Através das barreiras do tempo escrita por Celso Innocente


Capítulo 21
O jantar está servido


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo também é narrado por dona Marcelina



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— Nada disso! — protestou meu filho, aparecendo na porta para a sala e me levando de volta ao sofá. — A senhora vai ficar quietinha aqui, paquerando estes dois… netos adotivos, enquanto o jantar é por minha conta. Até já estou preparando.

O jantar está servido.

Meu velho se levantou, foi até a cozinha e em dois minutos estava de volta com quatro copos tipo americano nas mãos. Dois dos copos estava pela metade com uma bebida marrom, os outros dois estavam com um quarto da mesma bebida, distribuindo-os entre nós quatro, ao qual, Arthur, sentindo o cheiro da bebida, insinuou:

— Canelinha!

— Você conhece? — especulou meu velho.

— Claro! A primeira vez que bebi isso, ganhei de um certo senhor irresponsável.

— Jura! — estranhou meu velho, acreditando que tais crianças sequer conheceriam tal bebida de leve teor alcoólico. — Quer dizer que vocês já beberam isso?

— Eu nunca bebi! — negou Regis, convicto.

— Uma vez um certo vovô irresponsável me deu um litro disso aqui de presente — alegou como metáfora Arthur.

Às vezes ele, o Arthur me confundia, em que eu soubesse se ele estava falando a verdade ou apenas brincando.

— Não acredito! — negou meu velho. — Quem foi o safado?

— O senhor saberá um dia. Não estando comigo, mas com meu irmão Regis — calou-se por um instante Arthur. — Daqui a algum tempo isto será considerado crime, mas não hoje! E também, meu maninho só vai tomar uma pitadinha igual a esta por dia.

— É! — analisei melhor. — Acho que meu velho nem deveria ter dado isso a vocês dois.

— Não se preocupe, dona Marcelina, papai nos dá um pouquinho de pinga todos os dias no jantar.

— É brincadeira sua, não é, Arthur? — me entristeci.

— Não é brincadeira! — negou o menino. — Mas não é por maldade. Ele alega que serve para abrir o apetite. E de fato, sendo controlado pelos pais, a gente não buscará por curiosidade com estranhos.

— Nosso pai não dá mais pinga pra gente! — negou Regis. — Ele parou de beber pinga!

— Parou?! — estranhei. Não que eu soubesse que tal homem bebesse pinga. Nem o conheço. Mas… geralmente quem costuma beber, não para com facilidade.

— É que o médico intimou ele, ou para, ou para. — riu de leve, Arthur.

— Como assim? — estranhou meu Manoel.

— Problemas no fígado — explicou Arthur. — Se ele continuar bebendo, morrerá muito antes da hora que Deus escreveu.

Poucos minutos depois, meu filho apareceu na porta, dizendo:

— Pronto! O jantar está servido! Mas os convidados só poderão comer se acertar o que é.

— Pizza! — insinuou Arthur, convicto.

— Como sabe? — estranhou o filho.

— Tenho nariz!

De fato, aquele agradável cheiro da pizza se alastrava por toda a casa.

Sentamos diante da mesa, na cozinha, que estava muito bem preparada, com pratos, talheres, guardanapos de panos, copos, refrigerantes e…

— Pizza, feito no forno à lenha! — insinuou Arthur, com satisfação. — Adoro!

— Você já comeu pizza outras vezes? — especulou meu velho.

— Já! Mas a no forno à lenha é muito mais gostosa!

— E você comeu pizza feito no quê? — estranhei.

— No fogão a gás! Ou no restaurante!

— É verdade, Regis? — perguntei ao outro garoto.

— Eu nunca comi isso!

— Como pode ser isso! — estranhou meu filho. — Seu irmão disse que já comeu várias vezes e você dizer que nunca comeu?

— Porque eu nunca comi mesmo!

— Vocês dois não moram juntos?

— Sim! — deu de ombros, Regis.

— Já sei! — ironizou meu velho. — Você não gosta de pizza e seu irmão adora!

— Eu acho que eu também adoro! — foi convicto, Regis. — É feita com queijo.

— Eu tenho certeza que você adora! — alegou meu filho, distribuindo entre todos nós, pedaços daquela delícia quente, com o queijo desmanchando.

Já íamos começar a comer, quando Arthur pediu:

— Não seria melhor, antes de começarmos a comer, fazermos um agradecimento?

— Como assim? — Estranhou meu velho.

— Ficamos em silêncio, prostramos as mãos, fechamos os olhos e… eu faço a oração. Se a dona Marcelina, que é dona da casa, não se opor.

— Não! — neguei convicta. — Fico honrada.

Confesso que nunca tínhamos feito tal coisa. Nem sabia de fato o que ele queria dizer com isso, mas obedecemos, e ele, com uma vozinha suave, quase inaudível, começou:

— Estamos felizes por estarmos aqui reunidos, pela primeira vez juntos diante desta mesa sagrada, desta refeição sagrada, na casa de pessoas tão boas, que nos cativaram com seu jeito de avós amorosos e seu filho, que embora a gente nem o conhecia, se prontificou a preparar esta refeição para nos alimentar. Agradecemos por estarmos reunidos e vos pedimos, abençoe sempre toda essa família, e a nossa também.

Meus olhos, os do meu esposo e creio que até o do meu filho se encheram de lágrimas. Acho que aquele menino era de fato um anjo. Pelo menos em minha vida ele se tornara meu anjinho sagrado. Com certeza era muito diferente de seu irmão. Eram gêmeos idênticos, mas muito diferentes. Regis era mesmo aquele menininho tímido, que às vezes se sentia perdido, enquanto Arthur sabia muito bem o que era amor, carisma, educação e até parecia um menino culto diante de nós.

Comecei a comer bem devagar, prestando atenção, primeiro em meu velho, que também comia com cautela, sentindo satisfação em ter aquelas duas criaturinhas junto de nós, depois nos dois meninos, percebendo novamente como eram diferentes, pois Arthur, sabia manusear os talheres e saboreava tal guloseima com jeito de quem de fato está adorando, mas não que seja nenhuma novidade, enquanto o irmão Regis, sequer sabia tomar os talheres por entre as mãos e comia aquilo como também está adorando e seja algo que jamais saboreara na vida.

— Está gostando, Regis? — perguntou-lhe o maninho.

— Adorando! Outro dia podemos vir comer mais?

— Calma! — riu Arthur. — Você só começou a comer, já está querendo ficar freguês?

Arthur tomou-lhe o prato e cortou todo o pedaço de pizza em cubinhos pequenos para facilitar para o irmão.

— Você nunca comeu pizza mesmo, Regis? — interferi.

— Nunca! Só queijos! Na casa de minha avó!

Era estranho. Meu filho tinha razão em contestar. Como poderia ser, se ele mesmo alegara jamais ter degustado tal guloseima, enquanto o irmão alegava ter feito mais de uma vez?

— No próximo sábado você volta pra gente comer mais. Tá bom?

— A senhora deixa!? — admirou-se o pequeno.

— Se eu deixo! — me emocionei. — Eu amo!

— Maninho — interferiu Arthur. — Existem pessoas boas e outras perigosas. Você, com seu jeitinho tímido, cativou o coração desses dois vovôs adotivos. Nunca se esqueça deles, pois são seus melhores amigos neste mundo, depois de sua família.

— Eu já sei disso! — alegou Regis. — Você já explicou isso.

— Ainda hoje, quando você for embora, eles já estarão com saudades e torcerá para que volte pelo menos um pouquinho, já no dia seguinte.

— Sim! Você disse isso!

— Como você sabe essas coisas todas, menino? — Especulou encantado, meu velho. Com certa vontade chorar.

— Não sei! — negou Arthur, franzindo os ombros. — Só sei que é isso mesmo.

— Você só errou um pouquinho — alegou meu velho. — Não é só o Regis quem cativou o coração desses dois velhos.

— Na minha lista de amigos, vocês estão em quarto lugar — alegou Regis.

— Quarto?! — Ri curiosa. — Obrigado! Podemos saber quem são os três primeiros?

— Primeiro é Deus! — Fez uma pausa. — É o primeiro mandamento de sua lei, amar a Deus antes de qualquer coisa.

— E quem é o segundo amigo, antes de ser os vovôs, maninho? — especulou, também curioso, Arthur.

— Minha família, é claro! — fez nova pausa. — Não é verdade, dona Marcelina? Meu pai… minha mãe…

— Com certeza é! — concordei.

— Quem seria o terceiro? — insistiu o irmão. — Revele este mistério.

— Você, seu bobo! — ironizou Regis. — O intruzinho chatinho de minha vida.

— Está certo! — Riu Alex. — Mas será que ele já não se encaixaria na segunda posição?

— É que sou o irmãozinho especial deste peralta — ironizou Arthur.

— Não sou peralta!

Assim que terminamos de devorar três entre as quatro pizzas e percebendo que mesmo as crianças já não queriam mais, meu filho tirou toda a mesa, a princípio com tentativa de minha ajuda, ao qual ele não permitiu e depois, Arthur também tentara lhe ajudar, ao qual meu filho forçou os ombros do menino para que continuasse sentado.

Uma vez a mesa toda vazia, Alex trouxe pequenos pratos e colheres de sobremesa, deixando os dois convidados curiosos.

Quando meu filho colocou o pirex de sobremesa no centro daquele “altar”, Arthur exclamou eufórico:

— Pudim de leite de coco! Adoro!

Como surpreender um menino desse!

— Já comeu desses? — Especulou-o Alex.

— Sim! É o que mais amo!

— Suponho que o irmão também nunca tenha comido!

— Não me lembro! — negou o outro menino. — Mas se é doce eu também amo!

Depois do jantar voltamos a nos sentar na sala de estar, onde ficamos até depois da nove horas da noite, então eu mesmo decidi:

— Vocês precisam ir embora.

— Precisamos mesmo — concordou Regis, se levantando com o irmão. — As portas em nossa casa se fecham as nove e meia. Quem estiver fora dorme do lado de fora.

Seguimos todos juntos, inclusive meu filho, até o portão da rua, onde ao nos despedir, meu velho insinuou:

— Vou acompanha-los até sua casa.

— Não precisa, senhor Manoel — recusou Arthur. — Iremos sozinhos.

— Não vou deixá-los irem sozinhos! Não sou tão irresponsável!

— Iremos correndo, brincando! Em um minuto já estaremos em casa.

— Nada disso! Brinquem outro dia! Irei com vocês.

— Nada disso, velho! — protestou meu filho. — Você fica aqui que eu acompanharei os meninos.

— Eu quero ir com eles! — insistiu meu velho.

É claro que queria! Até eu queria! Seria uns minutinhos a mais para desfrutarmos daquela sagrada visita.

— Está bem! — concordou meu filho. — Iremos nós dois!

— Não precisa! — negou meu Manoel. — Sei o caminho!

— Não sou tão irresponsável pra deixar meu velho andar sozinho por aí à noite! — riu Alex.

— Verdade! — Riu Arthur. — Pessoas mais velhas são como crianças, então se ele for sozinho conosco, depois eu terei que trazê-lo de volta, pois não serei irresponsável em deixa-lo voltar sozinho.

Com muita ternura se despediram de mim e se foram, me deixando, assim como profanou Arthur, com o coração doendo de uma saudade que não se acabaria, mesmo que eles ficassem a noite toda.

É®Ê

Na tarde de domingo, embora eu nem esperasse, ouvi um leve bater de palmas na rua. Meu coração parece que já adivinhou o que era. Corri para lá, acompanhado do meu velho, que então estava sentado no sofá da sala.

No portão, nos deparamos com eles, calças bem curtas, camiseta, descalços e todo sujos, como quem brincara bastante e que, ao nos ver, Arthur insinuou rindo:

— Oi, passamos pra deixar mais saudades!

Abracei-os de tal modo que não largaria nunca se pudesse.

— Onde estavam? — especulou meu velho.

— Brincando por aí! Vejam! Parecemos crianças! Não é? — Ironizou Arthur.

— É! — concordou meu velho. — Parecem mesmo! Ontem à noite até pareciam mocinhos com aquelas roupas de passeio.

— De que jeito acha que ficamos melhor? — ironizou Arthur.

— Com certeza desse jeito!

— Vê lá, velho! — protestei. — De qualquer jeito estarão muito bem! Não é a roupa que vai definir a criança!

— É que desse jeito somos mais peraltas! — riu Arthur.

— E você, Regis? — especulou meu velho. — Não fala nada?

— O Arthur não deixa! Mas garanto que gosto mais destas roupas!

— Eu também! — alegou Arthur. — Só acho que é muito curta!

— Vamos entrar! — Convidei-os.

— Não, obrigado! — agradeceu Regis. — É que a gente precisa ir!

— Outro dia a gente volta pra trazer mais saudades — ironizou Arthur.

— Enquanto isso ficamos com a saudade velha mesmo. Não é? — riu meu velho.

— Amanhã cedo estaremos juntos na olaria — alegou Arthur.

— Só este outro safadinho que sumiu de lá! — insistiu meu velho.

— É que… — se embaraçou Regis. — Ajudo minha mãe em casa, depois vou na escola.

—Vamos tomar um copo de refrigerante, primeiro — convidei-os, me lembrando que sobrara da noite anterior. — Depois vocês irão.

Claro que nenhuma criança recusa refrigerante. Sendo assim, os dois concordaram em perder mais um tempinho com esses dois vovôs do coração.


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