Requiem Aeternam escrita por AnaBonagamba


Capítulo 13
Ducit


Notas iniciais do capítulo

Dois, pra fazer jus aos dois anos que eu sumi.



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Minha caríssima Valery,

Sei que o Natal em Hogwarts nada se compara com o aconchego de um lar, mas considerando a companhia, receio que seu feriado fora esplêndido.

Minhas lembranças e felicitações a Tom antecipadamente pelo aniversário.

Obrigada pelo presente, já está em uso. Receba o meu com estima.

Da sua amiga,

Droope.

 

À Srta. Valery Westwood,

Que as festas sejam repletas de felicidade em tempos tão tempestuosos! Eterna gratidão pela delicada lembrança. Meu pacote provavelmente chegará amassado.

Com carinho,

            Aurora F.

 

Para ser entregue à Srta. Valery, salão comunal da Sonserina.

Espero que lhe sirva bem. Tenho certeza que te fará gosto. Obrigada pela sua amizade. Um abraço afetuoso. Dorea.

Três recadinhos e pacotes pousavam na minha escrivaninha, na fria manhã de Natal. A representatividade daquela ação custou-me bastante tempo para garantir que todos os préstimos fossem garantidos através de simples objetos. Acontece que, diante de tantas semanas de convívio, afeiçoei-me sinceramente por cada uma delas. Margot, Aurora e Dorea serviram-me como amigas que nunca tive, de uma maneira bastante oportuna, que eu me envergonhava em reconhecer a utilidade.

À Margot enviei um par de brincos perolados e delicados, enquanto para Aurora, um lindo conjunto de escova e pentes de madeira. Dorea ficou com meu livro autografado de G. Youseff, Compilado de feitiços defensivos - Volume Final, herança do futuro que veio comigo em minha jornada. Em contrapartida, recebi um lindo suéter bordado à mão, um vidro de perfume de lavanda e uma máquina fotográfica razoavelmente moderna.

Os Black eram muito ricos, claro.

Deixei meu lembrol junto dos outros e me arrumei preguiçosamente, prendendo parte do meu cabelo comprido com uma presilha e penteando o restante para trás, enquanto os fios impecavelmente lisos pareciam dançar sob meus dedos. Quase não reconheci a garota - sim, uma garotinha­ - que me refletia a imagem no espelho, com os olhos ainda borrados da maquiagem da noite anterior. Ela não se parecia em nada a mulher que eu fora, antes de tudo. Causava simultânea repulsa e esperança. Continuei a me encarar debilmente, como se esperasse que abruptamente aquela figura se desfizesse e eu surgisse de dentro dela. Minutos se passaram, e o lembrol começou a produzir uma fumaça azul chamuscada de roxo, como se tivesse inteligência o suficiente para compreender meus pensamentos e armazená-los ali.

Quero me lembrar de quem fui.

— Você adivinhou.

Tom sorria com autêntica felicidade, outro exemplar de livros do futuro em suas mãos. Este, por outro lado, eu conhecia aos avessos: Artes das Trevas e Maldições Imperdoáveis. Sabia que não era fácil adquirir algo assim em uma loja como Floreios e Borrões, mas nada que a Travessa do Tranco não conseguisse encontrar para aqueles que soubessem o que buscavam. Eu fazia ideia de que a Borgin & Burkes vendia livros de repertório ainda mais extremos, e considerei que para começar seu trajeto para imortalidade, Tom buscaria um título simples.

A verdade é que eu atiçara uma isca em sua leitura. Poucos eram os materiais, mesmo de artes sombrias, que explicassem detalhadamente uma forma de burlar a segurança do Ministério da Magia nas causas de acidentes mágicos e uso indevido da varinha longe dos terrenos de Hogwarts para menores de idade. O acaso serviu-me com perfeição, quando me deparei com o livro, sabendo que Tom necessitaria algo similar para assassinar o pai e os avós, em agosto de 1943, aos 16 anos. Queria prever seus passos.

— Vale a reflexão de como tamanha atrocidade fora executada com tanta maestria. As autoridades jamais desconfiaram que fosse uma memória implantada na mente de Morfin Gaunt, obviamente, haviam motivações pessoais, mas nunca considerei suficientes para matá-los. - Dumbledore me confidenciou. - O pouco que consegui extrair antes da morte do mesmo em Azkaban comprovou minhas suspeitas.

— Mas, neste caso, Tom Riddle não tinha sequer 17 anos completos. - acrescentou Snape, analisando a penseira. - A não ser que tenha contrabandeado uma varinha, o que parece absurdo, qualquer intenção mágica seria imediatamente registrada pelo Ministério.

— A não ser... - interrompi-o. - que soubesse exatamente como enganá-los. Que houvesse uma forma de executar a maldição imperdoável...

— Três vezes...

— E acusar Morfin tão convincentemente através de um complexo feitiço de memória... - Dumbledore levantou-se da cadeira, andando em círculos. - Onde ele conseguiu essa informação, afinal?

Retribui-lhe meu sorriso com a expectativa de uma tola apaixonada. Vindo ao meu encontro, tomou-me num abraço quase demorado, frente aos poucos alunos que restaram na manhã gélida de Natal em Hogwarts, e apertou o livro sobre o peito. Deveria supor, por puro instinto, que apesar de não compactuar com suas conjecturas desprezíveis de preconceito aos nascidos-trouxas ou bruxos de níveis intelectuais mágicos inferiores ao seus, ele considerava minha atitude em demasia, e se por ventura silenciosamente presumisse que eu o apoiava em sua causa fatídica, arranjar-lhe livros do gênero seria quase uma prova de amor.

Tom voltou para o dormitório em êxtase, provavelmente para devorar seu novo presente o mais rápido que pudesse. Nos últimos dias não havíamos tomado nota sobre as histórias um do outro, e confesso que estava ficando nervosa. A cada segundo que sua confiança e afeto pareciam crescer sob meus ombros, ele ficava mais recluso e intenso na tentativa de parecer o que chamaria de namorado perfeito. Além disso, os efeitos temporais que me subjulgariam também haviam sumido, nenhum desastre iminente às vistas. Tudo estava em paz.

Aproveitando o momento de distração, percorri solitária os corredores até a biblioteca, sabendo que a responsável estaria de folga. O cômodo fechado não seria um obstáculo para mim.

Alohomora. — conjurei.

Em casa não havia uma porta sequer que ficasse trancada. Ou baú, ou caixa. O feitiço de destravamento fora o primeiro aprendido por Victoria, logo após seus primeiros meses em Hogwarts. Quando éramos apenas nós duas, usava minha varinha para não despertar suspeitas.

O ambiente estava mórbido, propício para minha tarefa, no entanto. Aquela quietude me ajudava a pensar, enquanto passava meus dedos finos entre os títulos Famílias Nobres e seus descendentes, As tradições de Sangue, O legado dos Fundadores. Parei neste último. Em Hogwarts: uma história era possível conhecer um pouco da vida de cada fundador, mas sem profundidade, citando apenas seus feitos relacionados ao Castelo. Fora este, As lendas de Hogwarts pernoitavam comigo e Victoria até mais que Os contos de Beedle, o Bardo. Ler histórias infantis e desvendar os enigmas por traz de suas lições era nossa diversão particular, sobretudo aqueles relacionados a nossa Casa. Só consigo imaginar o que a pobre Dama Cinzenta deve sofrer com minha irmã, assolando-a de perguntas auspiciosas.

Salazar Slytherin tinha grandes olhos azuis esverdeados, pele pálida, fronte sombria, como se sentisse dor o tempo todo. Na juventude, usava os cabelos lisos e castanhos na altura dos ombros, seguindo a moda medieval de sua própria época. Foi educado em casa, na Irlanda, mostrando tremenda habilidade para Artes das Trevas, Leitura e Controle da mente. Seu ódio aos trouxas tinha fundamento: o assassinato de membros amados da família à sangue-frio, especialmente a irmã, Elianna Slytherin e o sobrinho recém-nascido. Após o episódio, permaneceu em reclusão na Inglaterra, onde desenvolveu a habilidade de compreender e se comunicar com cobras, a ofidioglossia, que passaria a ser hereditária para seus herdeiros. Foi então que conheceu Godric Gryffindor e, mais tarde, Rowena e Helga, que viria a tornar sua amante.

A aliança formada entre eles permitiu que Hogwarts existisse, e assim também a reforma que colocaria a casa de Sonserina em uma posição mais desgostosa entre os colegas. Primeiramente, o Professor Salazar, como adorava que fosse chamado, não confiava cegamente em seus companheiros. Isso advindo de suas próprias experiências pessoais com outros bruxos, ademais, passou a repudiar o comportamento astuto, pouco profissional e arrogante de Godric, que educava seus alunos para serem guerreiros natos, utilizando os dons mágicos sem sabedoria e embasamento, apenas força. Diante disso, criou a Câmara Secreta, para treinar os alunos da Sonserina em artes sombrias, conhecimento que considerava bastante útil em uma batalha, caso houvesse. A verdade é que Salazar tinha medo, não da morte, mas da destruição de seu patrimônio. Foi pensando nisso que selou a câmara com o basilisco: na ocorrência de um ataque trouxa, todos seriam mortos ao olhar nos olhos da besta.

Tecnicamente genial.

À parte da exclusividade de ensino para puros-sangue, Sonserina foi o mais representativo Fundador de Hogwarts enquanto intelectual da sua época. Grande parte dos feitiços defensivos de alto impacto haviam sido desenvolvidos por ele, há mil anos atrás. Tinha natureza introspectiva e reflexiva, algo que passou a irritar Godric demasiadamente, pois nunca considerava uma discussão vencida. Essas discrepâncias acabaram por afastar Salazar do convívio de Hogwarts prematuramente, sem saber que Helga Hufflepuff carregava seu filho.

Deixou Hogwarts desolado, visto a negativa de Helga em partir com ele e se casarem. Algum tempo depois, sob a premissa de ter se tornado um Bruxo Sombrio, foi desafiado por Gryffindor para um duelo, que culminou com a morte do segundo. A espada voltou para a Casa Grifinória, indicando a morte do portador, cujo túmulo é um dos mistérios mais sagrados da nossa história. Chegou a visitar Hogwarts uma última vez, para saber da morte de sua amada Helga três anos antes. Desceu até a Câmara Secreta e ficou ali, solitário, aguardando sua própria morte, em 1026. Há uma lenda de que, no mausoléu da câmara, jaz uma fotografia (memória estilizada magicamente em papel) dele e de Helga juntos.

Com Slytherin eu sabia que havia sido cometida uma injustiça bárbara. Sua reputação fora desgastada diante das afirmações hediondas da casa Gryffindor de que se tratava de um mago maligno, de intenções supremacistas e ódio aos nascidos-trouxas, quando, antes de sua partida, declarara apenas que não permitiria algo do gênero na Sonserina, apenas na Sonserina, continuando as progressões educacionais de todos os estudantes sem distinção. A criação de sua figura foi percorrida durante séculos e engolida à seco pelos integrantes da Casa, que passaram a reproduzir tal discurso ilógico ao longo dos anos.

O legado dos Fundadores ainda criava aquela atmosfera fantasiosa, apesar do formato interessante. Trazia em seu interior uma série de mapas, até mesmo a planta da construção do Castelo por Rowena Ravenclaw, onde cada um dos fundadores escolheu fazer seu Salão Comunal. Folheando uma a uma, encontrei exatamente o que buscava: a árvore genealógica de cada um. Godric e Rowena podiam ser parceiros interessantes, mas Helena não era filha de Gryffindor, como se sabe. A partir da morte de Salazar, outro ramo da árvore mágica solidificou-se diante dele, trazendo à tona a história de Ilvermorny, escola de Magia e Bruxaria Norte-Americana. Ali, podia ser lido em detalhes o nome de Isolt Sayre, fundadora da instituição, e também herdeira direta da última geração decente dos Gaunt.

Era uma conexão simples para quem já soubesse onde buscá-la, no caso de Tom, ele demoraria alguns dias buscando por Marvolo em outros materiais. É claro que em vão. Os Gaunt possuíam ódio extremo a Hogwarts diante da posição desconfortável que seu ente de maior destaque fora deixado após sua morte. Eles, sim, tinham total repúdio aos trouxas e nascidos-trouxas. Curiosamente, não partilhavam da companhia de bruxos, nem mesmo os de puro-sangue.

— Sou órfão desde o primeiro dia de vida.

Mesmo que Merope Gaunt tivesse sobrevivido ao parto, duvido que Tom teria uma vida feliz. Gerado através de magia, sob condições forçadas, sem amor, sem sustento, nada que pudesse fomentar um relacionamento amigável entre as famílias senão sua própria existência totalmente desconhecida. Diante do choque e do abandono, era possível que Merope sumisse com a criança, sem saber o que fazer.

Não havia outro destino para ela.

Uma vida sem amor não tem motivos para ser vivida. Voltar ao passado, vigiar e convencer Lord Voldemort a me aceitar como sua fiel serva, confidenciando seus planos mais íntimos, dava-me o poder de modificar uma ou outra coisa naquele tempo, que infelizmente não serviria de muito para o futuro de onde eu vinha, afinal, Tom Riddle Sr. morreria, fosse pela varinha do filho ou pelas causas da natureza.

Mas aqui, o agora, como poderia ser?


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Notas finais do capítulo

Um pouco de maré calma antes da turbulência...



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