Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 22
Inaestimabile


Notas iniciais do capítulo

Algumas explicações se farão necessárias:



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— Você está mais calada do que de costume, minha amiga.

Aurora Finley olhou diretamente para mim ao dizer-me, durante o jantar, que provavelmente os pais lhe arranjariam casamento durante o próximo período de recesso. Seus cabelos levemente mais compridos estavam agora tocando os ombros pequenos com a delicadeza que sempre possuíra, e durante os últimos meses percebi, de certo, que seu comportamento também estava mudado.

Aos 16 anos as meninas das famílias tradicionais bruxas, assim como muitas outras das famílias trouxas, engajavam-se nos casamentos articulados pelos pais, afim de lhes garantir boas relações e uma vida confortável - o que, por viés da natureza humana, raramente acontecia. Os abusos às mulheres eram os mais diversos: físicos, morais, sexuais. Pais e esposos mandavam e desmandavam em suas famílias e por vezes suas decisões eram inquestionáveis. Assim, Aurora não parecia feliz. Ela não via o casamento como algo que a subsidiaria apenas: era um contrato que a venderia para quem pagasse melhor.

— Desculpe. - pedi, abraçando-se parcialmente o corpo. Estávamos no Salão Principal, ainda vazio.

— Tudo bem. Com pensamentos tão intensos, deve estar com a mente conturbada.

— Por quê o diz?

— Seu sono anda inquieto, Valery. - confessou ela, nitidamente preocupada. - E de nós todas você sempre foi a mais contida. Tem algo a preocupando?

— Talvez a intensidade dos estudos nos últimos meses tenha me deixado um pouco traumatizada.

Aurora pareceu não acreditar, mas sorriu.

— Temo que só piore. Não sei se chegaremos a fazer os NIEM's, mas, creio que os estudos tornar-se-ão dignos de um completo caos.

— Que otimista! - arguiu Margot, aproximando-se. - Se quer saber minha opinião, vão explodir essa escola em breve. Meus pais mandaram-me uma carta dizendo que a situação lá fora está a nível intolerável e pediu, junto da comissão acadêmica, para que Hogwarts antecipe as férias e mande todos pra casa o mais rápido possível.

Cerrei os olhos, encarando-a seriamente.

— Explodir a escola?

— Parece exagero, não? - completou ela, bebericando suco de abóbora.

— E é. - disse Aurora, desacreditada. - Hogwarts é o lugar mais seguro no mundo.

— Tolice! - ela parecia realmente brava. - Estou indignada com a ineficácia dos nossos excelentíssimos professores no tratamento dessa guerra. Sinto que estejam apoiando ela pelas pernas erradas. Minha família é a favor da supremacia bruxa, logicamente, mas somos totalmente contra o extermínio trouxa. Nós, e muitos dos nossos aliados políticos. Grindelwald, der deutsche mann, não é nosso amigo. É um idiota! Ao destruí-los, nos afasta! Está literalmente consumindo o mundo conosco dentro. Idiota!

A postura de Margot me fez recordar como era difícil discernir os apoiadores de Gerardo numa escola de adolescentes enquanto a Segunda Guerra Mundial, travada por Hitler, acontecia simultaneamente. Por mais mágicas que fossem as famílias, sua vantagem estava apenas em poder partir para um lugar mais seguro porém, ao fazê-lo, tornar-se-iam aquém do convívio bruxo geral e, automaticamente, ficariam isolados.

Todo meu hiperfoco direcionava-se a Tom e, como conversado anteriormente, o mesmo possuía opinião comum à Margot: Grindelwald era um idiota. A maneira como conduzira seu exército e estava travando uma batalha que segregava nascidos trouxas e bruxos apoiadores no contexto da Segunda Guerra era absurdo. E, de fato, os professores não pareciam ter muito envolvimento para diminuir a tensão.

Dumbledore, porém agiria em segredo. E sabemos o porquê.

Seu relacionamento com o então bruxo das trevas era algo divergente até para mim. Nunca teria ele falado sobre Grindelwald em nossos encontros ou me colocara de frente com o bruxo em suas memórias. Numa ocasião, ele diria:

— Tom e Gerardo não tinham absolutamente nada em comum.

Entendi que qualquer questionamento deveria parar ali. Snape, por sua vez, mostrava sua passividade como se já soubesse muito além do que eu poderia imaginar.

Dumbledore estava certo. Tom não havia se aproximado dos puro-sangue sonserinos para criar uma aliança com Grindelwald, o que, sem dúvida alguma, favorecê-lo-ia imediatamente. Para o meu tempo presente, no entanto, talvez não faria tanta diferença. Era interessante pensar que pouco depois tudo se resolveria, porém, antes disso, muitas outras coisas seriam desestabilizadas. Tom estava sempre vivendo para o futuro.

— Eu não acho Hogwarts o lugar mais seguro do mundo. - discordei de Aurora, deixando-a retraída. - Contudo, fui mandada para cá depois que toda minha família foi dizimada por Gerardo Grindelwald e seus apoiadores. Alguns deles nem humanos eram. Talvez não estejamos totalmente cientes de como alguns dos nossos professores lidam com a situação fora dos muros do castelo.

— De uma coisa eu sei. - Margot falava baixo, mais próxima de nós do que antes. - Dumbledore é o único que não vê a hora dessa história acabar, o pobre homem está definhando vendo o antigo amigo tornar-se a pessoa mais odiada da Europa e da América. Não estão vencendo, mas ainda podemos perder muito. Espero que possa ir pra casa o quanto antes.

— Se é assim, eu também. - manifestou-se Aurora, baixando mais a cabeça. - Confesso que me sinto a salvo aqui, com vocês.

— Sabemos lutar, pelo menos. - tentei animá-la. - Graças a boa educação promovida por Merrythought, o que muito me surpreende.

— Amiga, não será suficiente num confronto experiente, você sabe...

— De fato, isso me dá um pouco mais de coragem também. - Aurora sorriu, recuperando sua autoestima. - Sempre fui tratada como uma incapaz. Aqui, me sinto segura, com vocês, me sinto forte. É só estarmos juntas e tudo ficará bem.

— Ainda está aqui, Srta. Westwood?

Rosier voltava de sua ronda noturna ao me encontrar a ler O livro Mágico da Lua: lições sobre o plano lunar após o horário de dormir. Levantei-me da poltrona e caminhei até ele, que sorriu.

— Estou esperando o Tom.

— A ronda noturna dele provavelmente será mais longa hoje. Estamos de plantão. Dizem que Grindelwald planeja invadir Hogwarts em breve, não podemos arriscar uma brecha. Logo voltarei também.

— Lamento por isso. Você deve estar cansado. - sorri de volta delicadamente.

— Não importa. É nosso trabalho proteger vocês dos perigos que assolam o mundo. Hogwarts deve ser intransponível para todo o mal que ousar cruzar nossas fronteiras.

Reagi imediatamente, considerando sua informação.

— E se o perigo vier de dentro?

Evan encurtou o caminho até mim, rígido.

— Será tratado com igual punição. Imagino que saiba de alguma coisa...?

— Ouvi boatos de que queriam antecipar as férias, apenas isso. Fiquei receosa que estivéssemos em perigo.

— Boatos, é mesmo? - ele franziu o cenho. - Oras, Srta. Westwood, para alguém do seu intelecto, dar ouvidos a boatos me surpreende. Além disso, tenho certeza que a Srta. sabe muito bem se defender.

Os Rosier eram, em sua maioria, suprematistas raciais. Dos nomes agregados ao catálogo de informações que precisei memorizar, sem perder detalhes, eu sabia de antemão que seria o rapaz alto e bonito a minha frente que abriria o primeiro portal de acesso externo através da Sala Precisa. Seria um guarda-roupa, cujo móvel gêmeo estaria na Travessa do Tranco, escondido numa das imensas e empoeiradas salas da Borgin e Burkes. De lá, Grindelwald faria sua invasão sem precisar quebrar uma fechadura sequer.

— Que bom que não preciso me preocupar, então. - relaxei, mantendo o rosto sorridente. - O Sr. é muito competente. Direi às meninas que podemos dormir tranquilas a partir de agora.

Rosier assentiu com a cabeça, encarando-me.

— Pode esperar o Tom, eu autorizo você. - disse devagar, provando as palavras com certa autoridade. - A propósito, acho que deveria orientá-lo...

— Sobre?

— Tom Riddle é um dos melhores entre nós, claramente sabemos que terá um brilhante futuro. Só garanta que esse futuro exista, você parece mais sensata do que ele. Coisas ruins acontecem o tempo todo com quem se mete aonde não é chamado. Ou quem se mistura desordenadamente. É melhor que ele saiba qual é o seu lugar.

Espantada com tal relato, meu sorriso emudeceu. Assenti de volta, enquanto Evan Rosier seguia para o dormitório dos monitores, seus passos tão silenciosos que mal pude ouvi-lo sair.

Ele tem inveja, repeti deliberadamente enquanto aguardava. É melhor que ele saiba qual é o seu lugar. Provavelmente os Rosier se incomodavam com a influência de Tom, sendo de uma das famílias bruxas mais poderosas e tradicionais, Evan não seria diferente. A postura do monitor-chefe e sua quase sutil delicadeza em tratar tudo com imparcialidade mostrava que era uma pessoa determinada a ser superior sem ser necessariamente arrogante.

Desde o momento que o conheci, notei que sua frieza escondia o esforço colossal de um filho prodígio ignorado pela família, que mesmo com todos os grandes feitos acadêmicos e a posição que ocupava perante à escola, ainda não se destacava como o pobre e brilhante mestiço, Tom Riddle.

Ali, a conta fechava.

— Você está aqui. - disse Tom, arrastando-se pelo salão. Tomou-me nos braços num abraço quente e apertado, esmagando-me nas suas vestes úmidas. - Rosier disse que passaria a noite em claro por mim. Eu disse que demoraria. O que foi?

— Por que sua roupa está molhada? - perguntei curiosa.

— Ahn, isso? - ele indicou as vestes e pude notar manchas de poeira e alguns fiapos de tecido soltos. - A Câmara. Aproveitei que estava sozinho e o toque de recolher ainda mais rígido para passear por lá. - ele sorriu, nitidamente empolgado. - Logo poderemos descer juntos. Mas já aviso, o caminho é desgastante. Provável que voltemos assim ou pior, me lavei antes para não causar suspeitas.

— E Rosier não o questionou?

— Deveria? Ele deve estar preocupado com a Guerra. Se Grindelwald perder, a família dele ficará na miséria. Estão todos sob a bandeira alemã. Que desperdício! Tanto sangue puramente mágico...

— Imagino que todos aqui saibam. - inferi reflexiva. Mesmo que eu estivesse integrada ao seleto grupo de treinamento de Tom, algumas informações não eram passadas as meninas.

— Claro que não, Valery. - Tom se jogou na poltrona, apoiando a cabeça alta sob o móvel e logo fechando os olhos. - Sei porque tenho muitos contatos. Não é algo que se comente. Por acaso você ficaria feliz ao saber que está indo na contramão? Francamente, ele está perdendo. E se pensa que o Ministério da Magia vai assumi-lo com facilidade mesmo o tendo desestabilizado, terá que matar a todos, e parar com esse jogo político do convencimento. Se eu fosse Grindelwald, não perderia tempo. Mataria todos. É muito mais simples. O caminho do diálogo não dará a ele o topo do mundo.

— Mataria todos? Mesmo? - questionei-o, sentando na poltrona próxima. - É o que você faria?

Tom bufou.

— Estou exausto.

— Me responda isso, e iremos dormir.

Riddle abriu os lindos olhos negros que eu tão bem conhecia, endireitando-se. Perdeu seu olhar cansado no meu, inquisidor, por alguns instantes, antes de virar-se totalmente de frente para mim. Estendeu os braços, abrindo-os, e entendi que o que queria era me segurar. Como uma criança, deixei que o fizesse.

O que veio depois era totalmente inesperado perto do que eu já ouvira dele.

— Não sei.


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