Eu tive um tempo para ficar sozinha quando o senhor Zarch estava dormindo de tarde. A viagem tinha o cansado muito e ele estava sentindo severas dores nas costas antes de eu lhe dar um analgésico. No almoço tinha me perguntado se eu estava realmente bem enquanto eu lhe dava comida. Eu disse que sim e ele disse que eu era uma péssima mentirosa e sorriu com isso. Estávamos na pequena sala da casinha pequena e a televisão estava ligada em um canal onde um filme em preto e branco passava.

Eu também sorri e foi um sorriso muito sincero e de completa admiração. Balancei a cabeça em negativa:

– Me desculpe sr. Zarch. É injusto com o senhor que eu esteja tão mau humorada hoje. O senhor é uma pessoa maravilhosa e me trouxe até aqui... Me desculpe.

Seus olhos castanhos analisaram meu rosto por um bom tempo antes que ele disesse:

– Não é todos os dias que estamos bem e contentes com a vida, querida Wendy. Está tudo bem ficar triste ás vezes. Só não podemos deixar que a tristeza se agarre em nossas almas. O verdadeiro perigo está aí.

Assenti concordando com ele. Senti uma vontade enorme de chorar. Pisquei algumas vezes olhando para o prato de comida em meu colo e coloquei uma mecha do cabelo atrás da orelha. Ouvi os passos de Jullian descendo os degraus da escada. Nós trocamos um breve olhar e ele foi para a cozinha.

Por volta das quatro horas da tarde, após ter tomado um banho e ter tomado um café delicioso que Betty Berry tinha preparado, o sr. Zarch insistiu que gostaria de subir para o quarto para dormir um pouco. Nigel o levou escada acima. E então, tive um momento para mim.

Subi para o quarto designado a mim e fui tomar um banho. O clima naquele dia estava frio, como se estivéssemos no outono e não na primavera.  Talvez fosse por estar perto demais do mar.

Me certifiquei de que o banheiro estava desocupado e entrei para tomar um rápido banho. A água estava quentinha e tinha uma pressão forte. Fiz um enorme esforço para não me debulhar em lágrimas. Quando eu chorava, por ser muito branca, tinha a tendência a ficar com o rosto vermelho. Assim, era impossível contestar o fato de ter chorado.

Após sair do banheiro vestindo uma calça jeans azul clara com alguns rasgos propositais e um suéter cinza por cima de uma blusa de alça branca, voltei para o quartinho e fechei a porta silenciosamente. Sentei-me na cama de casal de ferro branco e encostei as costas nos dois travesseiros ali presentes. Ao pegar o celular na mão, vi que tinha um e-mail de mamãe com dois anexos e mais uma mensagem. Antes de abrir os anexos, li a mensagem.

De: mamaejoannacooke@gmail.com
Para: wendyc@outlook.com

Olá minha doce Wendy, como você está hoje?
Presumo que você já está em Skagen. Nossa! Quão sortuda você é? Vai comemorar seu aniversário aí amanhã! Espero que todos sejam legais com você. Especialmente esse tal de Jullian.

Querida, estamos tão orgulhosos da mulher que está se tornando a cada dia. Te ver aí, mesmo sendo muito difícil, nos trás muita satisfação. Que bom que sempre deu duro e estudou para que tivesse oportunidades como essa na vida. Não erramos com você e tenho total convicção disso.

Vinte e quatro anos! Como o tempo passa rápido! Parece que foi ontem que estávamos saindo de mãos dadas pela vizinhança, você vestida de Ariel no Halloween para pedir doces. O tempo realmente voa! Hoje você é nossa Ariel crescida.

Seu pai e eu já estamos lhe mandando um feliz aniversário, pois não sabemos quando lerá essa mensagem. Nós te amamos muito e... bem, veja o vídeo que mandamos, sim? O Fergus me ajudou a anexar os arquivos. Espero que eles tenham ido e ele não tenha me ensinado errado.

Um beijo grande da mamãe, do papai e de Fergus.

Eu já sentia meus olhos marejados após terminar de ler a mensagem. Abri o vídeo anexado e as lágrimas enfim lavaram meu rosto quando me deparei com a gravação do momento de cantar parabéns do meu aniversário de quatro anos. Minha mãe estava sentada em uma cadeira ao meu lado. Eu tinha os cabelos enrolados na época e grandes. Estava vestindo um vestido azul claro de alça e quatro velas fininhas e rosas estavam acesas em cima de um bolo redondo e pequeno revestido de chantilly e confeitos comestíveis coloridos no topo. No vídeo eu sorria e batia palmas. Minha mãe segurava minha cintura com as duas mãos e papai estava do outro lado, olhando ora para mim, olha para a câmera. O vídeo terminou e eu tentei me recompor.

Falhei na missão ao abrir a foto anexada. Era uma foto de mamãe, Fergus e papai na pequena cozinha da nossa casa. Estavam os três sentados lado a lado e tinha uma réplica exata do bolo de quatro anos em cima da mesa. Agora, vinte velas tinham sido adicionadas. Eles sorriam para a foto. Mamãe estava sentada entre Fergus e papai e usava um avental amarelo. Ela sempre o usava enquanto estava cozinhando algo. Os cabelos estavam presos num coque alto. Me surpreendi ao ver uma franjinha recém adquirida. Ela parecia um pouco mais jovem. Papai usava uma camiseta cinza surrada e sorria de lado para a câmera. Os cachos grisalhos em sua cabeça me fizeram sorrir entre as lágrimas. E Fergus usava uma camiseta preta com um personagem de anime estampado. Tinha os cabelos castanhos arrepiados para cima com ajuda de gel e o sorriso branco e alinhado me fazia sentir falta dele, apesar de ser um adolescente um pouco irritante - como todo adolescente de treze e quatorze anos.

Não tinha como responder à mensagem de mamãe agora. Não conseguiria escrever nada, pois estava me sentindo horrível. Limpei as lágrimas com as costas das mãos e me levantei da cama. Talvez uma caminhada pela praia poderia me fazer bem.

Tive sorte em chegar no andar de baixo e não me deparar com Nigel, Betty Berry ou Jullian. Betty estava na cozinha e conversava com Nigel. Ela ria de algo e eu aproveitei para deixar a casinha de modo sorrateiro por um momento.