estar atrapalhando. Eu sei que você está escrevendo aquele livro e não quero, sabe, cortar sua onda.

          Charlie olhou de relance para o notebook ainda aberto inocentemente na mesinha de centro na sala, respirou fundo e forçou um sorriso.

          ─ Que isso, vocês nunca atrapalham. E não estava saindo nada que prestasse mesmo. ─ Ela deu de ombros.

          Josh franziu a testa, claramente percebendo que havia algo errado. A chaleira apitou, indicando que a agua já estava fervendo e a morena aproveitou a distração para fugir do assunto, se ocupando em preparar o café.

          Claro que nada escapava da atenção afiada de Josh. Quando eram crianças, seu irmão sempre sabia quando ela estava angustiada com alguma coisa, mesmo quando ela não falava nada e tentava resolver tudo sozinha, ele tentava ajudar como podia, e aparentemente ele não havia perdido esse dom.

          ─ Está tudo bem? ─ Josh perguntou.

          Charlie suspirou pesadamente, colocando a xícara com café no balcão na frente de Josh.

          ─ Está... ─ ela se defendeu pegando a xicara de café que ela havia preparado para si mesma e sorvendo um gole do liquido quente.

          Josh apenas levantou uma sobrancelha, claramente não convencido.

          ─ Quer saber? Não, não está tudo bem. Estou com Bloqueio de Escritor. Não é ridículo? Escrever é única coisa que sei fazer na vida, um hobby que eu tive a sorte de transformar em meu ganha pão e nem isso eu consigo fazer direito. E o pior é que Cameron já quer ler os primeiros capítulos da minha mais nova "obra-prima". Tenho que entregar o original até março e ele não pode nem sonhar que não tenho nenhuma vírgula escrita. ─ Charlie disse tudo de uma só vez, quase sem parar para respirar, como se as palavras em sua garganta estivessem presas a muito tempo.

          Ela parou, respirou, olhou para Josh que a olhava com uma expressão comicamente séria e uma sobrancelha levantada.

           ─ Ok... ─ ele disse com cuidado, provavelmente esperando que Charlie fosse estourar outra vez. A morena apenas riu.

          ─ Pode dizer, vai. "Você é muito dramática, Charlie." ─ ela imitou a voz grossa de seu irmão que sorriu.

          ─ Não acho que seja dramática, na verdade nem consigo imaginar como deve ser difícil trabalhar com criatividade. Mas quem sou eu para dizer alguma coisa? Eu sou de Exatas. ─ Josh brincou. Eles sempre brincavam com o fato de que enquanto Charlie havia escolhido Literatura como sua paixão, Josh era professor de Matemática Avançada.

          ─ Imagine isso: Tem momentos que você tem aquele Tsunami de criatividade e você só se deixa levar. São tantas ideias que você nem consegue organiza-las direito para por no papel. Mas ai tem momentos, como este, em que você parece chegar numa praia seca e deserta, sem nenhuma gotinha de ideias. No momento estou me sentindo como aquela bola de feno seca que fica rolando pra lá e pra cá sem direção.

          ─ Tenso. ─ Josh pondera.

          ─ E como é tenso. ─ Charlie concorda.

          Os dois irmãos ficam em silêncio por um tempinho, saboreando o café quente enquanto ouviam os sons que Hannah fazia ao brincar com Frodo, apenas aproveitando a companhia um do outro.

          Então Josh, colocou a xícara no balcão calmamente e depois de parecer ponderar sobre algum pensamento por um momento, limpou a garganta, chamando a atenção da morena.

          ─ O que você acha de viajar?

          ─ Viajar? ─ Charlie perguntou confusa.

          ─ Sim. Muitos escritores famosos viajam para lugares novos em busca de inspiração. ─ Josh explicou.

─ É verdade... más para onde eu iria? E por quanto tempo.

─ Lembra que eu Erica viajamos para o Alasca no ano passado?

─ Claro que lembro. Fiquei cuidando da Hannah enquanto vocês dois safadinhos tinham uma segunda lua de mel. ─ Charlie fingiu um calafrio.

Josh apenas revirou os olhos.

─ Então,  Talkeetna é uma cidadezinha pequena muito linda. É calma, tem poucos turistas nessa época do ano, você iria adorar. ─ Josh disse, bebendo mais um gole de seu café.

─ Eu não sei... ─ ela disse, coçando atrás da orelha como normalmente ela fazia quando estava indecisa com alguma coisa.

─ Oque você tem a perder, mulher?

 

          A ideia era boa, sem dúvida. Talvez o motivo pelo qual ela estivesse com dificuldade de ter ideias novas fosse exatamente por que ela estava cansada de ver sempre as mesmas coisas, os mesmos lugares, as mesmas pessoas. Talvez uma mudança de ares fosse exatamente o que ela precisava para fazer sua cabeça pegar no tranco.

          É era isso, ela se decidiu. Como Josh havia dito, ela não tinha nada a perder.

          ─ Bem... ─ Charlie disse colocando um pouco mais de café em sua xícara. ─ Parece que eu vou ter que comprar muitos casacos.


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