— Ann, você vai se atrasar, querida!

— Já vou, mãe! — gritei do meu quarto, enquanto terminava de passar o rímel, quase enfiando o negócio no meu olho no susto.

Passei o batom e minha mãe continuava me chamando. Eu nem estava atrasada! Podia me arrumar bastante pro concurso… Recebi uma mensagem da Íris no meu celular e olhei as horas. Okay… Não estava tão adiantada assim.

Virei de costas, vendo no espelho se a parte de trás do meu vestido frente única estava direito. Me movimentei, vendo de novo se daria certo pra dançar com esse negócio.

Vestido rosa, frente única, com direito a saia rodada. Ideia de quem? Da minha mãe. Segundo ela, era parecido com o vestido do filme e ela mesma costurou pra mim, então é claro que eu não faria desfeita com a coitada.

— Ann!

— Já tô descendo! — berrei de novo, enquanto colocava as sapatilhas nude. Dançar de salto estava fora de cogitação! Dançar com o Castiel já era arriscado o bastante. Mas, levando em conta os últimos dias, acho que ele se sairia bem.

Os últimos dias...

— Ann!

Minha mãe chamou de novo e eu desci as escadas quase correndo. Parei ao final dela, vendo dona Geni com as mãos na cintura, na típica pose da família.

— Vem aqui, deixa eu arrumar o seu cabelo.

— Mãe! — reclamei enquanto ela prendia um pouco da lateral do meu cabelo com um grampo que ela tirou sabe se lá de onde. Feito isso, começou a “afofar” meus cachos com a mão.

— Assim seu cabelo não vai te atrapalhar na hora da apresentação.

Fiz cara de “só você mesmo”, enquanto ela continuava mexendo nos meus cachos.

— Vocês duas estão aqui ainda? — Meu pai apareceu, segurando a chave do carro na mão. — Vamos chegar em cima da hora desse jeito.

Será que todo mundo ia ficar me lembrando disso?

…

Virei mais um corredor da escola, procurando aquela lombriga dançarina. Que Castiel não se atrasasse justo no dia do concurso!

Parei com as mãos na cintura, respirando entre dentes, irritada e olhando pra aquele corredor vazio. Todo mundo já estava lá embaixo, no pátio onde aconteceria a apresentação, ou então em uma das salas do primeiro andar. Além das apresentações do concurso de dança, a escola também estava organizando uma amostra com alguns trabalhos de Artes dos alunos, realizados ao longo do ano. Pra mim aquilo não passava de uma desculpa pra fazer mais alguns alunos comparecerem naquele negócio, mas a gente disfarçava isso.

Dei meia volta, pronta pra descer de volta pro primeiro andar, quando ouvi uma porta bater. Olhei pra trás, vendo Castiel sair do banheiro masculino.

— Achei que você fosse me deixar na mão — disse pra ele, ainda com as mãos na cintura.

— Até parece que não me conhece. — Veio caminhando até mim na maior calma, com as mãos no bolso da jaqueta. Sim, a mesma jaqueta de sempre. Castiel usava as mesmas roupas de sempre, tirando os all-stars, que foram substituídos por outros tênis que não derrapavam tanto. — Eu é que não tô te reconhecendo desse jeito. Resolveu dar uma de Baby mesmo? — brincou comigo, olhando pra mim de cima a baixo.

Como se eu não fosse perceber isso.

— Ideia da Dona Geni. — Dei de ombros e ficamos parados frente a frente.

— Até que ficou bem em você — Castiel admitiu sorrindo e eu arregalei os olhos. Era o que? Ele tava me elogiando? Eu realmente tinha ouvido direito? — Que cara é essa?

— Digamos que não é todo dia que eu vejo você elogiando alguém…

Castiel riu e continuou com as mãos nos bolsos, na melhor postura de bad boy de filme para adolescentes.

— De nada — retrucou com aquele sorriso marca registrada Castiel.

— Diz a verdade, Elvis — brinquei com o apelido que eu chamava ele e olhei pra cima, pros olhos dele. — Você ficou de queixo caído com a Baby aqui — provoquei, tentando disfarçar aquele estranhamento que eu senti instantes antes, quando ele me elogiou.

Eu só fiquei assim porque era estranho um elogio vindo dele, nada demais.

Castiel deu uma daquelas risadas sopradas dele.

— Ei, vocês dois. — Ouvimos a voz de professora Lidia e nos viramos, vendo ela parada no corredor a alguns metros de nós. — O que vocês estão fazendo aqui? A primeira dupla já está se apresentando. Vão lá pro pátio.

Eu e Castiel nos entreolhamos e resolvemos descer. Passamos por ela e a professora fez com que eu parasse, enquanto Castiel continuou andando e desceu as escadas.

— Ele não te deu muito trabalho durante os ensaios, Ann? — perguntou e começamos a descer as escadas pro primeiro andar.

— No começo, sim. Ele parecia uma lombriga dançando. — A professora riu e eu acabei sorrindo um pouco, lembrando da palhaçada toda dos primeiros ensaios. — Mas agora ele até que tá mandando bem. Não é o Swayze, mas dá pro gasto.

Paramos na entrada pro pátio.

— Boa sorte pra vocês — desejou e afagou o meu braço.

Agradeci e fui até o meio do povo, procurando por Castiel. No palco havia uma dupla dançando uma música do Bee Gees, do filme Embalos de Sábado à Noite. E sim, eu conhecia quase todos esses filmes da época. Minha mãe ama. Principalmente pra ficar falando que os atores são um pão.

“Suddenly you're in my life

A part of everything I do

You got me workin' day and night

Just tryin' to keep a hold on you”

Senti alguém segurar meu braço e olhei pra trás, vendo Castiel.

— Se perdeu no meio do povo, Baby? — Ele soltou meu braço e eu ergui as sobrancelhas pra ele.

“Here in your arms I found my paradise

My only chance for happiness

And if I lose you now, I think I would die”

— Que raio de música é essa? — comentou, talvez estranhando as vozes agudas do Bee Gees.

— Nos embalos de sábado à noite, Elvis. Vou te chamar pra dançar essa da próxima vez. — Dei uma piscada e Castiel fez uma cara de “tá doida, garota?”. — Rebolado do Elvis você já tem, agora quero ver chegar no nível do Travolta. — Cruzei os braços, enquanto provocava ele.

Admito que era divertido fazer isso. E eu gostava que ele rebatia de volta, o que tornava as coisas interessantes.

— Ann? — Ouvi a voz da Íris e vi ela saindo do meio do povo. — Achou o Castiel?

— Tá aqui do meu lado, em mau humor e couro. — Castiel ergueu as sobrancelhas e Íris parou ao nosso lado.

— Vem, daqui a pouco vai ser a vez de vocês.

Segurei uma respiração e olhei pra Castiel, mas ele parecia bem sossegado. Mas o que esperar dele, não é mesmo?

…

— A próxima dupla é Anne-Marie e Castiel! — a diretora anunciou no microfone e eu e Castiel nos dirigimos ao palco, que foi montado justamente pra ocasião.

Encontramos com professora Lidia ao pé da escadinha e ela nos desejou boa sorte de novo.

Subimos no palco e cada foi pra uma extremidade, esperando a hora de começar. A música não começava e eu resolvi olhar mais uma vez pra Castiel. Ele me lançou um olhar confiante, que eu tentei manter mesmo do outro lado, encarando ele fixamente.

Tomei fôlego e fui soltando aos poucos, enquanto a música começou a sair dos altos falantes. Continuei encarando Castiel, que permanecia com a mesma confiança no olhar.

“Now I've had

The time of my life

No I never felt

Like this before”

Caminhamos até chegar no centro do palco, mantendo uma troca de olhares. Paramos frente a frente e dei as costas para ele, fingindo que ia embora, e Castiel me puxou, fazendo com que eu ficasse de costas pra ele. Olhei pra cima, vendo o rosto dele logo acima de mim, e ouvi alguns gritos vindos da plateia. Que a diretora não viesse reclamar com a gente depois! Não tinha culpa de nada.

Castiel levou meu braço esquerdo até seu pescoço, enquanto continuávamos com a troca de olhares. Só estávamos seguindo a coreografia, Ann. O olhar de apaspalhado do Castiel enquanto olhava pro seu rosto era só o jeito dele interpretar as coisas.

Ele foi abaixando o rosto até o meu e eu lembrei que aquilo fazia parte do combinado. Ignorei aquela sensação estranha na boca do estômago e comecei a escorregar dos braços dele.

“'Cause I've had

The time of my life

And I owe it all to you”

Nova manifestação da plateia e ele segurou minha mão. Castiel estava nervoso? A mão dele suava, mas permanecia com aquele mesmo toque firme dele. Realmente, o cara tinha pegada.

A batida marcante com o baixo começou e Castiel me fez girar, com a minha mão quase escorregando da dele por causa do suor.

Gira, gira, até que voltamos a ficar frente a frente, realizando aquele famoso passo que Castiel antes marchava. Agora, ele dançava direito.

Olhei em seus olhos e continuava com o olhar confiante. Encarei e tentei devolver o olhar na mesma medida. Ele apenas me deu seu sorriso marca registrada como resposta e eu revirei os olhos. Talvez estivesse um pouco nervoso e por isso a mão suando, mas nunca admitiria isso e tentava disfarçar.

“Now with passion

In our eyes

There's no way

We could disguise it

Secretly”

Gira, Castiel segurou nos meus ombros, com as mãos quentes, gira de novo, dança de frente pra plateia e eu tentava relaxar o meu corpo e sentir a música e a coreografia tomando conta de mim, como eu costumava fazer quando dançava. Mas não nego que uma parte da minha mente estava temerosa de que o Castiel errasse algo, apesar de ele estar mandando bem, enquanto a outra tentava relaxar e apenas sentir aquilo tudo.

Porém aquelas mãos firmes e suando e o vai e vem de aproxima e afasta não estavam ajudando nem um pouco.

Desliza pelo palco dançando e gira e toda a coreografia certa. A plateia estava quieta durante esse tempo. Claro, eles queriam ver a gente causar naquele negócio!

“So we take

Each other's hand

'Cause we seem

To understand the urgency”

Giro e ficamos frente a frente de novo, dançando. Tentava entrar no combinado e lançar um olhar de desafio pro Castiel. Ele estava mandando bem, seguindo tudo corretamente. Eu que estava meio perdida naquilo tudo, mas a Ann dentro de mim ainda conseguia dar conta do recado e provocar com o olhar de volta.

Ele levou as duas mãos até a minha cintura, fazendo com que eu sentisse um calor onde ele segurava. Que mãos quentes!

Soltei o corpo e dancei com os braços erguidos enquanto ele me segurava, lancei um sorriso, me lembrando que algumas expressões eram marcadas, segundo a coreografia que montei.

Seguramos nos ombros do outro e fomos rodopiando juntos em círculo pelo palco.

Gira, aproxima, afasta, aproxima, e Castiel deu uma bufada. Sabe se lá se era por causa da plateia que se manifestava vez ou outra, se porque estava nervoso ou o que se passava naquela cabeça dele. Nunca sabia o que aquela criatura estava pensando.

Senti de novo sua mão na minha cintura e eu segurei em seu pescoço, sentindo que ele suava um pouco ali também. Desse jeito aquele perfume pesado dele ia todo embora. Não que isso me incomodasse.

Mentira, eu tinha gostado daquele cheiro. Fazer o que. Nunca me imaginaria admitindo isso, mas é a vida.

Gira de novo e Castiel segurou minha mão direita, me aproximando dele e nos fazendo voltar de novo àquela proximidade toda de rostos. Ele respirava um pouco mais cansado e não me lançou seu sorriso marca registrada. Só ficou encarando o meu rosto. Nem eu fiz provocação nenhuma de novo. Com tanta coisa ao mesmo tempo, nem pensava nisso.

“ So I'll tell you something

This could be love

Because I've had

The time of my life

No I never felt

This way before”

Gira, dança, gira e fomos seguindo a coreografia.

Castiel colocou as duas mãos na minha cintura de novo e dessa vez eu nem liguei tanto pro calor. Ele me fez levantar em um giro e eu relaxei o corpo, esticando o pescoço pra trás e aproveitando o momento. A música continuava tocando, a plateia lá assistindo e soltando uns gritinhos de vez em quando, e Castiel me segurando com firmeza.

“'Cause I've had

The time of my life

And I've searched through

Every open door

Till I've found the truth

And I owe it all to you”

Senti meus pés tocarem o chão e Castiel me deu uma piscadinha, se afastando e fazendo sua pequena parte solo, até chegar do outro lado do palco. Ouvi gritos de algumas garotas e revirei os olhos. Será que elas nunca tinham visto alguém rebolar, não?

Ele chegou na outra extremidade do palco e se virou, me chamando com o dedo. Segurei o fôlego e corri até Castiel. Ele vai me segurar…

“This could be love

Because I’ve had the time of my life

And I never felt this way before”

Senti suas mãos me segurarem com firmeza e meus pés saíram do chão, enquanto a plateia gritava. Sorri, ficando feliz com os aplausos e os gritos. A gente vai ganhar esse negócio!

Fechei os olhos enquanto estava no ar, sentindo as mãos de Castiel na minha cintura e um calor ali e me sentindo uma diva enquanto todo mundo gritava.

Castiel começou a me devolver de volta pro chão, enquanto a plateia berrava e assobiava. Lancei um sorriso, toda empolgada, pra ele e Castiel só sorriu de canto. Levei minhas mãos até seu pescoço e ele as suas para a minha cintura, dançando com aquela proximidade toda enquanto a música ia acabando. Fechei os olhos, ouvindo a plateia se acalmar, a música ir diminuindo enquanto ia acabando, e aquele perfume forte do Castiel, que continuava ali.

“Now I've had

The time of my life

No I never felt

This way before

Yes I swear it's the truth

And I owe it all to you”

A música foi acabando e encostamos nossas testas, finalizando a coreografia. A plateia toda aplaudiu, assobiou e gritou — principalmente as garotas — e eu respirei fundo, pra sentir aquele perfume mais uma vez.

Continuamos com nossas testas encostadas e nos encarando. Castiel tinha um olhar diferente e eu apenas olhava para ele, sentindo o seu perfume mais próximo do que antes e o aquela sensação estranha de novo no estômago.

A música acabou e eu voltei pra realidade, lembrando que a gente estava em cima do palco, com todo mundo nos aplaudindo.

Me afastei repentinamente e Castiel me olhou estranho. Comecei a descer do palco, enquanto a diretora anunciava que fomos a dupla que se apresentou e chamava os próximos.