O vazio. O nada. Ambos eram o que estavam presentes em meu coração aflito, vazio, preocupado, ansioso e desanimado. No coração, o aperto. As coisas para fazer se acumulando mas as forças para as fazer faltando. Não tenho forças, não tenho coragem. Tudo que quero é sentar? Deitar? Chorar. Nem disso tenho mais certeza.

“Faça algo que gosta!”, disse a mim mesma. Olhei para o livro recém comprado. O penúltimo da série adorada. Mas mesmo assim, a força faltava. A culpa batia. “Deveria estar sendo útil”, dizia a voz em minha cabeça. No entanto, ao tentar ser útil, nada saia, nada funcionada. Ficava apenas fitando a tela em branco do computador tentando lembrar, tentando entender. O que era que eu deveria fazer mesmo? O foco me escapa, a preocupação vem até mim. Tenho que fazer esse trabalho andar. Mas não consigo.

Talvez começar com algo mais simples? Aquelas três questões de francês que faltam fazer para o dia seguinte? Abri o livro. Um texto sobre os telhados de Paris. Ah... como queria viajar. Ah se fosse tão fácil assim. Sonhos interrompidos numa vida que não é vida. Uma vida na luta diária e constante, sem tempos para descansos. Trabalho, estudo, problemas de família. A vida me cansa. Não. Não me passa pela cabeça fazer A decisão final. Mas ela me cansa. Quero viver. Quero gritar. Quero fazer o que minha mãe não deixa. Quero fazer o que meu pai não deixa. Não, nada de errado nessa lista. Quero apenas viver. Quero viajar, quero poder ser quem sou, quero descobrir minha religião e não seguir a que minha mãe enfia goela abaixo. Quero jogar tudo para o ar e seguir meu coração. Mas não, nem para isso tenho força também. A mente divaga. Volto o olhar para a folha. Os telhados de Paris. O que raios eles tem de tão importante se não podem tirar esse aperto de meu peito. Tento ler o texto. Leio a mesma linha três vezes sem nada dela registrar. Abro o final do livro e colo as respostas.

Largo o livro de francês sobre a cama. Não tenho cabeça para isso. Não tenho cabeça para nada. Tento dar uma chance ao livro recém comprado, a tanto tempo protelado pois, segundo a eu do passado “não vou conseguir parar de ler quando começar”. Afinal, tinha sido assim com todos dessa série. Mas isso não acontecia agora. Não agora. Não quando meus pais conseguiram destruir com sucesso aquela gotinha de força que sobrava em meu coração hoje. Li um capítulo. À muito custo e pulando dois parágrafos completos.

Desisti.

Fechei o livro.

Deveria estar sendo útil.

Abro uma aba com o trabalho que deveria estar fazendo. O trabalho que assinaria minha carta de alforria. O TCC. As palavras se misturam e perdem o sentido. Outras abas atraem o olhar. Youtube. Facebook. À nenhuma eu realmente presto atenção. Pois meu coração está vazio, não quer fazer nada. Mas o cérebro, o cérebro se preocupa. Se preocupa demais. O TCC! A professora não responde! A menina do grupo do trabalho também não! O remédio do cachorro! Mamãe está de mal humor! Mamãe se odeia! Papai me acusa de gastar dinheiro com bobagens quando gastei meu dinheiro com a comida que ele não compra! Papai diz que estou gorda! Papai me obriga a comer coisas que odeio porque estou gorda! Mamãe bisbilhota o celular de papai! O irmão precisa de mim! Está muito carente de atenção! A amiga está mal! Mas será que não estou pior? E ela lá merece ajuda? Sempre sou eu que tenho que ficar puxando assunto! Achava que amizade era uma via de mão dupla! E o estágio! Como está? Uma droga, obviamente! Tem cinco pessoas formando juntas, eu uma delas, e apenas duas vagas! Eu não me escolheria. Eles seriam burros se me escolhessem. Responsabilidades demais. Problemas demais. O coração aperta, os olhos ardem segurando as lágrimas.

E tudo o que eu queria agora...

Tudo o que eu queria em meio à essa falta de forças para viver,

Era ter espaço para viver.