Através das barreiras do tempo escrita por Celso Innocente


Capítulo 2
Ansiedade


Notas iniciais do capítulo

Eis o capítulo que inicia de fato os acontecimentos.
Vou torcer para que goste dele.



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De repente me vi como em um redemoinho, porém sem vento, que não demorou nem cinco segundos e então me vi na mesma praça, em pé diante do mesmo banco de concreto que estava diferente.

Ansiedade

Meu corpo teria se encolhido para cerca de cento e dez centímetros de altura, com fisionomia de um menininho de seus oito ou nove anos de idade, dentro de uma roupa… gigante, que… minha bermuda de algodão caiu imediatamente até os pés e mesmo minha cueca tipo boxer de lycra chegou a escorregar até os joelhos e… só não passei o maior vexame de minha recente (cinco segundos) vida de criança, porque a camiseta de malha fria fez a função de um vestido, cobrindo minhas partes íntimas.

Ainda assustado e surpreso pelo desejo realizado, puxei imediatamente minhas vestes para o devido lugar. Desfiz os nós da bermuda, tornando a amarrá-la apertando minha cintura, onde, apesar de esquisita, serviu para o que de fato era sua função.

Percebi minhas sandálias tamanho 41, em meus pés que talvez usasse 27, tirando-as imediatamente, pois seria preferível ficar descalço.

Olhei tudo a meu redor e, estava de fato na mesma praça, embora um pouco diferente daquela em que estava a poucos segundos, se fazendo agora mais simpática, mais limpa, mais nova e muito mais bonita do que a do futuro. A diferença era que a fonte não jorrava água. Deveria estar apenas desligada.

Algumas pessoas passavam por mim e me olhavam curiosas, devido, principalmente minhas vestes, que, além de diferentes da que elas usavam, também de tamanho exagerado para uma criança.

Olhei para o prédio da esquina à minha frente e lembrei:

— Minha filha!

Ela não estava lá! Sequer o prédio era uma clínica odontológica, mas sim uma bela residência no formato da clínica. A rua não era de asfalto, mas sim de paralelepípedos e os carros, os poucos carros, muito diferentes: fuscas, charangas, sinkas, gordinis… charretes puxadas por cavalo.

Não sei se estava de fato encantado ou apavorado.

Já que o amigo ancião tinha mesmo o tal poder, por que não se prontificou a usar em seu próprio favor, levando-o de volta à sua infância? Ele disse que não tinha o que recordar de tal época encantada. E daí? Poderia voltar e consertar tais desventuras.

Puxei do bolso da bermuda meu aparelho… celular e o admirei.

Aproveitando-o, busquei o número em sua memória e liguei imediatamente para minha casa. Fiquei aguardando por mais de trinta segundos. Claro que ninguém atendeu! O aparelho sequer tinha sinal e eu nem tinha observado.

Me dirigi a um transeunte, perguntando:

— Por favor, senhor, em que ano a gente está?

— O quê? — Admirou ele por minha impetulância.

— É que… por favor! Não estou brincando! Que ano já estamos?

— Você bateu a cabeça? — insistiu ele.

— Não! É que… — pensei um pouco. — Ainda não sei direito e vai cair na prova. Que ano é agora?

— Mil novecentos e sessenta e oito.

— Ãh! Jura!

— Eu juro! Mês de Abril!

— Puxa!

— Boa prova. Mas é bom trocar de roupas — riu ele continuando seu caminho.

— Então é mesmo isso! Eu voltei no tempo e estou com apenas nove anos de idade! Mas espere um pouco! Minha mente não parece ter só nove anos de idade! Três vezes nove! Vinte e sete! Oito vezes nove! Setenta e dois! Trinta e um vezes dezesseis… — pensei um bocado. — Quinhentos e um! Não… — refiz o cálculo na mente. — Quatrocentos e noventa e seis…

 — Falando com seu amigo imaginário, garoto? — ironizou outro rapaz que passava por mim.

Não respondi. Só franzi o nariz, desligando o celular (desligando de tudo mesmo, já que não serviria pra nada) e guardando-o no bolso.

Qual será o desespero de minha filha ao não me reencontrar no local combinado? Acho que o senhor Pedro vai resolver isso por mim. Afinal ele tomou a chave de meu carro e, com certeza ele não dirige. Acho que nunca teve uma habilitação para ser motorista. Com certeza ele pedirá à menina para telefonar para sua mãe ir busca-la no dentista (ou será vir busca-la? Afinal ela está neste mesmo local).

E o que eu faria agora? Ficar ali plantado naquela praça aconchegante, com aquela enorme roupa e as sandálias nas mãos não iria adiantar de nada. Voltar para minha verdadeira casa com minha família também não daria, pois… aonde morava até a poucos minutos com esposa e três filhos, sei que ainda existe o lugar, mas… até a casa é completamente diferente e com certeza não é minha.

O jeito é ir de fato para a casa que de novo volta a ser a que devo morar. A casa de meus pais, em um bairro afastado na cidadezinha e que até então só era habitada por minha mãe, com oitenta e quatro anos de idade e meu irmão caçula, com pouco mais de cinquenta.

Passei a andar até que depressa, querendo correr mesmo, como a maioria das crianças fazem quando parecem ansiosas para chegar logo. Ainda mais que a caminhada era um pouco longa (cerca de três quilômetros) e que, algumas pessoas, que ao invés de cuidar da própria vida, ficava me olhando com jeito de zombaria ou mesmo piedade, por ver menino tão pequeno com roupas tão gigantes. Para seus olhos, seria eu um menino abandonado?

Rapidamente cheguei diante da linha férrea, no momento exato a dar passagem, além de ficar encantado ao reencontrar uma linda Maria Fumaça, que passava naquele momento, com seus poucos vagões cargueiros carregados de toras de eucalipto, fumegando e apitando, seguindo lá para os rumos do Mato Grosso (que então não era dividido em dois estados).

Sua passagem foi pior para mim, pois enquanto isso um grupo maior de pessoas, na maioria de bicicletas, se amontou naquele local e todos, principalmente adultos, continuavam me olhando com seus olhos sarcásticos.

Uma mulher negra, já de seus sessenta anos de idade, se aproximou, puxando-me pela camiseta, dizendo carinhosamente:

— Menino, quer ir comigo à minha casa? É pertinho daqui e eu arranjarei uma roupinha de meu neto que vai servir direitinho em você.

— Não! Obrigado! — neguei com sorriso. — Gosto muito dessa.

Como ela achou estranho minha recusa, fiz o que nenhum adulto resiste como carinho: dei-lhe um beijo de agradecimento em sua face cansada pelo tempo.

Assim que tal trem se foi, atravessei rapidamente para fugir… das pessoas e me encantei com o famoso embarcadouro municipal, lotado de bovinos condenados a serem levados nem sei para onde, em que se transformariam em alimentos para a sobrevivência de minha espécie cruel.

Depois de duzentos metros, dobrei à esquerda às margens do pequeno rio Maria Chica, em uma pequena trilha repleta de pés de mamona, onde, até agora a poucos instantes era formada por duas avenidas asfaltadas que seguia até à rodovia.

Apesar de ser local cheio de mato, foi bom eu ir por ali, pois, além de ser local divertido para um menino de minha recente idade, eu ficava livre dos curiosos, pois não encontrava ninguém, salvo pouquíssimos meninos, que sequer se preocuparia se eu estava bem ou malvestido, com roupas de criança ou adulto, ou mesmo que estivesse pelado. Todo mundo sabe que menino não tem tempo para estas baboseiras. Gastam seu precioso tempo brincando.

Depois de quinhentos metros, que demorei mais de quinze minutos para andar, devido me encantar com tudo, principalmente as águas agora calma e limpa, além de um pequeno largo represado atrás da fábrica que produz papéis, daquele pequeno rio que corta toda a cidade, tornei a virar à direita, subindo por uma trilha, por onde a cinquenta anos no passado, eu mesmo, com meus irmãos mais velhos e muitos amigos, passávamos sempre, ao vir nadar pelados, escondido de nossas mães.

Do lado direito, onde a meia hora atrás, além da fábrica de celuloses, também estava repleta de casas, já até antigas, agora só existe a mesma fábrica, que então usa papéis reciclados como matéria prima.

Me deparei com a encruzilhada arenosa, formada pela junção de três ruas distintas (seis pontas), onde muitas noites (neste tempo que estou agora) nos deparávamos com coisas de saravá, ou os famosos despachos com garrafas de pinga, galinha preta e outras babaquices que o povo criava para fazer maldade para outros ou enfeitiçar e conquistar a mulher amada.

A partir de então meu coraçãozinho encolhido dentro do peito pequeno batia descompassado, acelerado, assustado e só mais dois minutos caminhando rápido, estava em frente à casa de minha mãe, que certamente voltava a ser a minha casa.

Devagar abri o portãozinho de ripas feito por meu pai e ainda sem saber como agir entrei lentamente, sabendo que me depararia principalmente com ela e meus irmãos menores: Camila de oito, Rafael de seis e Alex de quatro anos de idade.

Estranhamente não encontrei nenhum deles, o que foi até bom. Segui para o então meu próprio quarto, que na verdade era repartido com os irmãos José de doze anos e os dois caçulas. Me despi rapidamente daquelas roupas longas, abri o guarda-roupas, remexi encontrando uma camiseta listrada, uma calça curta azul, aliás curta até demais, que embora eu soubesse que era minha, parecia ser de meu irmão caçula e… por mais que fuçasse, nada de encontrar uma única cueca que fosse minha.

É®Ê

De repente, minha mãe, cinquenta anos mais jovem do que a menos de uma hora, muito bonita, apareceu na porta de entrada do quarto, me fazendo, surpreso, assustado, camuflar imediatamente meus genitais com as mãos, ao ouvir ela perguntar surpresa:

— O que você tá fazendo aqui?

— Aqui é meu quarto! — ainda com as mãos protegendo minha timidez, dei de ombros. — Não é?

— O que você está procurando ai?

Pensei um pouco e concluí:

— Uma cueca!

— Você nem usa isso!

Acho que ela tinha razão. Mas…

— Preciso usar!

— Por que isso agora? Tá ficando hominho?

— Todo mundo usa uma cueca!

— Vou providenciar. O que você tá fazendo aqui?

— Vestindo roupas! Pode me dar licença?

— Não posso! Tá com vergonha de me mostrar o quê?

— Sou homem! Preciso me vestir!

— Homem que até outro dia andava o dia inteiro pelado, agora tá com vergonha de sua mãe!

— Eu já cresci! Não?

— Até outro dia era eu quem lavava a sua bundinha magra. Não vou sair daqui! Pode se vestir. E logo — riu ela. — Porque você não está protegendo seu negocinho. Só está esticando ele.

Então percebi que, involuntariamente, enquanto conversava surpreso, minha mão estava de fato esticando…

Como não tinha jeito e realmente me recordando de que eu era então só um menininho inocente, o jeito foi apanhar a calça curta que teria jogado sobre a cama e antes de vesti-la, apontei para minha mãe, reclamando:

— E esta calça? Não poderia ser um pouco mais comprida? Usar isto, ainda mais sem cueca, corro o risco de sem querer me exibir peladão pela rua. Principalmente quando sentado.

— Vista isto logo e me diz o que está fazendo aqui?

— Aqui é minha casa. Não! — vesti a pequena e apertada calça, observando-a com certo desconforto em meu corpo.

— Pare de se fazer de idiota e me diga logo porque não está na escola!

— Na escola!? — puts grilo, nem lembrei disso. — É que… eu… saí mais cedo!

— Você saiu mais cedo!? — não acreditou nadinha ela. — Só você, o pequeno príncipe saiu mais cedo?!

— Sim! Quer dizer… — eu nem sabia o que dizer. — Não sou pequeno príncipe! Quer dizer… sou o pequeno príncipe da senhora…

— Claro que é! — riu ironicamente ela. — Só que se esse meu belo príncipe não explicar muito bem o que está acontecendo, vai levar uma belas varadas nas pernas nuas.

— Não, mamãe! — assustei-me de verdade. — A varinha verde não! Por favor! Não sou mais criança pra isso!

— Pare de enrolação e me fale logo o que você tá fazendo aqui em casa na hora de aulas?

— É que… eu estava com dor de cabeça e pedi pra professora deixar eu vir tomar um remédio.

— E com certeza ela deixou! — não acreditou ela. — Você sair por três quilômetros da escola pra tomar um remedinho pra sua dorzinha de cabeça e depois… de trocar de roupas… vai voltar como um santinho pra lá!

— Sim! — insinuei de jeito tão inocente que acho que até eu achei engraçado. Menos minha mãe.

— Espere que vou dar um jeito em sua dor de cabeça.

Correu para o quintal em busca da malvada varinha de guanxuma.

 Vesti a camiseta que estava sobre a cama e fui ao encontro dela, protestando:

— Mamãe, eu não vou deixar você bater em mim! Não quero que me machuque com varadas cruéis!

— Eu sei que não vai deixar! Mas eu vou te pegar e se tentar fugir apanha ainda mais.

— Tchau, mamãe! — ri, embora de jeito assustado. — Estou indo para a escola.

E saí praticamente correndo de minha casa. Só não sei o que iria fazer então. Claro que não voltaria para a escola! Nem tinha saído de lá!

Mas então… espere! Eu acho que iria me deparar com outro pequenino problema. Se eu não tinha saído da escola e deveria estar lá, isto implica que…

Não! Dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço! Esta é a lei da física.

Eu estou aqui! Eu sou o eu! Não importa de onde eu vim, mas sou único. Não há, como a gente vê nos filmes, onde pessoas voltam ao passado e reencontra seu outro eu.

Não entrei em nenhuma máquina do tempo para voltar ao passado. Se assim fosse eu continuaria sendo adulto e ai sim eu correria o risco de encontrar meu outro eu. Mas em meu caso especial não; eu vim por um desejo mágico de volta para minha infância.

Já que a preguiça de ir até à escola que estava a quase três quilômetros de minha casa não permitia, o jeito foi ficar perambulando pelas ruas circunvizinhas até por volta das cinco horas da tarde, quando me depararia com outras crianças que teriam saído então do grupo escolar, meia hora antes disso.

Neste horário então, resolveria como me haver com minha brava mãe. Quem sabe até lá ela se esqueceria de minha suposta arte e teria jogado a varinha fora.

Foram quase duas horas de espera, até que percebi poucas crianças, com uniforme e bolsa escolar caminhando por nosso bairro.

Agora seria a hora de enfrentar novamente minha “ferinha” em forma de mãe.

Mas, espere! Quem vem lá?


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Notas finais do capítulo

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