Através das barreiras do tempo escrita por Celso Innocente


Capítulo 9
O Barbeiro da Família


Notas iniciais do capítulo

Desculpe a demora em postar novo capítulo.
Esta estória está com poucos leitores e por isso estou um tanto desanimado.



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— Quer dizer que você é mesmo um bruxo? Um mágico! Feiticeiro!

— Pelo meu tamanho não seria… uma fada?

— Fada é mulher!

— Venha comigo que vou lhe mostrar algo.

 

O barbeiro da família.

 

Arrastei-o para o quarto, onde, ao adentrar, pedi:

— Feche a porta.

Ele me obedeceu. Abri o guarda roupas, procurei no maleiro superior minha roupa de adulto, sentei na cama, ao qual ele sentou-se ao meu lado. Desembrulhei a roupa, apanhei meu aparelhinho guardado e mostrei-lhe:

— Já viu um desses alguma vez?

— Não! — Tentou apanhar.

— Ninguém nunca viu! Nem foi inventado ainda!

Liguei-o, que fez um barulhinho um pouco estridente, fazendo-o se assustar:

— É um rádio? — perguntou ansioso.

— Muito mais do que isso!

Assim que o aparelho terminou de ligar, em seu visor apareceu a foto de uma menina, modéstia à parte muito bonita. Cabelos castanhos longos.

— É uma moldura de fotografia? — arriscou Regis (já que decidimos que sou Arthur). — Colorida! Quem é ela?

— Minha filha! Tem doze anos de idade! Quando eu estava na praça, estava esperando por ela, que estava no dentista.

— Não pode ser sua filha! Não com você sendo um pivetinho!

Procurei entre os arquivos, mostrando a ele o trecho de um vídeo criado por mim mesmo com o título “como é ser pai de menino”. O vídeo mostra um adulto fazendo a barba com gilete diante de um espelho e um menininho de sete anos de idade ao seu lado, imitando-o, com o rostinho todo branco por espuma de barbear e um aparelho sem lâminas.

— Uau! — gritou ele. — Uma televisão com imagem colorida! Ninguém tem isso aqui!

— Fale baixo! — pedi, forçando-o. — Vai chamar a atenção dos outros.

— Que chique! Você deixa eu ver?

— Você sabe quem são os dois que estão no filme?

Ele negou com os ombros.

— Eu e meu filho do meio.

— Você tem aquela filha e este menino desse tamanho? — nem acreditou ele.

— Tenho três filhos! Este aí do filme já nem é mais desse tamanho! Está moço!

— E este cara adulto é você?!

— Isso mesmo!

— Quem filmou?

— Eu mesmo! Sei que nem vai acreditar! Você é de um mundo que não existe nem televisão preto e branco e eu venho de outro, onde posso gravar você com este simples aparelhinho.

Desliguei o vídeo, acionei a câmera do aparelho e apontando para o menino, gravei-o, que protestou:

— O que você está fazendo? Por que está apontando para mim?

— Tolinho! — Virei a câmera para nós dois em tipo self, fiz gestos com os dedos para ela, depois, dei um beijo irônico em meu eu.

— Sai de mim, owh! — protestou ele, limpando a face. — Parece bicha!

— Não sou bicha! — ri. — Eu posso beijar eu mesmo!

Desliguei a câmera e reproduzi o vídeo gravado, entregando o aparelho para que ele mesmo pudesse ver melhor:

— U…au! Podemos fazer um filme de verdade com isso!

Continuou assistindo até o final.

Peguei o aparelho dele, desligando-o completamente.

— Só temos um pequeno problema — aleguei. — A bateria é limitada e tão logo ela acabe não temos como recarrega-la, pois esqueci de trazer tal acessório.

— E se acabar a bateria ele não funcionará mais?

— Com certeza não! A menos que a gente consiga algum tipo de adaptação.

— Como?

— Adaptar e carregar na bateria de um carro, por exemplo.

— Esse aparelho é incrível! — se entusiasmou ele. — Em seu mundo existe mais deles?

— Milhões! Quer dizer… bilhões! Nem sei quantos existem!

— Ele tira foto também?

— Ele faz de tudo! Deveria ser apenas um telefone, mas acabou virando um tudo. Você sabe o que é um telefone?

— Claro! Tá me chamando de burro? Em frente a chácara da vó da Vila tem um lugar onde as pessoas vão para telefonar.

— Pois é! Este aparelho é um telefone…

— Cadê o fio? — interrompeu ele.

— Não tem fio! É um telefone que não precisa de fio!

— Então vamos telefonar… pra alguém!

— Não vai dar! — neguei. — Atualmente só existe este aparelho no planeta Terra. Suas centrais, seus satélites… ainda nem foram inventados!

— O que é… satélite?

— Já existe alguns no espaço. Mas em meu tempo existirá milhares. Funciona como se fosse um espelho. Você falará neste aparelho, sua voz subirá até a pelo menos quinhentos quilômetros de altura, o satélite refletirá sua voz de volta para a central própria que interligará você com a pessoa a quem você queira falar.

— Posso segurar?

Entreguei para ele e continuei:

— No meu tempo este aparelho ensinará a gente a viajar para qualquer lugar do mundo. Você só diz a ele aonde quer ir, entra no carro e ele vai te dizendo… a duzentos metros vire a direita… entre na rodovia tal e siga por duzentos quilômetros. Coisas assim.

— Acha! — não acreditou o outro menino. — Como ele sabe aonde você quer ir?

— Ele sabe muito mais do que isto! — ri convicto. — Se você falar pra ele assim… Regis Aparecido Albuquerque, ele dirá tudo sobre nós dois.

— Se tá é mesmo maluquinho da cuca! — não acreditou Regis.

— Não estou! Este carinha aqui faz muito mais coisa do que você possa imaginar. Ele também é lanterna. Veja.

Tornei a religar o aparelho, acionei sua lanterna, deixando o maninho maluquinho da silva:

— Uau! — gritou ele. — que manero, cara! Será que algum dia eu poderei ter um?

— Já tem! Afinal eu sou você!

— Você é eu, mas o aparelho incrível fica com você. Que graça isso tem?

— Esse carinha também consegue te dizer se hoje vai chover ou fazer sol.

— Me mostre.

— Não vai dar! Os satélites ainda não estão lá no alto. Porém, uma coisa ele já consegue fazer.

— O quê?

— Qualquer tipo de conta que você precisar.

Acionei a calculadora e lhe mostrei.

— Yho-rho! — gritou ele engraçado. —Me empreste pra leva-lo na escola?

— Não senhor! Quem tem que fazer suas contas na escola é você, não meu aparelhinho mágico.

— Se eu tivesse um aparelho desse, meus amigos iriam morrer de inveja.

— Pois é! E por falar nisso, pode ir pro seu banho, antes que acabe indo pra cama assim mesmo, fedendo.

Desliguei completamente o aparelho.

Ele forçou os braços, cheirando suas axilas e protestando:

— Não estou fedendo!

— Estou sentindo um fedozinho de xixi que vazou na cueca que nem usa! Cuide desse corpo ai, menino! Pro bem de minha saúde no futuro.

— Não faço xixi na calça!

— tornou a protestar.

— Só uns pingos de moleque que esquece de urinar, ou quando urina, se esquece de dar três balançadinhas.

— Você me ajuda a pôr água e levantar o chuveiro? É que eu não consigo!

— Pede pro papai.

—Você é meu aliado. Lembra?

É®Ê

Sábado à tarde, Regis acabara de chegar da escola com o irmão José. Nesta época Sábado é um dia normal, onde as pessoas seguem para seus empregos nas lavouras, comércio ou indústrias e as crianças para suas escolas, como qualquer outro dia da semana, com exceção do domingo, que sim, é o dia de ficar em casa com a família e ir principalmente para a missa (é a época também que mais de noventa por cento das pessoas no Brasil são católicos e que este número vai se alterar drasticamente para menos no futuro, pois a igreja católica teima em ser tradicionalista e as pessoas vão querer mudanças neste comportamento religioso).

Quando os dois meninos entraram pela porta da sala, encontraram papai com uma máquina de cortar cabelos nas mãos, uma toalha e uma cadeira já aos fundos do quintal.

Neste horário, a malvada maquininha já teria feito estragos nos lindos cabelos loiros dos dois filhos caçulas, deixando-os praticamente carecas, escapando dessa tortura apenas a Camila, por ser menina e… por enquanto eu, que estaria longe de casa, brincando sozinho na rua.

— Regis — chamou-o papai. — Guarde a bolsa e venha cortar o cabelo.

Sem dizer uma única palavra, o menino seguiu para o quarto, guardou o material no guarda roupas, tirou a camisa do grupo escolar e…

— Você vai deixar ele cortar seu cabelo? — interferi na decisão de papai, ao qual o menino apenas balançou os ombros, seguindo de encontro a seu martírio.

Eu, por ser ele, sabia o quanto o menino detestava ver seus cabelos caírem sobre seu peito nu, se aninhando sobre a calça curta por estar sentado na cadeira e depois de ser acariciado com os dedos indicadores e polegares, escorregarem para o chão para nunca mais voltar.

Apesar disso, ele obedecia o papai cegamente, seguindo como um bezerrinho para o matadouro e eu, ao longe, sentia piedade do pobrezinho.

Em poucos minutos, a maldita máquina, fazendo “caminho de rato” deixara o menino parecido com um verdadeiro soldadinho americano e o carrasco papai, com a cara de mais uma missão cumprida.

Regis, se levantou, limpou os fiapos de cabelos que permaneciam grudados em seu corpo, parecendo pedir socorro para voltar para seu devido lugar e papai seguira em busca do outro filho, que deveria estar escondido debaixo da cama.

Depois de encontra-lo preso dentro do banheiro, fingindo uma diarreia interminável, que teve que terminar assim mesmo, levando-o ao trono do sacrifício, em poucos minutos, também fazia parte da escalada de soldadinhos americanos.

Agora só restava eu e Leonardo, que nem havia chegado de seu trabalho na marcenaria.

— Agora é a sua vez, meu outro Regis — chamou-me ele. — O seu cabelo deve fazer um ano que ninguém põe a mão.

— Nós decidimos que meu nome é Arthur — insinuei. — Para que não nos misturemos.

— Uh rhum! Arthur! Gostei! — riu ele. — Pode se sentar, príncipe Arthur.

— Arthur não foi príncipe! — neguei para enrolar um pouco o tempo. — Ele foi rei e mosqueteiro.

— Com nove anos de idade com certeza não era rei! Sente-se.

— Não vou cortar os cabelos, papai! — neguei, embora um pouco assustado.

— Claro que vai! Tá parecendo um bugio!

— Não estou parecendo tal bugio! Meus cabelos estão curtos, bonitos e é assim que gosto deles! — fiz pequena pausa e caçoei. — E as meninas também!

— As meninas também o quê? — estranhou papai. Para ele, onde se viu um pivetinho falando em garotas!

— Elas também gostam de meus cabelos assim!

— Pra quê? Juntar terra e piolhos?

— Não vai juntar piolhos! — neguei. — Ajuntaria piolhos sim, se eu não cuidasse! Se não lavasse ou penteasse.

— Pare de enrolação e sente-se aqui! — ameaçou ele.

— Não vou cortar os cabelos, papai! Vou economizar este trabalho pro senhor.

— Você é mesmo mach… valentinho, não!

Arrastei Regis ao meu lado e pedi:

— Observe nós dois e me diga, quem está mais bonito?

— É claro que é ele! — foi incisivo o homem. — Cabelo igual de gente!

— Não é, papai! Ele não gosta de cortar os cabelos assim! — cutuquei o menino. — Fale pra ele, Regis! Pare com esse medo! Ele é seu pai, não seu carrasco! Se você nunca contar a ele o que você gosta, ele nunca vai saber!

O menino nada falou. Papai insistiu:

— Fale pra ele, Regis! Diga que assim seus cabelos parecem de gente!

— Não parece não, pai! — criou coragem meu outro eu. — Está feio! Um dia quero ver meus cabelos compridos.

— Pra quê? — ficou nervoso, papai. — Parecer uma mulherzinha!

— Não! Pra parecer um menino de verdade! Desse jeito eu pareço um… sei lá o quê!

— Tudo bem! — acho que aceitou ele. — Da próxima vez você me ensina como cortar seus cabelos!

— Papai — chamei-o. — O senhor pode cortar os cabelos das crianças. É necessário. Mas procure usar mais a tesoura e menos a máquina.

— Está certo! — concordou ele. — Sente-se aqui. Vamos fazer este teste.

— Não em mim! — protestei. Acha que eu seria sua primeira cobaia!

Ele já se retirava, levando consigo a cadeira.

— Papai — chamei-o, ao qual ele se voltou e eu arrisquei. — A gente precisava de algum dinheiro!

— Pra quê? Cortar o cabelo?

— Comprar coisas, papai! Principalmente roupas!

— Vocês têm roupas de montão!

— Não! Não temos! Cheguei aqui pelado! Estou usando roupas compartilhadas de Regis. Pra quem já quase nem tinha, ficou a zero. Têm dias que somos obrigados a usar a mesma camisa. Só tenho uma cueca. E ele não tem nenhuma!

— Pra que você quer cueca?

— Experimente o senhor ficar sem!

— Se acha mesmo um hominho?

— Sim! Eu sou hominho! Detesto ficar sem cueca! O mesmo que o senhor tem debaixo da calça eu também tenho. Apesar de ser um pouquinho menor, mas eu tenho e o Regis também tem!

— Ainda bem que tem! — Riu ele se afastando para a cozinha com a cadeira nas mãos. — Um pouquinho menor…


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Notas finais do capítulo

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