Dépayser escrita por Lillac


Capítulo 2
Mai.


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem!



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Ty Lee saiu da mansão — embora Mai sempre grunhisse e protestasse quando Azula se referia à casa dela daquele modo — em um vendaval de animação e roupas cor-de-rosa arrastando uma Mai — não surpreendentemente incomodada — pela mão, e Azula fez uma careta. A única peça de cor diferente no corpo da garota era o suéter branco que usava por baixo da jaqueta dois números maiores do que o manequim dela. A gola da camiseta vivível pelo decote do suéter era rosa, a jaqueta era rosa, as calças jeans skinny eram rosas, e até suas botas eram rosas — essas, ao menos, de um tom um pouco mais escuro e menos chamativo.

A garota era facilmente uma das mais bonitas da cidade, mas Azula, embora a conhecesse desde quando conseguia lembrar-se, nunca se acostumara com o gosto excêntrico por cores de Ty Lee — ou, melhor dizendo, sua obsessão pela cor rosa. As duas entraram no carro, acomodando-se uma ao lado da outra no banco traseiro, e Ty Lee sentou-se no assento do meio, aproveitando a posição para inclinar-se e cumprimentar tanto Azula como Zuko com um beijo estalado em suas bochechas. Zuko sorriu, mas a mais nova fechou a cara.

— Oi — Mai disse, simplesmente.

Azula preferia assim. Mai estava recostada no banco com os braços cruzados na frente do peito, expressão neutra e os olhos dourados prestando atenção em qualquer coisa do lado de fora do carro à medida que avançavam pela rua. Zuko estava dirigindo particularmente devagar porque o asfalto estava coberto de gelo em alguns pontos. Azula detestava o inverno: ficava muito frio, seus lábios ressecavam, ela tinha que usar ao menos três camadas de roupa para manter-se aquecida (afinal, seu país de origem era muito mais quente do que aquele para o qual haviam se mudado após o divórcio dos pais) e ela não podia praticar nenhum de seus esportes favoritos ao ar livre. Claro, ela podia optar por algo como esqui ou patinação no gelo, mas que graça tinha aquilo? Ela queria jogar rúgbi e vôlei de praia — o que era, obviamente, impossível, com a neve cobrindo os gramados e areias.  

Zuko, parecendo sentir seu desconforto, estendeu uma mão e aumentou a temperatura no aquecedor do carro. Azula puxou a gola da blusa azul até esta cobrir-lhe a ponta do nariz e afundou no banco.

Ty Lee e Zuko começaram a conversar sobre algum assunto aleatório pelo qual ela não tinha o menor interesse, e seu foco logo se dissipou. Ty Lee era sua melhor amiga, mas ninguém sabia como aquele fato havia acontecido: elas não tinham absolutamente nada em comum. Azula achava que, houvessem sido as circunstâncias minimamente diferentes, elas nunca sequer haveriam virado nem ao menos colegas. Felizmente — e ela nunca deixaria Ty Lee saber disso — elas haviam se conhecido no lugar e na hora certa.

Às vezes, Azula agradecia ao universo.

Pelo espelho retrovisor, ela capturou a imagem de Mai. A mais velha das três tinha a cabeça escorada no vidro do carro e as luzes natalinas penduradas pelas ruas faziam o dourado de seus olhos brilhar de um modo que Azula admitia ser muito bonito. A única entre eles que possuía írises de cor diferente era Ty Lee, mas o amarelo dos olhos dela e de Zuko era meio fosco se comparado ao brilhante no olhar de Mai.

Uma ideia surgiu de súbito em sua mente, e Azula pescou o celular no bolso da jaqueta, abrindo de imediato o aplicativo de mensagens.

Mai.

Ela é um ano mais velha do que eu. Seu pai era amigo do meu, e por isso nós nos conhecemos desde sempre. Acredito que nossos pais tenham mexido alguns pauzinhos para que acabássemos exatamente na mesma classe por todos os nossos anos escolares. Mas não importa. Por causa disso, meio que estivemos sempre juntas. Eu ia à casa dela, ela vinha a minha. Mai é calada e não tenho o mínimo interesse por questões sentimentais, então nos entendemos muito bem. Nós não temos conversas profundas e emocionais, nem precisamos de provas de amizade constante. Ela está aqui, eu também. É assim que funcionamos.

Quando todo o escândalo de corrupção estourou, o senhor Ukano tirou o nome dele da jogada, e proibiu que Mai e eu nos falássemos. Na época, a Mai nunca sequer cogitou ir contra as decisões dos pais, então foi meio estranho. Nós nos víamos no intervalo, ela me via, eu a via. Então ela dava meia volta e fingia que não me conhecia. Mas nós duas sabíamos que aquilo era ridículo.

Isso continuou por um ano inteiro. Mai sempre a filhinha obediente, e eu sempre a imagem copiada do meu pai. Nós não pertencíamos mais ao mesmo mundo. Ela era a filha mais velha do governador, respeitável e honesto, e eu, a mais nova de um homem de negócios afundado até o pescoço em pedaladas fiscais e parceiros questionáveis.

E então também puxaram o tapete do pai dela. O senhor Ukano estava evolvido em todo tipo de coisa de lavagem de dinheiro até construções ilícitas e parceiras com organizações criminosas. A vida dela virou um inferno. Todo mundo arranjou um alvo novo para tirarem sarro, porque Zuzu e eu éramos fofoca antiga a esse ponto. Ela não tinha nada a ver com os esquemas do pai dela, mas, bem, eram adolescentes, e adolescentes não são muito empáticos, são?

Eu não sei exatamente o que me moveu até ela. Mai tinha parado de falar comigo quando eu mais precisava dela, era verdade. Mas eu já havia estado ali: sabia o que era ser feita de chacota simplesmente porque era filha de quem era. É claro, não sou nenhum anjo. Quem realmente tomou a iniciativa e começou a protege-la com unhas e dentes foi o Zuko. Os dois se aproximaram muito naquela época. Talvez tenha sido ali que começaram a se interessarem um pelo outro.

Não durou muito tempo: uns dois meses depois, tio Iroh conseguiu um apartamento para a gente, e Zuzu, eu e Ursa mudamos de país.

Foi... difícil. Na minha cabeça, eu ainda achava tudo muito confuso. Não sei porque me senti tão compelida à defende-la naquela época, eu não tinha obrigação nenhuma. Mas eu não queria deixa-la sozinha. Odiava pensar no que podia acontecer com ela se Zuzu e eu não estivéssemos ali.

No final, minha preocupação não adiantou de nada: no final do ano, Mai, a mãe e o irmão mais novo (e, de quebra, Ty Lee, cujos pais não deram a mínima quando ela disse que queria morar com a amiga) se mudaram para cá também. Tudo entrou nos eixos novamente. Parecia que toda aquela fase estranha nunca havia acontecido.

Com a exceção, é claro, do fato de que ela e o meu irmão começaram a namorar ano passado. Eles são enjoativos e melosos ao extremo o que, honestamente, é meio perturbador, considerando que Mai nunca tinha demonstrado nem metade das emoções que demonstrou em um só mês de namoro. Ugh.

Mai é meio estranha, estoica, esquisita e emocionalmente inapta. Eu nem sei porque somos amigas. Mas... ela também é sarcástica e o senso de humor dela é o melhor que eu já vi. Nós brigamos de vez em quando porque eu... bem, eu acabo irritando-a. Não é para valer, nunca é. Mas confesso que é interessante vê-la demonstrando emoções para com alguém que não é o Zuzu.

Enfim, ao contrário do meu irmão, eu realmente considero-a minha amiga. Apesar de tudo. E se alguém além de mim algum dia tentar mexer com ela, eu faço questão de quebrar os ossos dos dedos da pessoa.

Ela sorriu satisfeita. Por algum motivo, não sentia a necessidade de tirar sarro de Mai como sentia com Zuko. Muito disso talvez se desse pelo fato de que Azula talvez sentisse um pouquinho, mas só um pouquinho mesmo de admiração pela garota.

— Ei — a voz aguda de Ty Lee de repente chamou sua atenção. A garota tomou um impulso para frente e apoiou uma mão no ombro de Azula, que imediatamente ficou imóvel — o que que você tanto escreve aí?

Antes que Azula pudesse inventar uma de suas desculpas perfeitas, Mai interviu:

— Ora, é claro que é a longa carta onde ela confessa a paixão incontrolável que suprimiu por você durante esses doze anos, Ty Lee — disse, sua voz pingando ironia. — Não é óbvio?

Enquanto Zuko deixava uma risada escandalosa escapar, e Ty Lee recolhia-se de volta ao seu assento, rosto, pescoço e orelhas inteiramente vermelhos e olhos grudados em Azula, esta adicionou como uma nota de conclusão:

Mas, às vezes, eu considero quebrar os dedos dela também.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, e comentários são sempre apreciados! Até o próximo capítulo.



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