Solitude escrita por Lillac


Capítulo 13
Floricultura do apocalipse.


Notas iniciais do capítulo

Acreditem em mim quando eu digo que tentei diminuir o capítulo, shuhsua. Peço desculpas por ele ter ficado tão longo, mas eu acho que valeu a pena.
Avisos: esse capítulo contém cenas de menores de idade consumindo bebidas alcoólicas, se isso te deixa desconfortável, sinta-se livre para pular a primeira cena.
Espero que gostem!



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Alguns meses atrás, estar reunido com Leo, Piper e Jason jogando cartas no chão do enorme quarto da garota não seria nada fora do comum. Eles costumavam fazer aquilo, uma ou duas vezes no mês, principalmente quando Afrodite estava ocupada demais no ateliê, Mitchell dormindo na casa do namorado e Drew sabe se lá aonde, dançando até quebrar os próprios saltos em alguma festa, e a mais nova ficava completamente sozinha com Lacy na mansão que era tudo, menos acolhedora.

Naquela época, Percy não teria sequer piscado.

Mas agora, mesmo quando estavam todos abarrotados em um quarto minúsculo com uma única cama de solteiro e jogando com um baralho velho que nem tinha mais todas as cartas, tudo parecia surreal. E ao mesmo tempo tão, tão mais significativo. Eles estavam usando as tampas de plástico dos galões de leite que haviam sido esvaziados como fixas, e o coração de Percy pareceu dar um salto olímpico no peito dele quando ele notou, pelo canto dos olhos, quando Piper muito sorrateiramente deslizou uma das tampas de Annabeth para si própria, aproveitando-se do fato de que a outra garota estava muito concentrada nas próprias cartas. Piper notou o olhar dele, e lhe lançou uma piscadela, como se dissesse “isso fica entre nós”.

Percy respondeu com um aceno e, quando Connor o empurrou no ombro, ele fez sua jogada.

E perdeu feio para Annabeth, dois segundos depois.

Leo, que estava mais interessado em atrapalhar os jogos dos outros do que em ganhar, fez sua jogada deliberadamente, enquanto tomava um gole da própria bebida (ele ficara extasiado quando eles finalmente puderam atacar o arsenal de álcool que haviam roubado de Ares).

— Ei! — Annabeth exclamou de repente, e os olhos cinzentos dela escureceram quando focaram na garota ao seu lado. — Você me roubou.

Piper piscou, balançando os enormes cílios dela, e mexeu um ombro.

— Eu não faço ideia do que você está falando, Annie.

Percy, sempre o rapaz prestativo, contribuiu com um:

OHHHHH.

Todo mundo sabia que Annabeth detestava ser chamada no diminutivo. Percy sempre achara que era algum complexo de superioridade, mas agora pensava que se tratava de algo mais. Annabeth não era muito alta ou ameaçadora, como Clarisse e Thalia, e embora seu olhar fosse capaz de congelar alguém de medo, ela não podia contar com a própria aparência para intimidar. Então, talvez, o fato dela não gostar de apelidos fofinhos fosse pelo fato de que esses apelidos só contribuíam para uma imagem inofensiva.

Mas isso havia sido antes. Quando Annabeth era só a oradora principal do grupo de debates. Agora, quando ela tinha uma grande cicatriz percorrendo do seu pescoço até a clavícula, e o talho aberto em sua testa só começara a formar casquinha, Percy achava que ela parecia qualquer coisa, menos inofensiva.

No lugar de Piper, qualquer outra pessoa provavelmente teria engolido em seco e devolvido a fixa.

Piper resolveu brincar com a própria sorte. Ela inclinou-se, estalou um beijinho na ponta do nariz de Annabeth, e, enquanto a loira estava estupefata demais para reagir, roubou outra fixa suave e silenciosamente.

Annabeth grunhiu alguma coisa, e então as duas rolaram pelo chão da cabine como dois gatos de rua selvagens.

Não demorou para que todos os outros começassem a rir, o jogo de cartas esquecido. Quando Annabeth finalmente conseguiu prender Piper ao chão, sentada encima do torso da garota com as mãos em seus pulsos, parecia que tudo havia acabado. E então, claro, Piper e Leo trocaram um olhar, e a mais nova exclamou, num tom alto o suficiente para que que todas as outras cabines conseguissem escutar:

— Eu sabia que você gostava de ficar por cima, Annie, mas uau!

Travis, que estava na metade de um gole, deu uma risada tão alta que a bebida saiu pelo nariz dele. A barriga de Percy começou a doer, enquanto ele tentava recuperar o fôlego, mas só piorou quando Annabeth pulou para longe de Piper como se a garota estivesse pegando fogo e caiu sentada ao lado dele, com o rosto vermelho como um tomate, e uma mão cobrindo a própria boca.

Era a primeira vez que Percy a via tão... vulnerável. Mas não em um sentido ruim, longe disso. Ele só estava acostumado a vê-la sempre séria, ou extasiada com alguma descoberta nova. A mudança de expressão era boa... bem-vinda. Percy descobriu que gostava da Annabeth tímida e envergonhada tanto quanto gostava da imponente e mandona.

Ela deitou a cabeça no ombro dele confortavelmente, e, como um segundo instinto natural, ele envolveu o corpo dela com um braço.

Percy queria aproveitar aquele momento, queria mesmo. Tudo parecia tão bem... tão certo ali. Eles eram novamente um grupo de adolescente divertindo-se em uma sexta à noite, jogando cartas e brigando.

Infelizmente, não era bem assim. Em uma noite normal de sexta, Rachel e Grover estariam ali, colocando algum congelado no micro-ondas, e enquanto Nico e Frank organizavam as cartas de baralho do RPG, tomando notas em seus caderninhos para saber em qual parte exata haviam parado, enquanto Reyna se acomodava em uma poltrona com os fones de ouvido e lia.

Mas Rachel e Grover estavam trancados em quartos longes dali, por motivos diferentes, e ele duvidava que algum dos dois tivesse cabeça para um jogo de cartas. Nico estava enfiado até o pescoço com a suposta “Investigação”, ele não sabia onde Reyna estava e Frank recusara o convite com um aceno desconfortável e fechara a porta rapidamente quando Percy o procurara, e o rapaz não pôde deixar de considerar que talvez Frank ainda estivesse magoado com o soco no nariz.

Ele suspirou, apoiando a cabeça na parede atrás de si. Em uma noite normal de sexta, Annabeth estaria provavelmente estudando, enquanto Thalia socava um saco de pancadas e Luke corria na esteira do quarto igualmente enorme da mais velha.

Mas Luke estava morto.

E Thalia...

Alguém bateu à porta, e Jason imediatamente levantou-se para atender.

— Ah, oi, Thals...

Percy levantou-se.

— Já está na hora?

A única resposta dela foi um aceno.

Ele despediu-se de Annabeth com um aperto carinhoso no ombro dela e deixou o quarto, seguindo Thalia pelo corredor silencioso. As botas de couro dela faziam eco pelas paredes, e ele tentou pensar em alguma coisa para dizer.

— Thalia — chamou. — Já faz duas semanas desde aquela briga. Nós não podemos...

— Percy — ela o interrompeu,  e ele notou, pelo modo como havia usado o primeiro nome dele, e pelo tom cansado, que ela não pretendia dizer nada hostil. — Eu estava errada, ok? Por mais que o Octavian seja um pedaço de lixo humano, eu não tenho o direito de espanca-lo. Nenhum de nós tem. Você estava certo, e eu fico feliz que a Annabeth tenha colocado um pouco de juízo na minha cabeça.

Thalia avançou o passo, e Percy seguiu-a, meio boquiaberto. Thalia Grace não era exatamente conhecida por ser humilde e admitir quando estava errada.

— Eu sinto muito — ele desabafou. — Pelo Luke.

— Não foi sua culpa — ela virou o último corredor — Luke deveria ter nos dito desde o começo. Eu sei que ele estava tentando cuidar da gente... — Thalia respirou fundo —, mas a realidade é que ele mentiu. Eu sei o quanto nós queremos acreditar que ele seria como o Grover, que não se transformaria, mas nós não sabemos.

Ela tirou o molho de chaves do passador de cinto na calça jeans e procurou pela certa por um minuto. Enfiou-a no cadeado e abriu a porta de grades cinzentas, continuando a andar. O corredor era mais úmido e frio ali, e não haviam mais cabines.

— Ele colocou todos nós em risco, naquele auditório — continuou. — Quando Ethan se transformou, tivemos sorte dele estar deitado e debilitado. Consegue imaginar o que aconteceria se Luke tivesse se transformado? Naquele lugar fechado? — Ela parou e fechou os olhos, respirando tão fundo que os ombros dela tremeram. — Você acha que algum de nós teria tido a coragem de esmagar a cabeça dele?

Percy não a respondeu, mas ele viu qual era a pergunta oculta no olhar dela, tão elétrico e luminoso naquele breu quase absoluto: você acha que eu teria?

Ele bateu com o antebraço na grade de metal, o barulho ecoando por todo o corredor, e a resposta quase imediata foi um grunhindo aborrecido.

— Hora da janta, bonitão — Thalia anunciou.

Ela se inclinou um pouco e pescou de dentro da mochila a marmita que havia sido enrolada de qualquer jeito, enquanto Percy abria a portinhola rente ao chão. Thalia deslizou o objeto com rapidez e então Percy trancou-a de novo.

Octavian surgiu da escuridão cambaleando e com a mesma expressão azeda de sempre. Ele olhou para o prato enrolado com alumínio e fez uma careta de desgosto, mas sentou-se no chão de qualquer modo e desembrulhou-o.

— Você parece péssimo — Percy comentou.

Octavian soltou uma risada anasalada. Na escola, ele havia sido um dos rapazes mais certinhos e bem-educados (e impossivelmente arrogantes por causa disso), mas naquele momento ele enfiou um punhado de arroz quase cru na boca e resmungou, ainda mastigando:

— É? Eu suponho que ninguém fique muito atraente depois de uma surra.

Thalia apoiou-se nas grades, girando os pulsos.

— Você tem sorte que a Annabeth salvou sua vida — Thalia o lembrou.

— Claro — ele falou por cima de um purê — ela só podia ter feito isso antes de me jogarem no chão e pisarem na minha cabeça, não acha?

Percy relembrou a cena, quando Ares o trouxera algemado até o refeitório e anunciara que, por sugestão de Annabeth, Octavian seria mantido em uma das celas mais isoladas por tempo indeterminado. E mesmo após ele dizer explicitamente que ninguém deveria tentar machucá-lo, não fizera nada para impedir que um grupo e cinco garotos e garotas grandalhões avançassem nele e quase quebrassem seu braço. Na verdade, parecera bem entretido.

Foram precisas as forças em conjunto de Percy, Frank e Michael Kahale para impedir que Octavian fosse completamente linchado.

— Já — Octavian os trouxe de volta a realidade, empurrando o prato vazio para eles — obrigado pelas sobras.

Thalia rolou os olhos.

— Você acha que alguém vai desperdiçar comida com você? — O lembrou. — Ninguém sequer quer ficar de guarda aqui durante a noite, idiota. Todos os soldados de verdade já estão de saco cheio, então cala a boca e fica quietinho.

Para a surpresa de Percy, Octavian obedeceu. Parecia que o isolamento e a gradativa desnutrição estavam aos poucos roendo a personalidade dele. Thalia e Percy sentaram-se ao chão e, juntos, aguardaram até o nascer do sol, enquanto o loiro voltava e se encolhia na escuridão do fundo da cela.

 

 

Quase duas horas depois do horário combinado, um soldado com a barba para fazer e uma expressão entediada veio substituí-los. Percy e Thalia o fuzilaram com o olhar enquanto ele batia com a ponta do rifle nas grandes, pelo único motivo de perturbar Octavian.

— Vocês perderam o café — Annabeth os disse, quando eles chegaram ao refeitório quase vazio, e os dois trocaram um olhar desapontado —, mas relaxem, Jason e eu guardamos uma parte para vocês.

Deuses, Percy adorava aquela garota.

Enquanto mastigava o pedaço de pão que mais parecia com uma pedra e escutava Annabeth contando o que eles haviam perdido, Clarisse deslizou ao lado dele no banco. Ela parecia cansada, com olheiras profundas no rosto e o cabelo desgrenhado, mas tirou um papel do bolso e estendeu-a na mesa.

— Loira, seu pai está bem — ela foi direto ao ponto — consegui fazer contato com uma base em São Francisco pelo rádio que aquele seu amigo consertou, e me informaram que Frederick Chase e a família foram resgatados na operação de emergência uma semana e meia atrás. Não é luxo da casa de vocês, mas ele está bem. Eu sinto como se estivesse repetindo isso de novo e de novo, mas Zeus e Atena também estão em segurança. O rádio não pegou a frequência no subterrâneo, mas Leo conseguiu enviar uma mensagem Morse por telegrama, e eles estão escondidos no bunker da Iron Screws Co. — Clarisse balançou a cabeça, meio atônita — agradeça ao pai do Leo e a obsessão dele com segurança, acho.

Ela parou por um momento, e Percy prendeu a respiração. Há mais ou menos seis dias, Clarisse tomara para si a responsabilidade de buscar pelas famílias deles. Com o pai dela tão próximo e supostamente em segurança, ele achou que a ação havia sido impressionantemente altruísta da parte da sargento.

Mas Frederick Chase, Tristan McLean, os Dare... eram pessoas fáceis de achar. Famosos, importantes. Assim como Poseidon, o pai biológico de Percy que ele não via desde os doze anos.

Sally Jackson e Paul Blofis não eram nada disso. E esse pensamento deixava um bloco de concreto sólido no peito de Percy toda vez que pensava na possibilidade de que...

— Ainda estou procurando pela sra. Jackson — ela informou, abaixando o olhar — tenho uma pista muito boa, no entanto. Um dos soldados de uma base ao leste disse que a estação de trem onde a loja que ela trabalhava está isolada por causa de um acidente. Na melhor das hipóteses, isolada o suficiente para nenhum zumbi entrar.

Percy olhou para Annabeth. Ela tentou passa-lo confiança, mas tudo no que ele conseguiu pensar foi: ou isolada o suficiente para nenhum sair.

— De qualquer forma — ela limpou a garganta — eu vou sair em alguns minutos para checar. Mas achei que você gostaria de saber.

Clarisse começou a se levantar, lhe dando as costas, e Percy soube que não podia deixa-la ir:

— Me deixa ir com voc—

— De jeito nenhum — ela endureceu o olhar. — Jackson, eu estou indo salvar sua mãe, ou ao menos tentar. E eu acho que ela ficaria mais feliz se o filho dela estivesse vivo quando ela chegasse.

Percy a segurou pelo antebraço, e o rosto de Clarisse se contorceu de uma forma que, por um momento, ela pareceu um cão selvagem. Mas ele não titubeou. Não estava com raiva e não queria ameaça-la. Mas...

Aquela podia ser sua única chance de ver sua mãe de novo.

— Clarisse...

— Olha, Jackson — ela abaixou o tom, e começou a andar, puxando-o junto até estarem meio afastados — eu vou te contar uma coisa, mas se isso vazar, eu coloco a sua cabeça no menu dessa noite, entendeu?

Hesitante, ele assentiu.

— A verdade é que... as coisas estão estranhas. Meu pai ainda agindo diferente, imprevisível, e os soldados estão... cada vez menos respeitosos. Eles não escutam mais as ordens dele porque acham que ele virou um lunático violento. Eu tenho segurado as pontas por aqui, mas não confio em nenhum deles para liderar essa missão — ela respirou fundo — não acredito que vou dizer isso. Jackson, preciso que você fique aqui e cuide das coisas. Você é um pirralho impulsivo, mas eu sei que se importa com todos eles. E não consigo pensar em ninguém melhor.

Percy engoliu em seco. Ele lembrou-se do soldado, mais cedo, incitando Octavian para provavelmente ter um motivo para puni-lo, e de Ares e o sorriso diabólico no rosto quando o rapaz fora espancado. A base poderia protege-los dos zumbis, mas a verdade é que eles estavam trancafiados em uma prisão que parecia mexer com a cabeça das pessoas. Ele olhou por cima do ombro para onde Annabeth o observava com uma expressão confusa, e tomou sua decisão:

— Está certo — disse. — Você cuida da minha mãe. Eu cuido da Silena e de todos os outros.

 Clarisse esboçou um sorriso. Ela começou a caminhar, mas Percy exclamou:

— Ah, e não morre!

Ela o olhou com uma expressão indecifrável.

— Você também, persiana.

 

[...]

— Frank, isso é tipo, bem estranho — Percy comentou, enquanto o garoto o guiava com uma mão em suas costas e uma cobrindo os seus olhos.

Annabeth, em uma situação parecida com Hazel (que precisava ficar nas pontas dos pés para cobrir seus olhos, o que era a coisa mais fofa do mundo, na opinião de Percy) trombou dele sem querer, enquanto também andava vendada ao lado de Percy. Já era de noite, e Percy não tivera motivo para recusar quando Frank e Hazel haviam pedido que eles os seguissem.

— Já estamos chegando, calma... — a garota prometeu. — Ok. Nada de abrir os olhos, está bem?

Percy e Annabeth responderam com um sonoro e extenso “sim senhoooora” juntos.

Ele ouviu o som de uma porta abrindo, e Frank o empurrou mais um pouco. Imediatamente, o chão sob os pés de Percy foi substituído por algo menos duro e mais... macio?

— Podem abrir!

Percy obedeceu.

E, hã, caramba.

— Nós só estamos trabalhando nela há duas semanas, então não deu tempo de fazer muita coisa — Frank explicou — ainda vai demorar para a maior parte delas crescer de verdade, e ainda vamos precisar regular a quantidade de água e luz do sol, mas achamos que em algumas semanas já estavam prontas para nos ajudarem.

Ele deixou a voz de Frank virar música de fundo, enquanto caminhava pela modesta, mas impressionante estufa que os dois haviam criado em tão pouco tempo. A grama sob seus pés era irregular e em algumas partes parecia mais com capim, e o tomateiro que subia de um dos vasos era mais galho do que folha, mas ainda assim. Enquanto todos estavam ocupados com brigas e arremessando adolescentes em mesas, os dois estavam trabalhando juntos para dar a todo mundo ali uma melhoria, uma possibilidade de cultivarem a própria comida.

— É genial — Annabeth concluiu, correndo as mãos pelo que Percy supôs ser uma pimenteira.

— De verdade — ele concordou — alguém mais sabe disso?

— Só a Clarisse e o coronel — Frank admitiu, meio vermelho — nós precisamos pedir permissão dela para usar o lugar... então...

Ele parecia tão envergonhado que Percy sentiu-se na obrigação de dizer:

— Isso é incrível, Frank. É mais do que qualquer um de nós pensou em fazer.

Frank sorriu, enquanto Hazel o beliscou de leve no braço. Por fora, Frank era um grandalhão musculoso e ameaçador, e Percy o conhecia a tempo o suficiente para saber que aquilo o deixava inseguro, principalmente quando ele também era o maior nerd que gostava de plantas e de poesia.

— Bem — Annabeth sorriu triunfante, colocando as mãos na cintura — por onde nós começamos?  

Quase uma hora depois, Percy estava todo sujo de terra, e havia adubo debaixo das suas unhas. Frank e Hazel haviam saído para beber água, e ele e Annabeth trabalhavam em silêncio, em uma sincronia quase assustadora. Ele percebeu que, desde aquele primeiro momento do auditório, quando ele pegara a mão dela, os dois haviam entrado em um tipo de padrão, trabalhando juntos como duas peças de um motor calibrado.

Ei, Leo provavelmente gostaria daquela metáfora.

— E então cabeça de alga, onde um badboy skatista como você aprendeu a cuidar de plantas?

Percy levou uma mão ao peito, fingindo mágoa, e plantou uma mancha de terra bem no meio da camiseta.

— Eu estou ultrajado, Annabeth. Pois saiba que a minha mãe me ensinou a cuidar de plantas desde criança, está bem?

— Quão másculo — ela estreitou os olhos, com um sorriso brincando na ponta dos seus lábios.

Percy ergueu uma sobrancelha.

— Ah, você não acha que eu sou másculo? — Ele juntou um punhado de terra em uma mão, e acertou-a no ombro, sujando a camiseta dela mais ainda — E agora?

Os olhos de Annabeth se transformaram em duas tempestades em miniatura.

— Foi você quem pediu — avisou.

O primeiro golpe o acertou direto na cara, e Percy só teve tempo de fechar a boca antes da terra úmida escorrer pelo seu rosto. Annabeth riu sonoramente, vitoriosa, mas Percy não era nada senão um bom competidor. Ele pegou o balde de água já meio lamacenta e encharcou a roupa dela sem pensar duas vezes.

Quando Annabeth tentou avançar em cima dele, perdeu o equilíbrio, escorregando em um monte de lama que tinha se formado aos pés dela, e os dois caíram juntos no capi— er, na grama, ainda rindo.

— Minhas costas! — Ele grunhiu, mas usou uma mão para limpar um resto de terra que havia em seu rosto.

Annabeth fez o mesmo.

— Eu não me importo — ela disse, de repente.

— Hã? — Percy piscou, confuso.

— Não me importo se você é másculo ou não — explicou, e Percy sentiu-a mais do que viu, ajeitando-se contra o corpo dele, colocando duas mãos em seus ombros — ou se as pessoas acham que você é inteligente. Ou forte. Não importo.

Com o rosto dela tão perto, Percy sentiu o coração batendo contra a própria caixa torácica, e ele tinha certeza que não era por causa da queda.

— E com o que você se importa?

Ela engoliu em seco.

— Sinceramente? — Perguntou, e os olhos dela pareciam menos com tempestades furiosas, e mais com uma manhã nublada, fria, das quais Percy mais gostava, tomando chocolate quente perto da janela. Eles o lembravam de casa. — Com isso aqui.

E então ela o beijou.

E, ok, Percy não havia beijado muitas pessoas na vida, mas ele tinha certeza que aquele beijo só poderia ser classificado como incrível, impressionante, absolutamente perfeito.

Sabe, sem querer exagerar.

A boca dela não se encaixou perfeitamente na dele, e os dentes deles se bateram sem querer, mas um minuto depois nada disso importou, porque ele moveu os lábios contra os dela, e eles encontram o ritmo certo. Percy deslizou as mãos pelas costas de Annabeth, até pousarem firmemente na parte de trás da cintura dela, e Annabeth colocou uma firmemente na bochecha dele, enquanto com a outra fazia desenhos com as pontas das unhas na cabeça de Percy, bagunçando o cabelo preto e o fazendo derreter como uma bola de sorvete no sol de verão.

E céus, Annabeth não era exatamente leve, e talvez ele estivesse sentindo um pouquinho de dor no torso, mas ele não trocaria aquele momento por nada no mundo. Apertou-a um pouco mais contra si, e sentiu-a suspirando, deslizando as mãos até estar com ambos os braços em torno do pescoço dele, agora com as duas mãos fazendo carinho em seu cabelo.

Eles pararam para tomar ar, peito subindo e descendo com cada respiração e o mundo todo esquecido em outra dimensão, e ele teve certeza que ela estava de olhos abertos, observando-o, com as irises cintilantes e um sorriso tímido no rosto certamente vermelho, mas ele continuou de olhos fechados, saboreando o momento, perdido demais na sensação do beijo dela.

E por exatamente essa razão ele não entendeu quando Annabeth enrijeceu, nervosa. Por um momento, seu coração disparou de medo, e ele imaginou-a correndo dali, lhe dizendo que havia sido um erro e...

— Hã, oi sra. Jackson — a voz dela saiu meio estrangulada.

Percy arregalou os olhos em um átimo e por muito pouco conseguiu impedir a si mesmo de virar e esmagar Annabeth no chão. Ao invés disso, ele inclinou a cabeça e tentou olhar a entrada da estufa.

Mesmo de cabeça para baixo, Percy reconheceria aquela silhueta em qualquer lugar.

Sally o olhou com um sorriso tão grande e zombeteiro que Percy quis virar uma daquelas plantinhas e se enterrar.

— Oi Annabeth — ela cumprimentou.

Mas, ao mesmo tempo, ele sentiu como se tudo estivesse certo de novo. Como se o mundo estivesse enfim voltando a funcionar. Ele ergueu o tronco, levando Annabeth — que estava mesmo vermelha — consigo. E no segundo seguinte Sally veio correndo, ajoelhando-se, até estar abraçando os dois.

E Sally cheirava à fumaça, e nada como a os bombons na loja na qual trabalhava, mas Percy enfiou o rosto no ombro dela mesmo assim, aninhando Annabeth com o braço livre de modo a tê-la bem ao seu lado também.

— Oi Percy — Sally soluçou.

— Oi mamãe.

 


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Notas finais do capítulo

Como deu para perceber, o Nico não aparece nesse capítulo. E existe um motivo para isso.
Espero que tenham gostado, comentários são sempre apreciados, e até a próxima!



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