Estrelas Perdidas escrita por S Q, Lara Moreno


Capítulo 2
Quando Duas Estrelas se Cruzam


Notas iniciais do capítulo

"Não declares que as estrelas estão mortas só porque o céu está nublado." - Provérbio Árabe.



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Benjamin

 

Algumas horas antes, eu me perguntava por que ainda estava ali. Para ser sincero, até hoje não tenho certeza, mas acho que tem a ver com a minha preocupação em saber se a moça iria sobreviver ou não.

Toda vez que alguém saía da sala de cirurgia para onde a acidentada foi levada assim que chegou, meu coração dava um salto e eu me sentia mais desperto; ia apressado perguntar sobre tudo que acontecia lá dentro, mas a resposta era sempre "não temos tempo para te responder pois estamos ocupados demais." Logo, voltava frustrado para a cadeira ao lado do bebedouro e um tio que não parava de tossir me lançava um olhar esperançoso e questionador; eu só balançava a cabeça em negação e ele voltava a atenção a um paninho encatarrado. Porém, depois de um tempo, ninguém mais atravessou aquela porta misteriosa, tornando toda a espera mais agonizante e tediosa a cada segundo.

Não durma. Não durma. Não durma. Não fecha o olh...olha um porco voando! Ficaria melhor se tivesse um chapéu preto de mágico na cabeça dele e botas vermelhas nas patas, e se ele fizesse o passinho do Michael Jackson. Agora sim! Espera, isso não é normal. Acorda!

Observei uma mulher vomitar pela quarta vez num baldinho e cheguei e repeti mentalmente pela vigésima vez que o ambiente de hospitais é horrível. Não aguentava mais esperar, tinha se passado quantas horas desde que ela entrou naquele quarto? O relógio não me dava informações porque eu não lembrava que horas havíamos chegado lá e passei a não confiar nele depois de ter cochilado várias vezes, acordado e ver que não tinha passado nem cinco minutos. Então, eu estava pensando em ir embora quando coincidência, destino, tanto faz, o chefe de cirurgia dela, finalmente, saiu da porta e parecia procurar algo ou alguém. Me aproximei e comecei a série de perguntas: Cadê ela? Está viva? Tá bem? Vai viver? Deu tudo certo? Como ela tá?

O cara era ou uma pessoa muito calma ou muito fria, porque a expressão dele era neutra e a fala, devagar.

— Sim, ela está estável. A cirurgia deu certo. Ela ficará em observação por bastante tempo para sabermos se não terá reações. Além disso,  precisa descansar e acordar para podermos examinar seu nível de consciência. — Ele colocou as mãos em meus ombros e respirou fundo antes de continuar. — Vai para casa, ligaremos assim que houver novidades.

Assenti. Dei mais uma olhada na porta que ela entrou há horas e parti para casa. Minhas pernas se mexiam no piloto automático, porque minha cabeça ainda estava no acidente e na moça no hospital. Eu poderia dormir no chão da calçada de tão cansado que estava, eu realmente pensava nisso até chegar no apê que divido com meu irmão.

Guardei as compras e me preparei para dormir tão devagar que mal fazia barulho. Quando me joguei na cama, sonhei que estava no hospital assistindo ao show do porco voador. Foi um alívio grande e engraçado.

No dia seguinte, acabei não acordando com o despertador, mas com as várias batidas fortes de meu irmão na porta do meu quarto.

— Tem mais trabalho, não? Foi demitido? — Seu gritos estavam abafados, mas dava para ouvir a irritação em sua voz. — Levanta, preguiça!

Queria mandar ele calar a boca e ir ver se estou em Marte. Porém, só disse que estava arrumando minhas coisas e fui organizar parte da minha vida.

Alex, meu irmão, me levou de carro até a metade do caminho do ônibus, pois disse que estava atrasado e era contra-mão para a faculdade. Dei de ombros e fui para o mercado com um desânimo tão grande que assim que cheguei, um colega foi logo me barrando na entrada.

— Deixa eu passar, filhote de boi. — É assim que chamo o colega, porque o cabelo dele é liso tipo aqueles emos da década passada que até parece que um boi lambeu a cabeça.

— Que isso, Faustão Júnior? — E ele tenta me ofender desse jeito. Sabe como é amizade entre machos, não sabe? Ele acha que é meu melhor amigo, coitado. — Era para eu te dar bom dia e você me mandar eu me ferrar que tá muito cedo pra alguma coisa ser boa.

— Vai se ferrar? — Tentei parecer normal e entrei pelo lado dele.

Ele riu e me seguiu, enquanto eu guardava a mochila no armário e pegava o uniforme. Tudo isso rápido para as pernas curtas dele não me alcançarem, mas ele sempre foi mais rápido.

— O rolê acabou tarde? Acordou de ressaca? Sua namorada terminou com você?

— Você tá falando comigo mesmo?

Ele riu de novo e voltou ao trabalho de arrumar as prateleiras. Nisso, consegui relaxar um pouco com o tempo sozinho. Peguei o celular várias vezes esperando alguma chamada perdida, mas sempre tinha nada e isso era motivo suficiente para que eu voltasse a pensar nas piores situações para aquela moça. Depois de alguns minutos, levantei e usei meus talentos com a voz e comunicação para vender, olha aí um maneira mais chique de dizer o que eu faço da vida.

Meu amigo não me perguntou mais e eu quase não falei com os outros colegas. Assim, o dia foi passando e o celular, finalmente, tocou. Pedi pro Kaio, o colega, avisar ao gerente que precisava ir pro hospital visitar alguém, catei mochila e tudo mais correndo para o hospital. Disseram que ela acordou e então, senti um peso enorme sair de minhas costas.

Assim que o ônibus parou em frente ao hospital, eu desci depressa e andei até lá quase tropeçando enquanto me perguntava do porquê eu estar tão preocupado com uma pessoa desconhecida. Com algumas conversas e preenchimentos de papéis, me disseram que ela estava sendo examinada, ou seja, eu ainda teria que esperar mais para poder vê-la. Dei um sorriso curto e falso para a atendente e sentei na mesma cadeira do dia anterior já que era a única vaga, e isso só me deixou mais impaciente. Levantei e fiquei andando de um lado para o outro. Fui no banheiro para conhecer, quem vai num banheiro só para conhecer? Vou descrever como ele era apenas para passar o tempo: Branco, fedido, tem pias e espelhos, cabines, é fedido, tem lixeiras, já falei que é fedido? Na real, ninguém se interessa por como uma banheiro é feito, eu só estou enrolando você porque sou um ser desocupado. Saí logo e bebi alguns copos de água. E...sentei. Dessa vez, era uma tia com um gesso na perna e tudo sobre os próximos capítulos da novela das 9 na ponta da língua que sentava ao meu lado, achei engraçado que a mocinha morava num lixão e quem vai morar no final é a vilã, sensacional.

Após uma remake da novela das 6 direto da tia engessada, uma enfermeira chamou meu nome e disse que eu já poderia visitar ela. Uma onda de entusiasmo me atingiu e eu toquei na maçaneta sem ter a mínima ideia do que esperar. Empurrei e entrei.

Fiquei parado na porta a observando dos pés a cabeça. Estava quase toda enfaixada, com curativos e fios ligados ao seu corpo. Ela me encarava e os olhos me chamaram atenção mais que qualquer coisa, eu sentia que já os tinha visto antes, mas não como se fosse de alguém que você esbarra na rua e a única vez que se olham é para pedir desculpas para depois seguirem seus caminhos. No caso dela, era como se não tivéssemos cada um tomado lados opostos, mas como se vivêssemos nos encontramos, sempre se esbarrando e pedindo desculpas um ao outro. Agora, voltando à realidade, percebi que ela parecia perdida, as pupilas agitadas procuravam por sentido e suas sobrancelhas estavam franzidas como se estivesse confusa. Pensei que precisava fazer ou dizer alguma coisa para quebrar aquela cena estática.

— Meu nome é Benjamin, tudo bem? — E sorri.

É claro que ela não estava bem. Que idiota.


***

Riley

Ah, não! Ele tava sentindo pena de mim! Mas é óbvio que ele ia sentir pena, por que não pensei nisso? Tentei desconversar sua preocupação ainda, só que estava muito tempo sem falar, então minha voz saiu uma porcaria:

— Eu t-tô mui-caham-to b-bem. — É, não dava para consertar — Quer dizer, a-acho q n-não. — Falei me rendendo. Ele ficou ainda mais sem graça, se é que era possível:

— A-ah desculpa! Acho que você precisa descansar, né?

Eu queria dizer "Não, fica mais um pouco aqui, pelo amor de Deus!" Mas também sabia que só tinha lhe chamado porque precisava de ajuda. Não tinha porquê manter o orgulho.

— Acho que sim. — Disse com uma voz fraca, baixando ainda mais a cabeça— Mas...
Ele se aproxima da minha cama, atenciosamente: 
— Mas...?

— Desculpe, caham,cof, cof, é q eu... Não quero f-ficar sozinha.— Ótimo, agora até tosse apareceu do nada!

Ele passou as mãos pelos cabelos e ficou olhando desajeitado ao redor, catando alguma coisa. Quando encontrou um banquinho, lhe puxou e sentou-se bem próximo a cama. Próximo demais. Nossos olhares se encontraram de novo e foi momentaneamente tomada por uma sensação... instensa.

— Tá... — Ele desviou o rosto. — Eu fico com você.

Palavras simples mas que me fizeram sentir mais segura, pela primeira vez, desde que a aquela loucura tinha começado. Então finalmente fiz a melhor coisa que poderia fazer para me ajudar: comecei a chorar. Silenciosamente, as lágrimas escorriam pelo meu rosto inchado e foram aumentando conforme rolavam.

O semblante triste do meu novo amigo só piorava ainda mais o nó na garganta que conforme aumentava deixava ele ainda mais triste; já tava vendo a cena liinda: os dois chorando num quarto de hospital. Contudo, ao contrário do que eu esperava, ele respirou fundo, se segurou, e devagar, pegou na minha mão. Só não sei se foi uma boa decisão, porque ele falou comigo mais inseguro ainda:

— Até agora...eu...é, desculpa, qual seu nome?

As lágrimas cessaram na mesma hora. Que raiva de não conseguir responder aquela pergunta besta! E ainda devia estar parecendo uma ridícula ali chorando, toda machucada na frente desse rapaz tão... cheio de vida. Lentamente, fiz um esforço para encará-lo com o máximo de determinação. Já que não tinha como responder, achei melhor, ao menos, recuperar a dignidade no olhar.Não funcionou muito bem, a vivacidade dele transbordava por seu rosto, mesmo triste. Isso me deixou um pouco... abalada?

— Prefiro não responder

Ele franziu a testa, assustado agora. Devia estar achando que eu era alguma procurada ou fugitiva, provavelmente. De repente, balançou a cabeça, como que para afastar qualquer pensamento:

—T-tá, desculpa. — E deu um sorriso curto, mostrando claramente que não ia perguntar mais. Sobre aquilo. — Você quer que eu fique quieto?

Confesso que me surpreendi com a reação amigável para minha resposta curta e grossa.

—N- não precisa é só que... Eu não quero falar de mim, por enquanto. Mas pode conversar sobre qualquer outra coisa.— Falei, sendo agora minha vez de dar um sorriso encorajador.

Ficamos em silêncio de novo. Vou te contar, que situação estranha. Talvez não tenha sido uma ideia tão boa assim chamar um desconhecido para me ver naquele estado em cima de uma maca. Mas, o que mais eu podia fazer? A calmaria já estava me fazendo render ao sono, embalado pela doce melodia dos analgésicos ou relaxantes que me deram, até que ele se empolgou de repente:

— Quer ouvir música? — E já foi pegando o celular e escolhendo uma música. — Essa aqui tá na minha cabeça há um tempão, acho que é a melhor música dela.

Um single chiclete começou a sair um pouco distorcido do aparelho. A batida até que era boa. Como ele não disse quem era "ela" quis saber quem era a cantora que empolgava tanto esse Benjamin.

— Como assim? A melhor voz do Brasil!

Obviamente que eu não ia lembrar, quem quer que fosse. Desconversei, falando que não conhecia muito bem; ainda não achava seguro dizer para um desconhecido que não lembrava de nada. Embora o fato de estarmos sozinhos num quarto, o cara perfeitamente bem de saúde, enquanto eu estava impossibilitada numa maca também fosse extremamente perigoso, se parar para pensar.

— Riley é uma das cantoras mais populares do país! — me explicou, empolgado — Muito famosa, tá sempre na TV e nas revistas, é muito linda, tipo loira do corpão — Parou como se tivesse se tocado do que falou; seu rosto corou todo. — A-ah ela co-começou postando vídeo no YouTube, sabe? Na Internet, tudo bem simples, mas agora os shows são só pra burguês. — Cruzou os braços indignado, mas aliviou a expressão.— Pelo menos ela sempre foi simpática com os fãs, parece que gosta da gente. — Sorriu. — Cara, eu amo a Riley...

Acabei adormecendo, embalada nas palavras dele.

Quando acordei, não tinha mais ninguém no quarto. Apertei a campainha de minha maca e a enfermeira apareceu em seguida: hoje, uma moça magrinha, com sardas. Ela estava toda preocupada comigo, verificou todos os fios, trocou as gases até me limpou. Seria constrangedor se ela não tivesse sido extremamente simpática. Ficou conversando sobre como amava sua profissão e o que mais gostava de fazer. No meio do assunto, comentou sobre essa tal de Riley também, disse que era uma grande fã. Não pude deixar de comentar:

— Bom, ao menos ela eu já sei que não sou heheh. Se fosse, com certeza alguém já teria me achado.— Falei rindo, pra não chorar. Era óbvio que eu era uma zé ninguém, para nem documento ter. Talvez tenha sido até bom perder a memória.

A ruivinha nem por isso ficou triste.

— Ao menos, tem alguém que se preocupa com você! — Falou apontando para um vaso de flores na minha cabeceira; céus eu nem havia notado!

— Caramba, como não vi isso antes?! — Falei me sentindo lisonjeada.

—É normal ter uma noção errada da realidade e do tempo depois de fazer uma cirurgia encefálica. Você se recuperou muito rápido, na verdade.

Se ela achava que isso ia me deixar feliz, acho que errou feio.

— Eu... fiz uma cirurgia encefálica?

A moça ficou sem jeito por se tocar que eu ainda não sabia. Entretanto, se sentiu determinada a explicar que eu havia sofrido uma grave fratura craniana, por isso estava sem memória. Disse que era um milagre essa ter sido a única sequela cerebral.

— Cerebral?

— É. Um dos motivos de não dar para te reconhecer é que você ralou o corpo inteiro, inclusive as palmas das mãos, onde tem suas digitais. E fora isso... foi preciso fazer uma reconstituição facial, seu rosto tinha... ficado beem machucado com a queda, os cabelos também se prenderam na roda do caminhão, precisamos cortá-los...

Não queria ouvir mais nada. Em pânico, pedi um espelho.

 


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Notas finais do capítulo

Deixe suas impressões! Capítulo postado também no wattpad ;)